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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2004-09-30


Lodaçal. Disse o senhor ministro da Justiça, “há reformas que carecem de consenso e o Governo aposta de boa-fé nesse consenso, seria bom para credibilizar o sistema”. Bonita a conversa, mas, subsiste uma dúvida, o que é que raio de bom para credibilizar o sistema pode oferecer o lodo? Nicky Florentino.

Referência



Um rasto de vida. Veio carregada de luto, face congestionada pelo calor. Com a sua entrada percebeu-se o fim do mercado. Assomou ao balcão. Pousou o cesto saloio no chão, coberto por um pano bordado de cores garridas, vivas, sem qualquer ovo. Vendi-os todos, senhora, informou a velha. Ainda bem, responderam-lhe de trás do balcão. E o que vai ser?, o que deseja?, perguntaram à velha. Olhe, é uma cervejinha, se faz favor, um cervejnha preta - faz menos mal, diz o meu neto -, para matar a sede, disse a velha. A garrafa foi colocada sobre o balcão, junto um copo. A velha recusou o copo. Sorveu a cerveja em dois largos tragos. Pegou num lenço engelhado, limpou os lábios e, depois, humedeceu-os com a língua. Quanto é?, minha senhora, perguntou a velha. Pagou, pegou no cesto, tenho que ir apanhar a camioneta, disse, e saiu, deixando um rasto de vida que a idade e o luto não lhe deixavam suspeitar. Segismundo.

Referência



Diálogo sobre a pipa apocalíptica. Leste o IHT? Eu não leio o Herald Tribune, leio o Público. O teu mundo é muito pequeno, não é? Não, é muito paroquial. Segismundo.

Referência



O cronista exemplar. O Filipe já está em Madrid, a cronicar. Perto, alguém, retido na pátria, interroga-se por que é que a puta da vida - embora a vida escassa ou nenhuma responsabilidade tenha no caso - não lhe permitiu estar com ele, lá, em Madrid, seja a relativizar, seja a esplanar. A resposta não é bonita. Segismundo.

Referência



Manifesto. Rui, se suspeitasse por um instante que essa intenção fosse menos do que um enunciado de cinismo, sentir-me-ia impelido a dizer-te está mas é quieto. A bem da salubridade da ordem e do cosmos, é preferível que fales dos enganos. Segismundo.

Referência



Não escrever. Estou a escrever para não escrever-te. Apenas para dizer a mim mesma que a porta do quarto ainda está aberta e o meu corpo permanece inodoro e indolente. Arde-me a espera, arde-me um fogo que me esgota as demais sensações. Mas espero livre, de vontade. É esse o bálsamo que consigo. Não digo o que quero. Quero dizer o teu nome, ouvir a tua voz e os teus silêncios. Mas não insisto. Vou. A vida não espera. Até logo. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

Referência



Sinais. Quase já esgotei o último do Tom Waits, sem o partilhar. É o meu segredo. Mas sofro a distância. A varanda está vazia. A varanda está fechada. Não consigo olhar o rio. Estou a ler Pavese. Cito-te a primeira frase de um poema:
Verrà il giorno che il giovane dio sarà un uomo
senza pena, col morto sorriso dell’uomo
che ha compresso
.
Não traduzo. Estou cansada. Vou dormir. A porta do quarto fica aberta. Sei que não vens, mas é um sinal para ti. A porta do quarto fica aberta, repito. E vou tomar apenas uma almofada. A outra fica vaga. É outro sinal para ti. Agora vou apagar o candeiro. Boa noite. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

Referência



Arbeit Macht Frei. Diferente do risco de vida, não havia qualquer propósito naquele trabalho. Não era por isso um trabalho. O complexo era composto por sete linhas, cada uma com onze enormes serras, com discos de dentes afiados e pastilhados. A distância entre as linhas era mínima. A distância entre as serras também. Os enormes discos tinham uma rotação extraordinária. Quem lá trabalhava limitava-se a alimentar as serras com a madeira providenciada por via de um extenso sistema de tapetes rolantes. Poderia dizer-se que o que se produzia ali, naquele complexo, era serradura. Mas a tal produto, o único que resultava do labor dos homens, não era dado qualquer escoamento para o mercado. Não obstante, o complexo não parava. Existiam quatro turnos de seis horas cada e durante cada um desses períodos os homens limitavam-se a transmutar a madeira em serradura. Mesmo quando ocorriam acidentes, o que quase sempre significava que alguém tinha sido tolhido e, parcial ou plenamente, destroçado pelos discos, o complexo continuava a operar com normalidade. Se alguma máquina, por qualquer motivo, deixava de ter o seu operador, imediatamente era accionado um esquema de segurança e, de modo pronto, era colocado um outro homem no lugar vago. Fazer sofrer, estropiar, matar, parecia ser o único objectivo daquele negócio. E, de facto, era. O Marquês.

Referência

2004-09-29


Deputar. Um dos exercícios preferidos pelas criaturas com assento no parlamento é a revisão da Constituição da República Portuguesa. Preferem as revisões revisionistas, as grandes, mas não descuram as revisões cirúrgicas, as de pormenor. Na prática, tais revisões são percebidas como um forma de jogging para o juízo. Compreende-se por isso que o senhor dr. Guilherme Silva tenha dito, “a revisão extraordinária da Constituição para que seja possível referendar o tratado de Constituição da União Europeia é uma questão que está a ser ponderada dentro do PSD”. A revisão constitucional é um entretenimento como qualquer outro. Nicky Florentino.

Referência



Símios e galhos. Disse o senhor dr. Paulo Portas, “não tenho nenhuma intenção de ser sucedido e o dr. Pires de Lima suponho que não tenha nenhuma intenção de deixar de ser presidido”. Por outras palavras, o que disse o senhor presidente do CDS/PP é que ele não sai do galho e que o outro não deve ter veleidade de alcançar o dele. Ou espera. Ou fica quieto. O dr. Portas é uma espécie de macho dominante. Está para reinar. Em todos os sentidos. Nicky Florentino.

Referência



Lonjuras. A hipótese de candidatar a senhora Maria Alzira Lemos à presidência do PS implicava que tal candidatura tivesse o endosso de pelo menos setenta e cinco assinaturas de delegados ao congresso da congregação socialista no próximo fim-de-semana. Aparentemente tal cláusula a nada obstava. O senhor dr. Manuel Alegre, proponente da dita candidatura, lograra a eleição de aproximadamente cento e quarentas cabeças como delegados ao referido congresso. Acontece, porém, que as coisas se complicaram. Com muitos desses tais delegados se encontravam fora de Lisboa, não foi possível reunir o rol mínimo de assinaturas necessárias. É que, como se sabe, Lisboa fica muito, muito longe de Portugal. E, para além disso, a distância entre uma e outro não muda para menos apenas porque é necessário acrescentar uma assinatura numa lista de tristes. Nicky Florentino.

Referência



Semear a inveja. Arde-me a liberdade de esperar por ti. Arde-me por confiança, não por esperança. Mas arde-me. Arde-me nas mãos, no peito, nas coxas, arde-me em todo o corpo, na minha nudez. Sinto palpitações nos meus seios, um tumulto no meu ventre. Não finjo. Por isso prefiro não chamar desejo a esta liberdade de espera incendiada. Chamar-lhe desejo faria de mim cativa de uma ausência, de um fantasma. E cativa não quero ser. O que eu quero não digo. Quero a tua boca, os teus braços, as tuas mãos, os teus dedos a alagar-me o corpo. Quero muito. Mas não digo. Espero por ti, livre, solta, como gostas de dizer. Espero. Espero porque também sou possessiva. Espero porque quero. Espero porque te quero. Espero porque querer-te, como eu te quero, faz-me sentir livre, solta, capaz de me dar. E dou-me para ser querida. Como tu és, por não seres, querido. Agora, desculpa - sei que estás longe -, vou para o São Jorge, encontrar-me com o Thor Fridrikson. Não posso esperar mais. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

Referência



Estranho modo de dizer a ausência. A última coisa que nos acontece é o corpo, o corpo estranho. Sinto o meu a entardecer sem a tua promessa presença. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

Referência



Tom Waits antes do tempo. Ela, o que é que te diz Real Gone? Ele, diz-me que vou ter que esperar. Ela, não, não terás que esperar. Ouve. Ele, passado alguns instantes, já? Ela, já, é para ti, vem. Ele não foi, ficou com a inveja. Segismundo.

Referência



Resort de ausência. Não sei recuar no desejo, no desejo que sinto. Arde-me. E não consigo desaprender-te dos meus olhos. Sinto-me a cegar. Hoje, por exemplo, depois de ver o espelho da casa de banho embaciado, procurei-te, mas não te encontrei. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

Referência



Amor de pai. Um pai concebeu um filho com um único propósito, que esse filho fosse supliciado e, por si - o pai -, através da lancinante dor sentida - pelo filho -, fossem redimidos os pecados, todos, do mundo. Não há prova de amor paternal maior do que esta. Fazer com - mais do que permitir - que um filho sofra por e para um pai e os outros. Aliás, chamar a salvação do mundo ao flagelo e aos padecimentos do filho é apenas uma forma de engrandecer o gesto do pai, não o sofrimento do filho. O Marquês.

Referência

2004-09-28


A vontade como representação. É um mistério, mas não faz mal. O Governo fez as contas e estimou as necessidades da pátria para dois mil e quatro, oito mil e quinhentos trabalhadores estrangeiros. Nem mais um, nem menos um, ditou a vontade dos que se fiam nas tenebrosas engenharias políticas de controlo e higienização dos colectivos. Candidataram-se às ditas vagas sessenta imigrantes. Três obtiveram o pretendido visto de trabalho. Os outros, compreende-se, como não são cifras estatísticas, é como se não existissem. Ou isso ou têm vergonha. O que também é compreensível. Pois deve emigrar-se de Portugal, não imigrar-se para Portugual. Cá, na pátria, a desgraça monta a tal tamanho que até as distopias laboriosamente congeminadas acabam por colapsar. É por isso que, perante estes factos, o senhor dr. Paulo Portas há-de parecer um Calimero. Mas sem a meia casca de ovo na cabeça, o bisonho. Nicky Florentino.

Referência



O senhor está no meio de nós. O senhor bispo do Funchal teceu loas e hossanas em honra do senhor presidente do Governo regional da Madeira. Este retribuiu. Tudo aconteceu no altar da igreja dos Álamos. Deus consentiu por um único e imediato motivo, não existe. Ou isso ou distraiu-se, como é usual. Nicky Florentino.

Referência



Diálogo com assentimento. Adrenalina? Não, cocaína. Isso faz-te mal. É por isso. Segismundo.

Referência



Maldita. Voltou ao veneno, como se fosse um velho hábito, um vício. Não viu ainda veados a comer coelhos. Viu apenas substituições disso. Viu assombrações, espectros, véus diáfanos agitados, como se fossem do vento. Viu o perfil distorcido dos carros, observados do nono andar. Viu os néons cintilantes, como se estivessem no bordo da retina, urgente e intensamente reflectidos. Viu a indolência nos seus gestos, a voz áspera e lenta, insubmissa. Viu a manhã a chegar e a fazer o rio novo. E viu o sangue, o seu sangue, sem se inquietar. A inquietude aproximou-se depois, tomou-o, depois de a consciência lhe ter regressado. Amanhã vai ser diferente, desejou ele. Mas não vai ser. Ele vai tornar a cair na tentação. Ele vai regressar ao erro a que voltou. Segismundo.

Referência



À espera de Tom Waits. Ela, Elvis Costello? Ele, sim. Ela, os dois? Ele, sim. Ela, fica a faltar, agora, o Tom Waits, não é? Ele, é. Ela, e tu? Ele, também, tenho que ir. Segismundo.

Referência



Princípios. Este amor começou com um silêncio teu, com um silêncio dos teus, sobre Yeats ou cummings, não sei, disse ela, mas a paixão, a paixão, essa, começou quando me deixaste sentar ao pé de ti no cinema, naquele dia em que na sala estávamos só tu e eu. Segismundo.

Referência



Jogos florais. Flores?, são para mim? Não, são para a jarra. Mau! Eu sei. Segismundo.

Referência



O pai mau. Deus é uma criatura incapaz de olhar os outros nos olhos. Por isso, um dia, colérico, por ser cego, decidiu inventar uma gramática para os comportamentos, dividindo-os em duas categorias, as virtudes e os pecados. Para os pecadores exigiu o opróbio e o castigo, a expiação da culpa e dos erros pela dor. Aos virtuosos enganou-os, fingindo que a vida lhes seria fácil e prazenteira. Desde o dia em que foi promulgado o decreto que distingue a virtude do pecado não mais as mulheres e os homens ousaram ser felizes. E do seu terraço sideral, mesmo sem ver, o deus cruel alimenta-se das dores, dos que sofrem. É esse o seu maná, o seu pão de cada dia, e nenhum outro. O Marquês.

Referência

2004-09-27


Peneira. O senhor primeiro-ministro ordenou a emissão de um comunicado a desmentir a existência de desarticulação no âmbito do Governo. Não era necessário induzir o engano. Em política, a evidência tende a dissolver-se. É uma questão de tempo. E, depois, o sol brilhará. Nicky Florentino.

Referência



Más companhias. Disse o senhor Narciso Miranda, “a minha disponibilidade é total para que o PS seja o factor de esperança para os cidadãos que estão frustados com os resultados da política de direita liderada pelo PSD”. Se houver quem não esteja habituado, o melhor é fugir. Ou emigrar. Para longe. Para a sombra. Nicky Florentino.

Referência



Antídoto pior do que o veneno. O senhor dr. Manuel Alegre entende que, no concurso para senhor secretário-geral do PS, aconteceram “votações que não são normais”. E acrescentou, “isso deve-se a situações que é preciso alterar profundamente no PS: fidelizações, clientelismos”. É bonita a conversa. Mas alterar profundamente tais situações é liquidar o clube, é tornar o partido político numa seita sob escombros. Não pode ser. Nicky Florentino.

Referência



Passe-partout. No passado sábado, na primeira fila do friso que aplaudia o novo senhor secretário-geral do PS estavam o senhor dr. António Costa, o senhor Armando Vara, o senhor dr. Capoulas Santos, a senhora dr.ª Edite Estrela, o senhor dr. Jaime Gama, o senhor dr. Jorge Coelho, o senhor dr. Miranda Calha, o senhor dr. Sérgio Sousa Pinto, o senhor dr. Vitalino Canas. Às tantas, na homilia da circunstância, o senhor eng.º José Sócrates clamou, “o PS está pronto para liderar uma mudança política em Portugal e essa mudança começa hoje”. Vê-se. É por isso que não se acredita. Nicky Florentino.

Referência



Mon amour. Cite-se o senhor Prof. Doutor Mário Pinto, “nós podemos nem sempre ser capazes de corresponder ao que é justo e digno. É a nossa desfalecência, que pede compreensão e remédio. Mas não é por isso que a fidelidade matrimonial merece desprezo e o dever de fidelidade conjugal é risível. É a própria dignidade pessoal de quem casa, e daquele com quem casa, que sobre a promessa não cumprida lhe pede vergonha, e não risos. Ninguém é obrigado a casar-se; mas, se o fizer, tem de o fazer digna e seriamente. É esta a lei e são estes os bons costumes”. Não, não são os bons costumes. Se bons, mesmo se bons, foram costumes. Apenas foram, se foram, os bons costumes. Hoje, os costumes, os bons e os maus, são outros. Não casar, por exemplo, é um deles. E casar como quem não casa também. Pois acontece que há o desamor, a traição, o engano, o desengano, a desilusão, a paixão, motivos justos para o divórcio, para a liberdade. Segismundo.

Referência



Pendular. Adeus, vou. Adeus, vai, iô-iô, e regressa. Não sei. Eu sei, espero por ti. Segismundo.

Referência



Idílio sobre sms. Ele recebeu uma mensagem,
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96... (número estranho, não registado no telefone dele)
Tua, aproxima-te.
Remetente:
+35196...
Transmitida:
27-Set-2004
05:02:47
leu-a, escreveu algo mais, pouco, no computador, não demorou, desligou-o, dirigiu-se para a sala, apagou algumas da velas distribuídas pelo chão, deixou acesas apenas cinco, deitou-se sobre os cobertores felpudos, olhou-a, chamaste-me?, perguntou-lhe em sussurro, sim, respondeu ela, fica comigo, agora, pediu-lhe, ele ficou, ela despiu-o, ela despiu-se, envolveram-se num dos cobertores, sem se abraçarem, cada um com a sua almofada, ficaram apenas a sentir os corpos próximos, o vão entre eles, até que ela se aproximou do ombro direito dele, depositou aí a sua cabeça, protege-me, disse, e ele recolheu o braço sobre as suas costas, abraçando-a e emprestando-a ao sono, sob o embalo de Baby Dee,
What was it I knew then
That I let myself forget?
Wasn’t my sunrise you then?
And isn’t this my sunset?
Shouldn’t you have a morning?
Shouldn’t you have a dawn?
Shouldn’t you have a sunrise?
Shouldn’t you have a song?
You can forget me
But forget your sorrow too.
How can my heart let me,
Let me let go of you?

enquanto o vento, autorizado pela janela aberta da varanda, entrava a rasar o chão, mas não encontrava os corpos, por estarem disponíveis apenas um para o outro e para o seu engano, o único, ali. Segismundo.

Referência



Arrependimento. Ela, vem, descobre-me. Ele, mas já sei quem tu és. Ela, enganas-te. Ele, eu sei. Ela, sou outra. Ele, sim, eu sei. Ela, como é que sabes?, se admites o engano. Ele, porque estás nos meus braços e eu já te vi repetida nos meus olhos. Ela, és estranho. Ele, é por isso que eu estou aqui. Ela, que estás aqui para me descobrir? Ele, não, para ser estranho. Ela, vais arrepender-te. Ele, já me arrependi. Segismundo.

Referência



Antes da fuga. Voltaste? Sim, voltei. Para mim? Não, para fugir. Quando?, agora? Não, amanhã. Anda, então, é urgente. Eu sei, foi por isso que voltei antes da fuga, depois vou fugir-te. Foges, mas depois voltas. Volto para poder fugir novamente. Eu sei, mas voltas sempre antes da fuga. Segismundo.

Referência



Kiss. Gosto de imaginar outros possíveis. Porquê?, porque é um caminho para o engano que me faz regressar às coisas simples e estúpidas. Disse ele. Segismundo.

Referência



Como Tomé. Ele, mostra-me a tua mão. Ela, para quê? Ele, para te dizer que sei, para te dizer que sabia. Segismundo.

Referência



Continuação. E ao décimo quarto dia sobre a confissão e a confirmação – os factos, os indícios e os testemunhos são anteriores – nada mais há a dizer. Excepto o fim, declarar derradeiramente o fim. Pois cada gesto pode inaugurar uma nova sequência da vida. E o próximo princípio, esse, já começou. Começou antes daquele gesto, o último. O gesto que faltou. Segismundo.

Referência



Tatuagem noir. Sinto-te como se estivesses gravado em mim, marcado na minha carne, sabes?, disse ela, enquanto uma lágrima furtiva lhe desenhava o rosto. Sabes por que é que não digo que te amo?, porque poderia acreditar nisso e enganar-te como tu me enganaste, disse ele. Segismundo.

Referência



Leituras. Leste O Deus das Pequenas Coisas?, perguntou ele. Ela, com cinismo, respondeu não, li The God of Small Things. Ele perguntou depois e leste o Sete Mares e Treze Rios? Ela confirmou, não, li o Brick Lane. Segismundo.

Referência



Para além do fim. Acreditas que a amizade sobrevive ao desamor?, perguntou. Perguntas por dúvida? ou por descrença?, quis ela saber. Pergunto por ironia, respondeu ele. Acredito, disse ela, pois, se houver memória, o desamor é ainda um vestígio do amor que foi, é uma forma da sua presença. Mas também pode ser uma forma de iludir a culpa, explicou ela. A culpa?, nisto não há culpa, pretendeu ele. Às vezes há, disse ela. Segismundo.

Referência



Eixo Norte-Sul. Fila de trânsito. Provavelmente um acidente, pensou ele. Depois da demora, confirmou ele nos pensamentos, foi acidente. A fila arrastava-se lentamente, um ritmo diferente do habitual. No horizonte, não havia vislumbre das forças de segurança. Não havia indício dos bombeiros. Nenhuma sinalização luminosa. Mais adiante a constatação. O aparato era evidente. Destroços espalhados sobre o asfalto. A sinistrofilia dos condutores vertida em voyeurismo. Alguns deles chegavam mesmo a estancar o veículo para, por regalo, mero regalo mórbido, poderem observar a cena, testemunharem o sangue, a desgraça, a morte na estrada. Neles, nos seus gestos, não se percebia a mínima intenção de socorro. Apenas a vertigem do espectáculo. De que eles queriam ser espectadores, ávidos espectadores. Segismundo.

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Luta de classes. Boa tarde, disse ele em empréstimo de simpatia ao lugar. O outro não se comoveu. Levantou-se e, sem nada dizer, cravou-lhe repetidamente no peito a chave para parafusos com cabeça fendada que, antes, imediatamente antes, utilizara na reparação da canalização do loft dele. O Marquês.

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2004-09-26


Reflexo condicionado. Disse o senhor Miguel Relvas, “José Sócrates é um político da ficção que acredita mais no cenário do que no conteúdo”. Poderia dizer isto também do senhor presidente do PSD. Ou até de ele mesmo. Mas não disse. Por um motivo singelo. A devolução custar-lhe-ia. Nicky Florentino.

Referência



Razão e aproximação. Título da edição de hoje do Público, “José Sócrates ganha PS com mais de dois terços dos votos”. Primeira frase do lead ou coisa do género, “Novo secretário-geral do PS foi eleito com mais de setenta e cinco por cento dos votos”. Poderiam ter escrito no rubro título mais de três quartos ou quase quatro quintos. Em qualquer dos casos estariam mais próximos do resultado do escrutínio acontecido. Mas isso, como resulta evidente, são outras contas. Nicky Florentino.

Referência



O gosto dos outros. Ela, gosto do calor. Também gosto do frio, se não for muito. Da chuva é que não gosto. Ele, talvez possa ensinar-te a gostar da chuva. Ela, não creio. Ele, é uma questão de paixão, aprende-se com outro. Ela, tu não gostas do calor, pois não? Ele, não. Ela, e de mim? Ele, gosto de chuva, mas não sei se vou conseguir ensinar-te esse gosto. Adeus, tenho que ir. Ela, adeus. Voltas? Ele não respondeu. Ela ainda, eu sei que voltas. Segismundo.

Referência



Rumo. Sabes onde estás?, perguntou-lhe. Não, respondeu ele. Estás no meu território, disse ela, vem, ao mesmo tempo que lhe procurou a mão esquerda, para o conduzir ao número cinquenta e nove da rua da Barroca. Era ainda hora de jantar. Segismundo.

Referência



No Chiado. Ofereces-me um livro?, pediu ela. Não, disse-lhe ele. Escolhes-me um livro?, então, rogou-lhe ela. Ele afastou-se, sondou as prateleiras, literatura brasileira, éme. Moacyr Scliar, Exército de um Homem Só, foi o título escrutinado. Ele acabou por oferecer-lhe o livro. Pagou-o. Saíram. Por que é que me ofereceste este livro?, é sobre o quê?, perguntou ela, depois, com a aguda curiosidade de apaixonada. Porque, não sendo, é sobre mim, respondeu ele. E o Moacyr Scliar?, quem é o Moacyr Scliar?, quis ela saber. É um médico, judeu, brasileiro, que escreveu A Mulher que Escreveu a Bíblia. Não conheço, confessou ela. A mulher que escreveu a bíblia?, eu também não conheço, disse ele, apenas li o livro. Segismundo.

Referência



Desafio. Ela, queres testar-me? Ele, não. Ela, não faz mal, testa-me na mesma. Ele, é melhor não. Ela, insistente, vá lá. Ele, está bem, sabes fazer sopa de agrião? Ela, desisto. Vamos? Ele, vamos. Segismundo.

Referência



Pélago. Ela, olha em frente, o que vês? Ele, vejo-te a ti. Ela, desejas-me? Ele, evasivo, não creio que essa seja a interrogação adequada. Ela, ao mesmo tempo de se virava para ele, julgas-me o teu precipício? Ele caminhou para ela, pretendia dar uma resposta mais próximo dela. Mas ela afastou-se, deu alguns passos atrás, e repetiu julgas-me o teu precipício? Ele, não, acho que não, respondeu sem convicção. Ela, então porque me evitas? Ele, porque não quero fazer-te sofrer, depois. Ela, eu perdoo-te. Ele, mas eu não quero ser perdoado, percebes? Ela, não, não percebo. Afinal, julgas-me o teu precipício? ou não? Ele, sinceramente não sei. E, como se fosse em busca da resposta, precipitou-se para ela. Segismundo.

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2004-09-25


Plebe. O José, danado, é dos que não se deixa enganar. Por isso vê o povo como ele é. Mais turba do que grei. Nicky Florentino.

Referência



A outra peça do cartel. Depois de um breve interregno, o PS, agora sob o consulado do senhor eng.º José Sócrates, volta a ser o que é, um partido político, uma máquina de rateio do poder. É isso que inquieta. Nicky Florentino.

Referência



Porque amanhã é sempre longe demais. Disse o senhor dr. João Soares, consciente da sua derrota no concurso a senhor secretário-geral do PS, “em democracia há batalhas que se ganham e batalhas que se perdem. O que tem de grande virtude o sistema democrático é que os resultados são sempre justos e podem sempre ser corrigidos no futuro”. Este é um dos piedosos enganos da cartilha democrática. A crença de que em democracia o futuro nunca acaba, não se esgota, tende a caucionar a irresponsabilidade e a negligência. É um facto que se aprende com os erros. Mas não é apenas com os erros que se aprende. Sequer é necessário repetir os erros para calibrar e sofisticar a aprendizagem. É por isso que a democracia, enquanto ordem, devia ser uma ordem de urgência, não a normalidade do engano frequente e repetido. Nicky Florentino.

Referência



Gravidade(s). Em entrevista ao Expresso, disse o senhor Prof. Doutor David Justino, “mais grave que mudar de partido de Governo é mudar de Governo dentro do mesmo partido”. Não obstante a lucidez, é isto o despeito do fulano. Nicky Florentino.

Referência



Amor errante. Chega o desamor, o abandono. A sensação que a vida vai ser impossível sem ela, ela que partiu, ela que fugiu. É preciso rir do facto. Sabe-se que, pela erosão da memória, alguns anos depois quem foi abandonado também rirá. Quem consegue esquecer, quem esquece ri. Mas quem esquece também se engana. Volvidos anos, acontece que, efectivamente, foi impossível a vida sem aquela mulher. É a evidência, a nitidez desse facto que o tempo soterra. E é sobre esse aterro que o erro do amor se faz novamente. Segismundo.

Referência



Consideração contra mundo, ii. Porque é na solidão que se aprende quem se é, no plateau ecológico é-se o que se aprendeu meticulosamente a esconder e, com a máscara, a deixar de ser. Torna-se, assim, possível o engano. Segismundo.

Referência



Consideração contra mundo, i. Se se é humano, nasce-se com um potencial de besta. E a grei não apenas conforma esse potencial como ainda, por uma superlativa necessidade funcional, o catalisa. Inventa-se, assim, a necessidade da puta da ordem. Segismundo.

Referência



Documento. Está escrito numa folha Após o oitavo Black Label, o discernimento flui, se flui, com dificuldade, lento. Apelo, por isso, a deus. Deus, se existes, segura-me antes da loucura. Deus não me responde. Entrego-me, por isso, livre, à loucura. Leva-me. Que eu vou. um testemunho estranho, não assinado. Segismundo.

Referência



Separação. No desamor, sofre, perde quem tem mais memória, disse ele. Ela primiu o gatilho. Estourou-lhe o arquivo, rebentou a cabeça do desgraçado. Não para, por piedoso gesto, o resgatar à dor. Mas por mero gozo seu. Ela já o tinha esquecido. E não queria ter recordações dele. O Marquês.

Referência

2004-09-24


Todos à roleta. O PS que existiu nestes últimos tempos vai acabar. A notícia não é boa. Hoje e amanhã, a trupe socialista escrutina o futuro senhor secretário-geral da causa. O que dizer? Que fiquem, para jogar, ensaiar apostas. A época do casino vai recomeçar. Inevitavelmente. A batota, essa, apenas continua. Nicky Florentino.

Referência



Ida e volta. Ele, adeus, tenho que ir. Ela, tens que ir? Abraçou-o e encostou a cabeça ao ombro esquerdo dele, tentando cativá-lo nos seus braços. Ele, sim, tenho um quiz logo à noite. Ela, olhando-o nos olhos, surpreendida, um quiz? Ele, sim, um quiz. Ela, onde? Ele, longe. Ela, longe?, lá de onde vens? Ele, sim. Ela, mas amanhã não vamos à Zé dos Bois? Ele, eu vou. Ela, corrigiu-o, vamos. E depois? Ele, depois?, não sei se há depois. Segismundo.

Referência



Carícias. Tens um cabelo macio, fofo, gosto de passar as mãos no teu cabelo, perder nele os meus dedos, sabias?, disse-lhe ela. Ele nada disse, descalçou-se e arranjou melhor posição no colo dela. Ficas?, perguntou ela, com se lhe pedisse para ficar. Não posso, respondeu ele, tenho que ir. E fechou os olhos, talvez por desejar, mas não poder, ficar. Segismundo.

Referência



Sequência íntima, tempo dois. Ele, tu?, saudades?, porquê?, sentes as minhas ausências? Ela, não, o que sinto são as tuas presenças, raras. E ele, que se julgava inocente, sentiu-se subitamente culpado. Mau augúrio. Segismundo.

Referência



Sequência íntima, tempo um. Ela perguntou-lhe saudades. Ele, saudades?, sim, senti saudades disto. Ela, disto?, de nós?, procurou a precisão. Ele, não, da Radar, a rádio – noventa e sete ponto oito, frequência modelada, stéreo –, que ele persistia em sintonizar no carro dela. Segismundo.

Referência



Açúcar de engano. O veneno a que ele regressou amarga-lhe e já lhe morre dentro. Talvez insistindo ele consiga rever o que procura, veados a comer coelhos. Insistiu. Ela está aí, veio buscar-te, ouviu ele. Levantou o braço direito, agitou-o com um gesto brusco de recusa e disse com voz grave não quero ir ainda. Ela que volte mais tarde. Ela, a ressaca?, ela, a lucidez da ressaca?, há-de voltar. Volta sempre. A alucinação certa é que não. Segismundo.

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Ofício de carrasco. Perante o silêncio do meliante, agarrou no revólver e, inclemente, com a coronha da arma, desferiu quatro fortes pancadas, uma contra o crânio dele, três contra as costelas. Supino gozo lhe proporcinou o facto, ver o corpo tombar, em agonia, e, caído no chão, a fechar-se, para protecção, na posição fetal. Seguiram-se os pontapés, cada um assestado com uma impressionante fúria, como se o algoz pretendesse prolongar o êxtase que sentia para além do limite. O Marquês.

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2004-09-23


Fartar vilanagem. A senhora dr.ª Celeste Cardona foi nomeada administradora da CaixaGeraldeDepósitos. Podia ter sido pior. Podia ter sido nomeada para qualquer outra missão que ela soubesse desempenhar cabalmente. Nicky Florentino.

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Tarantella. O Beasley, o Marco Beasley vai estar em Mafra, creio que no dia dez, informou ela. Queres ir?, perguntou, depois, desafiando a indiferença dele. A Mafra?, se eu quero ir a Mafra?, no dia dez?, reagiu ele. Sim, gostava que fosses comigo, vai ser bom, de certeza, disse ela. Vai ser bom?, o quê?, eu ir contigo? ou o Marco Beasley?, quis ele saber. Vai ser bom o Marco Beasley, claro, vás ou não vás comigo, sentenciou ela, a olhá-lo, clemente, nos olhos. Sendo assim, considero-me dispensado, esquivou-se ele. Devias, antes, considerar-te convidado, repreendeu-o ela. E, súbito, saiu da sala, sentindo-se arrombada no peito, dilacerada, por ele não ter percebido o seu rogo, a sua súplica. Ou isso ou fingiu, ele. Segismundo.

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Agendamento. A propósito, amanhã vou ver o último do Kusturica, disse ele. Ela fingiu não ouvir. Ele estranhou, esperava outra reacção. A Vida é... qualquer coisa, experimentou ele a curiosidade dela. A Vida é Bela, não é?, ela trocista. Não, não é o A Vida é Bela, esse é do Benigni, pá, é o A Vida é... qualquer coisa que não recordo, tentou ele defender-se da provocação. A Vida é um Milagre, menino, é A Vida é um Milagre, surpreendeu-o ela. Exacto, disse ele, desarmado. Já vi, acusou ela. Já viste?, ele mostrou espanto. Sim, já vi, confirmou ela. Ensinaste-me que, quando vamos ao cinema, não devemos deixar os outros escolher os filmes que vamos ver, assim como não devemos esperar pelos outros para irmos juntos ver o filme que queremos ver. Percebendo o espanto dele, interpelou-o, pensei que estas regras também se aplicavam a ti. E aplicam, defendeu-se ele, aplicam-se a mim enquanto sujeito, não enquanto paciente. Não sabia, desculpa, tens que ter paciência, destilou ela o seu cinismo. Segismundo.

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Preâmbulo a agendamento. Que música é essa?, perguntou curiosa. É música balcânica, Sandy Lopičić Orkestar, esclareceu ele. Faz lembrar os filmes do Kusturica, não é?, disse ela. Faz, confirmou ele. Segismundo.

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Noite em motivo flush. Há um morno no ar e ela está sossegada, devolvida ao sono, quando ele ouve a canção. all my life, i worshipped her... Está suspensa num torpor que a ausenta, reservada para si mesma, entregue ao ritmo do corpo, cansada. her golden voice, her beauty's beat… Na voragem do olhar, olha-a. how she made us feel... E ela, ali, madrugada serena, demasiado serena. how she made me real... Vigia-lhe a inocência, acompanhando o modo como conserta o corpo nos lençóis. and the ground beneath her feet... Rende-se à vontade de se deitar ao lado dela. and the ground beneath her feet... Mas, antes, olha-a uma vez mais, sentindo-se a sentinela que a vigia. and now i can't be sure of anything... Amo-te, diz ele em silêncio. black is white, and cold is heat... Amo-te, repete em silêncio, para a poupar à perturbação de um despertar, mesmo sabendo que, quando acorda, ela sorri quase sempre. for what i worshipped stole my love away... Ao olhá-la, sente-se nas margens de uma distância a que chamam solidão. it was the ground beneath her feet... E é na reserva dessa distância que decifra mistérios. it was the ground beneath her feet... Ainda que os corpos dele e dela cavem uma ilusão. E na mesma elipse esbocem o rasgo suficiente por onde entrará a fúria de quem ama. go lightly down your darkened way... Primeiro como remorso sonolento, mas não indolente. go lightly underground... Depois como corrente suicida, que obriga ao choque da carne, ao contacto duro com a superfície da distância que se desvanece no encontro. i'll be down there in another day... Fragrância feminina, incêndio trôpego, vigília, silêncio. i won't rest untill you're found... Sensação que ninguém os separa, se assim, incertos, forem capazes de se consumirem. let me love you true, let me rescue you... Ele já não resiste à distância, embora pequena seja. let me lead you to where two roads meet... Rende-se, mas torna a hesitar. o come back above... Esta é a última oportunidade para se furtar à rendição. where there's only love... Cede quando percebe que a suave respiração dela é justa, terna e requisita um compasso cúmplice. and the ground beneath her feet... E, junto dela, já corpo rendido também, adormece, ainda antes da canção terminar, naquele quarto onde Lisboa acontece cerco, onde o som foi sufocado pelo sono. and the ground beneath her feet... Segismundo.

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Noites quentes. A noite está bonita, morna, disse ela, debruçada sobre a varanda, a olhar o rio. Ficas comigo?, perguntou, depois. Como ontem?, inquiriu ele. Não, como hoje, disse ela. Estendeu-se o silêncio, sem ele responder. Quero-te, sabias?, confessou ela, sem desespero, mas com intenção. Ele sabia, mas fingiu não saber. E prolongou o silêncio. Segismundo.

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Canções, worldmaking e fuga. Ela, a ouvir, em correr lento, Leonard Cohen, gostas deste álbum? Ele, estou velho, eu sou mais pelo Songs of Love and Hate. Ela, mais pelas songs of hate do que pelas songs of love, presumo. Ele, não, mais por mil novecentos e setenta e um do que por dois mil e quatro. Ela, não percebi. Ele, mais pela inocência do que pela consciência, percebes? Ela, dói-te assim tanto viver? Ele, quando oiço música não, mas o mundo, comigo lá dentro, continua lá fora, à minha espera. Ela, então por que é que não ficas aqui?, comigo. Dito isto, inclinou a cabeça até a confortar no ombro dele, ao seu lado. Ele, porque aqui dentro, nesta casa, o mundo és tu. Segismundo.

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Agenda e quantos. Ele, sábado vou à Zé dos Bois. Ela, enfática, vamos! Ele, Lydia Lunch, é a Lydia Lunch, eu vou ver a Lydia Lunch. Ela, novamente enfática, vamos! A estranha forma do plural ameaça impor-se, sentiu ele. Segismundo.

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O morto-vivo. Disse que tinhas morrido. Se te perguntarem, confirma, se fazes o obséquio. Rogou-lhe ela. O Marquês.

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2004-09-22


Cidadãos de nós. Escreveu o senhor dr. Nobre Guedes no artigo estampado na edição de hoje do Público, “eu acredito que a transparência no poder é uma obrigação moral, e que a opacidade das decisões é uma violação do contrato de confiança que temos com os nossos eleitores, com os nossos cidadãos”. Com os nossos cidadãos... Quem raio é o agente possessivo dos cidadãos? Nicky Florentino.

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A virtude e a salvação. O senhor dr. Luís Nobre Guedes, consabido senhor ministro para a causa ecológica e da ordem dos chãos, escreveu um artigo, estampado na edição de hoje do Público, em que, a propósito do poder, revela alguns dos seus acreditares em relação ao deplorável estado da Pátria. Exemplo, “eu acredito que existem soluções contra este adormecimento moral e contra esta passividade política”. Não espanta, ai!, ui!, este acreditar tão ingénuo do fulano. Pois ele tanto acredita nisso quanto acredita no menino Jesus. O que, quanto a credos políticos na hodiernidade, convenhamos, não é grande credencial. Nicky Florentino.

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O testemunho silente. Sobre a situação, o senhor Prof. Doutor David Justino, o anterior senhor ministro da Educação, remeteu-se ao silêncio. Em nome do interesse público. Dele. Nicky Florentino.

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O Governo não sabe listar, iô! O contingente de fulanos do PSD e do CDS/PP abancados no hemiciclo de São Bento recusaram liminarmente a hipótese de um inquérito parlamentar, iniciativa do PCP, ao processo de colocação do professorado. Argumentam as criaturas que suportam, na Assembleia da República, o consórcio governamental que tal inquérito seria um modo político de apurar responsabilidades. Ou seja, não pode ser porque são o que são, os senhores deputados e os inquéritos parlamentares. Nenhuma novidade. Nicky Florentino.

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Equinócio. Ela, logo, voltas? Ele, para ti? Ela, não, para casa, esta casa. Ele, não, vou, solto, ver o Outono começar. Queres vir? Ela, contigo? Ele, sim, comigo. Ela, encontramo-nos onde? Ele, lá. Ela, e podemos ir à ananana? Ele, podemos. Ela, e podemos ir de mãos dadas? Ele, não, não podemos ir de mãos dadas. Ela, porquê? Ele, porque o princípio do Outono é o princípio do Outono, não se partilha. Ela, então por que é que me convidaste? Ele, porque, assim, eu e tu podemos não partilhá-lo juntos. Ela, está bem. Disse-o e sorriu. Com a esperança de conseguir comungar com ele o princípio do Outono. Ele sabe que ela conseguirá. Ele apenas não sabe se ele-mesmo conseguirá. Ou se o Outono, que começa, como eles também começam, o permitirá. Segismundo.

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Manhã. Porque não acordei, não me recordo de te ter sonhado, disse ele. Ao lado, ela, estranha, percebeu a mensagem. Decidiu ficar. A casa, a cama não eram as dele. E quem és tu?, hoje?, perguntou ela. A reposta que ele lhe deu foi um beijo, nos lábios. Depois encontrou o peito dela com o seu. Para ficar também. Segismundo.

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Autofagia das paixões. Costumas regressar aos lugares onde foste feliz?, perguntou-lhe. Se forem mulheres, não. Passados há que não admitem futuro, disse. Segismundo.

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Roupa lavada. O Zé Vitório comprou lixívia Neoblanc para tirar as nódoas das suas maculadas t-shirts. Ignaro na arte, pareceu-lhe adequado aplicar uma dose, uma tampa cheia, sobre cada nódoa. Por este generoso processo conseguiu destruir quatro t-shirts. Quatro t-shirts para o galheiro, como ele disse. Segismundo.

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Da (des)ilusão. O que leva alguém a crer mais na ficção do que na realidade? Provavelmente a vontade de ser feliz. Provavelmente o alívio. Seja como for, as coisas são como foram e são. Não diferentes. Segismundo.

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Credo. Sei da vida, não sei do amor, disse-lhe ele. Ela, aconchegada no seu peito, recolhida no corpo dele – como se fosse um abrigo –, não quis acreditar. No momento, o coração, a paixão traiu-lhe a coragem. Por isso, o sofrimento dela encontra-se na oportunidade da confirmação. Provavelmente breve. O Marquês.

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2004-09-21


Erro de casting. Provado, na pátria, e-government não Compta. Nicky Florentino.

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Manufacturar. A senhora ministra da Educação informou que, falhado o processo informático de seriação dos professores, tudo irá ser feito à mão. Era mais aconselhado que fosse com a cabeça. Nicky Florentino.

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Mudança de ramo de actividade na rua Viriato. Brevemente vou deixar de vender música e vou passar a vender suicídios, disse-lhe o Tomás. Segismundo.

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Com cd quem ganha (não) é você. Foi apresentado um compact disc com canções que musicam textos do senhor dr. Manuel Alegre, cuja comercialização visa proporcionar receitas para a sua campanha para senhor secretário-geral da trupe socialista. Ora aí está um bom motivo para o não comprar. Segismundo.

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Seabra’s list. Quatro, hora da madrugada. A lista de colocação de professores foi finalmente divulgada. Mau prenúncio. Segismundo.

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Feitiço. Com o(s) último(s) de Nick Cave & the Bad Seeds na mão, és mais pelo rosa? ou pelo verde?, perguntou-lhe. Começou ele a responder, não sei
entretanto fechou o livro por instantes, a mão esquerda a segurar a lombada e o indicador da mão direita a marcar as páginas, para acompanhar Spell, uma das canções d’The Lyre of Orpheus,
I have no abiding memory
No awakening, no flaming dart
No word of consolation
No arrow through my heart
Only a feeble notion
A glimmer from afar
That I cling to with my fingers
As we go spinning wildly through the stars

e não sei se quero saber, continuou e rematou ele a resposta, regressando com os olhos a Erzébet Báthory. La Contesse Sanglante, escrito por Valentine Penrose. Segismundo.

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Friends forever. Enviou-lhe um ramo de flores. Túlipas. No cartão escreveu no fim como no princípio. Foi assim que decidiu selar a amizade que tinha que ser e nada mais. Segismundo.

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O estúpido. Apetece-me chamar-te estúpido. Estúpido! Sei que isso te magoa. Estúpido! Sim, tu. Estúpido! Disse ela. O Marquês.

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Um desejo secreto. Preenche-o, entre outros desideratos confessáveis, um desejo secreto, o de atropelar, numa madrugada, um peregrino de Fátima. Deseja-o não tanto por vontade de experimentar a vigilância e a disponibilidade do círio mariano que supostamente pairou sobre uma azinheira da Cova de Iria. Mas para poder gozar a agonia da eventual vítima. O Marquês.

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2004-09-20


A via do outro princípio. Jantar?, onde?, perguntou ele. No Páteo do Faustino, respondeu ela. Pela Áoito chegamos lá num instante, explicou. Pela Áoito?, então levas tu o carro, sentenciou ele. Não quero que a estória se repita, acrescentou. Estória?, qual estória?, expôs ela, assim, a sua curiosidade. Ele entregou-lhe a chave do carro e não lhe respondeu. Não lhe podia responder. Segismundo.

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Na bilheteira. Ele comprou três bilhetes para o concerto d’The Magnetic Fields. Mais três bilhetes para o concerto dos Rammstein. Não são bilhetes a mais?, não há alguém a mais?, perguntou-lhe. Talvez não, respondeu ele. Segismundo.

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Regresso. Lisboa. Quase nada passava das seis horas, madrugada, quando ele tocou à campaínha. Ela pouco demorou. És tu, disse ela, sonolenta, sem aparentar surpresa ou estranheza. Entra, autorizou ela, abrindo mais a porta. Ele entrou. Há quantos meses não te via?, dois?, três?, perguntou ela. Desculpa, não devia ter vindo, disse ele. Não peças desculpa, és assim, surges quase sempre de madrugada e raramente avisas, sossegou-o ela. És louco, mas estou habituada a essa forma louca de seres, confessou-lhe. Ele percebeu alterações na casa, na decoração, mas não conseguiu precisar o que tinha mudado. Vejo que já trazes o jornal – o costume, não é? –, disse ela. Senta-te. Ele sentou-se. Então, o que vieste aqui fazer?, perguntou-lhe ela. Não sei, tentar falar de amor, disse ele. Isso não existe, o amor não existe, o que existe são os amores, provocou-o ela. Ele baixou os olhos. Fui eu que te disse isso, não fui?, inquiriu ele. Ela sorriu apenas. E foi directa a uma pergunta que ele não esperava, vens para me amar? Fez-se um breve silêncio antes da resposta. Não, venho para ver o Tejo a acordar. Sei que daquela janela, apontou-a, consigo fazê-lo. Ela apagou a luz da sala, correu os cortinados, abriu a janela e abraçou-o, aninhando-se nos seus braços, transmitindo-lhe o calor de mulher. Estava à tua espera, sabias? Ele não sabia. Beijou-lhe a face e tentou fingir as lágrimas. Então?, anda cá, disse ela. E ele foi. Já tinha ido. Segismundo.

Referência



Alegre com todos, contra. O senhor eng.º José Sócrates acusou o senhor dr. Manuel Alegre de, no assunto da co-inceneração em Souselas, ter votado com a direita, portanto contra o Governo socialista de então. O senhor dr. Alegre defendeu-se. Diz que não. Não votou apenas com a direita. Votou também com o BE, o PCP e PEV. Mais arco-íris não podia ser. Nicky Florentino.

Referência



O silêncio como precedente. Há motivos, há sempre motivos, para um senhor primeiro-ministro não falar de determinados tópicos. A propósito de uma intervenção do senhor dr. Santana Lopes, um desses motivos, segundo o senhor Prof. Doutor Rebelo de Sousa, é que “o dr. Cavaco nunca falou em refinarias!”. E do que ele não falou não deve, nunca, falar-se. Mas fazer eco do seu silêncio. Nicky Florentino.

Referência



O senhor ministro motossera. Disse o senhor dr. Paulo Portas, “as pessoas vão perceber que têm um ministro do Ambiente que corta a direito”. Mas quem é que sugeriu ao fulano que os gentios gostam de quem corta a eito? A ecologia, seguro, não é isso. Que alguém lhe explique. Nicky Florentino.

Referência



Privação relativa. Erik Olin Wright, um marxiano norte-americano, já disse o que o João também disse sobre a(s) classe(s) média(s). Chamou-lhe(s) lugar(es) contraditório(s) de classe. Pretendendo com tal rótulo reportar as condições sob as quais uma mole de desgraçados e explorados, anestesiados por um sentimento de menor privação relativa em relação aos ainda mais desgraçados, concorre alacremente para a operação e a reprodução do processo de acumulação capitalista. Nicky Florentino.

Referência



Redundância. Eu não vos disse?, disse o José. Nicky Florentino.

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Roleta de tudo e do(s) amor(es). Ela e ele estão apaixonados, perdidamente apaixonados, embriagados pela paixão. Como antes estiveram. Por outro e por outra, respectivamente. Tal e qual como ditado por Lavoisier para as massas. Nada se perde, nada se cria. Tudo se transforma. Com as inexoráveis dores pelo meio. O Marquês.

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2004-09-19


Viagem. A coragem foi de comboio para Lisboa. Coragem? Segismundo.

Referência



Um, dois, dealer, experiência. Começa ele, com o veneno já dentro de si, a ver mais exactas, nítidas as coisas. Amar, verbo intransitivo. Como escreveu Mário de Andrade. Segismundo.

Referência



Lágrimas por um desconhecido. Ela, de onde é que te conheço? Ele, provavelmente daí, da vida, não sei. Ela, onde é que tens andado?, onde tens escondido esses olhos?, olhos lindos. Ele, por lugares que provavelmente não conheces. Ela, sabias?, sou capaz de me apaixonar por ti. Ele, agora?, aqui? Ela, sim, e amanhã também. Depois tentou o beijo. Ele esquivou-se. Mas sorriu-lhe. E, com a mão direita, tocou-a levemente na face. Ele, desculpa, mas não estou para ninguém, sequer para a tua paixão. Depois saiu. Eles, os outros, dizem que ela ficou a chorar. Segismundo.

Referência

2004-09-18


Alucinação. Há quanto tempo não vês veados a comer coelhos?, perguntou-lhe alguém de dentro, talvez a consciência. Não sei. Mas para a semana vou ver, respondeu ele. E vai. Segismundo.

Referência



Vidægo. Ele anda a comer pouco e não se entregou a dieta. Ele anda também a aprender a não dormir. Será que é demasiado estranho, mais estranho do que habitualmente ele é, levar a almofada para um grupo de discussão, em congresso, sobre cidade, cidadão e cidadania? Talvez não. Ele continua a tomar banho todos os dias. Segismundo.

Referência



Fra(n)queza, ou Consideração sobre um cadáver esquisito. Às vezes pedem-nos para sermos francos. Ou exigem que sejamos francos. Por princípio irónico, devemos ser francos. Não porque nos pedem ou exigem. Sim porque merecemos a franqueza dos outros. A sinceridade implica reciprocidade, simetria. A simulação é um exercício de assimetria. Mas, ironia – a puta da vida é mesmo assim –, quem pede ou exige que sejamos francos momentos e ocasiões há em que não consegue ser sujeito de franqueza. Fosse este o maior problema... Porém não é. Tão pouco é problema. É simplesmente descortesia. Ou, talvez, então, dificuldade em mostrar as cartas seguras na mão. Com o temor de que, porque outros ficam a conhecer o jogo guardado, se fique desprotegido. Como se isso fosse um trunfo. Não, não é. É a confiança gasta. Melhor, é a desconfiança. Que foi sempre ou quase. Segismundo.

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Noir. Esta é a última etapa inocente. Antes do ódio. Ódio que, por este desviado caminho das paixões, ele nunca mais alcança. O Marquês.

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2004-09-17


Festa mórbida. As imagens relativas à cerimónia de transladação do que sobra de Manuel de Arriaga para o Panteão Nacional revelam um número extraordinário de participantes. Provavelmente, a maioria das criaturas o que sabe sobre o primeiro senhor presidente da República da pátria é nada. Mas o fascínio que as festas de Estado produzem sobre os leais servidores da pátria e sua nobre causa, esse, é xisxiséle. Pois todas e todos apreciam ficar estampados na polaroid da ocasião. O mais que houver é apenas simpatia. De Estado. Pois república é outra coisa. Nicky Florentino.

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Sobressalto é bailinho. O PS madeirense apelou a um sobressalto cívico no arquipélago, pretendendo, com isso, arrecadar proveitos eleitorais. Mas existe lá maior sobressalto cívico do que votar nas listas patrocinadas pelo senhor dr. Jardim? Nicky Florentino.

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Décimo sexto. Pacote de nódoas amestradas e com a faculdade de fala, é o que eles, no conjunto, parecem ser. Não sei se são. Nicky Florentino.

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No Café Central. Ela entrou e estacionou junto ao balcão. Esperou a sua vez. Que queria ela?, tabaco?, totoloto?, uma revista?, um jornal? Quando a dona Natália lhe perguntou o que desejava, ela debruçou-se sobre o balcão e, sem palavras, apontou uma revista. Ficou nessa posição. Ele, entretanto, entrou também. Estancou à entrada. Nada queria da tabacaria. Ficou a olhar, a apreciar a rapariga, de costas, dobrada. Concentrou o olhar. Afinou-o, baixando a cabeça e olhando por cima dos óculos, convenientemente puxados no momento até à ponta do nariz. Deve ter imaginado o segredo que estava para além das calças justas dela. Deve ter desejado esse segredo - o sorriso traiu-o. Ela continuou dobrada sobre o balcão, sem perceber a cobiça do seu corpo. E ele, surpreendido com esgar de guloso, depois de ruborizar e, envergonhado, baixar a cabeça, olhar para o chão, dirigiu-se para uma mesa. A rodar a aliança do anelar da mão esquerda. Antes de a esconder no bolso. Segismundo.

Referência



A cura. Ele recebeu um telegrama. Depois de o ler,
dizia assim: com este manto não escondo deus stop ele não existe stop e eu sou capaz de me enganar stop
segurou uma polaroid que trazia na carteira. Olhou-a demorada mas não excessivamente
eras tão bonita, pensou, e vieste como paixão...
e disse adeus a quem, já quase recordação, nela estava gravada.
mas, como diz a canção, boys don't cry. Segismundo.

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Correcção. Reclamou O Marquês. Ameaçou exilar-se. Não suicidar-se. Disse ele. Qual é a diferença? Não explicou. Ele não quis explicar. Segismundo.

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Quod erat demonstrandum. Prova, provada, elas não conseguem amar o rapaz-ostra. Ele não deixa. Fecha-se. Facto que o reprova. E lhe custa, como é de custar, dores, imensas dores. O Marquês.

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2004-09-16


O desassossego democrático. Disse, enlevado, o senhor ministro da Justiça, “configura um dever indeclinável da nossa geração – um dever ético, cívico, político, diria mesmo constitucional – criar as condições para assegurar a plena e cabal afirmação do poder judicial como garante do Estado de direito”. É por estes depoimentos que, obrigados à lucidez, alguns gentios mais dispersos conseguem conceber a democracia como ela é. Difícil. E, porque não feita, jamais feita, coisa a fazer. Daí que a puta da sua ilusão, uma vez revelada, se torne insuportável. Dado que ninguém aprecia ser enganado, em devido tempo, ainda na oportunidade para a renúncia, alguém devia ter ensinado que a democracia subsiste apenas com democratas. Não com atávicos e sossegados. E que é difícil. Nicky Florentino.

Referência



The right man. São compreensíveis muitos dos desmandos e o desatino do actual Governo. Ninguém pode dar mais do que, de facto, pode dar. Todavia, não se compreende por qual raio o senhor dr. Luís Delgado não foi nomeado como comissário maioral da CaixaGeraldeDepósitos. A questão não é de merecimento. A questão é de isso mesmo. Nada. Nicky Florentino.

Referência



Ele outro. O Vincent está no meio de nós. Danado. Segismundo.

Referência



Ele. Tenho inveja do Rui, do que ele consegue. Mas não confesso. Os danados não confessam. Esplanam. Segismundo.

Referência



Luto ou talvez não. O Marquês anda a ameaçar suicidar-se. Se morrer, é festa. Se não morrer, é festa também. Aqui, neste tugúrio, ninguém é obrigado a viver. Segismundo.

Referência



Releitura. Ele voltou a ler Voyage au Bout de la Nuit. Visceral é o seu estado. Os Chants de Maldoror não estavam a ser tónico suficiente, disse ele, justificando-se. Antes de alcançar e beber mais um cocktail de pólvora. Porque lhe amarga. E lhe dói. É para doer. A dor dissipa a memória e revolta horizontes, acredita ele. Enganado. O Marquês.

Referência

2004-09-15


O Estado-circo. Disse ele, o senhor ministro dos Assuntos Parlamentares, “serei eu próprio, com a minha disponibilidade total, a convicção e a boa disposição e a alegria com que procuro fazer tudo”. Um palhaço, a propósito do seu ofício, provavelmente não desdenharia utilizar as mesmíssimas palavras arrumadas na mesmíssima ordem. Revelam aquilo que é de revelar, a alegria no trabalho. Nicky Florentino.

Referência



Luz. É luminosa a estória dela. Pelo que não diz, onde?, dizendo. Segismundo.

Referência



Tráfego. A melodia traz embrulhadas as palavras. Ele perguntou-se se estas, as primeiras,
You have never been in love
until you've seen the stars
reflect in the reservoirs
...
seriam as palavras exactas. Talvez fossem. Talvez não fossem. Aquele não era o tempo ou o lugar para meditações. A circunstância era apenas de espera. Continuou, por isso, retido, fechado, no trânsito, apenas a ouvir a canção
You have never been in love
until you've seen sunlight thrown
over smashed human bone
...
e a pensar nos gestos que não devia ter poupado, nos gestos que devia ter confirmado conforme a sua vontade. Porque, agora, as palavras vêm já tarde, depois da oportunidade, parecendo fracas, mortas, sem impacto,
such a silly boy...
ao contrário do que acontece na pândega canção pop que exala da telefonia e preenche o automóvel. Segismundo.

Referência



Eclipse. A tudo o que na origem tem a paixão acontece inexoravelmente o crepúsculo. E, como diz Pearline, no remate de Ghost Dog: the Way of the Samurai, “o fim é importante em todas as coisas”. Provavelmente porque, antes da memória sobrante, esse é o tempo da derradeira identidade das coisas, do seu último traço. Segismundo.

Referência



Destino e roteiros. À dor chega-se por vários, muitos, caminhos. Da dor sai-se por uma de três vias, o suicídio ou a paixão. A outra, inominável, não interessa. O Marquês.

Referência



Mr. Hide. Ele podia ter-lhe dito não gosto que mexam no meu telemóvel. Exibir-lhe a prova. Porém, não estava na disposição de enfrentar o provável fingimento da inocência que, com a negação, ela encenaria. Preferiu, por isso, deixá-la com a consciência tranquila, com o murmúrio do ciúme que a torturava por dentro. O Marquês.

Referência

2004-09-14


Ressentido. Que o mundo, todo, inteiro, se foda, disse ele. Disse-o (res)sentido. O Marquês.

Referência



Compreensões. Disse o senhor porta-voz do CDS/PP, “a atitude do ministro do Ambiente foi a atitude que se esperava de qualquer ministro que exerça as suas funções com escrúpulos, zelo e rigor”. Mas o senhor ministro de Estado e das Actividades Económicas e do Trabalho entende que não. É isto, em política, a convergência. Nicky Florentino.

Referência



O senhor das ilusões. Presumiu que o décimo sexto Governo constitucional iria ser a continuação do décimo quinto. Enganou-se. É por isso que ao senhor presidente da República fica bem o papel de enganado. Nicky Florentino.

Referência



Passagem de testemunho. Supostamente, o senhor dr. Bagão Félix seria o sucedâneo e confirmador da pauta política prosseguida pela senhora dr.ª Ferreira Leite. Parece, no entanto, que não é. Por assim parecer, estou como o João. A senhora dr.ª Manuela Ferreira Leite alguma vez existiu? ou, como o outro nos futebóis, foi um cometa que por aqui cirandou? Nicky Florentino.

Referência



Eterno retorno. Ontem, por acasião da brevíssima excursão aos Açores, disse o senhor dr. Santana Lopes, “mudou a forma de fazer política em Portugal, estamos num tempo novo”. É esta a felicidade que persegue os pátrios gentios, a cada instante, segundo, minuto, hora, whatever, estamos sempre a alcançar um tempo novo. Nicky Florentino.

Referência



Felicidade. Elas são mais felizes do que eles. Padecem de tristeza como eles, mas conseguem ser mais felizes. Enquanto eles, desgraçados, são capazes de tolerar as infelicidades no amor, elas apaixonam por outro, a sua nova fonte de felicidade, abandonando, assim, o tormento da sua infeliz miséria. No regime dos afectos, este é o autêntico motor das estórias. Segismundo.

Referência



Carrocel das paixões. Um dia colocou em dúvida o sentimento dele. O que é que sentes pela x?, perguntou ela. O ciúme atacou. Fundo. E ele inocente. Um outro dia, ainda na mesma semana, disse que não era capaz de viver sem ele, que o amava. Chorou. Abraçou-o. Tocou-o. Fundo. E ele, inocente, acreditou. Poucos dias depois perguntou-lhe és feliz? E, antes que ele pudesse responder, disse isto não dá, descobri que já não sinto o que sentia por ti. Ela apaixonou-se por outro. E ele inocente. Ficou sozinho. Mas não na perda. Segismundo.

Referência



Cena doméstica com adolescente. Perguntou-lhe a tia então?, foste ver o concerto da Madonna? Respondeu a tonta da teen, like a virgin, nã, ela é uma desavergonhada, a gaja fez montes de ordinarices só para atingir a fama. Segismundo.

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Moda. Achtung! Mudança de orientação editorial. Passou a existir espaço para comentários neste tugúrio. Apenas por ressentimento. E como ensaio. Nicky Florentino e Segismundo.

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Testamento. Começou a caligrafar, assim, em prosa epistolar, as últimas palavras que lhe iria remeter. É como se tivesses morrido, crua, fácil, quase nada ou nada. Por ti não choro. Por ti não dou a vida. Não sacrifico a liberdade à saudade que não tenho ou ao teu engano. Vai morrer longe! Vai morrer feliz, se quiseres e conseguires. Não quero pulgas no meu quarto. Escreveu ele. O Marquês.

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2004-09-13


Rebanhos. Hoje e amanhã, no pavilhão Atlântico, acontece Madonna em concerto. Na prática, é a continuação da liturgia dos últimos dias. A fidelidade das plateias é a mesma. Os ícones que lhes merecem reverência é que são diferentes. Segismundo.

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Dor anunciada. Ela não sabe que ele sabe. Irá sofrer por isso. O Marquês.

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2004-09-12


Moderar. A taxa moderadora cobrada aquando da prestação de serviços em centros de saúde ou hospitais públicos é moderadora por qual raio? A dita taxa, afinal, modera o quê? Nicky Florentino.

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Rateio. O Estado, como tantas outras instituições, não existe conforme o respectivo conceito. Porque em Portugal a diferença entre o enunciado e a coisa é ainda mais acentuada, compreende-se que o senhor dr. Santana Lopes se disponha a fazer justiça redistributiva por via da cobrança a preços diferenciados das taxas moderadoras do serviço nacional de saúde. Quem é desgraçado paga. Quem não é paga ou não, consoante a declaração fiscal de rendimentos. Nicky Florentino.

Referência



Fim. Usa dizer-se, como no poema, que a um morto nada se recusa. Mas, pelo que se depreende, o senhor dr. Sampaio é de outra, não necessariamente melhor, doutrina. Segismundo.

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Revelações. Ontem à noite, no teatro Ibérico, alguém teve a oportunidade de conhecer a/o Baby Dee. Diz que lhe pareceu o Baby Face. A tocar piano. E acórdeão. Com uma luzinha num carrapito. E outra luzinha num chinelo cor-de-rosa e felpudo. Não era, portanto, the first of the gang to die. Segismundo.

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2004-09-11


O senhor almighty. O Estado é laico, diz-se. Mas o malogrado presidente do Tribunal Constitucional esteve em câmara ardente, para as exéquias devidas a alguém da sua condição – homem de Estado –, na basílica da Estrela. Está bem. Foi o dr. Sampaio que assim decidiu. Nada mais há a dizer. Se é o chefe supremo das casernas, também pode ser o chefe supremo das capelas. Todas. Nicky Florentino.

Referência



O senhor dos ofícios difíceis. Noticia a edição de hoje do Expresso, na fronha, que o senhor dr. Sampaio, contrariando a vontade expressa em vida pelo senhor dr. Luís Nunes de Almeida, levou a maçonaria a realizar uma cerimónia fúnebre, conforme o protocolo e os sacramentos da seita, na basílica da Estrela, ao finado senhor presidente do Tribunal Constitucional. Não é acto, o do senhor dr. Sampaio, extraordinário. Convém não iludir que ele foi a mesmíssima criatura que levou o senhor dr. Santana Lopes para senhor primeiro-ministro. E quem isso consegue, consegue muito. Nicky Florentino.

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O velho ofício. Ó Filipe!, se foram para outra freguesia, as meninas não foram pregar. O ofício delas é outro. Foram, sim, e não por respeito ou afecto especial ao infeliz senhor presidente da República, à procura de novos mercados. Fazer pela vida. Pois que, salvo para os carpinteiros, os pastores de qualquer credo e as criaturas em honra de Estado, pregar não é fazer pela vida. Segismundo.

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Nine.eleven. Dizer onze de Setembro não é dizer apenas um dia como qualquer outro dia vulgar. É rememorar uma data, a data de um aerogedão. De um aerogedão próximo, demasiado próximo. Segismundo.

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Eternal pain ting. Não te amo. Também não te odeio. Disse ele. Ela sentiu o impacto brutal das palavras. Não por serem amargas. Mas por, enunciada a indiferença de onde se espera o afecto, a disponibilidade, a paixão, serem o golpe que mais rasga a alma, que mais destroça o peito. Tentou, por isso, o suicídio. Falhou. E teve de sofrer acordada o desamor, o abandono, a perda. Que hoje, caldeada tanta dor, não são ainda cicatriz. Permanecem ferida. Como se ele, jeitoso rapaz, houvesse semeado nela um tormento inapagável. O Marquês.

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2004-09-10


Liberdade e dress code. A abertura solene do ano lectivo do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa corresponde à palestra anual Alexis de Tocqueville. Este ano realizar-se-á na próxima segunda-feira, pelas dezoito horas. A entrada é livre. Condicionada, porém, ao trajar de fato escuro. Como nos velórios. Para que a audiência pareça impregnada da civilizada gentlemanship. Pois o que verdadeiramente distingue as criaturas decentes na academia e na vida é sobretudo ou só o invólucro. Nicky Florentino.

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A insustentável leveza da hipocrisia colectiva. Disse o senhor bastonário da ordem dos advogados, “o pacto de regime para a justiça e para a cidadania vai avançar”. Vai avançar... Se a pátria está de facto arrumada em Estado de direito, faz algum sentido dizer que o contrato referente aos seus fundamentos vai avançar? Não. Pois é suposto que tal contrato tenha sido firmado na origem do regime. Compreende-se, todavia, que não seja possível suportar permanentemente ficções tão ousadas e ordenadas como essa do Estado de direito. Ou da justiça e da cidadania. Esses extraordinários horizontes a que a grei, em enunciado de boa vontade, se tende a inclinar. Nicky Florentino.

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Os chuchalistas do PS. Comício no hotel Altis pro candidatura do senhor eng. José Sócrates a senhor secretário-geral da mole socialista. Uma audiência a rondar as cinco centenas de camaradas. Assoma ao palanque o senhor dr. Jorge Coelho e grita “nós queremos uma maioria de esquerda, mas para nós essa maioria é uma maioria absoluta do PS”. A plateia irrompe em aplausos. Percebeu. A esquerda suficiente começa e termina no PS. A ganância também. Nicky Florentino.

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A vã glória de guerrear. Segundo John Jay, no quarto the federalist paper, más são as “guerras não santificadas pela justiça ou pela voz e interesses do povo”. Nicky Florentino.

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O que é que tem que é diferente dos outros? Tem um verão inteiro, contado de Setembro a Setembro. Segismundo.

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Vetustade. O tempo passa, passa-nos. Um índice dessa inexorabilidade é o acumular de compact discs. As prateleiras esgotadas. O chão próximo como extensão. Livros também há, cada vez mais. Numa casa. Na outra. Em Lisboa também. Os livros, porém, têm uma inércia diferente. Quase ninguém lhes toca. Quase ninguém os inveja. Porque são mais exigentes ficam. Os compact discs, esses, dispersam-se com facilidade. Pelas casas, mas não só. Alguns tardam a ser devolvidos. Outros foram perdidos entre os empréstimos. De outros ainda desconhece-se o paradeiro.
Numa espécie de baú, uma parcela de chão mais recôndita, alguém (re)descobriu agora Porcupine, dos Echo & the Bunnymen. Mil novecentos e oitenta e três. Mais de uma vintena de anos. É nestes instantes, quando olha a data de edição original dos álbuns, que esse alguém percebe os lastros de história que se foram acumulando também sobre os meus ombros. E que sente o incómodo de não perceber o peso desse acumulado sobre os seus ombros. Até quando será capaz de iludir a sua própria idade?, ele. Segismundo.

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Mesa reservada. Conduziu-o ao lugar. Com a palma da mão aberta indicou-lhe a cadeira. Ele sentou-se. Serviu-o, como se fosse seu servo. No fim da refeição, após o café, cravou-lhe um garfo na cabeça e deixou-o expirar. Não se viu o corpo dele a sair do restaurante. Não há testemunhas do facto. Mas no outro dia, no cardápio, como prato do dia, constava miolada. O Marquês.

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2004-09-09


Libelo e oração. A Associação Portuguesa Maternidade e Vida, sob o alto patrocínio de dois termos da santíssima trindade, o pai e o filho - o espírito santo não é tido ou achado neste desatino -, acusou uma tal Rebbeca Gomperts de, pela televisão, ter incitado ao aborto. Neste tugúrio não há testemunhas do facto. Seja como for, por precaução, os danados daqui tornaram à leitura do Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, do padre António Vieira. Sabe-se lá o que para aí vem. Nicky Florentino.

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Estado toys'r'us. Olha-se o senhor dr. Paulo Portas, naquele frenesim que ele pretende disfarçar de serenidade, naquele assanho que ele pretende dissimular em disponibilidade, naquela fronte de dogma bafiento que ele deseja fazer parecer pedagogia e fica-se com a sensação que há bonecos parecidos. De corda. Decididamente, o Estado não é isto que existe na pátria, uma caixa de brinquedos. Nicky Florentino.

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O puto aranha. Tem um filho, pequeno – os filhos são sempre pequenos, nunca páram de crescer –, talvez com três anos de idade, talvez com quatro, que padece da mania que é o homem aranha. Ela, estremosa mãezinha que é, anda deveras preocupada, pois o puto lança-se estouvadamente contra as paredes, tenta escalá-las, assim como insiste em, lá em casa, trepar a tudo quando é gadget altaneiro. Parca em juízo, a dita mãezinha responsabiliza a televisão pela desprogramada fase por que o cachopo está a passar. Como a televisão é apenas um mostrador, é evidente que não é aquela caixa que é responsável por qualquer desvario do fedelho. É de crer, aliás, que a origem do mal esteja mais próxima do destino, do puto, do que ela é capaz de estimar. Acontece, porém, que a fulana não costuma olhar-se ao espelho. E, por isso, para si mesma, é como se não existisse. Tem ela a confortável e ingénua sensação que os males do mundo têm origem e existem apenas para além de si. Embora seja evidente, quando se olha para a criatura parida por ela, que ele há males que se prolongam por via hereditária. Segismundo.

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Estranha forma de duelo. Sabia que ele não gostava de sopa. Foi sopa de agrião que ela fez propositadamente na ocasião em que pela primeira vez o convidou a ir jantar lá a casa. Ele comeu. E repetiu. Mas saiu, cedo, depois de recusar a sobremesa e sem elogiar os dotes da cozinheira. O Marquês.

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2004-09-08


Ela. Loura, face morena, linda, mão esquerda cerrada a selar a boca. Uma bandeirinha de plástico, morta, na outra mão. O jogo acontece lá em baixo. Ela está evidentemente a leste. E triste. Não torce pela Estónia. Não se entusiasma com Portugal. Não disfarça. Segismundo.

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Fazedores de mundos. Longe da capital, para além das onze, antes do meio-dia. Em trânsito. Sondagem de sintonias. Fixação aos cento e sete ponto quatro, frequência modelada, stéreo. O fórum. O fórum de todos nós. O fórum da TelefoniaSemFios. Alguém diz em antena, convicto no dito, “quer isto dizer que o Eurodoismilequatro foi visto por extra-terrestres”. Torno rapidamente, embora sem sobressalto, ao controlo. Tecla CompactDisc. Rola, continua a rolar, The Magnetic Fields, som mais confiável. No momento, o habitáculo do veículo é reserva do mundo suficiente para mim. Segismundo.

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Ícaro. As notícias já haviam anunciado o facto. Hoje, numa cápsula, chega-nos o sol em vento. É uma outra forma de o alcançar. É um outro modo de o colher. Segismundo.

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Bailinho. A propósito de uma estória que inclui bandeiras, o senhor dr. Jardim da Madeira apodou o senhor dr. Paulo Portas de injusto, hipócrita e desleal. Em consequência deste facto, seria expectável que o senhor dr. Jardim da Madeira fosse até ao osso. Mas não. Não foi. E não irá. Como ele mesmo confessou, permanece firme no seu juízo o entendimento que o consórcio entre o PSD e o CDS/PP “é a solução para Portugal”. Para além disso, entende ele também que “o país está acima destas mediocridades”. E, com jeito, confirma-o. Por palavras, actos e omissões. Nicky Florentino.

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Pecado e castigo. Sim, disse o rapaz, fui eu. Ouvida a confissão, o sacerdote, ministro plenipotenciário, telúrico representante de deus, serviu-se de quanta ira conseguiu descobrir em si e, pelos seus actos, executou sumariamente a justiça divina. Levantou-se, segurou um ceptro, contornou o confessionário e, com violência, atingiu repetidas vezes a cabeça do pecador, que, ainda prostado de joelhos, esperava o decreto da penitência. O seu corpo, vencido, tombou secamente sobre o soalho da capela. Soou um ligeiro vagido. Entretanto, o pároco olhou para as mãos. Lambeu o pouco sangue que sobre elas se precipitou. Sentou-se. Apoiou-se no ceptro que utilizou contundentemente contra o crânio do rapaz. E, com enlevada satisfação, ficou a contemplar o corpo, trespassado pela dor, a esgotar-se no último suspiro e a fazer-se cadáver. O Marquês.

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2004-09-07


A república segundo a alucinação banana. O senhor presidente do Governo regional da Madeira não simpatiza com limites. Com a Comissão Nacional de Eleições. Com o dever de neutralidade e imparcialidade que impende sobre os titulares de cargos públicos durante os períodos eleitorais. Por isso, durante a inauguração de um passeio em Porto Moniz, para ilustração da horda de gentios assistentes, destilou o fulano a sua certíssima doutrina, “o ridículo do sistema político, imposto colonialmente a partir de Lisboa, vai ao ponto de pressupor que vossas excelências, em princípio, não saibam quem eu sou, como penso, o que fiz e o que pretendo”. Olé!, olarilolé! Nicky Florentino.

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Que fazer? Cita-se, com a devida vénia, uma epístola remetida ao senhor director do Público, lavrada por um tal Filipe Pereira, de Vila Nova de Gaia. Reza assim, “na Europa, os muçulmanos estão a ganhar a batalha demográfica. Os europeus estão preocupados com as suas carreiras, com a sua reforma, com o seu orgasmo. Entregam a resposta a essas preocupações aos sociólogos. Meu deus! Estes novos beatos, convictos da atracção que a suposta superioridade ocidental exerce nos imigrados, confiam na integração. Mas nada garante aos europeus que a humildade na integração não seja uma manha de minoritários que rapidamente se poderá transformar em imposição, à força de frascos de ácido, de usos e costumes intolerantes, quando se tornarem maioritários. / Aliás, a Pública de há uns meses publicou o relato de uma professora francesa afirmando que um aluno muçulmano lhe garantiu isso mesmo. Como lidar com isto?”. Fácil. Encarceram-se os sociólogos, pois não é garantida a sua reciclagem. Mata-se o aluno muçulmano, como exemplo. E entrega-se a missão à professora francesa. Que, seguro, há muito deslindou a ameaça e as suas fundações. Depois, os europeus, todos, podem continuar a preocupar-se apenas com o seu orgasmo. Segismundo.

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A outra. O jogo da sedução, tantas vezes ensaiado por ambos, já fora ultrapassado. Os corpos estavam enleados. Os beijos eram sôfregos. Ele e ela sentiam-se já tomados pela vibração que anuncia o êxtase. Aturdido pela paixão do instante, ele sentiu necessidade de dizer és a mulher da minha vida, a única mulher da minha vida. Ela segurou o cabelo escorrido com uma das mãos e procurou-lhe a boca. Beijou-o, recompensando-lhe as palavras. Depois, quebrou-lhe o selo dos lábios e alcançou-lhe a língua. Prendeu-a entre os dentes. Cerrou-os. E, súbito, projectando violentamente a cabeça para trás, arrancou-lhe a língua. No gesto, teve a oportunidade de ver emergir o esgar de dor que se definiu no rosto dele. Não tornarás a mentir-me foi o que, após ter cuspido a língua para o chão, disse a ultrajada amante, cansada de satisfazer-se com as sobras do marido da sua irmã, aquela com quem ele, por preferência, contraíra o sagrado sacramento chamado matrimónio. O Marquês.

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2004-09-06


Falling angels. O Rui apanhou esta no Los Angeles Times. Disse um dos delegados à convenção republicana, num comício da assanhada facção da direita religiosa, “o presidente Bush apoia Deus e Deus apoia o presidente Bush, absolutamente”. Logo deus, uma criatura que, embora tudo possa, não tem direito a voto nos EstadosUnidosdaAmérica. Acontece. Acontece em particular a quem não existe. E a quem é belenense. Nicky Florentino.

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Más raças. Constatação do senhor dr. António Costa a propósito do concurso para senhor secretário-geral do PS, “quem tem conduzido a campanha como um deus no Olimpo não resiste agora à crítica da plebe do partido”. O deus no Olimpo é o senhor dr. Manuel Alegre. A plebe do partido não se sabe. Suspeita-se apenas que a ela pertence o senhor dr. António Costa. Nicky Florentino.

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Leitura de pós-fim-de-semana. Cheguei atrasado à entrevista do senhor dr. Jorge Sampaio sobre urbanismo, publicada na última edição do Expresso. Mas também não estuguei a demora na leitura. Pois o que há para ler sobre o assunto não brota do crânio do fulano. Nicky Florentino.

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A noiva. Três da madrugada. O acaso – não há acaso nestes pormenores, dizê-lo acaso é apenas um modo de fingir a decisão – fez-nos entrar na discoteca. Quase ao mesmo tempo entrou uma parelha de noivos, ainda cerimoniosamente trajados. Ela, embora segurasse a cauda do vestido, naquele jeito de rainha improvisada, trazia na face a normalidade, sem o sorriso da sensação plena, sem a aura, sem a felicidade própria de quem vive o dia da sua vida. Estaria triste? ou seria apenas a própria miséria do (f)acto (consumado), do destino a consumi-la?, sem encenação, sem engano. Depois da dúvida, voltei ao black label, com a urgência de quem se afunda no bas fond. Pois há uma lealdade ao memorial do beau monde, à juventude, às paixões, aos excessos que não permite contemplações demoradas. Ou atrasos. Segismundo.

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A queda da dona Maria Antónia. Ela sentou-se num banco, o do meio, um dos protegidos pela sombra. Consertou-se com dificuldade. Puxou as meias, esticando-as até ao limite, para segurar o frio fora de si. Não estava frio, mas os muitos anos que lhe vergam o corpo já não lhe permitem o combustível vital da jovialidade. Recostou-se, escorando-se sobre o braço direito, pois o banco não tinha apoio, espaldar. Nessa posição disfarçou a corcunda acentuada que quase a vinca sobre si. Segurou um jornal com a mão esquerda, ao nível dos olhos. E assim permaneceu, como uma estátua, a ler o jornal, até que, desamparada, caiu sobre a calçada da praça. Os putos, que, próximos, jogavam à bola, riram. E não foram em socorro da velha. Riram apenas. A inocência é assim. Perversa e indolente. O Marquês.

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2004-09-05


Financial Times. No âmbito da excursão que o Conselho de Ministros decidiu fazer ao Alentejo, o senhor ministro das Finanças prestou a seguinte declaração, "o Orçamento do Estado para dois mil e cinco será feito com o mesmo grau de exigência e sentido de justiça social. Acho que é mais estimulante e interessante haver mais tempo para concretizar os mesmos objectivos, mas mantendo o rigor". Ou seja, traduzindo, o dito senhor ministro entende que lhe apraz mais a demora, ir devagar, devagarinho, para que tudo fique na mesma. É isto a puta da lucidez. E da desfaçatez também. Nicky Florentino.

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Exército de um homem só e a sua solidão. Disse o senhor eng.º José Sócrates, a propósito da eleição do próximo senhor secretário-geral da trupe socialista, "neste acto eleitoral não há sindicatos de voto. Não há nenhuma espécie de estrutura, nem sequer há caciquismo. Neste congresso haverá um militante socialista, sozinho com a sua consciência". É bonito o cenário e o script desta estória tem um único senão. Se não estiver antes da última badalada da meia-noite em casa, o desgraçado do militante transformar-se-á em abóbora ou pétala de rosa murcha. Nicky Florentino.

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Mistério. Pergunta o João, o que se passa na Argentina? Não sei. Será que acabou o tango? Segismundo.

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Coerência. Capa de antologia, disse ele ao olhar para a edição de hoje do Diário de Notícias. Que comprou, mas não para ler. Pois ele não lê, porque nunca compra, o Diário de Notícias. Segismundo.

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O general que não gostava de guerras. Não fugiu ao destino do sangue herdado que lhe pulsava nas veias. O seu pai foi general. O pai do seu pai, o seu avô, foi general. O pai do pai do seu pai, o seu bisavô, foi general. O pai do pai do pai do seu pai, o seu trisavô, foi general. O pai do pai do pai do pai do seu pai, o seu tetravô, ferrador de ofício, não foi general, mas envolveu-se em quantas pelejas e disputas pôde e a saúde lhe consentiu, sem respeito por autoridade diferente da dita pela sua vontade. O seu tetravô, celebrado homem rijo, embora não homem de castro, morreu no desempenho da sua arte, quando o cavalo de um general se sentou sobre ele, rebentando-lhe o fígado e outras miudezas orgânicas. Desde esse fatídico dia, tornou-se lema da casa que mais nenhum homem daquele sangue haveria de morrer sob cavalo que não fosse seu de direito. Facto que, dada a afeição das diferentes gerações da família por equídeos, levou todos os rapazes, primeiro, às sortes e, depois, à honra de general de cavalaria. Embora as voltas da vida lhe tivessem confirmado o destino, fazendo-o general de cavalaria, ele não gostava de guerras. Horrorizava-o a morte, o sangue, o cheiro da pólvora queimada espalhado pelos campos de batalha. Em todo o caso, por dever de arma e patente, nunca se furtou a comandar os seus homens, de os enviar para a frente, para o horizonte da metralha, para as barricadas, para o combate. Atormentava-o por isso, ainda mais, o desgosto e o remorso de não gostar de guerras. As guerras podiam ser necessárias, inevitáveis até, mas, mesmo assim, ele não conseguia apreciar a dimensão bélica do seu ofício. Foi por isso que, como catarse, adquiriu o hábito de, depois de cada batalha, ordenar a recolha dos feridos, com os corpos rasgados pelos projécteis, pelas baionetas, pelos estilhaços, e de mandar juntá-los para poder escutar o coro da agonia, feito dos seus lamentos, gemidos e gritos. Pois era o coro desses soldados feridos, a cantiga pela qual destilavam a respectiva dor, que lhe permitia ultrapassar o desgosto e o remorso de não gostar de guerras. Embalado pelas dores cantadas, adormecia tranquilo e esquecia-se que era general. Que era apenas para evitar morrer sob um cavalo que não fosse seu de direito. O Marquês.

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2004-09-04


Impaciência. “Há limites para a paciência e a minha esgotou-se”, foi assim que o senhor dr. António Costa explicou por qual raio decidiu intensificar a sua participação na campanha de promoção do candidato certo a senhor secretário-geral da cambada socialista, o senhor eng.º José Sócrates. Os ratos, independentemente do limiar para além do qual a respectiva paciência se esgota, fazem o mesmo. Por instinto. Nicky Florentino.

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O macaquinho que não é de imitação. Segundo a edição de hoje do Expresso, o senhor dr. Santana Lopes terá dito “não estou para que o Sócrates me venha atirar à cara que foi eleito em congresso e eu não” e, em consonância, magna da seita do PSD para Novembro. Apenas com um único fito, imitar o senhor eng.º Sócrates. Esta, porém, é empreitada que jamais conseguirá realizar. Pois acontece que o futuro senhor secretário-geral do PS, seja ele o senhor eng.º Sócrates, o senhor dr. Alegre ou o senhor dr. Soares, vai ser eleito por eleição directa, não em congresso. Nicky Florentino.

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País submerso. “Podemos falar em onda, que neste momento está a atravessar o país, dentro e fora do Partido Socialista”, disse, entusiasmado, o senhor dr. Manuel Alegre. Que se chame, pois, a protecção civil, para tomar conta da desgraçada ocorrência. Segismundo.

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Socialismo leal. Consta que, ontem, nesse celestial jardim suburbano que é o Cacém, o senhor dr. António Costa, leal camarada do senhor eng.º José Sócrates, disse, exaltado, “não reconheço ao Manuel Alegre estatuto nem autoridade para me dar lições de moral”. O que não significa, no entanto, que o fulano não careça de tais lições. Carece. E, seguro, não pouco. Pois para isso de beber uns bules de chá ou de qualquer outra infusão de efeito civilizador já vai tarde. Devia ter sido quando era pequenino. Segismundo.

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Maria Má olha o espelho. Amarrou o velho à cadeira. Depois compôs a cena. Colocou-o em frente ao espelho alto do armário. Afinou o candeiro e a intensidade da sua luz. Abriu a janela, para que o ar húmido do exterior, lavado pela chuva, entrasse no quarto. Acordou-o com uma bofetada. E, então, com ele desperto, começou a mastigar-lhe demoradamente as orelhas, ao mesmo tempo que se deliciava a ouvir os gritos do velho e a ver a máscara de dor estampada no seu rosto reflectida no espelho. O Marquês.

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2004-09-03


Dissonância cognitiva. Disse o senhor eng.º José Sócrates que o PS "não é um partido de aparelhistas, de sindicatos de voto, de caciques". Pois não. É um harém de setenta e sete virgens. Que, à porta, tem uma sibila a sorrir e distribuir senhas aos interessados em consultar o oráculo, que, ordenadamente, compõem a fila e esperam pela respectiva vez. Nicky Florentino.

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Para além da incomensurabilidade. A prosa do Vasco é um must. Tanto que, se fosse para acreditar, faria doer. Mesmo onde o ser é osso. Duro. Segismundo.

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Mundos paralelos. No ministério da Educação existem duas listas de ordenação dos professores. É um facto, as opções, as vias nunca são demais. Mas, se é para errar, que não se multipliquem as oportunidades do erro. Segismundo.

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Romeu Mãozinhas. Ainda hoje não se sabe do paradeiro do malandro. Não lhe eram reconhecidos dotes extraordinários na cozinha. Mas ninguém suspeitou que ele utilizasse o sumo dos limões, que habitualmente comprava na pequena mercearia da lúgubre aldeia, para lavar as mãos das vítimas, às quais, com investido gozo, ia cortando os dedos, sempre na sequência exacta, começando no mindinho e acabando no indicador, primeiro pela falangeta, depois pela falanginha e, por fim, pela falange. O polegar, o último dos dedos, esse, era decepado num só golpe. Nunca se percebeu por que motivo, ele, às mulheres cortava primeiro os dedos da mão direita, enquanto que nos homens iniciava o suplício pelos dedos da mão esquerda. Mania, apostam uns. Acaso, sustentam outros. O que é sabido e consta do folclore local é que, após cada golpe, ele insistia em lavar a mão a quem, imediatamente antes, cortara uma parcela de um dedo. Com sumo de limão. Sabido também, conforme testemunho da única sobrevivente do flagelo, é que ele não retirava deleite do gesto breve da faca, mas da aflição e da dor de quem ia perdendo, gradualmente, os dedos das mãos. O Marquês.

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2004-09-02


O cartel. Uns senhores autarcas e o senhor dr. Jorge Coelho, todos camaradas e amigos do senhor eng.º José Sócrates, indignaram-se com umas afirmações do senhor dr. Manuel Alegre sobre a condição de caciques de alguns dos senhores presidente de Câmara Municipal eleitos pelo PS. A indignação é legítima. Não pelas razões aventadas pelos indignados, senhores do lodo e não púdicas virgens como querem fazer crer aos incautos gentios. A indignação é legítima porque o senhor dr. Manuel Alegre, se conveniente for em alguma circunstância, tecerá as loas necessárias para celebrar as virtudes de uns quantos galopins autárquicos que, agora, por não estarem na sua barricada, parece que lhe fazem asco. É bonita a conversa do senhor dr. Manuel Alegre. Mas não é motivo para alegria. Pois o cartel a que ele pertence não lhe permite tal dança. Nicky Florentino.

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Lotaria para senhor chefe. O senhor dr. João Soares deseja que o futuro presidente da trupe socialista seja o senhor dr. Manuel Alegre. O senhor dr. Manuel Alegre deseja que essa honra seja entregue a uma mulher – indistinta, o que interessa é que seja mulher. O senhor eng.º José Sócrates, esse, pretende que o senhor presidente do PS continue a ser essa pardacenta criatura que é o senhor dr. Almeida Santos. É isto, pois, o pluralismo. E, embora não pareça, o consenso, a convergência. Nicky Florentino.

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Palavra do senhor. Para penhor, a palavra do senhor primeiro-ministro vale zero. Parece que, sobre a questão do aborto, quem sabe o que (o senhor dr. Santana Lopes quer) diz(er) é o senhor porta-voz do Governo. Nicky Florentino.

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Prova. Em Outubro de mil setecentos e oitenta e sete, por ser conveniente não esquecer, escreveu Hamilton, no primeiro Federalist Paper, “o nobre entusiasmo da liberdade pode ser inflectido por um espírito de desconfiança tacanha e mesquinha”. O pacote de criaturas assanhadas do décimo sexto Governo constitucional, entre os quais o senhor dr. Portas, confirmou que assim é, de facto. Ainda hoje. Segismundo.

Referência



Quase o avesso. Mudou o mundo. Não muito, porque o mundo nunca muda assim tanto. Mas mudou. O mundo. Agora, os cromos não são para colar nas cadernetas. E não são de jogadores de futebol. Agora, os cromos exibem-se na televisão. E são personagens importantes, figurinhas vip. São cromos animados. Já não são imagens suspensas. Inocentes. Quietas. Com lugar numa ordem, numa página, num lugar diferente da estupidez de que se preenchem. Segismundo.

Referência



Morrer de amor. No mesmo instante em que o beijou, ela cravou-lhe, fundo, um punhal. Ele, esvaindo-se em sangue, rasgado pela dor dessa evasão sanguínea, sofrido, pronunciou uma única palavra. Amor. Mas ela, em êxtase, sorrindo para ele, o que percebeu desenhado pelo dito dos seus lábios foi traição. O que lhe revigorou o fulgor e, no breve estertor de que ele padeceu, lhe acentuou o gesto. O punhal foi ainda mais fundo. E calou-o. O Marquês.

Referência

2004-09-01


National Geographic. O aborto é um assunto do mar. Todos sabem. E, antes de todos - o malogrado Jacques Costeau incluído -, o fulano em senhor ministro de Estado e da Defesa e Assuntos do Mar. O Marquês.

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Acampamento de Outono. A trupe do PSD vai reunir-se em plenário extraordinário em Novembro. Para nada. O chefe já foi entronizado, como se sabe, à Napoleão. Agora, é a encenação para a televisão. Nicky Florentino.

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2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).