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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2003-10-31


Compreende-se bem a ordem emitida pelo senhor secretário de Estado do Ordenamento do Território, a exigir imperativamente o silêncio do directores das áreas protegidas, porquanto, como é doutrina da boa arte política, a mentira de um primeiro-ministro deve ser protegida. Disso depende a sua eficácia, disso depende a sua mentira como verdade. Nicky Florentino.

Referência



Hoje, a senhora dr.ª Maria José Morgado está no Diário de Notícias, a senhora dr.ª Maria José Morgado está no Público. No próximo domingo, a senhora dr.ª Maria José Morgado estará na Pública. É estar demais. Porquê?, porque ela, a corrupção, é o motivo para tanto estar aí. Não havia, pois, necessidade. Tanto mais que não se vislumbra no discurso qualquer novidade. Nicky Florentino.

Referência



Era para ter sido acontecimento discreto, reservado, sem publicidade. Mas assim não foi, pois alguém denunciou a visita dos três, o crítico, um danado daqui e um pulha, ao Animatógrafo, ainda que, por alguma reserva de decoro, esse mesmo alguém tenha evitado reportar os pormenores mais sórdidos do episódio. Foi assim.
Uma vez fechado na cabine, a assistir ao peepshow, o crítico começou a cantar a Cavalgada das Valquírias, imitando a célebre cena do Apocalypse Now. O danado deste tugúrio, por seu turno, simulou tapar os olhos com as mãos e gritou ó mãezinha!, tira-me daqui!, leva-me para Bragança!, o paraíso onde não há vitrinas. Tentou, depois, fazer o pino, mas o acanhado espaço da cabine não o permitiu. Caiu desamparado e praguejou durante o espectáculo coisas como Charlie don’t surf. Fez a figura triste do costume. O pulha, esse, ao ver a húngara - ou seria búlgara?, as bandeiras são parecidas - de gatas e a alçar a perna, como fazem os cachorros, começou a uivar, parecendo haver domiciliada nele uma alcateia famélica. Chegou a ouvir-se o chiar das suas unhas no vidro, ao mesmo tempo que, num ritmo sincopado, ele, o pulha, repetia ó Natália!, tu agarra-me, tu segura-me. Entretanto, do lado oposto, ouviu-se o crítico a exclamar allegro!, não, allegro vivace!, lindo!, lindo!, lindo! Jaquinzinhos!?, mas qual jaquinzinhos!?, foram, em interrogação, as suas últimas palavras. Enquanto isso, o danado continuava a clamar pela mãe, ó mãezinha!.., e o pulha continuava a uivar, au!, au!, au!, auuuuuu! Não há outros sobreviventes. O Marquês.

Referência



Não consta que os mortos tenham tendência a conceder entrevistas. Como em tudo, há excepções. Karl Marx foi importunado no seu sossego post mortem por Donald Sassoon. Confirma-se a suspeita, os mortos devem ser deixados no merecido descanso. Pois acontece que, por si mesmos, nada têm a acrescentar ao que já disseram enquanto criaturas com vitalidade. Os mortos não são para ressuscitar, já existem suficientes fantasmas. Os mortos são para sepultar ou cremar. Sepultados ou cremados, depois, sim, há espaço e tempo para os recordar. Não para os entrevistar. Assim é com Marx também. Para cadáver embalsamado já basta Lenine. Nicky Florentino e Segismundo.

Referência

2003-10-30


Chega o eco por via da TelefoniaSemFios. O senhor dr. presidente da Assembleia da República terá dito, em plenário, que, ele, não é responsável pelo velamento da Constituição da República Portuguesa, apenas tem de vigiar o cumprimento do regimento que regula a actividade parlamentar. Está bem. Está muito bem, aliás. Ele não é mais ou menos do que qualquer gentiozeco. Isso, sim, é ser equivalente, é afirmar a igualdade. Todos devem ser assim, maus, não conhecer ou preocupar-se com a lei fundamental. Pois pe(s)car é outra actividade. Nicky Florentino e O Marquês.

Referência



Na televisão, a senhora dr.ª Maria José Morgado propôs uma extraordinária modalidade de combate às evasão e fraude fiscais, a denúncia de casos de corrupção da administração. Como prémio ou benefício, o denunciante teria direito a um perdão fiscal. A proposta não é boa. Há nela dois problemas. Um desses problemas decorre do facto de tal proposta chocar com fundos e incrustados princípios morais dos gentios. É honroso, é de criatura ajuizada, ludibriar essa besta chamada Estado, designadamente a administração fiscal. Daí que, em consciência, se não for néscio, jamais um fulano denunciará quem quer que seja. Um outro problema decorre da provável reacção dos faltosos, a auto-denúncia. Autodenuciando-se, os refractários fiscais conseguiriam um perdão para si mesmos, defraudando os propósitos subjacentes à proposta. Por isso, o melhor, o melhor, mesmo, é deixar tudo como está. Não inventar. Mudar seria apenas criar a hipótese de mais, outras, complicações. E isso não é necessário. Nicky Florentino e Segismundo.

Referência



Hoje, entre os Restauradores e Entre-Campos, mereci a companhia de um pulha. Ó honra!, lhadamãe. Razão teve, pois, a minha progenitora, por tanto ter insistido na necessidade de eu saber escrutinar as companhias. São elas, os outros, que me fazem mau. O que, por não ser bom, não é mau. Segismundo.

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Um blog tende a ser um expositor de solidão. Pode ser uma solidão fingida, ensaiada, simulada, negada, mas é, sempre, uma solidão, uma solidão projectada, projectada para os outros, uma solidão publicitada. Reconhecida pelos outros, essa solidão como que se desintegra, sem, no entanto, se desintegrar de facto. Começa aqui a ilusão da comunidade. E muitos caem nela. Como quem cai numa rede. Porque é reticular e não comunitária a plataforma onde as solidões, expressas nos blogs, se encontram. O engano é uma constante vital. Segismundo

Referência



Os senhores drs. do CDS-PP andam, agitados, a imaginar formas de remediar a Constituição da República Portuguesa. É aquilo a que os gentios chamam bicho-capinteiro. Não são capazes de estar quietos e calados, habita-os um frenesim. E vai daí, como quem brinca aos cowboys, imaginam-se, como onanistas que são, a constitucionalizar Portugal. Embora melhor fosse se migrassem para a Baixa da Banheira, a Bobadela ou a Trafaria. Seria uma hipótese de sossego. E, provavelmente, a origem de lyrics mais edificantes para o hip hop suburbanita. Nicky Florentino e Segismundo.

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A senhora provedora da Casa Pia, na declaração que fez ao país na passada terça-feira, foi assessorada pela assessora para a comunicação social do senhor dr. ministro da Segurança Social e Trabalho. Mas o que suscitou a sua declaração, segundo palavras da própria senhora, foi o apelo das vítimas. Tudo montado, tudo como nas novelas. O plateau, a fulana, carregada com o fardo da idade, com uma voz pungente, a clamar por justiça, e a dizer que todos, nós todos, somos responsáveis pelo que está a acontecer. Como não aprecio generosidade de qualquer tipo, declino a quota de responsabilidade que a senhora me pretendeu atribuir. A quem aprouver que fique com ela. Nada tenho a ver com o assunto. Não sou comunista. Não como criancinhas ao pequeno-almoço. Ou a qualquer outra refeição. Nunca me deu para aí. Prefiro os adultos que, quando a dor lhes é infligida, guincham. Pois há neles, maiores, mais adultos, uma autenticidade que não está disponível seja na infância, seja na puberdade. O Marquês.

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Segundo uma criatura que se identifica como militante comunista – entende-se que é dos frouxos –, “é sobejamente conhecido que o que separa a esquerda é o que sociais-democratas, socialistas de esquerda e comunistas entendem por esquerda”. Socialistas de esquerda... mas há-os de direita? E, vamos lá a ver, o que separa a esquerda... não será o que separa as esquerdas? Ora o que separa, o que distingue as esquerdas são umas caixas tipo tupperware. É assim que se arruma o espectro político. Seja à direita. Seja à esquerda. É indiferente. Nicky Florentino.

Referência



Sustenta um militante comunista, daqueles que já não o parecem, o senhor Cipriano Justo, num artigo estampado na edição de hoje do Público, “hoje, os assalariados, do clássico operariado à pequena e média burguesia dos serviços – representando cerca de setenta e cinco por cento do total da população empregada e constituindo a maioria da potencial base de apoio de uma solução de esquerda – são uma imensa sopa sociológica, unidos pelo denominador comum que é trabalharem por conta de outrem”. Ainda ninguém tinha dado por ela, que os assalariados, todos, constituem uma imensa sopa. Os sociólogos, aqueles que aparentam maior discernimento – não por acaso com inclinações burguesas –, têm falado é em caldeirada. Ou salada russa. Embora, reconheça-se, apresentem o respectivo juízo cativo de um desejo próprio de capitalista, ir jantar ao Gambrinus. Segismundo.

Referência



A menina tem um ar coquete. É urbanita, nota-se como conjuga e jinga o corpo. Mas compôs-se como uma camponesa. Certamente tem horror ao bucólico, ao rústico. Arrepiar-se-ia se, perto, visse uma vaca leiteira a ser ordenhada. Abominaria o cheiro dos currais das bestas. Largada numa eira ou numa adega teria saudades do têxis em que vive, do condomínio, da rua, da cidade. Mas, como uma macaquinha de imitação, hoje, carregou, mostrou quando foi ao cinema, uma alcofa daquelas que já nem as velhas aldeãs têm para levar ao mercado ou à mercearia para trazer a novidade fresca ou os géneros. Este é, aliás, um dos mais bizarros paradoxos da modernidade tardia, a reciclagem do outrora saloio e vetusto em matéria cool e teen e vice versa. Não há, enfim, gosto que valha. Anda tudo doido. O Marquês.

Referência



Picaram-se, é a exacta expressão para reportar o acontecido. Entraram picados na Fontes Pereira de Melo pela rua eng.º Vieira Silva. Ele, num Citröen ZêXis, abriu a porta, saiu, revolveu por detrás do banco do condutor, agarrou um bastão de baseball, bramiu-o contra o outro. O outro, num Mercedes, táxi, fez marcha-a-ré, evitou-o, fugiu dele. Ele, impotente, tornou ao carro. O taxista aproveitou, avançou, ultrapassou-o, virou para a Casal Ribeiro, ensaiou despistá-lo. Não conseguiu. Ele arrancou e seguiu no seu encalce, perseguiu-o pela Casal Ribeiro. Com o bastão de baseball posto no lugar do morto. Se ele alcançasse o outro... gostava de ver. A cidade, as cenas urbanas, obrigam-me a ser voyeur. Embora me apetecesse ser apenas flanêur. O Marquês.

Referência

2003-10-29


A propósito da eventual colocação das áreas protegidas sob a tutela da criatura que assentou recentemente em secretário de Estado das Florestas, o senhor dr. primeiro-ministro tornou a mentir. A mentira é intrínseca à acção política. Não porque o exercício do poder seja mentir apenas, mas porque circunstâncias há em que exercer o poder é também mentir. Até aqui, tudo bem. As ordens políticas constitucionais ordinariamente ditas democráticas são construídas sobre a ilusão da transparência e da autenticidade dos poderes. É fácil essa ilusão. Porque mente, condiciona-se o poder à sua constituição, limita-se o seu alcance, no tempo, no espaço e no modo, definem-se princípios que estão indisponíveis à arbitrariedade, permite-se aos gentios a liberdade tanto de argumentar quanto de urrar, concede-se que a informação seja plural e flue. Nestas condições, os gentios predispõem-se à ilusão de que o poder não mente, no sentido em que, se mentir, a mentira pode ser descoberta e denunciada. Porém, essa predisposição só perdura se a ilusão persistir, ou seja, se a mentira não for percebida enquanto tal. Revelada a mentira, posta em publicidade, os gentios agitam-se, pois continuam a ser avessos à sensação de se sentirem enganados. É por isso que a regra é as situações colapsarem. Não as oposições arribarem. Nicky Florentino e Segismundo.

Referência



Ele existe. Foi durante muitos anos contínuo, elemento do pessoal auxiliar, de uma escolinha. Hoje é assistente universitário. Subiu a escada, subiu a pulso e com jogo de cintura. Está sempre a processar, não necessariamente a articular, com o juízo. É rápido, é lesto. Como o Lucky Luke a disparar. Irrita-me. Não muito, mas irrita-me, a criatura. Parece possuída por um frémito incontrolável de decidir, de decidir pelos outros, sem ouvir os outros, sem respeitar os outros. A ânsia dos pequenotes é pungente. Eles trepam, eles chegam a um estatuto melhor do que os pais, mas não sabem estar quietos, padecem da paranóia de que, porque jamais deixam de sentir o cheiro da sua chã origem, a miséria os persegue continuamente. Por isso gostam de impressionar. E eu não gosto de ser impressionado. Aos que têm a mania de me impressionar respondo-lhes talvez um dia te fodas. Não no sentido literal, mas no sentido eufemístico do termo. É como, ai!, ai!, lhes dói mais. O Marquês.

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2003-10-28


Vi, pela televisão, o senhor dr. ministro da Presidência a alçar a perna e a saltar da traseira de uma pickup para o chão. A cena passou-se em Angola. Porque não é necessário a sua devolução, urgente ou outra, à pátria, era engraçado se, amanhã, o convencessem a trepar por um coqueiro acima. As mãos fortes concerteza que o segurarão no galho respectivo. O Marquês.

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Consta que duas empresas norte-americanas estão a vender passaportes portugueses, dos ordinários e dos diplomáticos, na worldwideweb. Deve ser bom o negócio. Pois o que é nacional é bom. Para além disso, Bragança é por cá. Nicky Florentino.

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2003-10-27


Portugal é Portugal. Não é um caso para levar muito a sério. Pois, isso sim, seria uma autêntica desgraça. Quando os gentios andam mergulhados em lama convencidos de que tal faz parte de um tratamento de beleza, tudo bem. Aguentam porque querem ficar mais bonitos. Agora, quando os gentios andam mergulhados em lama e percebem que estão mesmo num lamaçal, num charco, sem patos, sem gansos, sem cisnes, sem batráquios, sem vegetação aquífera ou canas, isso sim, é angustiante. E desta situação, por tendência, existem apenas duas saídas, o suicídio ou a revolução. Nenhuma delas boa opção. Nicky Florentino e Segismundo.

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O senhor dr. Jorge Sampaio, na entrevista conjunta ao Público, à RádioRenascença e à RádioTelevisãoPortuguesa, comportou-se mais como presidente da República do que como português. Não é de estranhar. Como o gato maltês – em Francês –, desde tenro petiz que ele articula em Inglês. Nicky Florentino e Segismundo.

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Num artigo da edição de 12 de Outubro d’The Washington Post, foi proposto o neologismo idiocracia para reportar a forma de intervenção política directa dos gentios, sem a intermediação de órgãos constituídos. Era argumentado ainda nesse artigo, tomando como paradigma e referência o processo político californiano, que era nesse sentido que as democracias se estavam a recompor. Ora, o Nuno, por não se antever a chamar idiocrata a alguém sem a provável retaliação pelo apodo usado, rogou à Charlotte uma pronúncia sobre o caso. A Charlotte acedeu. E, ao temor do Nuno, respondeu, assim, "Não lhe agrada o epíteto de idiocrata porque é uma palavra cuja fonética se aproxima perigosamente da palavra idiota (e que significa em grego antigo, o indivíduo - a raiz é a mesma: ídios). O exercício, nesse caso, será o de se lembrar da palavra putativo, que significa suposto, e que não tem nada a ver com putas". O que significa que, tal como é putativo, Bragança fica longe, muito longe daqui. Segismundo.

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A Clara contou. Na passada quarta-feira, depois do festim, deu boleia ao Filipe, até a casa dele. À porta da casa dele discutiram acesamente sobre as (des)vantagens do celibato. O que terá dito a desejosa ao relativo e vice versa pouco importa. O que é significativo é que o rapaz, para além de ter omitido o facto, o mais que promete para estes dias é uma revisão crítica da entrevista do senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, estampada no DNa do pretérito sábado. Talvez não possa ser de outro modo. O Marquês.

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O senhor olho vivo, o senhor dr. Eduardo Cintra Torres, inscreveu no seu artigo estampado na edição de hoje do Público a palavra Schadenfreude. A propósito dela referiu Schopenhauer. Como antes já referira Boltanski. Fica bem. É bonito. Afinal, como escreveu Montesquieu, “o homem é uma criatura que obedece a uma criatura que vê”. Ou lê. É indiferente. Mesmo se o dito senhor dr. é por demais cativo da têvê. Segismundo.

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É fartar vilanagem. Um funcionário da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa foi trabalhar no domingo. Para além de dar mau exemplo aos colegas, a critura deparou-se com as instalações num pandemónio. Aconteceu um assalto. Os malandros, cleptómanos ou não, levaram quatro computadores e outros pormenores. Dentro dos computadores, ao que consta, estava uma base de dados relativa aos principais devedores fiscais do distrito. É admitido que não seja possível resgatar, em tempo, os dados referentes a tais devedores e que, em consequência, se venham a perder as cobranças. Tudo, taquepariu, como deve ser. Nicky Florentino.

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Escreveu o senhor Prof. Doutor Mário Pinto, no artigo estampado na edição de hoje do Público, que “nenhuma civilização se manterá na base apenas de leis e de Estado, isto é, de poder político nu. Tem de haver sociedade civil, famílias e pessoas com cultura de dignidade pessoal, de cidadania e de coesão social. Sob pena de decadência. Que não será reversível a partir de certa altura, porque se trata de uma variável baricêntrica”. Poder político nu... é porque o deve haver vestido. Variável baricêntrica... é porque as há com menos poder de atracção, é porque as há satélites ou escolhos celestes. Verdadeiramente estranho é o dito senhor Prof. Doutor não fazer depender a sustentabilidade da civilização da existência do menino Jesus. Ele não o disse, mas concerteza que o pensa convicta e piamente. Ele e o pai Natal que foi com o palhaço e o coelhinho no combóio ao circo. É isso, ai!, ai!, ui!, ui!, a civilização a padecer de erosão. Nicky Florentino e Segismundo.

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2003-10-26


Lamuria-se o Pedro por nada lhe suscitar menos entusiasmo, com tradução na sua virilidade, do que uma referência à sociologia. Fala-se em sociologia e nada nele se comove ou arrebita, tudo se retrai. Acontece a ele, assim como acontece a outros. Mas pode ser que o problema do Pedro nada tenha a ver com o pronuciar da palavra sociologia. Pode ser que seja apenas um problema de hidráulica, um ensaio intempestivo de andropausa, nada mais. E isso remedeia-se. Com ou sem menções à sociologia. O Marquês.

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Deus fizera-o para sofrer. E ela cumpria a missão que deus lhe entregara em mãos, supliciando-o todos os dias, como denodada satisfação. Acontece que ele nunca foi dito mártir. Mas ela foi canonizada. Serva de deus foi o seu ofício. E santificado foi o seu nome. O Marquês.

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2003-10-25


Os gentios, protegidos pelo efeito de mole proporcionado pela turba que compõem, assobiam e urram com entusiasmo, se isso incomoda o senhor dr. primeiro-ministro. Este, ao esboçar um sorriso cor de icterícia por ouvir uma monumental vaia que lhe é dirigida, mostra-se soberano. Porém, tivesse a criatura hipótese de se enfiar num buraco e mais não seria do que cobarde, como a barda dos assobiadores. Ninguém aprecia ser vaiado. Menos ainda o senhor dr. primeiro-ministro. É acto que dói. Sobretudo se estiver a ser transmitido, em directo, pela televisão. Nicky Florentino, O Marquês e Segismundo.

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À cão é fincar mandíbulas traiçoeiramente. À cão é salivar quando soa uma sineta. À cão é abanar o rabo de contentinho para merecer um osso para roer. À cão é correr para apanhar o pau que o dono lançou. À cão é entender que Portugal é um quintal e não uma quinta, sendo Portugal um jardim à beira-mar plantado. À cão é não saber brincar. À cão é não fazer acordos de sigilo. À cão é ter instintos cínicos. À cão, por vezes, é não ser como o espesso Expresso. À cão é morder apenas por morder, sem, nesse exercício, morder a própria língua. À cão nem sempre é andar sobre quatro patas, mas é como se fosse. À cão é dizer quem é o Pipi não por imperativo de consciência, mas por revanchismo e arrivismo. À cão é ganir. À cão é ladrar. Pois quem uiva são os lobos. E, esses, não se confundem com os cães. Têm mais elegância. Têm mais natureza. E o carácter não lhes é aferido por pedigree. O Marquês.

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Ao que parece, o PIDDAC não é simpático para Gaia. Vai daí o senhor dr. presidente da Câmara Municipal local pôs a boca no trombone, por haver, segundo palavras do próprio edil, “dois ou três meninos pinocas em Lisboa que não gostam do presidente da Câmara de Gaia”. Ó senhor dr. Menezes, não são meninos pinocas, são meninos rabinos. É isso que são os tais sulistas, elitistas e liberais, sacanas jacobinos. Nicky Florentino.

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À noite, a criatura nem dorme, nem se dispersa nos reticulares meandros da worldwideweb, como o outro, o José. Em compensação, lê, lê com facilidade relativa, lê na diagonal fotobiografias e ensaios de política, economia ou sociologia. O que, para leitura de ensaios, é fenómeno tão misterioso quanto o orgasmo vertical. Embora ele seja o insone senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. Segismundo.

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Perguntou o Carlos, julgo que ele mesmo, não o outro, “e maldades?”.
Respondeu o senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, “maldades, maldades não me lembro assim especificamente de nenhuma, mas sou capaz de ter feito várias”.
É bom quando alguém não tem memória das maldades que fez. É indício de que continua a ser mau. Pelo menos de memória. É que um mau recorda-se apenas dos males que não fez, mas teve vontade de fazer. Esse é o único tormento de quem, melífluo, tormenta. O Marquês.

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A chuva é um prazer. Tocada, na sua frequência incerta, transporta um princípio útil de redenção vital, recorda o retiro uterino de onde o nascimento nos resgata. Apenas os simpáticos, batizados ou não, se incomodam com a chuva. Por isso sofrem quando chove, os frustes. O Marquês e Segismundo.

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2003-10-24


Ao que consta, esta noite o Panteão Nacional servirá de cenário para o lançamento, em Portugal, da mais recente narrativa dos feitos dessa intrépida critatura chamada Harry Potter. É bonito quando aos símbolos da pátria não se guarda um cerimonioso respeito e ninguém se incomoda com o facto. A iconoclastia é um indício de maturidade. A inclemência com o passado é a melhor e maior prova de vitalidade. O futuro, sempre o futuro, é que é o horizonte. Pois atrás de quem caminha contra o horizonte vem sempre a vassoura com a qual se há-de varrer os escombros e a escória da história. Nicky Florentino e O Marquês.

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Parece que o senhor dr. bastonário da Ordem dos Advogados anda implicado com o senhor dr. Procurador Geral da República. Falam na rádio, mostram-se na televisão. Trocam correspondência epistolar sem recorrer ao vernáculo, sem derramar sangue. Impressiona, pois, que se conceda ao caso atenção que o faz notícia. Não há motivo para tanto, sendo as personagens quem são, uma simulação de si mesmas. Nicky Florentino.

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É de tonto um senhor deputado afirmar que a política é uma coisa desumana. Como está ao alcance do juízo de todos, a política não é uma coisa, que se possa equiparar a uma pedra ou a um parafuso. A sua ontologia não é de coisa. A política é, isso sim, uma prática, um acto, o arremesso de um agente a favor ou conta um paciente. É essa imaterialidade que a faz civilizada, humana, produto da humanidade. Queira ou não queira o senhor dr. deputado do PS António Costa. Pois a vontade pouco ou nada dita para este pormenor. Nicky Florentino e Segismundo.

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2003-10-23


O João M. contou, entre nove e vinte e um de Maio último, onze dias. O João M. F. fez outras contas e entendeu que o dito intervalo compreende trezes dias. O João M., solicito, esclareceu depois que contou apenas os dias completos. Por uma razão elementar e óbvia, é que um dia é um dia completo. O que sobra pode ainda ser tempo, mas não conta. Conta apenas como sobejo. É isto o rigor, contar como melhor aprouver. Pois porque na natureza não há números ou formas geométricas, a aferição das grandezas é consoante a vontade e o juízo de cada um. Segismundo.

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Segundo palavras do senhor dr. primeiro-ministro, "é necessário restaurar a confiança nas autarquias locais, através de competências acrescidas em matérias de desenvolvimento". Segundo o senhor dr. presidente da AssociaçãoNacionaldosMunicípiosPortugueses, é "indispensável esclarecer os meios que irão ser disponibilizados para bem enfrentar os novos e exigentes desafios". Traduzido, enquanto o senhor dr. primeiro-ministro diz que não é sua intenção dar mais um cêntimo aos edis, o maioral dos edis pergunta como é que é?, o dinheiro vem ou não vem? É assim que eles se entendem. E bem. Nicky Florentino.

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Consta que o PSD resgatou ao arquivo ou à gaveta uma edificante proposta, nos termos da qual sugere que, no futuro, as votações na Comissão Parlamentar de Ética sejam feitas de acordo com a representatividade estatística de cada bancada e não nominalmente. É que, como é sobejamente sabido, a ética é uma variável que se afere pelo número de mandatos conseguidos em eleições legislativas. É isso, a ética, e falta de decoro, se não for mesmo lapso de juízo. Nicky Florentino e Segismundo.

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No artigo estampado na edição de hoje do Público, o José torna ao tópico da duplicidade. Compreende-se, sendo humano, não há como escapar-lhe antes da morte. Montaigne escreveu num dos seus Essais que "a vida é um movimento desigual, irregular e multiforme". Neste sentido, por ser a vida que talha as faces, não é possível ter e manter a todo o tempo apenas uma única e singular cara. É, pois, a vida que nos faz dúplices, tríplices, com tantas faces quanto as cabeças da hidra. Pelo que, como o mesmo Montaigne também escreveu, "é necessário aprender a sofrer o que não se pode evitar. A nossa vida é composta, como a harmonia do mundo, de coisas contrárias, assim como de diversos tons, doces e ásperos, angulosos e planos, suaves e graves". A duplicidade é, portanto, uma natureza e, por força das condições e das circunstâncias, uma instituição. Apenas indesejada porque existe a propensão que nos obriga a imitar a ficção do deus uno, criatura de uma única aresta, perfeita, esférica, absoluta. Essa, porém, é uma figura que não convém às pessoas, no sentido em que é avessa às suas próprias identidades, de natureza e de instituição. E contra isso deus nada pode, não por fraqueza sua, mas da humanidade. Segismundo.

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2003-10-22


Há prodígios. O senhor Sérgio Lipari, presidente da secção de Benfica do PSD e da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, remeteu em Maio passado uma epístola à administração de uma entidade relacionada com o Montepio Geral a rogar que lhe fossem cedidas, a título gracioso, seis semanas em alguns empreendimentos turísticos, resorts ou qualquer coisa do género, do Algarve. Segundo o dito senhor, este rogo de boa vontade foi feito assim por forma a atestar a idoneidade de algumas associações que, essas sim, seriam as beneficiadas da eventual correspondência à solicitação apresentada. Acontece, porém, que circularam uns prospectos a anunciar que era o PSD, o PSD da Secção A de Benfica, que oferecia uma semana de férias, em regime de alojamento para seis pessoas, num apartamento tipo Têdois, de treze a vinte de Setembro, em Albufeira, nos «Jardins da Balaia». O que não se faz. O poder deve obrigar-se a um certo nojo, deve impor-se pelo respeito que decorre do temor, não, nunca, pelo aliciamento. Pois por esta via, pelo aliciamento, o poder é muito mais difícil de se sustentar, no sentido em que os algozes gentios reclamam sempre mais, mais e mais, nutrindo-se avidamente de uma relação em que o refém é o que lhes providencia simpatia e benefício, justamente o poder. Quando o poder não se impõe pelo medo, não domina; antes, fica cativo dessa corja de ingratos e insubmissos chamada povo. O que não é boa arte ou bom augúrio. E é mau exemplo. Nicky Florentino.

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2003-10-21


Por qual razão os gentios observam o entorno no qual se destacam as personagens da pátria farsa, mais do que da comédia, do drama ou da tragédia, e não vislumbram nenhuma criatura a que, com facilidade, possam conceder a inocência que, por princípio e ficção institucional, lhe é presumida? É este um dos actuais desassossegos. E é provável que, por ele, alguém venha a sofrer. O Marquês.

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O José é um incréu que não quer ser réu em causa própria. É isso que, por ele, esforçado, tentar, o faz uma espécie de danado, daqueles com memória, daqueles que atazanam com gosto, lembrando que, quando eram outras as personagens de alguns dramas estranhos, nem sempre a reacção de certas criaturas foi a mesma, em sentido e intensidade. Por defeito, a condição humana tende à duplicidade. Prova de que não há, singular, povo, mas, sim, plural, gentios. Cada criatura, pelo que faz ou diz, se sobreviver, assemelha-se a um boomerang que se devolve contra si. É essa diversidade, essa tensão domiciliada no próprio, que funda a hipótese da ironia. Daí que ser dúplice seja ser homem. Ou seja ser mulher. Ou ser como Jano, ter duas caras. Ou mais. Pois há sempre máscaras que caem, faces que se perdem, unicidades que não se logram. Uma autêntica paródia a vida é. Segismundo.

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Segundo o senhor dr. deputado do PS António Costa, "num Estado de direito, quem tem o poder de julgar são os tribunais. E das suas decisões não cabe recurso para as televisões". Mas, a verdade, a verdade verdadinha é que cabe, cabe, sim senhor. Que tenhamos consciência lúcida do chão que pisamos. Estamos em Portugal, não estamos no Burkina Faso, Lesoto, Suriname ou Togo. Por cá há televisões, muitas. Por isso há sempre uma a que se pode apelar ou recorrer. Os gentios, esses pobres coitados, mas com juízo pragmaticamente vigilante, é nelas, televisões, que vislumbram a sua salvação, não, cruzes!, credo!, nos tribunais. Nicky Florentino.

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2003-10-20


Ele, poderia dar a minha vida por ti, mas..., disse, deixando a pairar um mistério.
Ela, mas?, mas o quê?, procurou indagar o motivo da suspensão do discurso dele.
Ele não lhe respondeu. Cercou-lhe o pescoço com as mãos, colocou os polegares na traqueia e estrangulou-a. Ao mesmo tempo, disse ele, mas vais morrer agora. O Marquês.

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Segundo reporta o título de uma peça estampada na edição de hoje do Público, a "supressão de tratamento é a principal causa de morte de doentes terminais". É compreensível. Quando não ocorre a supressão de tratamento aos doentes terminais a principal causa de morte é a terapêutica administrada. É sempre assim. Quando não se morre por falta de cura, morre-se da cura. Não há outra hipótese para além destas duas. Tão fatal quanto o destino. O Marquês.

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O senhor secretário de Estado da Administração Local é uma criatura que oscila, tipo bola de pinguepongue, consoante a porrada que lhe é dada, o que é indício de frouxo juízo. Não é estranho, sendo quem é. Fala tanto em «revolução tranquila» que nem se apercebe que não está a dizer nada. E muda de tino como quem faz a barba diariamente. A última revelação do dito senhor secretário de Estado é, ipsis verbis, como se segue, "numa primeira fase, para os municípios poderem contratualizar com a administração central, terão de ser eles a delegar competências nas comunidades urbanas. A descentralização é feita para facilitar a vida aos cidadãos e os municípios terão de dar o primeiro passo". Como? É muito simples, centralizando, concentrado. Ainda que, com afã, ele possa dizer que não, não senhor, não é nada disso, simples. Que ele não deixa. Pois a complicação, a invenção sinistra, é o seu ofício. Nicky Florentino.

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2003-10-19


Em nome do senhor dr. deputado do PS Paulo Pedroso, quando esteve sob o regime de prisão preventiva, foi emitido o cartão número duzentos e sessenta e nove de utente dos serviços prisionais. Cartão de utente dos serviços prisionais... O cinismo administrativo é ilimitado. Como é que alguém pode ser classificado como utente dos serviços prisionais?, se é mais do que evidente que qualquer recluso é, isso sim, um beneficiário, um b-e-n-e-f-i-c-i-á-r-i-o, desses serviços. Nicky Florentino e O Marquês.

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2003-10-18


Durante uma entrevista à senhora dr.ª ministra de Estado e das Finanças, uma criatura do espesso Expresso afirmou, "o aumento do IVA de dezassete para dezanove por cento foi anunciado como excepcional, mas mantém-se pelo terceiro ano". Reagiu, de chofre, a dita senhora dr.ª ministra, "paciência. Mantém-se, vai para o terceiro ano, e será bom que algum dia se possa pensar em reduzir". Como é estranha a noção de horizonte excepcional desta simpática, muito simpática, criatura. O Marquês e Segismundo.

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2003-10-17


Quando alguém roga ou ordena, chiu!, silêncio é porque esse alguém, antes, já falou de mais, já produziu ruído de sobejo. Por isso é sempre tardio esse rogo, é sempre serôdia essa ordem. Segismundo.

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A crer no senhor dr. Manuel Monteiro, esse enrolo chamado Nova Democracia “não tem suspeitos de pedofilia e ainda bem”. Ainda bem não para as eventuais vítimas de pedofilia, mas para a boa fama do novel partido. É simpático, muito simpático, o senhor dr. Manuel Monteiro. O Marquês.

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Segundo essa intrépida criatura que é o maioral do Partido da Nova Democracia, o senhor dr. Manuel Monteiro, “este partido não tem suspeitos de pedofilia e ainda bem. Que se juntem todos no Parque Eduardo VII ou nos Jerónimos e resolvam tudo”. Tempos houve em que junções dessas, em barda, eram também sugeridas, embora a acontecer no Campo Pequeno. Pelo que mudam-se os tempos, mudam-se os lugares. As vontades, essas, permanecem. Nicky Florentino.

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O senhor dr. eurodeputado Mário Soares disse, “se eu pudesse dar algum conselho a algum deputado, o que não é o caso porque não tenho categoria nem autoridade, o que lhe diria, tendo em conta a minha experiência, é que em matéria política pela boca morre o peixe”. E, curioso, o dito senhor dr. eurodeputado disse o que disse pela boca. O que significa que, tendo ele sobrevivido, não é peixe. É carne. Nicky Florentino.

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2003-10-16


O senhor dr. presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o tal que, de modo sôfrego, se lembrou de desafiar Frank Gehry para resgatar urbanisticamente o Parque Mayer, não sabe se os custos relativos ao projecto proposto pelo referido arquitecto são justificáveis. Como são compreensíveis as dúvidas do senhor dr. presidente da Câmara Municipal de Lisboa. A quem, presidente de Câmara Municipal ou não, é que assoma ao juízo que, antes de se encomendar o que quer que seja, se deve considerar o pormenor das disponibilidades orçamentais? Só aos estouvados, pois, então. Nicky Florentino.

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O senhor José Saramago informou que o seu próximo romance, intitulado Ensaio sobre a Lucidez, irá provocar um escarcéu do caraças. Para além da implicação do nome demónio no escândalo que estima provocar, o autor adiantou, “todos se vão sentir implicados, tocados. Tenho a ideia de que vou causar alguma confusão”. Tem a ideia... A presunção é como a água benta, apenas os homens a conhecem. E para honorário comunista é muito pouco, apenas alguma confusão, o que lhe merece a ideia. Sinal de que, porque a revolução pode esperar – e preferem alguma confusão –, já não os há, comunistas, como outrora. Gregório R. e O Marquês.

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2003-10-15


O espesso Expresso é uma instituição diferente de todas as outras, ímpar, portanto. Alguns recordar-se-ão que, numa edição de Julho, o referido semanário estampou numa das suas páginas o código de conduta a que voluntariamente se obrigava, pretendendo com tal gesto enunciar publicamente o coturno ético pelo qual fasquiava - alto, bem alto - a prática dos seus jornalistas e colaboradores. Ora, é caso para dizer que bem prega o senhor arq.º Saraiva. É que, ao que consta, umas luminárias lá da redacção decidiram comprar uns lotes de acção da Portucel em nome de uma moçoila, com o único e caviloso fito de que esta assistisse a uma assembleia de accionistas e, depois, reportasse o que aí houvesse ocorrido, contornando, assim, o facto de tal assembleia ser vedada a jornalistas. Não se sabe bem qual é o conceito deontológico da malta do espesso Expresso, mas, por o manhoso expediente ter sido usado de modo reincidente, parece cobrir a infiltração de jornalistas em lugares onde, por vontade determinada de insuspeita gente, era suposto não entrarem. Nada que, claro está, seja desconcertante. Pois cães há que, por vezes, também assim entram nas igrejas. Sem se dar por eles, os animais. O Marquês e Segismundo.

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Na edição de hoje do Público, na página quatro, sob o canto inferior direito, perguntou um dos entrevistadores ao senhor dr. deputado do PS Paulo Pedroso, “se for a tribunal convoca o Presidente da República para testemunhar?”. Resposta do dito senhor dr. deputado, “não defendo a politização da justiça...”.
Na edição de hoje do Público, na página cinco, sob o canto inferior esquerdo, perguntou um dos entrevistadores ao senhor dr. deputado do PS Paulo Pedroso, “se for a tribunal pede ao Presidente da República para testemunhar?”. Resposta do dito senhor dr. deputado, “não defendo a politização da justiça”.
Não, não é apenas a diferença de verbo, entre o soberbo convocar e o submisso pedir, nas perguntas. É também, e não menos relevante, a diferença entre a determinação de um ponto final e a indeterminação de umas reticências nas respostas. É nada, quase nada, mas é de admitir que possa ser demais. O futuro, um futuro, esclarecerá. Segismundo.

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Conforme se suspeitou anteriormente, aconteceu. Os danados deste tugúrio andam rancorosos por não terem apreciado algumas das alterações introduzidas na grelha de programação da TelefoniaSemFios. Foi suprimido o Jazz Avenue, do António Corvelo, e foi resgatado, para preencher um ror de horas da emissão nocturna, uma coisa chamada A Idade da Inocência. O desgosto não poderia ser maior. Gregório R.

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2003-10-14


Há um pormenor que ressoa como um trovão a propósito dessa iluminada intenção da malta militar e do senhor dr. ministro de Estado e da Defesa de quererem compor o cenário da comemoração do Dia da Defesa Nacional com um cordão de frescos mancebos. Articulam os promotores e os defensores da iniciativa que, ao obrigarem – reitere-se: ao obrigarem – os mancebos a comparecer na encenação, maior é a probabilidade que, no futuro, os agora obrigados moçoilos se ofereçam como voluntários para as forças armadas. Isto é o que se chama coerência marcial. Embora a estupidez, não raro, não seja muito distinta na sua mecânica de raciocínio. Segismundo.

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Já se sabia da existência de um conjunto de mães de Bragança que não conseguiam, em carne ou espírito, satisfazer as necessidades de homem dos seus respectivos consortes. E que eles, com o fito de aplacar tais necessidades, recorriam à disponibilidade de umas meninas brasileiras. Foi um escarcéu do caraças. Passado todo este tempo, a revista Time, mais do que em cima do acontecimento, tratou de abordar o caso. Parece que, para as detrambelhadas redactoras da peça publicada no último número da dita revista, Bragança é, agora, the new red light district of Europe. Um exagero, como está bem de ver, e, portanto, um péssimo serviço noticioso. Não bastava já a extensão de tempo com que a publicação dá eco, deferido, ao sucedido, acresce, ainda, a megalómana monumentalidade que é concedida à quantidade de rameiras existentes em Bragança e à qualidade dos serviços, íntimos, prestados.
Entretanto, parece que o senhor dr. ministro adjunto do primeiro-ministro, como retaliação, pondera suspender a campanha de promoção do Euro-doismilequatro na revista Time. Não se sabe porquê, se por reagir tipo cachorro da experiência de Pavlov ou por o juízo pouco lhe escorrer, mas parece que o dito senhor dr. ministro adjunto prefere que sobressaia a publicidade ao putativo red light district de Bragança do que ao Euro-doismilequatro. Como é compreensível. Obscenidade por obscenidade, que se propagandeie a que tem a ver com a luxúria. O único dos pecados mortais merecedor de redenção. O Marquês.

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Andam os compatriotas, alguns, a destilar indignação justa pelo facto de num manual de língua portuguesa para o décimo ano de escolaridade, disponível no mercado – logo, adoptado por algumas escolas –, constar o regulamento de candidatura a um reality show. É confrangedor. Pois esse não é claramente o caminho indicado para se conseguir a ilustração do juízo e das competêncas linguísticas das meninas e dos meninos do secundário. A estratégia pedagógica tem de ser mais arrojada e audaz. Como a daquele alemão que ensinou o seu cachorro, o Adolf, a, quando soar Siege Heil!, estender e manter suspensa a pata direita, em simulação cínica da saudação nazi. Segismundo.

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Ela queria discutir o fenómeno, por qual raio foi Arnold Schwarzenegger eleito governador da California? Ele contornou, embora de modo trôpego, a discussão. Para a compensar, ofereceu-lhe California, de Rufus Wainwright. Ela concedeu, ela cedeu. Sentou-se, rendida. Nesse instante ele pegou num revólver. Sempre preferiu o Jean-Claude van Damme ou o Steven Segall, mania de homens. Facto que lhe valeu, a ela, dois projectéis de pequeno calibre cravados no corpo. Um deles destroçou-lhe o coração. É a isso que genuinamente se chama um broken heart. O Marquês.

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2003-10-13


Running to stand still

And so she woke up
Woke up from where she was lyin' still.
Said I gotta do something
About where we're goin'.

Step on a fast train
Step out of the driving rain, maybe
Run from the darkness in the night.
Singing ah, ah la la la de day
Ah la la la de day.

Sweet the sin, bitter the taste in my mouth.
I see seven towers, but I only see one way out.
You gotta cry without weeping, talk without speaking
Scream without raising your voice.
You know I took the poison, from the poison stream
Then I floated out of here, singing
Ah la la la de day
Ah la la la de day.

She walks through the streets
With her eyes painted red
Under black belly of cloud in the rain.
In through a doorway
She brings me white golden pearls
Stolen from the sea.

She is ragin'
She is ragin'
And the storm blows up in her eyes.
She will suffer the needle chill
She's running to stand still.


Este é o argumento de uma novela, crédito de Bono Vox. E é possível ouvi-lo, cantado e musicado, no álbum The Joshua Tree, dos U2. O Marquês e Segismundo.

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Segundo o achamento do senhor dr. ministro da Presidência, “o processo de construção europeia é o último grande processo histórico das elites”. Depois, sim, o intrépido timoreiro da história será a rectaguarda, o povo unido, e nunca, nunca mais!, a vanguarda. Ou isso, a rectaguarda, ou a sociedade civil que o dito senhor dr. ministro trata conceptualmente por tu. Ele sabe do que fala, ele sabe. Melhor do que Hegel, melhor do que Locke. Nicky Florentino.

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O senhor dr. ministro da Presidência é uma mui ilustrada luminária política, com uma clarividência analítica superior a qualquer zaratustra de passeio ou lancil, a que se junta uma atitude tipicamente rufia, de sujeito para quem a última instância é o recurso ao punho cerrado. Pelo que o dito senhor dr. ministro revela, é aí, nesse derradeiro instante, que, segundo o entendimento dele, se vê quem é homem e quem não é, ou seja, quem pode e quem arreia, aos pontos ou por KnockOut. Para ele, tudo o que é no mundo divide-se em duas bandas, como as maçãs cortadas ao meio. Daí que, a propósito da eventual realização de um referendo relativo à dita Constituição europeia tenha dito, “temos de distinguir entre aqueles que acham que deve haver referendo e aqueles que acham que não deve haver”. É que, por natureza, eles não se distinguem, são todos iguais, deve ser isso. Segismundo.

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Neste tugúrio, algumas criaturas são vítimas de indulgência. Ana Gomes, uma senhora dr.ª funcionária do PS, é uma dessas vítimas. Jamais passou pela cabeça de qualquer danado daqui implicar com ela ou rogar-lhe um menor grau de inclinação para a leveza. Pior, há até quem, aqui, nutra alguma simpatia pelo seu jeito de senhora com pêlo na venta. O que não é critério que lhe garanta socorro. Para nós, ela pouco menos é do que um Alberto João Jardim de saias, que sabe onde fica Jacarta. Outra diferença é, claro está, a elegância. Ela é uma senhora, ele é o senhor dr. presidente do Governo Regional da Madeira. Ambos diferentes da abelha Maia. Embora, seguro, não para melhor. Pois nem ela nem ele sabem fazer mel. Apenas ferrar. Como os cães que ladram. Nicky Florentino e O Marquês.

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2003-10-12


A Charlotte, pedagógica, informou que, em Grego, sociólogo é koinoniológos. O que quer dizer que a graça dessas criaturinhas, os sociólogos, é muito mais tolerável em Português do que em Grego. Pelo menos foneticamente. Segismundo.

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A propósito do eventual referendo sobre o que se diz ser a Constituição da União Europeia, é possível recensear três tipos de atitudes: a cínica, a lírica e a abúlica. Os cínicos revelam-se pro ou contra a realização do referido referendo não por uma razão genuína ou autêntica, mas por conveniência ou manhosa intenção. Inclinam-se para uma ou para outra barricada consoante a vantagem que perspectivam para a sua posição ou para os seus interesses. Os líricos, esses, são defensores convictos da realização do referendo, por entenderem que tal instituto é uma espécie de sacramento democrático com valor intrínseco. São pouco ou nada sensíveis ao argumento de que um referendo só é referendo verificadas determinadas condições e circunstâncias. Os abúlicos, por seu turno, a farta maioria, são o que, no plano político, se pode chamar maria-vai-com-as-outras. As questões políticas, em geral, e as matérias europeias, em particular, passam-lhes à ilharga. Os abúlicos entendem-se muito melhor com o princípio da governabilidade e com os problemas da eficácia e da eficiência da acção política do que com o princípio da representação política e com os problemas da legitimidade das instituições. Os abúlicos são criaturas sofisticadamente egotrópicas. A vidinha, a vidinha deles, é o barómetro das suas disposições e posições. Com a mesma leveza com que celebram o mistério da eucaristia, deleitam-se avidamente com as telenovelas da TVI. Cá na pátria, portanto, o povo é sobretudo uma imensa mole de abúlicos. Que bem merece os representantes que escrutina entre a sua própria miséria de gente. Daí que não votar em referendos seja um fado a que os abúlicos se entregam com obscena solicitude. O sossego - e a irresponsabilidade que, em política, tende a escoltar o sossego - é o património que mais prezam, os abúlicos. Chamem-lhes estúpidos... Assim sempre lhes fica garantida a reserva moral de que nada têm a ver com o assunto. Triste é essa reserva moral ser apenas uma reconfortante ilusão. Devia, antes, ser uma dor de cabeça. Ou de dentes. Nicky Florentino e Segismundo.

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2003-10-11


O senhor dr. ministro de Estado e da Defesa e as suas armadas hostes decidiram patrocinar uma experiência-piloto, nos termos da qual estão, por convocatória, a intimar todos os mancebos militarmente recenseados no corrente ano a comparecerem na comemoração do Dia da Defesa Nacional, no próximo dia vinte. Segundo consta, é argumentado na convocatória remetida aos mancebos que é um dever militar de cada cidadão participar em tal comemoração. Deslocação e alimentação correm a estipêndio do erário público. E, iupi!, iupi!, lá!, lá!, lá!, “a falta ao seu dever laboral ou escolar será justificada”. Para além disso, as luminárias do ministério da Defesa Nacional entendem que reunir uma turba de infantes mancebos permitirá à juventude conhecer melhor essa coisa das forças armadas. É verdade que tudo isto parece produto de um reaccionarismo rançoso e de destemperado juízo. Pois, provavelmente, o que a mancebia desejaria era descanso. É cenário prospectivo que – se não chover – uns quantos até aproveitarão para se divertir na obrigatória excursão à capital da pátria, mas outros tantos ou mais prefeririam não ter de ser obrigados à humilhante condição de figurante de parada para o senhor dr. ministro de Estado e da Defesa e a generalada se regalar perante a promissora rapaziada. Por isso, não chatear os mancebos era capaz de ser muito mais garantia de que eles, por defeito, reteriam uma imagem mais edificante da tropa, seja ela macaca, aviadora ou marinheira. Segismundo.

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O senhor dr. deputado do PS Jorge Lacão é um fulaninho medonho na sua incomensurável sapiência. Hoje, num artigo que ofereceu à estampa no espesso Expresso, até cita “os founding fathers da América nascente", que, segundo ele, um dia, inspirados, teriam proseado "«não merecem a segurança os que por causa dela aceitam perder a liberdade»”. Seria pior, muito pior, se, a propósito da mesma matéria e de semelhante posição, o dito senhor dr. deputado se atrevesse a citar Walt Whitman. Para males desses já basta saber que o senhor dr. José Manuel Durão Barroso, primeiro-ministro e presidente do PSD, é leitor de Maria Gabriela Llansol. Prova de que ninguém, nem mesmo a criatura mais improvável, é absolutamente desprovida de gosto. Segismundo.

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Luminárias há no PSD que insistem em que a pátria carece de uma segunda câmara legislativa. Porém, não se vislumbra tal carência. Não porque as carências, justamente porque são ausências, sejam invisíveis, mas porque não é minimamente discernível a vantagem da criação de um senado. O único argumento plausível é que, com a criação do senado, já se poderia dar albergue aos senadores que por cá existem, aproveitando-se, assim, em termos de sistema, uma energia disponível. Não é dispiciendo o argumento. Só se revela frouxo porque existe aquilo a que se chamam equivalentes funcionais. Os senadores que por cá há há muito que estão sistémica e institucionalmente integrados. Escrevem nos jornais, falam nas rádios, aparecem nas televisões. Num senado autêntico não fariam melhor do que o que já fazem. Deixem-nos, pois, (morrer) em paz. É sossego para eles e para os outros, todos. Nicky Florentino.

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O senhor dr. Paulo Pedroso, depois do Tribunal da Relação de Lisboa ordenar a substituição da sua cláusula de coação de prisão preventiva por outra de menor gravidade - o termo de identidade e residência -, marchou do Estabelecimento Prisional de Lisboa, onde havia estado remetido aos calabouços, para a Assembleia da República. Consta que o senhor secretário-geral da trupe socialista congeminou e pretendeu destacar o simbolismo do facto. Disse ele, “foi aqui que o juiz o veio buscar, é para aqui que ele volta, volta para aquela que é a casa dele”. Não foi, porém, avisado ou moderado no trambelho. Com tal facto, gerou-se uma mole de gentes, um improvável consórcio de faunas, que gerou destruição de património material e simbólico da Assembleia da República. Prova de que a emoção, mesmo a mais genuína, frequentemente resvala para a bestialidade, para o boçal. Não havia, não há necessidade disso. Nicky Florentino.

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A União Desportiva de Leiria é uma agremiação pouco mais do que de paróquia. Goza, porém, de um extraordinário efeito de atracção junto de notáveis e similares criaturas. É que, pelo que consta, os órgãos sociais da referida agremiação, entretanto eleitoralmente (re)constituídos, contam com um senhor secretário de Estado, um senhor governador civil, uma senhora e dois senhores deputados à Assembleia da República, uma senhora e quatro senhores presidentes de Câmara Municipal, um vice-presidente de Câmara Municipal, um senhor presidente de Junta de Freguesia, um senhor assessor do senhor primeiro-ministro, um senhor chefe de gabinete do senhor governador civil e, last but not least, três senhores ex-ministros, por acaso, tudo fauna do PSD. Junta-se a este rol um senhor bispo, para abençoar sabe-se lá o quê, e, claro está, o insigne senhor João Bartolomeu – que entrou agora no seu nono mandato consecutivo como presidente da direcção da dita União. Estranha galeria esta, que, sem decoro ou pudor, ostensivamente anuncia o horror. Gregório R. e Nicky Florentino.

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2003-10-10


Posso?, perguntou ela, ao mesmo tempo que, toc-toc, tocou na porta e, acto contínuo, a abriu. Supreendeu-os, a ele e à outra, no momento em que ele cravava a sua virilidade nessa outra. Haverá quem pergunte se sobreviveram. Sabe-se que houve quem tivesse ouvido gemidos. Não se sabe se de dor, se de gozo. Esse é o mistério. Mas ela, altiva, tem fama de não perdoar. E menos ainda, egoísta que é, de partilhar. Chamam-lhe a matadora, porque matar é o seu ofício. O Marquês.

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Hoje, antes do almoço, na Assembleia da República, o Governo, a coligação da maioria e as oposições encontraram-se. Utilizaram palavras de Português. Não se entenderam. Não se fizeram entender. Não houve, não há qualquer problema. No fundo, no fundo, as criaturas que ali se reuniram numa patética simulação de debate político sabem que não representam alguém para além de elas próprias. Os seus discursos não têm de ser transparentes, não carecem de publicidade, não têm de ser populares. O povo, essa representação da turba máxima em voluntária e ajuizada ordem, é uma mera ficção. A soberania não reside, nunca residiu, no povo. A soberania reside, sim, na apatia dos abúlicos gentios. Cuja única virtude que neles se destaca é a lamúria que destilam relativamente à sua sorte política. Daí que o sossego só lhes aconteça porque padecem da doce amnésia que os faz esquecer que, eles, são a sua própria sorte política. É por isso que a república é mais necessária, mas também mais improvável, do que a democracia. Nicky Florentino e Segismundo.

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Hoje, antes do almoço, na Assembleia da República, o Governo, a coligação da maioria e as oposições falaram. Eram de Português as palavras utilizadas. Mas os sentidos nelas implicados, esses, eram de curto alcance. Falou-se, falou-se, mas pouco ou nada foi dito. No fundo, no fundo, as criaturas ali reunidas em patética simulação de debate sabem que não representam alguém para além de elas próprias. Não necessitam de ser transparentes, de dar publicidade aos discursos, de ser populares. Pois o povo, essa representação sublimada da turba máxima posta em ajuizada ordem, mais não é do que uma ficção. A soberania não está, nunca esteve no povo. Está, sim, na apatia dos abúlicos. Que pouca virtude mais têm do que lamuriar-se da sorte política que lhes calhou. Só beneficiam de sossego porque padecem da amnésia de que a sua sorte são eles próprios. Daí o fácil lodaçal que permitem e cultivam. Nicky Florentino e Segismundo.

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2003-10-09


Conforme há muito antecipado pelo plumitivo do vestusto Diário de Notícias, o senhor dr. Luís Delgado, o cabotino Arnold Schwarzenegger arribou a governador da California. A maioria crê, com grande afã, que a criatura, especialista que é em finanças públicas, consiga diminuir o tamanho do défice orçamental californiano. Até porque não é empreitada muito diferente de apalpar mulheres ou de representar a figurinha do Conan. Gregório R.

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É estranho, mas não é. Nesta pátria, entre a instrução e a relação existe uma diferença de gramáticas de decifração de provas e indícios penais equivalente à distância que raia entre alfa e ómega. Era suposto assim não ser, mas é. Para uns é a humanidade, para outros simplesmente shit happens. Pois isso de que a justiça tenha alguma relação com o funcionamento do sistema judicial é apenas uma tremenda ilusão, um equívoco danado, uma deslocada e desproporcionada vontade de ser como deus. O Marquês.

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2003-10-08


A propósito da transformação, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, da prisão preventiva de Paulo Pedroso em termo de identidade e residência, muitas vozes, sem aparente constrangimento de decoro, soaram a dizer que tal manobra era a demonstração de que, cá na pátria, a justiça funciona. Funciona? ou começou a funcionar? Se é verdade que foi indevidamente suprimida a liberdade a uma criatura, que suporte de juízo é que se pode aquietar e dizer que a justiça funciona? Enfim... há bestas outras que também sabem (an)dar à nora. Segismundo.

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O décimo quinto Governo constitucional estava a ser incensado na pira das misérias. Dois senhores ministros, o senhor ministro da Ciência e do Ensino Superior e o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, haviam rogado a respectiva demissão. E ao rogo lhes foi respondido que sim, que fossem à vida, que estavam isentos das responsabilidades ministeriais que lhes haviam sido confiadas. Entretanto, tudo isto foi subitamente remetido para o limbo, onde a memória dificilmente acede. Um dos arguidos do caso-escândalo da Casa Pia deixou de estar sujeito ao regime de coação de prisão preventiva. À miséria governamental segue-se a miséria da justiça. É uma constante que confrange, a miséria. Mas a pátria é assim, não é diferente. Nicky Florentino.

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Neste tugúrio não somos de nos condoer com a circulação das criaturas que assentam em ministro ou em outra honra de Estado. Os governos tendem a ter horror ao vazio. Vai uma criatura, vem outra. É essa uma das felicidades dos danados daqui. Os motivos para escárnio não se esgotam. Apenas se reciclam, as vítimas. Nicky Florentino e O Marquês.

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2003-10-07


Um pedido de demissão é a redenção obrigada pelo decoro que subsiste. E decoro não é honra ou dignidade. Assim é para gentios, assim é para diplomatas. Segismundo.

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Demitiu-se esta tarde aquele que outrora foi conhecido como o senhor dr. ministro dos Negócios Estrangeiros, o pai da menina que queria estudar cá para ser médica, mas que teve de ir estudar para o estrangeiro. Agora, mau, cínico, inconveniente, danado, pergunto: que honra é essa que abrigou a sua demissão?, é a da palavra dada? ou é a do acto? Pouco me importa, não consigo ver nenhuma. Segismundo.

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Por norma, os edis da pátria são gentios que arribaram a notáveis na paróquia, uma espécie de praga. Disse o senhor presidente dos autarcas sociais-democratas, contente, a propósito do Orçamento do Estado para o próximo ano, "recebi uma palavra de esperança do primeiro-ministro". O que, traduzido, significa que os autarcas eleitos em listas do PSD, por interposta pessoa, receberam ordem para, chiu!, se calarem. Pois isso de reivindicações e barulhos é coisa própria apenas das desocupadas oposições. Nicky Florentino.

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No sábado passado o Público estampou um artigo do Doutor Pedro Magalhães, intitulado "O problema do PS". Hoje, no mesmo jornal, o dr. Pedro Adão e Silva, membro do secretariado nacional do PS, reage, num artigo intitulado "O problema da ciência política". Ora, acusou este aquele nos termos que seguem, "ao proceder a uma elaboração conceptual largamente estranha à realidade portuguesa e ao forçar a realidade a conformar-se com um modelo analítico «importado», a análise de Pedro Magalhães, mantendo a sofisticação, perde as razões". Na prática, segundo o dr. Adão e Silva, o Doutor Magalhães, na análise que ensaiou da actual situação do PS, teria sido vítima de "evidentes limitações analíticas, que são próprias das linearidades com que a ciência política olha para a política".
Duas notas a este propósito.
Em primeiro lugar, não consta que o Doutor Magalhães seja um ingénuo. É certo que a sua perspectiva analítica tende a um formalismo e a um institucionalismo que padecem da dificuldade em reconhecer o efeito de condicionamento político de alguns elementos relevantes de composições sociais exóticas, como a portuguesa. Mas, ainda assim, o discernimento nunca lhe foi coisa rara. Faculdade que o Doutor Magalhães vai mantendo apurada é a capacidade para discernir a complexidade da política e do caso português. Sendo de reconhecer, todavia, que esta faculdade é alimentada por uma certa obsessão comparativa que o Doutor Magalhães cultiva.
Em segundo lugar, há algum primarismo na denúncia que o dr. Adão e Silva faz da ciência política. É que a ciência política não existe. O que existe são ciências políticas. Que não são ciências, mas disciplinas. Seja como for, isto não constitui um problema do PS. Esse problema é outro. Umas vezes chama-se PSD. Outras vezes chama-se Portugal. E outras vezes, ainda, chama-se PS. Nicky Florentino e Segismundo.

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Ninguém acreditava nele. Havia sido um diplomata de carreira, com postos ilustres no mundo. Porém, ninguém acreditava nele. Um dia espantou os incrédulos, todos, e os outros. Apareceu à porta da igreja com as mãos tingidas de sangue, sangue fresco, ainda não coalhado, que lhe escorria entre os dedos. Disse, "este sangue traz o crédito de uma vida, uma vida que verti nas minhas mãos; agora, podeís acreditar em mim". Aconteceu que ele não foi julgado pelo crime hediondo que cometeu, o martírio de um rapaz que haveria ainda de ir às sortes e à tropa. A loucura é perdoada. E, por louco ter sido tomado, ironia do destino, continuaram a não acreditar nele, o senhor embaixador. Embora o sangue da vítima que lhe escorreu entre os dedos, esse, fosse verdadeiro. O Marquês.

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2003-10-06


Entende o senhor dr. Luís Delgado, plumitivo do vetusto Diário de Notícias, que o leal despacho do anterior senhor ministro da Ciência e do Ensino Superior mais não foi do que “uma ingenuidade política lateral”. Isso mesmo, exactamente, “uma ingenuidade política lateral”. Ao dito senhor dr. plumitivo nunca lhe assomou ao juízo que o escarcéu suscitado pelo caso decorresse do facto de ter sido cometido um dos mais inconvenientes erros, daqueles que atentam contra os elementares princípios da república e da democracia. Alguém investido de autoridade pública facilitar a vida a um amigo ou à prole do amigo não é, nunca foi, “uma ingenuidade política lateral”. É, isso sim, a desconsideração de um dos axiomas matriciais do Estado e da ordem que o justifica. O discernimento permite ver isso. Mas o senhor dr. plumitivo Luís Delgado entende que não, que não foi nada disso, assim tão grave. Entende que a referida “ingenuidade política lateral” só foi codificada e considerada como um problema, problema grave, porque a efervescência mediática investiu sofregamente na dramatização do acontecido, facto que fez com que, a partir de determinado limiar de dramatização, tivesse de acontecer um acto de exorcismo, um processo de expiação. Que deu em que o bode foi um Lynce. Posto isto, é, obviamente, uma pena e uma tristeza. Não a demissão do senhor ministro da Ciência e do Ensino Superior, que aconteceu porque tinha que acontecer, mas a tentativa de desvalorização e de ilusão do problema perpetrada pelo senhor dr. Luís Delgado. Pois há detergentes biodegradáveis com maior capacidade de imacular peças de vestuário resgatadas ao lodaçal. Ele é que, pobre coitado, não vê a publicidade que passa pela televisão. E, por isso, insiste em comportar-se como uma lavadeira esforçada, mas a quem o sabão azul não corresponde. É que ele há manchas que, chiça!, não saem assim. Nicky Florentino.

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Uma das ordinárias propriedades da prosa do senhor dr. Luís Delgado, plumitivo do vetusto Diário de Notícias, são as suas assertivas orações. Por assim ser, é estranho quando as suas linhas direitas se flectem e reflectem em inusitadas espirais de inquietude e dúvida. Na crónica que hoje ofereceu à estampa na página nove do vetusto Diário de Notícias, o dito senhor dr. plumitivo investiu um terço da prosa a afirmar que a demissão do senhor ministro da Ciência e do Ensino Superior era uma pena e uma tristeza. Pois, afinal, o que é que suscitou tal demissão? Pouco, muito pouco, quase nada, ou seja, “uma ingenuidade política lateral, que todos os dias acontece no país”. Daí, “passadas quarenta e oito horas, e com a poeira assente, o caso merecia esta demissão e o enfraquecimento político de outro ministro?”, a incrédula interrogação. Não!, concerteza que não!, obviamente que não! Um ministro favorecer alguém é o que é expectável de um ministro. Quem é que, verdadeiro amigo, não ajuda o seu amigo? A amizade é que é a verdadeira, a única lei. É isso e o amor. A divindades que perdoam. Em particular as mulheres. O Marquês e Segismundo.

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O que leva um político a fazer uma declaração pública sob penhor da sua honra? Não é suposto que, em toda e qualquer circunstância, a palavra de um político seja palavra honrada? Interrogo-me porque, como o José, sou mais de interrogações do que de sentenças. Mas ao contrário do José, quando qualquer pessoa enuncia um enunciado com anúncio de ser ele discurso honrado, antes de acreditar, interrogo-me sobre as razões que, nesse caso particular, levaram essa pessoa a invocar o crédito extraordinário que é a sua honra. Por duas razões. Primeiro, porque assumo como princípio epistemológico que, por defeito, as pessoas emprestam honra ao que afirmam. Neste sentido, alguém anunciar que o que anuncia é feito sob penhor de honra ou é uma redundância ou é o reconhecimento de que, antes, outros anúncios fez sem garantir o devido compromisso de honra. Segundo, porque recordo um texto do senhor Prof. Doutor Niklas Luhmann sobre a necessidade de, num contexto de modernidade, os políticos preservarem uma elevada amoralidade. À política o que é da política, à moral o que é da moral. Nada de confusões. Nicky Florentino.

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2003-10-03


Cena quatro.um, simultânea e paralela às cenas quatro.dois e quatro.três

A filha, “ó papá!, mas agora eu tenho de ir para o estrangeiro, para longe dos meus amigos?; não é justo papá”, lamuriou, enquanto as lágrimas e o muco do nariz escorriam abundamentemente.
O pai, “tem que ser filhinha; o pai tem uma reputação a manter e tu também; o pai paga tudo, filhinha, o pai paga tudo; vai ser melhor para todos, sobretudo para ti; e o estrangeiro é um lugar tão bonito, filhinha”, tentou confortar a filha.


Cena quatro.dois, simultânea e paralela às cenas quatro.um e quatro.três

Um rival do pai e do amigo, "a confirmar-se o que consta, resta uma única via, ou demissão ou sangue", rosnou, com um ar grave.


Cena quatro.três, simultânea e paralela às cenas quatro.um e quatro.dois

O amigo, “demito-me com a consciência tranquila; tudo o que fiz, e apenas eu fiz o que foi feito, bem ou mal, foi feito de boa fé; ”, afirmou frontal.

(The end, não continua). O Marquês.

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Cena três

O amigo, “ó!, tu!, tu aí!, traz-me uma folha de papel; sinto-me inspirado; vou redigir um despacho de fazer inveja ao gajo; ele julga-se manhoso por ter metido uma jornalista sem licenciatura como adida cultural na embaixada de London, mas eu vou fazer melhor; vou meter-lhe a filha no curso de licenciatura em medicina administrado pela Universidade Nova de Lisboa; eu sou um génio!, um génio grande!”, exclamou extasiado.

(Continua). O Marquês.

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Cena dois

O pai, “ó meu amigo! com nome de bicho felino que já não há na Malcata, como vai vocelência?”, perguntou em saudação a um colega de emprego.
O amigo, “ó meu amigo! como nome de toro onde Cristo foi cravado, cá vou andando, cá vou andando, muito obrigado; e a vida de vocelência?, como vai ela?”, agradeceu e retribuiu a saudação.
O pai, “vai bem, vai bem; só tenho um problema que me assola o espírito, sabes?, a minha filha quer muito ser médica – ela até tem muito jeito para isso –, mas...”, disse.
O amigo, “ó meu amigo, não digas mais, tens toda a razão; aliás, é para isso que servem os amigos?, não é?”, dispôs-se a ajudar.

(Continua). O Marquês.

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Cena um

A filha, “papá, és um homem poderoso?, não és?”, perguntou, com candura ainda de adolescente.
O pai, “sim, filha, claro que sou um homem poderoso, não vê?”, disse, enquanto flectia o braço, como que a fazer músculo à Tarzan Taborda.
A filha, “sabes?, papá, eu gostava muito de ser médica, mas...”, disse, suspendendo, lacrimosa, o discurso.
O pai, “ó minha filha, não te preocupes; o papá tem um amigo lá no emprego que, quase de certeza, vai ajudar-te”, disse, aconchegando a cabeça da filha contra o seu ombro, paternal, protector.

(Continua). O Marquês.

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Não merece comentário, mas merece eco. O senhor dr. deputado do PS Jaime Gama considerou que um eventual referendo a essa coisa chamada Constituição da UniãoEuropeia, redigida por Giscard d’Estaing, seria uma “paródia democrática”. Diga-se, porém, que nunca seria uma paródia maior do que o que o dito senhor dr. deputado disse. Aliás, dissesse ele o que disse na Suíça, por exemplo, e, seguro, seria olhado de soslaio e chamado cabotino ou tartufo. Sucede que aqui, na pátria, em honra aos ditos mansos costumes da raça, só não é olhado de soslaio. Nicky Florentino.

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Evasão. O propósito era mais o sossego do que a distância, o abandono. A pátria, porém, como é, sôfrega, convocou com urgência os danados daqui. Eles preferiam escutar Something for October, um dos aspects que Benny Carter registou no final do Verão de mil novecentos e cinquenta e oito para a etiqueta Blue Note. Mas o que corre em fundo é Fever frei! dos Rammstein. E os danados não podem recusar um convite para o mosh. É mais forte do que eles, o apelo. Enfim, não era para ser assim, mas assim foi. A evasão foi breve, brevíssima. O Marquês e Segismundo.

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2003-10-01


Outubro, Outono, let it rain. Os danados deste tugúrio vão ausentar-se para parte incerta. Em consequência serão interrompidas as apostas por alguns dias, não se sabe quantos, se poucos, se muitos. É sempre assim, inexacta a demora. Não é uma crise de cinismo, os danados não vertem lágrimas, é apenas a disciplina das circunstâncias. Chove lá fora. À cautela, as portas e as janelas ficam abertas, o costume. Embora se suspeite que jamais alguém, quem quer que seja, venha aqui procurar abrigo. Ninguém gosta de nós. Pelo menos, assim tanto. Por isso, um dia, regressaremos sem aviso. Apenas para danar. É esse o nosso horizonte. O Marquês e Segismundo.

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Life’s a bitch, then you die
Black hell
Hell’s ditch – naked howling freedom

Citação, sem autorização, de parte de uma lírica de Shane MacGowan. Segismundo.

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Disse o senhor dr. secretário-geral do PS, “a política não é uma juke box, em que se meta uma moeda com promessas para depois sair um disco rachado”. Olha!, aposto dobrado contra singelo em como desta ainda nenhum outro alguém se tinha apercebido. É que a vertigem dos compact discs é tal que já não há vivalma que se recorde de discos rachados. Riscados ainda é como o outro, agora rachados... Não é de crer. Nicky Florentino.

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Arguto, o senhor dr. secretário-geral do PS acusou a manha do presidente do PSD. Disse ele, “o truque que o dr. Durão Barroso procura seguir é o de deixar falar em dois mil e seis e passar a falar em dois mil e dez. Mal de Portugal se tiver que aguentar este Governo de direita durante tanto tempo”. Entretanto, em surdina, entre a cambada socialista, sem que o dito senhor dr. secretário-geral do PS pareça perceber, há uns quantos que recorrem a semelhante expediente. Como quem não quer a coisa, têm deixado de falar no senhor dr. Eduardo Ferro Rodrigues e passado a falar em qualquer outra criatura. Temem eles que mal estará o partido do Rato se tiver que aguentar a balofa e capadócia liderança durante tanto tempo. Chiça!, como a vida, apesar de todas as diferenças, é tão igual. Cheia dos mesmos truques. Nicky Florentino.

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2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).