Regresso. Lisboa. Quase nada passava das seis horas, madrugada, quando ele tocou à campaínha. Ela pouco demorou. És tu, disse ela, sonolenta, sem aparentar surpresa ou estranheza. Entra, autorizou ela, abrindo mais a porta. Ele entrou. Há quantos meses não te via?, dois?, três?, perguntou ela. Desculpa, não devia ter vindo, disse ele. Não peças desculpa, és assim, surges quase sempre de madrugada e raramente avisas, sossegou-o ela. És louco, mas estou habituada a essa forma louca de seres, confessou-lhe. Ele percebeu alterações na casa, na decoração, mas não conseguiu precisar o que tinha mudado. Vejo que já trazes o jornal – o costume, não é? –, disse ela. Senta-te. Ele sentou-se. Então, o que vieste aqui fazer?, perguntou-lhe ela. Não sei, tentar falar de amor, disse ele. Isso não existe, o amor não existe, o que existe são os amores, provocou-o ela. Ele baixou os olhos. Fui eu que te disse isso, não fui?, inquiriu ele. Ela sorriu apenas. E foi directa a uma pergunta que ele não esperava, vens para me amar? Fez-se um breve silêncio antes da resposta. Não, venho para ver o Tejo a acordar. Sei que daquela janela, apontou-a, consigo fazê-lo. Ela apagou a luz da sala, correu os cortinados, abriu a janela e abraçou-o, aninhando-se nos seus braços, transmitindo-lhe o calor de mulher. Estava à tua espera, sabias? Ele não sabia. Beijou-lhe a face e tentou fingir as lágrimas. Então?, anda cá, disse ela. E ele foi. Já tinha ido. Segismundo.