No artigo estampado na edição de hoje do Público, o José torna ao tópico da duplicidade. Compreende-se, sendo humano, não há como escapar-lhe antes da morte. Montaigne escreveu num dos seus Essais que "a vida é um movimento desigual, irregular e multiforme". Neste sentido, por ser a vida que talha as faces, não é possível ter e manter a todo o tempo apenas uma única e singular cara. É, pois, a vida que nos faz dúplices, tríplices, com tantas faces quanto as cabeças da hidra. Pelo que, como o mesmo Montaigne também escreveu, "é necessário aprender a sofrer o que não se pode evitar. A nossa vida é composta, como a harmonia do mundo, de coisas contrárias, assim como de diversos tons, doces e ásperos, angulosos e planos, suaves e graves". A duplicidade é, portanto, uma natureza e, por força das condições e das circunstâncias, uma instituição. Apenas indesejada porque existe a propensão que nos obriga a imitar a ficção do deus uno, criatura de uma única aresta, perfeita, esférica, absoluta. Essa, porém, é uma figura que não convém às pessoas, no sentido em que é avessa às suas próprias identidades, de natureza e de instituição. E contra isso deus nada pode, não por fraqueza sua, mas da humanidade. Segismundo.