Era para ter sido acontecimento discreto, reservado, sem publicidade. Mas assim não foi, pois alguém denunciou a visita dos três, o crítico, um danado daqui e um pulha, ao Animatógrafo, ainda que, por alguma reserva de decoro, esse mesmo alguém tenha evitado reportar os pormenores mais sórdidos do episódio. Foi assim.
Uma vez fechado na cabine, a assistir ao peepshow, o crítico começou a cantar a Cavalgada das Valquírias, imitando a célebre cena do Apocalypse Now. O danado deste tugúrio, por seu turno, simulou tapar os olhos com as mãos e gritou ó mãezinha!, tira-me daqui!, leva-me para Bragança!, o paraíso onde não há vitrinas. Tentou, depois, fazer o pino, mas o acanhado espaço da cabine não o permitiu. Caiu desamparado e praguejou durante o espectáculo coisas como Charlie don’t surf. Fez a figura triste do costume. O pulha, esse, ao ver a húngara - ou seria búlgara?, as bandeiras são parecidas - de gatas e a alçar a perna, como fazem os cachorros, começou a uivar, parecendo haver domiciliada nele uma alcateia famélica. Chegou a ouvir-se o chiar das suas unhas no vidro, ao mesmo tempo que, num ritmo sincopado, ele, o pulha, repetia ó Natália!, tu agarra-me, tu segura-me. Entretanto, do lado oposto, ouviu-se o crítico a exclamar allegro!, não, allegro vivace!, lindo!, lindo!, lindo! Jaquinzinhos!?, mas qual jaquinzinhos!?, foram, em interrogação, as suas últimas palavras. Enquanto isso, o danado continuava a clamar pela mãe, ó mãezinha!.., e o pulha continuava a uivar, au!, au!, au!, auuuuuu! Não há outros sobreviventes. O Marquês.