2005-03-31
Atira-te ao mar e diz que te empurraram. A edição de hoje do Público trazia uma revista inédita, a Atlântico. Parece que é uma publicação inclinada para a direita, seja lá para que lado isso fique. E tem, entre outras, uma virtuosa propriedade. Não tem preço na capa, o que, embora se saiba não haver borlas na puta da vida, sugere gratuitidade. Para além disto, fica a saber-se que o éne de Atlântico pretende significar “não ao clientelismo que transforma os cidadãos em funcionários”. O que queira isto dizer, por sugerir o raio da clientela como sendo apenas um rol de burocratas, é que não se sabe. Não é afirmação de direita. Também não é de esquerda. Mas compreende-se. Não há oceano que não meta água. Muita. Nicky Florentino.
Quando as viagens na minha terra são tão menos do que a viagem ao fim da noite. Ele há chãos que salgados parecem boa, muito boa ideia. Segismundo.
Porque a vida é uma única canção, Wake up death man.
Jesus, Jesus help me
I'm alone in this world
And a fucked-up world it is too.
Tell me, tell me the story
The one about eternity
And the way it's all gonna be.
Wake up, wake up dead man
Wake up, wake up dead man.
Jesus, I'm waiting here, boss
I know you're looking out for us
But maybe your hands aren't free.
Your Father, He made the world in seven
He's in charge of heaven.
Will you put a word in for me?
Wake up, wake up dead man
Wake up, wake up dead man.
Listen to the words they'll tell you what to do
Listen over the rhythm that's confusing you
Listen to the reed in the saxophone
Listen over the hum of the radio
Listen over the sound of blades in rotation
Listen through the traffic and circulation
Listen as hope and peace try to rhyme
Listen over marching bands playing out their time.
Wake up, wake up dead man
Wake up, wake up dead man.
Jesus, were you just around the corner?
Did you think to try and warn her?
Were you working on something new?
If there's an order in all of this disorder
Is it like a tape recorder?
Can we rewind it just once more?
Wake up, wake up dead man
Wake up, wake up dead man.
Wake up, wake up dead man. © U2. Segismundo.
Ícone pop. A vida suporta-se em corpo. Por isso, para que não subsistam dúvidas, insistem em exibir o Papa à janela. E os fiéis, extasiados, encharcados em gáudio e júbilo, agradecem. É uma novela como qualquer outra. Da vida real. A anunciar a morte anunciada. Segismundo.
All the faces, other voices. Sabes?, o tempo começou a corrigir-me. Agora o cansaço atordoa-me o corpo, sem o afligir. E aprendi um segredo que não posso revelar a não ser pelo ritmo enganado do meu coração (...... ...---.--..-..-.-. ....--..-..-..---... .--..-.-..- -...-.-.-.--- -... ..---.- .-....----.-..). Adeus. Até ao teu regresso. Um beijo. Escreveu-lhe ela. Segismundo.
And you give yourself away. Achas que é aí que te começas?, perguntou-lhe ela. Não, ainda estou a fugir, foi o que ele respondeu. Segismundo.
A vida é bela. Pela terceira noite consecutiva, três horas de sono, depois insónia. O que significa que ele está a crescer. Mas não em juízo. Segismundo.
2005-03-30
As escamas do Leviatão. No nordeste, o espaço que congrega o Norte e o Ocidente, os partidos políticos já não são o que eram, mas ainda são. Não obstante a manifesta cartelização e a crescente indiferenciação ideológica ou organizacional, os partidos políticos continuam a desempenhar missões que nenhuma outra instituição, com igual eficácia, eficiência e extensão, parece conseguir desempenhar. Continuam a ser instrumentos de arrebanhamento de votos. Continuam a ser máquinas de alocação de pessoal a
O lugar da tranquilidade. Na edição de ontem do Público, José Vítor Malheiros escreveu, “um novo Governo não pode viver num off-shore político”. A questão tem dois sentidos. É o Governo que produz o seu estado de graça?, escondendo que governa, ou são os gentios que emprestam um estado de graça ao Governo?, para que não governe. Em rigor, Governo é coisa de que a pátria não carece. Os gentios, tranquilos, são perfeitamente capazes de se governar a si-mesmos. O que já foi percebido há muito tempo. Por exemplo, em Fevereiro de miloitocentosedezanove, Benjamin Constant, esse desgraçado que se envolveu com mais mulheres do que vezes se bateu em estouvados duelos de honra, pronunciou isso mesmo no final da célebre prelecção De la liberté des anciens comparée a celle des modernes, utilizando os seguintes termos, “a obra do legislador só estará completamente terminada quando alcançar a tranquilidade do povo. Mesmo depois de o povo estar satisfeito, muito há ainda a fazer. É necessário que as instituições realizem a educação moral dos cidadãos. Respeitando os seus direitos individuais, cuidando da sua independência, não interferindo nos seus afazeres, as instituições devem consagrar a influência dos cidadãos na coisa pública, apelando-lhes que concorram, pelas suas determinações e pelo seu sufrágio, no exercício do poder, garantindo-lhes um direito de controlo e fiscalização através da manifestação das suas opiniões, educando-os pela prática no exercício dessas nobres funções, dando-lhes, ao mesmo tempo, o desejo e a faculdade de as desempenharem de forma correcta”. Ora, há muito que, em Portugal, se foi para além deste estádio. Os gentios sabem-no. Os governantes também. É essa, a traquilidades, uma das suas maiores felicidades comuns. Nicky Florentino.
Página do livro dos conselhos, ii. Jantar no número setentaeseis do Sacramento a Alcântara. Segismundo.
A condição humana. É o que nos permite chamar nomes aos peões quando somos condutores e o que nos permite chamar nomes aos condutores quando somos peões. Pedro dixit. Segismundo.
Ecce homo, ii. Quem é o Pedro? É o fulano que, quando bordeja a Meia-Laranja em direcção a Alcântara, mete o rádio a debitar uma amostra de Codex Necro, álbum dos Anaal Nathrakh, e, com o carro, aborda as lombas inibidoras de velocidade, here we go!, como se fossem rampas de lançamento. Segismundo.
Reencontro. O Zé Vitório já foi revolucionário. Também já foi treinador de futebol. Já viveu com uma ninfomaníaca, até à exaustão. Já se envolveu em confrontos domésticos com um rato e com formigas. Uma constante na identidade do Zé Vitório, portanto, é o seu carácter aventureiro. Uma outra prova desse facto. Lá na terra da raia, tinha ele pouco entrado nos trinta, andou envolvido com uma moça com metade do seu tempo, dezasseis anos ou perto. Houve dois motivos para isso. A rapariga era de carnes que convidavam e, não menos determinante, filha de um agente da PSP que, vá lá saber-se porquê, não tinha boa impressão dele. Há pouco tempo, quiseram as circunstâncias e as burocracias da puta da vida, tornaram a encontrar-se. Que agora estava metida na indústria farmacêutica, a trabalhar com reagentes, disse-lhe ela. E que, há uns tempos atrás, quando atravessava a ponte de San Francisco, se recordara demoradamente dele e das conversas que com ele mantera sobre a imensão de alguns lugares do mundo. Lembras-te dessas conversas?, perguntou-lhe ela. O Zé Vitório, que já não tinha tido paciência para indagar o que eram isso os reagentes, mentiu na resposta, pois claro, e mereceu um sorriso. Segismundo.
Riscos. Há épocas para tudo. Houve uma em que o Zé Vitório tinha a mania de riscar os carros que lhe estorvavam ou impediam a progressão pelos passeios da cidade grande. Havia ruas onde essa mania se estendia de uma ponta à outra. Uma única vez, confessa, foi assomado de temores. Estava ele no cumprimento do seu acto malandro, como se estivesse em piloto automático, quando ouviu um barulho estranho atrás de si. Por instantes julgou-se surpreendido, em acto de delito. Mas não. Era outro como ele, mas mais leve, que caminhava sobre os carros. Como é da praxe, à passagem de um pelo outro, sem se deterem, give me five!, cumprimentaram-se à man. E prosseguiram na sua confiada missão. Segismundo.
Capacho assado no forno. Após uma inundação na parte comum do prédio provocada por ele, o Zé Vitório decidiu secar o tapete da vizinha, tapete que, com a ocorrência, havia ficado encharcado. O forno do fogão pareceu-lhe a sede adequada para tal missão. E lá colocou ele o tapete brevemente escorrido. O processo de secagem parecia estar a surtir efeito, conforme desejado. Entretanto, ouviu ele alarido lá fora. Tratou de ir averiguar. Abriu a porta e constatou que a vizinha havia convocado o administrador do condomínio para lhe dar conta do furto do tapete da porta de entrada de sua casa. O Zé Vitório, rapaz avesso a equívocos, lá tratou de explicar o que havia sucedido. Que as torneiras eram mecanismos exóticos. Que, por isso, havia acontecido ali uma inundação qualquer, com dois ou três centímetros de água a cobrir o chão. E que tinha ele resgatado o referido tapete, com o objectivo, primeiro, de o secar e, depois, devolver à procedência. A vizinha ficou agradecida pela decisão e pelo consequente gesto do Zé Vitório e, para demonstrar recíproca simpatia, entabulou extensa conversa com ele. Começava já o Zé Vitório a ficar enfadado com o diálogo, mas sem motivo ou coragem para o terminar, quando lhe cheirou a esturro. Segismundo.
Ecce homo, i. Quem é o Zé Vitório? É o único fulano que, quando a esplanada do Saldanha Residence está apinhada, consegue estar sentado a uma mesa, sozinho, com três cadeiras vagas, sem por uma vez sequer ser importunado pela fauna circunstante. Segismundo.
Crash, tempo ii. Tinham elas já atingido o estádio de se agarrarem pelos cabelos quando o primeiro homem se atreveu a aproximar-se delas e a reclamar calma. Embora com dificuldade, conseguiu. Elas separaram-se por instantes. Mas a cena não ficou mais bonita. A loura voltou a chamar puta à morena. Tornaram a ficar fisicamente assanhadas. E o desgraçado que havia acorrido em nome da civilidade foi abalroado, batendo com a cabeça no asfalto. Aconteceu-lhe sangue. Do que resultou que o simpático homem foi o único ferido contabilizado na ocorrência. Segismundo.
Crash, tempo i. Travagem brusca. Encosto ligeiro. De um carro, um BMW, saiu uma mulher bonita. Do outro, um Mercedes-Benz, também. Qualquer delas saiu agitada. E fresca. Ainda antes de verificarem os estragos, uma e outra pegaram no respectivo telemóvel. Entretanto, o trânsito estancou. Não por elas. Mas porque não havia passagem possível. As duas começaram a ficar ainda mais agitadas. Passado um lapso mínimo de tempo, um minuto, dois minutos, iniciaram uma troca de ofensas. Primeiro verbais. Depois evoluíram e tornaram-nas físicas. Ele, fechado na cápsula, a assistir da primeira fila - porque não conseguia sair da situação -, limitou-se a aumentar o volume do rádio. A banda sonora que emprestou à zaragata entre as mulheres foi a de Sideways. Segismundo.
Stabat mater. © Ellen von Unwerth. O Marquês.
2005-03-29
The dark side. Estão tão serenos os gentios, em seu sossegado descanso e em sua tranquila vida, por lhes parecer que ainda não existe Governo da pátria montado e a congeminar governações. Nicky Florentino.
Captações, xxiv. N’The Satanic Verses.
000“Pergunta: qual é o contrário da fé?
000“Não é a descrença. Demasiado definitiva, segura, fechada. Ela própria uma espécie de fé.
000“A dúvida.
000“A condição humana, pois, mas então e a angélica? A meio caminho entre Aládeus e o homosap, terão eles algumas vez duvidado? Duvidaram: desafiando um dia a vontade de Deus, esconderam-se a murmurar um pouco abaixo do Trono, atrevendo-se a perguntar coisas proibidas: anti-perguntas. Estará certo que. Não poderia discutir-se o caso. Liberdade, a mais antiga antiguidade do mundo. Ele sossegou-os, naturalmente, servindo-se das suas artimanhas de governante à la deus. Lisonjeou-os: vós sereis os instrumentos da minha vontade na terra, da salvaçãodanação do homem, e todo o etcetera do costume. E, pronto, acabaram-se os protestos, tomem lá as auréolas, voltem ao trabalho. Os anjos são fáceis de pacificar; basta transformá-los em instrumentos e eles tocam logo a música de harpa que se lhes pedir. Os seres humanos são mais duros de roer, conseguem duvidar de tudo, até da evidência dos seus próprios olhos. De trás dos seus próprios olhos. Daquilo que, enquanto eles se afundam no sono, com pálpebras de chumbo, sucede atrás dos olhos fechados... os anjos, esses, não têm grande força de vontade. Ter vontade é discordar; não se submeter; divergir”. Segismundo.
Canône. O senhor cardeal-patriarca das criaturas devotas à madre e santa igreja católica apostólica romana entende que andam para aí a ensaiar hermenêuticas sobre os ditos e feitos do menino Jesus que não ajudam à fé na causa. Não é de estranhar. Pois é fenómeno que tende a acontecer às lendas. Segismundo.
®. A compra do Público não é um acto anódino. Ontem, por exemplo, o raio do jornal trazia um suplemento que, como a Xis - ao sábado -, interessa a qualquer criatura. Era uma revista, a revista da propriedade industrial, com o título Marcas & Patentes. Segismundo.
Contra a solidariedade parental. A família é uma das instituições sociais mais inconvenientes. No passado domingo, imbuída do espírito da estação, provavelemente convicta que o cordeiro pascal servira para redimir antecipadamente todas as faltas, a mãe dele apossou-se da chave do seu carro, deixando uma nota lacónica, em que o aconselhava a levar outro carro para o seu destino, o mesmo que o dos seus pais. Tomada de urgência, ela, a mãe, não se lembrou de lhe deixar a chave de outro carro, qualquer que fosse. Também não interessava. O paizinho, cioso guardião da frota automóvel, temendo desvios, tratara de levar todas as chaves enfiadas nos bolsos. O costume. Até aqui tudo bem. É previdente não haver atrasos relativamente a almoços onde antecipadamente se sabe que irão estar as cinco pequenas bestas devoradoras. Mas jamais tudo é tão simples quanto devia ser. Ontem, ao entrar no seu carro, recuperado, ele teve dificuldade em acomodar-se. O senhor seu pai, quando utilizou o veículo como se fosse o seu indisputado proprietário, pretendendo ajustá-lo à sua condição, inclinou o banco para diante, afundou-o, chegou-o para a frente, quase o máximo, e, como se não bastasse, ainda levantou o volante. Foram necessários alguns minutos, bordados continuamente a imprecações e outros dispositivos de catarse, antes que tudo voltasse à afinação que é normal para o único e legítimo proprietário do veículo. Ao lado, à mãezinha, que não percebera o que se passara, o filho, já não o filhinho, apenas lhe pareceu louco. De nada adiantou a tentativa de elucidação da senhora relativamente ao motivo do processo, a busca da normalidade, e das palavras. Pois, entretanto, quando começava a inclinar-se a fornecer tal explicação, ele apercebeu-se que o cêdê que devia soar lá dentro, na cápsula do seu automóvel, havia desaparecido. Segismundo.
Página do livro dos diálogos, iii. Eledois, não discuto. Eleum, mas ela já chegou. Eledois, ela?, quem? Eleum, ela, a tua loucura. Eledois, a minha loucura?, não pode ser. Eleum, eu estou a vê-la. Eledois, estás a vê-la?, estás a ver mal. Eleum, não estou a ver mal, ela está aí, em ti. Eledois, desculpa, eu não tenho gelo no copo, é só isso. Eleum, tu nada tens no copo. Eledois, eu sei, bebi o que restava. Eleum, e ela viu. Eledois, ela?, quem? Eleum, a loucura, a tua loucura. Eledois, a minha loucura? Eleum, sim, a tua loucura. Eledois, a mim falta-me gelo no copo, eu não estou louco. Eleum, tu nada tens no copo. Eledois, eu sei que nada tenho no copo, a máquina não tem gelo. Eleum, ela sabe isso também. Eledois, ela?, quem? Eleum, a tua loucura. Eledois, desculpa, eu não estou louco, apenas quero gelo. Eleum, ela sabe. Eledois, ela não pode saber. Eleum, mas ela sabe. Eledois, não sei. Ela, olá. Eleum, eu não te disse. Eledois, tu não me disseste o quê? Eleum, que ela estava aqui, em ti. Eledois, ela?, ela quem? Eleum, ela, a tua loucura. Eledois, mas eu não estou louco, apenas não tenho gelo no copo. Eleum, pois não, nada tens no copo. Eledois, então vou enchê-lo outra vez. Ela, olá, sou eu, posso entrar?, saindo. Segismundo.
E ao quinto dia. Depois da mentira, porque a mania de contar pelos dedos é mais conforme à ordem decimal do que considerar o universo a partir do número da trempe divina, este tugúrio está como sempre devia ter estado e nunca esteve. Noir. E a dar música. Pimba! Gregório R.
2005-03-24
Pim pam pum. É a paixão deste tugúrio. É o fim. Assim. E, à danado, sem beijos a troco de trinta dinheiros. Gregório R.
The end. É deste tempo, quaresmal. Morre-se. Os mais desgraçados, cavilhados num cepo crucífero. Os danados, condenados e agrilhoados por si a si-mesmos. O que é apenas uma outra forma de dor. O Marquês.
Les uns et les autres. Opinou o senhor dr. Rui Gomes da Silva, em artigo estampado na edição de hoje do Diário de Notícias, “os que «condenam» PSL à «morte política» são os que decretaram o fim da carreira de Guterres, quando desistiu da governação do país, na sequência da desastrosa derrota nas autárquicas de 2001 e hoje o tentam «empurrar» para candidato presidencial da esquerda em 2006”. Quando a capacidade de diferenciar não ajuda, o juízo não é moderado e excede-se. É que os tais não são necessariamente os mesmos. Há-os de uma raça e há-os de outra. O que é só para complicar. Nicky Florentino.
Photomaton e comensalidade. Raramente o jantar é uma refeição inocente. Hoje, por exemplo, ele jantou com o homem que fotografou António Chapalimaud com luvas de boxe. E Aníbal Cavaco Silva com um cão ao colo. O homem veio à cidade pequena. E, como ele, comeu polvo à lagareiro. Embora, a ambos, por mania, lhes apetecesse carne. Segismundo.
Captações, xxiii. N’The Satanic Verses.
000“Viverá quem ama a sua dor? «Não torna a acontecer», sossegou-o ela. «Tens aqui a melhor ajudante do mundo». Ele interrogou-a acerca de questões de dinheiro e, quando Allie tentou iludir as perguntas, insistiu com ela para que pagasse as despesas psiquiátricas com a pequena fortuna que ele trazia escondida no cinto. Continuava bastante desanimado. «Podes dizer o que quiseres», resmungou em resposta ao alegre optimismo dela. «A loucura está aqui, e fico doido só de pensar que pode sair cá para fora em qualquer altura, e ser outra vez ele a dominar-se». Gibreel começa a designar a sua personalidade «angélica», «possessa», como se se tratasse de uma pessoa: na fórmula beckettinana, Eu não. Ele. O seu Mr. Hyde pessoal. Allie tentou argumentar contra a ideia. «Não é ele, és tu, e quando ficares bom é que há-de deixar de ser tu»”. Segismundo.
A insustentável leveza da mesmidade. Durante uma parte da vida ele tentou crescer e preservar a memória desse processo utilizando as coisas que ia comprando. Julgava ele que a memória era sobretudo rasto visível, património. Mais tarde, não muito, ele passou a investir também em experiências. Não lhe diminuiu a estupidez. Apenas lhe alterou a gramática da memória. Agora, para ele, a memória é também o fio invísivel pelo qual se relaciona com um tempo
Com a verdade me enganas. Cá, neste tugúrio, mania, habitualmente temos inveja do que o Rui aposta. Este é apenas um exemplo - agora igualmente domiciliado aqui. E este também. Segismundo.
O mundo ao contrário. Há a tendência a afirmar - e provavelmente a sentir - a primavera como um tempo de princípios. É engano. A primavera é continuação. Começos, se os houver, acontecem no outono, discretos. Quando tudo parece começar a falir. Quando o carrocel afrouxa. Mas não pára. Segismundo.
Descubra as diferenças. Foi curto o intervalo entre os dois últimos concertos dos Mão Morta que ele foi ouver.
Onze de Março | 000Vinteetrês de Março |
Tomar, Cine-Teatro Paraíso | 000Lisboa, Aula Magna |
01. Gumes | 00001. Gumes |
02. Anjos de pureza | 00002. Anjos de pureza |
03. Arrastando o seu cadáver | 00003. Arrastando o seu cadáver |
04. Tornados | 00004. Tornados |
05. O jardim | 00005. O jardim |
06. Estilo | 00006. Estilo |
07. Velocidade escaldante | 00007. Velocidade escaldante |
08. Tu disseste | 00008. Tu disseste |
09. Cárcere | 00009. Cárcere |
10. Paris (amour à mort) | 00010. Paris (amour à mort) |
11. Vertigem | 00011. Vertigem |
12. Gnoma | 00012. Gnoma |
13. Morgue | 00013. Morgue |
___encore___ | 000___encore___ |
14. Humano | 00014. Escravos do desejo |
15. Primavera de destroços | 00015. Lisboa (por entre as sombras e o lixo) |
15. Lisboa (por entre as sombras e o lixo) | 00016. Vamos fugir |
00017. Cão da morte | |
00018. Anarquista Duval | |
000___encore bis___ | |
00019. Amesterdão (have big fun) | |
00020. Oub'lá |
Mas foram muito diferentes, os concertos. E a diferença mais significativa entre ambos não foi sequer o lote dos temas interpretados após o set principal. Foi a amplificação. Segismundo.
2005-03-23
Não há coincidências. Vinte.trinta. Morais Soares. Um semáforo cintilava vermelho. À direita, o muro do Alto de São João. À esquerda, como arrastando o seu cadáver, ainda o rasto de uma morte anunciada. Nicky Florentino.
Página do livro dos sonhos interrompidos. Foi assinalado um penalty. O jogo seria resolvido nesse derradeiro lance. Ninguém queria assumir a responsabilidade. Convocaram-no. Ele estranhou. Estranhou não a convocação. Estranhou a renitência dos outros, todos, em marcar o penalty. Ele entrou em campo. Aproximou-se da grande área. O guarda-redes perfilou-se. O árbitro entregou-lhe uma folha de papel áquatro. Não havia bola. Ele teria de rematar uma folha de papel áquatro. Observando a sua demora, alguém da sua equipa lhe tomou a folha das mãos e a colocou na marca da maior das penalidades. Assente sobre a terra, a folha de papel quase se tornava indistinta. Apenas a sua alvura contrastava. Ele hesitou durante mais algum tempo. Depois dirigiu-se à folha de papel, pegou-a e amarrotou-a, tentando dar-lhe uma forma esférica. Voltou a colocar a folha de papel sobre a marca. No momento de tal gesto, à sua volta fez-se um silêncio súbito, seguido de um murmúrio alargado. Os adversários, ultrapassado o seu atónito estado, reclamaram. Aquele gesto não era conforme as regras do jogo, avisaram. Os da sua equipa demoraram mais a sair do espanto. E não sabiam o que argumentar. O árbitro, em jeito salomónico, decidiu que, se embrulhada, ele não poderia chutar a folha do chão. Teria de rematá-la de um plano mais elevado. Para isso, foi colocada uma mesa no local da marca de grande penalidade e, sobre ela, a folha de papel enrolada. Segismundo.
Pêndulo. Hoje, mais uma viagem. Ida e volta. Urgente. Diferente das outras, antigas. Hoje há-de custar a solidão do trânsito. E não se sabe se recompensa o breve destino na cidade grande. Não pelo breve destino, que é compensador. Mas por quem vai no seu alcance, que não está para compensas. Segismundo.
Página do livro dos diálogos, ii. Ela, estás bem? Ele, não, não estou bem. Ela, então? Ele, sinto que estou a morrer. Ela, não te preocupes, isso passa antes de morreres. Segismundo.
Página do livro dos demónios, iii. As vozes fazem coro na recriminação, foste tu!, e insistem intempestiva e repetidamente no refrão love will tear us apart. Segismundo.
Página do livro das maravilhas, ii. O arco-íris invertido é um fenómeno raro. Merece ser investigado. Mas ele, com os braços em vazio nocturno novo, está mais inclinado a ouvir Currituck County. Segismundo.
Página do livro dos equívocos. Sementes de sésamo não são sementes de césar. A césar ninguém roga abertura. Segismundo.
Página do livro das latitudes. Há coisas que apenas em aparência não cabem no mesmo mundo. α, ouver um recital de prosa por Adolfo Luxúria Canibal, sobre um friso musical por António Rafael, e, pouco depois, ω, deglutir avidamente um BigMac. Segismundo.
Os monstros são nossos amigos. Suite de três tempos sobre anjos, com ilustrações pelos Mão Morta. Segismundo.
2005-03-22
Voltar para dentro. Com a intensificação da integração de Portugal no que hoje é a União Europeia, os homens com as mãos nas rédeas da pátria viram-se privados de um dos espaços de discricionariedade habitualmente utilizados para consertar a situação económica da comunidade imaginada, a política monetária. E uma das consequências do estreitamento do espectro de acção da acção soberana foi que a política fiscal, no modo como afecta os gentios, se tornou, então, um dos mecanismos de inscrição e de identificação nacional. Daí que se sintam mais portugueses quando pagam impostos do que quando olham para o umbigo, lêem Camões ou fazem trocos. Nicky Florentino.
Dos contratos. Disse o senhor primeiro-ministro, novo contrato para a confiança. Não era bonito chamar-lhe contrato para novo engano. Mas, provavelmente, era mais exacto. Nicky Florentino.
Agenda para longe. Dezassete de Agosto, praia fluvial do Tabuão,
Agenda. Quarta-feira, vinteetrês de Março, vinteeum.trinta,
Página do livro das disputas, ii. Puta discussão sobre bolacha baunilha e respectivas migalhas. Não interessam os argumentos aduzidos por qualquer das partes em contenda. Todos sabem que a situação ideal de diálogo imaginada por Habermas é isso mesmo, uma situação ideal. E, porque estão na real, até ao próximo fim-de-semana, os outros hão-de saber quem é que conhece a origem dos melhores pastéis-de-nata do mundo, mundo inteiro, o dele. Segismundo.
Página do livro das disputas. Ele insiste. O melhor dos smarties é o smartie azul. Os outros não acreditam. E, coitados, também não sabem. Segismundo.
Página do livro das maravilhas. Formalmente, os smarties são elipsóides. E, segundo os resultados de uma investigação recentemente realizada em Princeton, numa situação de empacotamento com a máxima densidade possível - isto é, com uma ocupação de setentaesete porcento do espaço disponível -, cada smartie pode tocar catorze smarties vizinhos. Segismundo.
Gula. No Sítio da Catraia os outros provaram um bolo muito bom e confessaram-lhe. Ele disse-lhes que ali os bolos são sempre assim. Ou melhores. Pois, com a verdade, sabia ele ganhar o jogo da inveja aos outros. Segismundo.
Página do livro dos diálogos. Ela, regressaste? Ele, não. Ela, então o que fazes aqui?, trouxe-te a chuva? Ele, fuji. Ela, fugiste para mim? Ele, não, fuji de ti. Ela, fugiste de mim vindo ao meu encontro? Ele, não, tu é que me encontraste, eu fuji. Ela, não compreendo. Ele, eu também não. Segismundo.
2005-03-21
Camaradagem. Parece que o senhor Armando Vara vai ser prometido à Assembleia Municipal de Vinhais. O senhor candidato socialista à respectiva Câmara Municipal explicou a conveniência, o senhor Armando Vara “trata o primeiro-ministro por tu” e, para além disso, ”toma café com os membros do governo”. É isto a puta da inocência enunciada. Nicky Florentino.
O estranho caso do caso arrumado de que tanto se fala. Não se compreende tanto parlapié e tanta prosa a propósito dessa tal coisa chamada Bombardier. O senhor dr. Paulo Portas, quando senhor do passado Governo, não resolveu já o assunto? Andam agora a complicar porquê? Mania. Só pode. Nicky Florentino.
Sanha liberal. Por ordem da Alfândega de Lisboa, quatorze euros e noventaetrês cêntimos. Taqueospariu. E pelo atraso também. Segismundo.
Página do livro dos mistérios. A chuva não é conforto. Não é daí, pois, que vem o prazer de a sentir. A chuva é corpo dissoluto que, pródigo, ao corpo regressa. Segismundo.
Coisas simples. Outrora, esta chuva seria a alegria dele. Segismundo.
Página do livro das interrogações, ii. Não. Porquê?, porque era impossível? ou porque ele não foi capaz? Segismundo.
Página do livro dos demónios, ii. Atropelam-se as vozes. Dentro. Segismundo.
Página do livro das companhias, ii. Equinócio da primavera. Ao mesmo tempo que o silêncio, as vozes regressaram. Segismundo.
Porque a vida é uma única canção, A forest.
Come closer and see
See into the trees
Find the girl
If you can
Come closer and see
See into the dark
Just follow your eyes
Just follow your eyes
I hear her voice
Calling my name
The sound is deep
In the dark
I hear her voice
And start to run
Into the trees
Into the trees
Into the trees
Suddenly I stop
But I know it's too late
I'm lost in a forest
All alone
The girl was never there
It's always the same
I'm running towards nothing
Again and again and again and again. © The Cure. Segismundo.
Do ut des. Se dizer amo-te já não vale, vale o resto. E sempre. Segismundo.
O amor impossível. Ele, olá, sabes quem eu sou? Ela, não. Ele, sou o dr. estranho amor. Ela, e eu sou uma flor. Ele, uma flor? Ela, sim, sou um malmequer. O Marquês.
2005-03-20
QuatroxQuatro. Gasóleo não é gasolina. Por mais especial que seja o jipe. E o seu dono. Segismundo.
Porque a vida é uma única canção, Paint it black.
I see a red door and I want it painted black
No colors anymore I want them to turn black
I see the girls walk by dressed in their summer clothes
I have to turn my head until my darkness goes
I see a line of cars and they’re all painted black
With flowers and my love both never to come back
I see people turn their heads and quickly look away
Like a new born baby it just happens ev’ry day
I look inside myself and see my heart is black
I see my red door and it has been painted black
Maybe then I’ll fade away and not have to face the facts
It’s not easy facin’ up when your whole world is black
No more will my green sea go turn a deeper blue
I could not foresee this thing happening to you
If I look hard enough into the settin’ sun
My love will laugh with me before the mornin’ comes
I see a red door and I want it painted black
No colors anymore I want them to turn black
I see the girls walk by dressed in their summer clothes
I have to turn my head until my darkness goes
Hmm, hmm, hmm,...
I wanna see it painted, painted black
Black as night, black as coal
I wanna see the sun blotted out from the sky
I wanna see it painted, painted, painted, painted black
Yeah! © The Rolling Stones. Segismundo.
The sounds of silence. Há momentos em que a solidão domina, é toda dentro, alojada no corpo, corpo a perder o enunciado e a sensação do que é exterior, corpo a perder-se de si em si
Página do livro das sentenças, iii. Aprendermos o conforto é uma das consequências da vida. Segismundo.
Página do livro dos demónios. Culpa é enfrentar o espelho e não conseguir passar para o outro lado. Segismundo.
Página do livro das interrogações. Por que é que, depois de aprendermos a distingui-las do fogo, continuamos a olhar as mãos como se fossem incêndio? Segismundo.
2005-03-19
Página do livro das sentenças, ii. É quando merecemos o silêncio, tarde, que nos conhecemos. Segismundo.
Página do livro das hipóteses, ii. Parte da equação da vida resume-se a uma única e simples operação, viver. O sobejo, o que define a qualidade da vida, está relacionado como o modo dessa operação. Viver bem é a vida. Viver mal é a puta da vida. Segismundo.
Página do livro dos ofícios. Ser-se é trabalhar com ferramentas adequadas à profundidade, capazes de expulsar o fantasma alojado fundo, no corpo. Segismundo.
Vox. Há uma voz que lhe demora a madrugada e ele não sabe de quem. Segismundo.
Escolha. Pêndulo? ou trapézio sem rede? Segismundo.
Agenda. Trintaeum de Maio, Lisboa, Aula Magna, Antony & the Johnsons. Segismundo.
O lobo que queria ser anjo mau. No bosque havia um lobo. Esse facto era já estranho, por ser o lobo único e não peça de uma alcateia. Mas mais estranho era o facto de o lobo desejar ter asas. E desejava ter asas porque queria ser anjo. Queria ser anjo mau, para poder voar. Por tardarem as asas a rasgarem-lhe o dorso, um dia decidiu o lobo, com as patas, investir sobre a aldeia. E, pelo crepúsculo, lusco fusco, foi. Assomou à porta da quarta casa. Estava aberta. Sondou-a. Nessa operação usou o focinho e os olhos. Avançou sorrateiramente para o berço, em balanço curto, que estava junto à lareira. Observou brevemente o que estava sob o manto com bordado vermelho. Depois, lesto, devorou a criança que nele dormia. Regalado de carne tenra, tornou ao bosque. E continuou a esperar as asas. As asas que tardavam em rasgar-lhe o dorso e que, como anjo mau, lhe permitiriam voar. O Marquês.
2005-03-18
Achtung! O senhor presidente da JSD disse que, com ele, essa seita juvenil “não é domesticável”. E, para o demonstrar, confirmou, “eu não quero viver num país onde se vende a pílula do dia seguinte nas bombas de gasolina”. Soltem-no!, pois. Nicky Florentino.
Dificuldade de aprendizagem. Disse o senhor dr. Luís Filipe Menezes, “o dr. Santana Lopes ainda tem muito para dar ao partido e ao país”. É isto uma espécie de marrar contra o comboio. Para ver se, de facto, é duro. Nicky Florentino.
http://www.portugal.gov.pt. Ao contrário do estimado e propagandeado, o programa do Governo foi disponibilizado com um atraso de umas quantas de horas. O que significa que o raio do choque tecnológico ainda se estar a processar ao ralenti. Nicky Florentino.
Quando a bola não é redonda. No noticiário das três.trinta, da TelefoniaSemFios, uma voz feminina informou que o Sporting passou às meias-finais da Taça UEFA. Como se o disparate não fosse suficiente, informou ainda que, devido a lesão, o Sporting tinha sofrido duas baixas para o jogo da próxima jornada da Superliga, com o Futebol Clube do Porto. Uma delas era o Hugo. Segismundo.
Do (ab)uso. Uma coisa é comprar e utilizar o KingKard. Outra é ter que ver infinitas vezes o trailer de Mar Adentro. Segismundo.
Urgências. O corpo não é domicílio de equívocos. No dele, o que é raro, nasceu súbito uma urgência. Depois de ter visto The Life Aquatic with Steve Zissou teve que ir ver Million Dollar Baby. E foi. Segismundo.
Prolegómenos a uma crítica da salubridade das salas de cinema. Uma sala de cinema devia ter apenas lugares centrais. Jamais esgotar mais de metade da lotação. E, aí, não devia ser permitida a frequência de gente que, quando ri, ri vezes demais e parece que lhe estão a sugar o ar de dentro. Talvez isso não fosse garantia de que, à esquerda do espectador, sossegado, não se sentasse um casal envolvido em manobras e em sequências de beijos que, ocasionalmente, interrompia para observar o que corria no écran. Mas evitava outros desconfortos. Segismundo.
2005-03-17
A autoridade que vem de baixo. A bem desse superior bem e dessa superior inexistência que é a democracia, o senhor dr. Marques Mendes defendeu que se deve “diminuir o mais possível as acusações e contra-acusações de clientelismo político que afectam todos os partidos”. A conversa é bonita. Porém, neste ponto residem duas importantes questões. A primeira questão é uma questão de verdade. O que é que afecta o quê? São as acusações e contra-acusações de clientelismo político que afectam todos os partidos? ou são todos os partidos que afectam as acusações e contra-acusações de clientelismo político? Qualquer que seja a resposta, pouco importa. Apenas a imaginação permite diferenciar os termos da relação. A segunda questão é uma questão de identidade. Quem é o senhor dr. Marques Mendes? Agora, é um dos putativos esteios do Estado. Antes, pelo menos para aqueles a quem a memória não é relapsa, foi um dos compinchas, em acto, de um fulano chamado senhor dr. Fernando Nogueira. E não apenas nos inocentes jogos de sueca. Nicky Florentino.
Simpatias legislativas. O senhor dr. Jaime Gama, agora alcandorado na honra de senhor presidente da Assembleia da República, revelou que, em termos legislativos, não é adepto dos “pacotes grandiloquentes”. O que, dito como dito, não é bom augúrio. Nicky Florentino.
Limite. Por defeito e implicitamente, o direito à vida é também o direito à puta da vida. Por isso, enquanto direito, a vida não é, não pode ser uma obrigação. Os vivos já têm vínculos suficientes a si e aos outros. Não necessitam de mais grilhões. Postos pela vontade de deus. Ou pela vontade daqueles que, a brincar a deus, legislam para todos. Segismundo.
Porque o umbigo é o princípio do mundo, ii. A menina que exibia orgulhosamente o umbigo aproximou-se dele e, em Português açucarado, perguntou-lhe, ocê não tem calor?, não? Ele respondeu, não e o meu umbigo é mais bonito do que o teu. Segismundo.
Porque o umbigo é o princípio do mundo, i. Três trintonas. Executivas. Senhoras, pela aliança. Senhoras de si, pelo jeito armado e empinado. Alunas de uma pós-graduação qualquer adequada à sua condição. Estacionadas no corredor. Uma delas abriu o casaco, levantou a blusa e exibiu a barriga às outras. Olhem!, estou grávida. As outras olharam. E ele, que passava, não se fez rogado. Obrigou-a(s) ao embaraço. Segismundo.
2005-03-16
A política segundo o positivismo. Auguste Comte, o desgraçado que se lembrou de forjar o nome e o baptismo de uma das maiores inutilidades modernas, a sociologia, tinha a mania de pensar, levado numa espécie de optimismo empírico fatalista. Um dos seus raciocínios redundou nesta sentença, “se é evidente que a ordem política é a expressão da ordem civil, é pelo menos tão evidente que a própria ordem civil é apenas a expressão do estado da civilização”. O que, em termos aplicados, significa que saber o que será o próximo Governo, o décimosétimo constitucional, implica que, antes, se saiba o que é o pátrio povo. E, ainda antes, para se saber o que é o pátrio povo, que se saiba qual é o raio da sua humanidade. É esta a desgraça. Anunciada. Nicky Florentino.
Agenda. King.
Homem em cadeira. Adormecer durante a exibição de Goodbye Dragon Inn não é mais económico do que sair da sala. É apenas um outro modo de aproveitar o terrado. Segismundo.
Página do livro das companhias. Na cápsula, durante a viagem, soou Radiohead, No Surprises / Running from Demons, primeiro, e Santa Maria, Gasolina em teu Ventre, Free-Terminator / Falcão Solitário sem Ser Distorção, depois. Segismundo.
Página do livro das infracções. Hoje. Dezasseis.vinteedois. Quilómetro cinquentaecinco da Áum, sentido Norte-Sul. Dois batedores da GNR avançavam em superlativa infracção. Onde o limite máximo lícito de velocidade era oitenta quilómetros por hora, circulavam eles, como se estivessem por cima das regras, a velocidade superior a centoevinte quilómetros por hora. Os cavaleiros gêéneérres abriam alas a um veículo que circulava imediatemente atrás. Um Mercedes Benz. Azul escuro. Matrícula oitentaecinco-setentaeoito-ÉrreÓ. Há criaturas que, não tendo, julgam que têm direito a urgências maiores do que as dos outros. A essas criaturas, para as distinguir dos outros, convém chamar-lhes senhores. Segismundo.
Página do livro das sentenças. A dieta das pequenas bestas devoradoras não é tópico que mereça discussão. Ainda assim, seguro, pode dizer-se que as pequenas bestas de quatro patas tendem a ser menos bestiais do que as outras. Porque as outras crescem, sem crescer. Segismundo.
Página do livro dos conselhos. Chamem-lhe triciclo. Ele gosta. Ou Ulrich. Ou berbequim. Ou Yossarian. Também serve. Castorp é que não. Segismundo.
Página do livro das tentações. A tentação é dizer que nada é absoluto. Mas não pode ser. A ironia não permite. Não tem alcance tão certo. Segismundo.
Página do livro das hipóteses. Ser filho da noite não é ser filho da puta. Salvo se há coincidência nas condições. Segismundo.
Nocturna. Fora, o pio da coruja sagra-lhe a solidão a que a nicotina a obrigou. Dentro, ele inclina os olhos para a televisão, encontrando os corpos dramatizados em fato-de-banho vermelho da série Baywatch. Nenhuma das paisagens, porque o desencontro está escrito nelas, é bonita. Mas é assim a puta da vida. Segismundo.
2005-03-15
Diesel e rebuçados dr. Bayard. Não sei se foi alucinação ou impressão minha. Mas ouvi o senhor António Saleiro, presidente de uma seita chamada AssociaçãoNAcionaldeREvendedoresdeCombustível, a sustentar a venda de medicamentos em postos de abastecimento de combustível. Pena é que a criatura nada tenha enunciado sobre os bolbos de túlipa. Ou sobre a alpista. Nicky Florentino.
Todos os nomes. Se devia ser chamado senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa perguntaram ao senhor dr. Santana Lopes. Reagiu ele, assim, “chamem-me o que quiserem”. É isto o máximo de consciência possível do fulano em relação à sua identidade. Pois quando se é ninguém, sente-se no juízo, qualquer nome é adequado como nome. Nicky Florentino.
Juízo e genuflexão. A puta da honra é um recurso estranho. Que o diga o senhor Prof. Doutor Rosado Fernandes que, no estio de milnovencentosenoventaeoito, se lançou desbragadamente ao senhor eng. Gomes da Silva, então também senhor ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, afirmando-o falho de tino. É que hoje, para compensar, fez estampar, como publicidade, no Público, um anúncio de diz que não disse assim. É isto amochar. Nicky Florentino.
Notícias. O Público é um jornal extraordinário. Com a mesma desenvoltura trata Sartre e Aron, Einstein e Santana Lopes. Mas, de quando em quando, também estampa nas suas páginas peças e títulos de majestade duvidosa. Na edição de hoje, por exemplo, há um desses casos. Na página onze, sob “Ascenso Simões era um homem feliz na pele de secretário de Estado”, escrito em caixa alta, é reportada a diferente intensidade dos xi-corações que a rapaziada da seita governamental trocou ontem entre si, na cerimónia de tomada de posse dos últimos membros do Governo. Quando o importante, mesmo, é o que é tratado discretamente na página cinquentaesete, do suplemento Local - Lisboa, “combate a praga da lagarta processionária está difícil”. Segismundo.
2005-03-14
Antes o povo era sábio. Perguntaram a sucelência a senhora dr.ª Maria José Nogueira Pinto, “a que se ficou a dever a hecatombe da direita no dia vinte?”. Ela respondeu, “há o aparecimento de um eleitorado novo, que é aquele que dá o aumento do Bloco de Esquerda. É um eleitorado que é já da geração das imagens, que tem em geral, e da política em particular, uma cultura imagética. São as pessoas que percebem a realidade só através das imagens da televisão, com pouca capacidade para decriptar essas mensagens”. Traduzindo, o desaire eleitoral do consórcio entre o PSD e o CDS/PP está relacionado com a estupidez dos gentios. Que está a acentuar-se. Antes, quando iam à missa, é que sabiam decifrar todas as mensagens e não ficavam a olhar para as imagens como uma besta olha macilentemente para um palácio. Nicky Florentino.
Simplicidade. Disse o senhor dr. Marques Mendes, “seria útil que o Governo ajudasse a simplificar a vida autárquica”. Para quê?, se é já tão simples. Por exemplo, o senhor dr. Santana Lopes ao mesmo tempo que foi privado da honra de senhor primeiro-ministro foi nova e automaticamente alcandorado na honra de senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Há algo mais simples do que isto? Nicky Florentino.
Porque o Tulicreme não
Mais um caso doméstico. Esta manhã, entre outros mantimentos, foi comprada uma embalagem de Tulicreme, sabor a chocolate, de duzentas grama. Foi arrumada na prateleira do costume. A embalagem ainda lá está. Arrumada. Mas vazia. O que significa que, em casa dele, como na selva, há criaturas, as pequenas bestas devoradoras, que deixam rasto. Segismundo.
Home. Já foi escrito aqui, neste chão, uma vez. Volta a ser. O Blogger é uma merda. Segismundo.
2005-03-13
O Governo-Maria. Isto da política dá para as paródias. Porém, mesmo na pândega, as coisas tendem a ser mais difíceis do que aparentam. Por exemplo, na edição de hoje do Público, a Ana e um colega inventaram um contra-Governo. Até aqui tudo bem. A trapanhada acontece é quando, na prosa, a ministra da Justiça é a senhora Prof.ª Doutora Teresa Beleza e, na listagem, abaixo, é a senhora Prof.ª Doutora Maria Fernanda Palma. Nicky Florentino.
O circo voltou à cidade. Isto está para mudar. Os sinais adensam-se. Anima-se a expectativa, quando é que se vai poder comprar uma caixa de aspirinas num supermercado? Pois por mais estranho que possa parecer, é por aí, por esse comportamento, que começa qualquer choque tecnológico. Nicky Florentino.
A miopia é outro mal. Ela, com espanto, a apontar o monitor do computador de bordo, olha que as letras estão sumidas. Ele, não, as letras não estão sumidas, mas está nublado. Ela, com aspereza, estão sumidas, sim. Só depois levantou os óculos de sol e confirmou a ilusão. Segismundo.
Provocação desnecessária. É inventar uma linha vermelha para ligar o estádio do Dragão a Pedras Rubras. Segismundo.
A prioridade dos sagrados. Que, porque é treze de Março, a mãe decida ir à Cova de Iria ele compreende. Se ela tivesse decidido ir à praia, ele compreenderia também. O que não compreende é que, sendo uma refeição sagrada, hoje, o almoço tenha tardado em razão das rezas e orações dela. Segismundo.
2005-03-12
O normal, ii. O que se espera de um homem normal é normalidade. Não juízo. Daí que se compreenda que o senhor dr. Marques Mendes tenha proferido as seguintes palavras, “quando o Manuel Alegre morrer, o PS fica igual a nós se não formos capazes de nos reestruturarmos em termos ideológicos”. É isto a diferença ideológica que um homem faz. E que não se mede aos palmos. Nicky Florentino.
O normal, i. O senhor dr. Marques Mendes, que se assume como “um homem normal”, enunciou o diagnóstico de necessidades do PSD. O PSD é “um partido que precisa de pessoas normais”. O que não significa que ele esteja para crescer. Mais. Porque a norma
Incesto de Estado. O fulano que foi senhor ministro de Estado e da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, porque “foi muito ajudado e agradece a todos e a todas a ajuda que lhe deram”, concedeu uma medalha qualquer, que só ele podia conceder - ao abrigo de uma discricionariedade inventada para distribuir novas honras -, a uma dúzia de criaturas, entre as quais o fulano que foi senhor ministro das Finanças. Por pudor, suspeita-se, o senhor dr. Paulo Portas não agraciou também o fulano que foi senhor ministro do Turismo. Certamente, no seu juízo, ele também merecia. Pena é que, em função menos de um semestre, não tivesse tido tempo para merecer igual honra. O que quer dizer que, assim, houve uma medalha que permaneceu no estojo. E não foram treze as graças dadas. Porque treze, julgam os supersticiosos, é frequência de maus augúrios. Nicky Florentino.
Água mole em calhau duro. As senhoras socialistas estão danadas com o senhor eng.º José Sócrates porque foram nomeadas poucas, raras e seis, mulheres para o Governo, entre cinquenta e duas hipóteses. Há motivo para isso. O senhor primeiro-ministro podia ter feito algum esforço no sentido de recrutar mais umas quantas mulheres para compor o ramalhete governamental. Não é bonito ser-se secretário-geral de uma seita que apregoa a paridade e, quando a selecção depende sobretudo da vontade política constituída, quase nada fazer para uma aproximação ao raio desse desígnio. Seja como for, o problema não é de sexos. Sequer é um problema de competências ou qualificações. É um problema de outro tipo, fundo. Convém não esquecer que a política é a política, uma pronvíncia com lugares e despojos finitos. E com manias específicas. E, em relação a essas manias e com ânsias, há muito mais homens do que mulheres. Pelo que é compreensível que as honras governamentais tenham calhado privilegiadamente a homens. Não porque são homens. Mas porque no colégio de putativas criaturas a escrutinar para o pátrio Governo ainda abundam os machos e, comparativamente, são raras as fêmeas. Ou seja, em Portugal, a puta da vida é o que é. E ainda não deixou de ser assim. Nicky Florentino.
Modernidade e a idade do juízo. Inês David Bastos, pelo Diário de Notícias, perguntou ao senhor novel deputado Nuno da Câmara Pereira, “concorda com a despenalização do aborto?”. E o fulano respondeu, “por formação, sou visceralmente contra o aborto, mas considerando os fenómenos da modernidade penso que pelo menos até à maioridade as jovens devem poder prevaricar”. Ou seja, para o dito cujo, a modernidade atrasa o juízo das moças, pelo menos até aos dezoito anos. Pelo que, até esse limiar, é tolerável a interrupção da gravidez. Pena é que o mesmo fulano nada tenha dito sobre a idade a partir da qual deveria ser lícito apedrejar fadistas. E astronautas. Segismundo.
Glory days. Que o Futebol Clube do Porto empate, zero-zero, no estádio do Dragão, com o Benfica, é um fenómeno para além do horizonte das coisas. Que seja derrotado, zero-quatro, no mesmo reduto, pelo Nacional, é um fenómeno para além de tudo. E não é isso, taquepariu!, a glória. Segismundo.
Os livros daquele a quem mandaram o retrato pelo correio. Por que é que raio lhe fazem perguntas sobre livros de direito administrativo?, se a biblioteca dele é sobre outras matérias. Segismundo.
2005-03-11
Perguntas. Pergunta o Vital, por entender que aí a representação é partidária, por que é que no programa Quadratura do Círculo “a direita tem dois representantes e a esquerda somente um”? A pergunta não é despicienda. Mas a pergunta que deve ser feita é outra, por que é que os representantes da direita falam e articulam melhor do que o representante da esquerda?, o de antes e o de agora. Nicky Florentino.
Agenda. Hoje, às vinteeduas horas, em Tomar, no Cine-Teatro Paraíso, Mão Morta. Segismundo.
Consumator. Ele habitualmente compra jornais. Em um de dois lugares, consoante esteja na cidade grande ou na cidade pequena. Hoje, na cidade grande, como Kant, à hora costumeira, foi em demanda do Público do dia. Que já não havia, informou-o o fornecedor. Em consequência, accionou ele o plano de contingência. E foi a mais umas quantas, não poucas, bancas. Aí também já não havia. E não havia porquê? Porque hoje, junto com o jornal, era oferecido um dêvêdê qualquer do Tintim. São estes exemplos etnometodológicos que o inclinam à suspeita que, como os cachorros de Pavlov, os gentios, quando se lhes acena com algo grátis, salivam e vão. Segismundo.
2005-03-10
A questão pública. Para quem se esforça ser liberal old fahion incomoda tanto a evasão fiscal quanto a invasão fiscal. No primeiro caso, o da evasão fiscal, porque a besta é quem se esquiva a uma responsabilidade. No segundo caso, o da invasão fiscal, porque a besta é o Estado. Nicky Florentino.
As bestas continuam a ir à António Maria Cardoso. Quem vai a um recital de piano não padece de urgências na puta da vida. É por isso pungente que três fulanos, mesmo depois de avisados - como todos os demais -, tenham deixado o respectivo telemóvel tocar durante a interpretação de Artur Pizarro, esta noite, no Teatro São Luiz. Segismundo.
Ilustração. O juízo pressupõe renúncia, renúncia do indivíduo a si-mesmo. Pois enquanto não se exilar de si, enquanto não se abandonar, o indivíduo apenas é, como uma pedra ou um cão são. E não tem hipótese de se relacionar consigo e de se conhecer. Portanto, conquanto não se discirna como objecto de si-mesmo, o indivíduo não é sujeito. Mas coisa. Ou, se entidade animada, besta. Segismundo.
2005-03-09
Visto como quem não quer ver. Segundo crónica estampada na edição de hoje do Diário de Notícias, entende o senhor dr. Luís Delgado que as senhoras ministras e os senhoras ministros do Governo a desaparecer entretanto, o décimo sexto constitucional, ou foram uma maravilha ou foram uma maravilha e, azar, tiveram pouco tempo para serem melhores. Ora, isto, assim visto, ou é dissonância cognitiva ou é estupidez. Não interessa saber o quê. Nicky Florentino.
Dom martelo. Suspeito que foi Пётр Ильич Чайкóвский quem afirmou que o piano era um instrumento de percussão. O mesmo, não afirmando, parecem entender as pequenas bestas devoradoras que cirandam lá por casa dele em relação ao computador. Pelo modo como batem o teclado. Até à respectiva destruição. E depois, ó!, revelam espanto. Não é isto, pois, a inocência. Mas uma disposição predatória confirmada em prática. A que, sem eufemismo, se pode chamar estupidez. Segismundo.
Fiesta. Para ali, ontem, à noite, estava agendada uma festa, festa só para elas. À tarde, poucas horas antes, um camião-betoneira despistou-se e precipitou-se sobre o edifício onde iria decorrer a referida festa. Foi um sinal. Segismundo.
A normalidade d’the day after. Hoje, a ordem volta à rua. E aos restaurantes. Segismundo.
2005-03-08
As posições e os lugares. Segundo a edição de hoje do Público, parece não estar a ser fácil a distribuição das duzentasetrinta criaturas com honra parlamentar pelos assentos da Assembleia da República. É que, de acordo com as palavras do senhor porta-voz da conferência de líderes parlamentares, “todos têm razão e o hemiciclo não é flexível”. Daí que a moeda ao ar seja o método mais adequado para resolver o imbróglio. Nicky Florentino.
Porque Portugal é outra filosofia. Por manifesta falta de paciência, antes, neste tugúrio, não houve pronúncia sobre o caso. Hoje, porém, o Rui escreveu o suficiente. Omitiu apenas a ignorância sociológica patenteada aos longo das páginas de Portugal, Hoje. O Medo de Existir. Porque Portugal não é essa inexistência monolítica chamada sociedade portuguesa. E mais. Segismundo.
2005-03-07
Ashes to ashes. A puta da vida, traiçoeira, levou-lhe um amigo para ser cinzas. É muita a raiva que ele sente. Segismundo.
2005-03-06
Código mor(t)al. Ter princípios em vaga suficiente. Isto é, ter poucos princípios. Segismundo.
2005-03-05
DreamWorks skg. Pouco é o que se pode dizer sobre o Governo que se anuncia. Conhece-se parte do elenco e, portanto, o resultado do casting em relação aos figurões. Mas nada se sabe ainda sobre o respectivo script. Com o décimo sétimo Governo constitucional, que filme estará em cartaz? Taxi Driver?, Raging Bull?, The Collor of Money?, Goodfellas?, Bringing Out the Dead? ou o filme sobre um putativo patinho feio? que, afinal, mais tarde, quando maior, se percebe que é um cisne lustroso. Não se sabe. É por isso que a maioria dos discursos sobre a circunstância pouco vale. Senão veja-se. Parece que foi escrutinado um Marlon Brando para a pasta dos Negócios Estrangeiros. E daí?, o que é que isso interessa?, se o filme que vai ser realizado for, por exemplo, The Nightmare Before Christmas. Nicky Florentino.
Ir para fora cá dentro. O senhor dr. Jaime Gama cansou-se de ser o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros patrocinado pela trupe socialista. Agora prefere o sossego doméstico dos que não têm que viajar pelo mundo além. Nicky Florentino.
Juízo lento. Para quem se apaixona por sorrisos, tende a chegar-lhe tarde a consciência. Sempre depois da dor. O Marquês.
2005-03-04
O Governo está quase a começar, ii. Sobre uns quantos, não poucos, dos catorze nomes para senhor ministro quase nada se conhece. Sobre os dois nomes para senhora ministra também não. Conhecer-se-á brevemente. Quando começar a doer. Nicky Florentino.
O Governo está quase a começar, i. Ainda não há Governo, o décimo sétimo constitucional. Há os nomes das criaturas para senhor ministro e para senhora ministra. E, como é da praxe, da criatura para senhor secretário de Estado da Presidência. Sinistro. Nicky Florentino.
Porque paradeiro não é pardieiro. É sobejamente sabida a dificuldade em estacionar na capital da pátria. Compreende-se, por isso, que o senhor dr. Santana Lopes admita tornar à honra de senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. É parque garantido. Por enquanto. Nicky Florentino.
Indício. Para quem se apaixona por sorrisos, o corpo vem sempre depois. Ao princípio como comunhão. Posteriormente como fome. É sobre essa fome que se funda uma das mais perniciosas dependências. Dizê-la amor não é eufemismo. É apenas não saber o que é a dor. Saber que não demorará a acontecer. O Marquês.
2005-03-03
Necessidades. Percebido o sossegado ar que se respira e é já hábito na pátria, impõe-se uma pergunta, é mesmo necessário o Governo? ou pode continuar-se assim? Nicky Florentino.
A física dos afectos. No amor pode acontecer a histerese. Um dos termos alcança a liberdade com o fim. Enquanto o outro, esperançado, permanece implicado numa ilusão, num património já dissoluto. É por isso que a partir de determinado momento a esperança é sempre a perder. E a atrasar a consciência dessa perda. Segismundo.
Spleen & go. A esperança é uma forma de espera. E, como qualquer espera, uma atitude de falência, entregue às contingências da puta da vida. É por isso que é o avanço, não a esperança, que permite ultrapassar as distâncias e conduzir a
Exercício para melhorar a qualidade de vida. Aprender a coragem de desejar o fim e a dor a que ele obriga. Porque enquanto não se alcançar esse limiar o futuro não pode (re)começar. E todas as lágrimas são vãs. Segismundo.
With or without you. O desejo inclinava-o a ficar. A vontade impelia-o a ir. Aconteceu a manobra que o rasgou mais. Que, quando mera hipótese, já assim o tinha rasgado. Segismundo.
2005-03-02
Queda de um anjo. Disse um dos membros do senado do CDS/PP, o senhor dr. Avantino Beleza, a propósito da demissão do senhor dr. Paulo Portas da presidência da confraria, “considero que esta saída é absolutamente inesperada, mas, mais, é uma saída sem justificação. O dr. Paulo Portas quer cair de pé”. É que isso, cair de pé, como surge óbvio, para além de inesperada e injustificada figura triste, é inadmissível. Mesmo num sempre-em-pé. Nicky Florentino.
Amén! Um senhor prior, cioso do seu ofício, fez anunciar, como publicidade, que recusa dar comunhão aos católicos tresmalhados que lhe calhem, com língua de fora, para além da hóstia segura pela sua mão. Em razão de tal recusa invocou o direito canónico. Não invocou o juízo. Provavelmente não podia. Segismundo.
Sinais do tempo da fome. Cite-se o 3ás. “As mãos vazias são o sinal que perpetua não a fome, mas a sua sensação cavada”. Segismundo.
Aproximação à loucura. Volta a ser difícil acordar na companhia das vozes que escoam em eco para dentro dele. Segismundo.
2005-03-01
Fatalidade e excitação. Um destes dias, breve, os desta pátria acordarão já com Governo empossado. Todo. Sem, antes, acontecer o mínimo de pronúncia e escrutínio no espaço público, ao modo de folhetim novelesco. O que, ainda que seja bom augúrio, não é boa moda política. Pois ninguém, e menos os gentios, deve ser privado da respectiva condição de homo ludens. E das folias que a puta da vida e, nela, a política proporcionam. Nicky Florentino.
Fazer ao contrário. Começou ele a pensar o que há-de fazer ao bilhete para o concerto dos U2 que comprou. Segismundo.
Maternidade, ii. As mães fazem o que devem e o que não devem para celebrar os filhos. Hoje, ao contrário do que é instituição lá em casa, a mãe dele foi acordá-lo para almoçar. Sabes que dia é hoje?, perguntou-lhe, quase severa. E, como não esperasse ou quisesse qualquer resposta, informou-o de imediato, em tom de repreensão, é o aniversário do teu irmão. Para ele o facto não era novidade. Tão pouco mobilizador. Já estava agendado o jantar com o irmão. Por isso, rodou o corpo e fechou-se do outro lado da cama, procurando ainda a sobra do conforto do sono. Foi aí que a mãe, estremosa e confiante, utilizou o derradeiro trunfo. Sabes?, há pudim, pudim daquele. E os teus sobrinhos, todos, vêm almoçar. Por isso... Não foi preciso acrescentar o discurso. Porque a mãe havia deixado a porta aberta, o perfume da iguaria já tinha chegado ao quarto e entrado nas narinas dele. Lesto, ele saiu da cama e foi tomar banho. Sentiu que era necessário tomar conta da ocorrência. Antes que a brigada das cinco pequenas bestas devoradoras o fizesse. Segismundo.
Maternidade, i. As mães insistem em ensinar os filhos a protegerem-se. Ensinam-nos a protegerem-se das raparigas – das mulheres não, porque, para as mães, os filhos, mesmo se maduros, nunca deixam de ser rapazes e, por isso, jamais chegam a presas de mulheres. Ensinam-nos a protegerem-se do sol e do mar. Também do frio e da chuva. Da miopia e da sinusite. Dos vícios e dos descaminhos. Ensinam-nos até a protegerem-se de demónios inesperados, como as más companhias, o amor falhado ou a impaciência. As mães, na sua maternal pedagogia, apenas não ensinam os filhos a protegerem-se das suas mães e respectivas manias tutelares. É por isso que, quando, às seis e meia da manhã, vão à cozinha indagar o motivo por que o filho está a fritar batatas às rodelas e a torrar pão, não lhes basta o óbvio, a fome do filho. E o filho, sem resposta suficiente ou adequada explicação para o facto, perante a progenitora, se sente inevitavelmente desprotegido e menor. Segismundo.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).