2004-01-31
Uma nota sem exemplo. Desde o pretérito dia desasseis do corrente mês que não tem havido apostas dos danados aqui domiciliados. As razões para que assim tenha acontecido são duas. Por um lado, O Marquês, com o auxílio da sua iliteracia no que concerne ao uso de novas tecnologias, introduziu para aqui uma ferramenta que bloqueou o acesso comum ao blog. Em consequência, a criatura, com as suas manias progressistas, já foi devidamente censurada e supliciada. E apenas não chorou por danado decoro. Por outro lado, a vida, taqueapariu!, não tem sido clemente para qualquer dos danados daqui. O tempo, sobretudo o tempo – e, com ele, a paciência –, não tem sido de sobejo. Há sempre algo mais a fazer. Há sempre outras danações. Há sempre outros paradeiros onde o cinismo merece existir. Foi por aí, pois, em ordinária missão, que também andámos. Chamar-lhe exercício de cidadania seria um equívoco. Pois a digressão foi, tão só, mais uma jornada na puta da vida. Como ela é. Por isso, só agora - e com esforço - foi começado o resgate das apostas da última quinzena. A empreitada segue dentro de momentos. Nicky Florentino e Segismundo.
O que mais interessa num jogo de futebol não acontece necessariamente no relvado, durante o tempo regulamentar da partida. No jogo de hoje, entre o Sporting Clube de Portugal e o Futebol Clube do Porto, confirmou-se essa excepção. Durante o intervalo, com transmissão directa na televisão, viu-se o senhor presidente do Futebol Clube do Porto, junto ao banco de suplentes da sua equipa, a falar ao telemóvel e a acenar, com denodado afecto, à sua paixão, que estava de pé, na tribuna do estádio. A cena foi tão bonita quão patética. Pelo que, naquele instante, a imagem do amor cúmplice dos dois se revelou uma metáfora da existência e da condição humana muito mais ajustada do que o jogo de futebol. Ver um velho enamorado a fazer figuras daquelas, tristes, é uma lição para a vida inteira. E para todos. O Marquês.
Tomada de súbito, parece estranha a sentença do João, “não há cura. Trinta anos depois, temos saudades de Salazar e continuamos talhados para a ditadura”. Mas, depois, compreende-se. Temos... É que a monumentalidade do egoísmo do plural majestático não se confunde com a solidariedade da comunhão com outros. O João tem, logo diz temos. É aristocrático. E bem. Os outros não têm, logo não dizem. Tontices. E bem. Também. Segismundo.
Falar ou escrever sobre a obra de John Rawls implica ter tempo ou espaço. Sem uma reserva mínima de qualquer um destes recursos, é preferível ou o silêncio ou a página em branco. Os motivos são singelos e simples. Um deles é o respeito. O outro é a economia da crítica. Em apertos, nada de relevante se consegue dizer sobre A Theory of Justice, por exemplo. Pois o objecto do dizer é grande demais para se confinar à circunstância de tão pouco. Por isso, reitere-se, preferível é ou o silêncio ou a página em branco. Segismundo.
Nietzsche já disse o que havia a ser dito sobre o despudorado arremessar de apodos ofensivos entre fulanos de esquerda e fulanos de direita a que se tem vindo a assistir nos últimos dias. Disse ele, “os homens de corrupção mostram-se espirituosos e caluniadores. Eles sabem bem que existe outro género de assassinato além daqueles que exigem o punhal ou o golpe de mão. Eles sabem que tudo o que é bem dito é acreditado”. No sentido em que há sempre uns tontos ou mansos disponíveis para esse credo. Segismundo.
2004-01-29
Há uma personagem em Empire, de Gore Vidal, que, vai longa a trama, desabafa, “a política é insignificante quando se não é político”. Compreende-se, pois, a actual tendência à novelização e espectacularização da política. No sentido em que tornar a política numa novela e num espectáculo é uma forma de a traduzir para gentios. Feito isto, não só se garante que os gentios não são assomados por vontades de assomar a políticos, mas também se consegue que esses mesmos gentios se confinem à condição de espectadores. Ir para além disto, reconheça-se, seria o maior desastre ecológico de todos. Seria tentar a democracia como ela não pode ser. Democrática. Aliás, Péricles, na célebre oração fúnebre - na sequência da batalha de Peloponeso - , já disse tudo isto. Pelo que, de então para cá, o melhor que tem sido feito, nos raros casos em que tem sido feito, é recordar as suas palavras. Nicky Florentino.
O gosto dos gentios pelo mórbido cortejo de dor tornado espectáculo nestes últimos dias decorre menos do seu património de emoções do que do seu lapso de confiança. Os gentios são Tomés, necessitam de ver para crer. Por isso, necessitam de ver para confirmar que as coisas são como são e não diferentes. Que o morto está morto. Que o cadáver é cadáver. Pela recorrência, pela exploração até à exaustão do mesmo, confirma-se a ordem do mundo. Porquanto há sempre a hipótese de as coisas não serem como se julga ou se expecta que elas sejam. Seja como for, juízo certo sobre o mistério da vida parece ter o desassossegado Bernardo Soares. Sentenciou ele, “a vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final”. Ponto final que, em muitas circunstâncias, é o último reduto antes da náusea. Segismundo.
2004-01-26
O senhor Prof. Doutor João César das Neves, no artigo estampado na página sete da edição de hoje do Diário de Notícias, demarca-se da letra de uma canção dos Delfins. Ao lê-lo, por instantes, pareceu-me que ele estaria no bom caminho. Afinal, não. Está no mesmo caminho dos Delfins. A música é da mesma qualidade, má. A lírica é que é diferente, embora não para melhor. É tudo, chiça!, para enterrar. O Marquês.
Há nomes que merecem um respeito incondicional e, por isso mesmo, devem ser protegidos de exposições indecorosas. Neste sentido, não é bonito observar que Georg Simmel foi implicado, pelo senhor dr. Eduardo Cintra Torres – na edição de hoje do Público –, na explicação das intimidades entre gentes da SociedadeIndependentedeComunicação e arguidos do caso-escândalo da Casa Pia. Não porque Simmel não permita esclarecer tal fenómeno. Mas porque a sua obra deve ser invocada com reserva e solenidade. Por outras palavras, alhos são alhos, bogalhos são uma outra coisa. Segismundo.
Post scriptum, não é verdade que o texto a que o tal senhor dr. Torres alude tenha sido escrito em mil novecentos e oito. Embora tenha sido publicado nessa monumental opus que é Soziologie, editada em mil novecentos e oito, o texto foi escrito cerca de dez anos antes e teve edições parciais anteriormente.
Segundo a edição de hoje do Diário de Notícias, nos últimos quatro anos, aumentou em mais de duzentos e vinte e dois mil o número de inscritos na ConfederaçãoGeraldosTrabalhadoresPortugueses - InterSindical. Para além disso, vinte por cento das mulheres do Porto já abortaram. Tudo isto é muito aritmético. Mas pouco plausível. Segismundo.
2004-01-25
Olho para um cartaz já gasto, deslocado no tempo, com a efígie do senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. É pedagógico esse olhar. Pois com tal experiência compreendo por que é que as imagens, mais do que as palavras, ai!, ui!, suportam e sugerem lealmente o horror. Quase chego a conceder, deus nos valha, deus nos livre de tamanho cálice. Mas não sou assim tão panteísta. Segismundo.
Há uma certa profilaxia no anarquismo. Porque todas as formas de ordenação e organização tendem à modorra e ao despotismo, o espírito e a prática da desordem são vitais para garantir um mínimo de desassossego, sem o qual a liberdade é impossível. Nicky Florentino.
O senhor presidente do PND anunciou que será o cabeça de lista da respectiva cambada nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. É de louvar a disponibildade do fulano para o suplício político, mas nenhuma pátria exige assim tanto a um filho seu. Portanto, que se evitem simpatias eleitorais para com o dito cujo, porquanto isso é a melhor assistência que lhe pode ser prestada. Como no fundo de si mesma a criatura abomina o projecto europeu, por lhe parecer que lhe rouba o chão português, deve, em tempo útil, acautelar-se a experiência traumática de se sentar numa poltrona de Strasbourg. Concerteza que, aí, sentir-se-ia mal. Muito mal. Nicky Florentino.
O senhor secretário-geral do PS entende que o senhor presidente da República, ao subscrever o novo regime de subsídios por doença, furtou-se a um conflito com o Governo. Por outras palavras, o senhor presidente da República não fez oposição. Por mais que custe a admitir, também não tinha que fazer. A oposição é para ser feita por outra gente. Nicky Florentino.
2004-01-24
A demagogia é uma forma típica de miséria. Rima, de facto, com democracia, mas não é democrática. É uma ilusão, uma ilusão que comove, que convence, que convida à devoção, mas que, por todas essas vias, apenas simula e engana. Daí que uma das criaturas politicamente menos recomendáveis seja o demagogo. O demagogo é o lisonjeador, o belle orator, o fulano eloquente, carismático. Parece grande, elevado, mas é apenas insuflado, um pequenote que, pela redução de si mesmo, disfarça a sua pequenez, projectando-se, em zoom progressivo, como maior do que os outros. O problema, o verdadeiro problema, é que nem há maiores nem menores. É tudo gente da mesma extracção, do mesmo nível. Uma desgraça. O que funda a hipótese da ironia. E, ao mesmo tempo, latentemente, a hipótese da demagogia. Segismundo.
A edição de hoje do Expresso traz estampada uma carta aberta da foragida senhora dr.ª Fátima Felgueiras ao senhor presidente da República. Caso para dizer que a bela, de Ipanema, remeteu epístola. E que o monstro serviu de mensageiro. É sempre assim nestas estórias tristes. Não há bela sem senão. O Marquês.
Um tal senhor José Manuel de Mello, subscritor daquele manifesto que clamava pela preservação dos centros de decisão nacional, confessa agora que, enquanto portugueses, “o que devíamos fazer era juntarmo-nos rapidamente a Espanha”. E aí está, um empresário, cobiçoso, desejoso de maiores proventos, a dizer o mesmo que já disse o senhor que foi laureado com o Nobel da literatura. Estranha esta convergência, não é? Ou isso ou é verdade que a história se está a aproximar do seu termo. Nicky Florentino.
O Expresso é, como soi dizer-se, uma instituição. Ora, ser uma instituição não é ser boa coisa. E tanto assim é que, como prova, ultimamente, com frequência, tem vindo a ser estampada nas páginas do dito semanário prosa creditada ao senhor secretário de Estado-adjunto do ministro da Presidência, um tal senhor dr. Feliciano Barreiras Duarte, grande doutrinador sobre os tópicos da imprensa regional e sobre a imigração. Nicky Florentino.
A “barreira do itinerário cognoscitivo”, escreveu, em eco, a senhora Helena Matos, na edição de hoje do Público. Desconheço o que significa. Não sei, portanto, o que é. Mas, ainda assim, não sabendo, sinto que sei o suficiente sobre a matéria. Sigo, pois, em diante. Ignorante. E na ignorância. Pois a selecção cognitiva é uma condição do conforto. Segismundo.
2004-01-23
Vinte e duas horas, aproximadamente. Ele abordou a avenida das Forças Armadas vindo do Instituto que existe nas cercanias e tem uma denominação ridícula. Estavam vários carros indevidamente parados na faixa da direita, com os quatro piscas ligados. No instante, não foi a infracção ao Código da Estrada que lhe suscitou a atenção. Foi, antes, o número de carros estancados no asfalto e a hipótese de algum transeunte ter sido colhido por um veículo que por ali passasse. Mas não. Aquele aparato era apenas resultado do facto de o amor ou a simpatia de algumas criaturas as ter obrigado à expectativa. Os condutores, elas ou eles, sós, esperavam alguém. Notava-se. Visto isto, ele pôs-se a reflexões. O Estado de direito é uma ilusão. O amor e a simpatia são energias suficientes para vergar o direito, o direito escrito, à ineficácia. No fundo, no fundo, sentiu ele, nunca nos erguemos acima da anarquia. Apenas a disfarçamos e camuflamos com solenidades e outras aberrantes disposições. Plauto sabia bem o que dizia, somos todos umas bestas. E, apesar de todas essas fantasias que enunciam o contrato social e a constituição de uma besta maior do que qualquer um de nós – o Estado – que nos conseguiria amansar, nunca deixámos de o ser, bestas. As paixões e os interesses são domínios insubmissos. Negar esta elementar evidência foi um dos erros de Hobbes. E é por isso que, na avenida das Forças Armadas, as criaturas em manifesta infracção, impávidas, serenas, incólumes, esperavam quem esperavam. A lei, ali, naquele instante, não chegou. Ou melhor, ali, naquele instante, a lei foi outra. A do amor e da simpatia. O que não é lei qualquer. O Marquês.
Existência em abstracto, disse um eminente jurista da pátria, durante uma prelecção. O que é isso?, a existência em abstracto. Pelo que se depreende não é uma existência, mas uma hipótese, uma possibilidade. O esforço hermenêutico que é necessário empreender para acompanhar este existencialismo jurídico... Segismundo.
É lição da vida que as grandezas são relativas. O que é grande para uns não é necessariamente grande para os outros e vice-versa. Até aqui tudo bem. O problema, o problema sério, coloca-se quando as diversas partes – duas ou mais – utilizam o mesmo critério de aferição de um determinado fenómeno e, mesmo assim, não se entendem no juízo quanto à grandeza desse fenómeno. Será assim expediente tão difícil contabilizar o número de grevistas da administração pública? O sistema decimal não é o mais adequado para essa contabilidade? A numeração árabe não capta essa grandeza convenientemente?
Todas estas interrogações são absolutamente desprovidas de pertinência. Em rigor, não interessa puto saber quantos foram os grevistas, se muitos, se poucos. Isso é irrelevante. Relevante para qualquer gentio que se preze – e que não seja grevista ou criatura afim – é se a greve o afectou. O impacto da greve na vidinha é muito mais ponderoso do que a sua dimensão. O resto é conversa. Que não é sequer fiada. Se fosse fiada, era confiada. E haveria de bater certo. Pelo menos nas contas. Nicky Florentino.
2004-01-22
O Carlos tornou. Ele é o mesmo, o domicílio é que é outro. Se neste tugúrio houvesse alguma criatura boa, bem disposta, talvez que alguém se dispusesse a dar graças pelo facto. Por a gente daqui ser o que é, com mau nome e feitio a preservar, o limite é registar o facto. Ir para além desse acto era tanger a simpatia, a desgraça. Ora, a responsabilidade ecológica aqui praticada não o permite. Segismundo.
Essa inexistência governamental que é o senhor ministro da Economia acedeu a assistir a um jogo de futebol a feijões, realizado em Alcochete, entre o Sporting Clube de Portugal e um clubezeco alemão, um tal Wolfsburg, propriedade da Volkswagen. Isto é o que se chama diplomacia. E deferência. Nicky Florentino.
Perguntou um tal senhor Pedro Soares, fulano do BE, “por que é que o ministério da Defesa não há-de estar instalado em Tomar?”. Ora, será que é mesmo preciso responder? É que toda a ajuizada criatura sabe que, antes de Tomar, com maior palmarés bélico está o Buçaco ou Santa Margarida. Nicky Florentino.
Foi com estrépito que o Governo anunciou mais um ror de euros, milhões e tal, para a investigação científica. Porém, segundo confissão da senhora ministra da Ciência e do Ensino Superior, afinal o dinheiro que há-de para aí vir era o que já estava destinado a vir. O destino é assim. Para além disto, confirma-se que só Cristo é que teve o dom de multiplicar desalmadamente alguns recursos. Vinho, pão e peixe. E disso, como é sobejamente sabido, não se faz grande ciência. Segismundo.
2004-01-21
O senhor presidente da Confederação da Indústria Portuguesa revelou-se adepto do trabalho a tempo parcial para as mulheres que queiram ter filhos e contra o alargamento da licença de maternidade. Diz ele, “a mão-de-obra é escassa ao contrário do que às vezes se pensa e, por isso, as mulheres fazem falta”. Para além disso, acrescenta o senhor Francisco van Zeller, “as mulheres são mais estáveis, não andam a saltitar de emprego em emprego” e, para além disso, “quer gostemos quer não, acabam por ganhar menos”. Aposto dobrado contra singelo como, em relação a esta última parte do argumento, o senhor presidente da CIP, o danado, é dos que gostam. E é bom esse gosto. Pois as mulheres querem-se dóceis, disponíveis e baratas. Segismundo.
Queixou-se o PSD de a RádioTelevisãoPortuguesa não considerar a posição dos senhores sociais-democratas nos debates parlamentares, por, ao que parece, à RTP basta dar eco da posição do Governo. Duas considerações. Primeira consideração. No plano institucional, a bancada parlamentar do PSD não se confunde com o Governo, do mesmo modo que o Governo não se confunde com a bancada parlamentar do PSD. Perspectivando o problema por este prisma, de facto, não se justifica a eventual desconsideração da voz dos senhores deputados do PSD. Segunda consideração. Embora no plano institucional a bancada parlamentar do PSD não se confunda com o Governo, isso não significa que a posição dos senhores deputados e dos senhores governantes seja distinta. Em termos estritamente de pertinência e de economia comunicativa, é óbvio que a voz dos senhores deputados do PSD, em debates parlamentares em que o Governo participe, é redundante. E, neste sentido, perfeitamente dispensável. A posição de uma qualquer criatura parlamentar do PSD seria relevante se fosse significativamente diferente da posição do Governo. Não havendo tal diferença, é do mais elementar princípio de salubridade pública, poupar os telespectadores à repetição da mesma ladaínha por vozes diferentes. Quem quiser ouvir ecos que encoste a orelha à carcaça de um búzio. Tem exactamente o mesmo efeito. E não incomoda. Nicky Florentino.
Disse o senhor presidente da República, “a política não é uma ovelha negra em si mesma”. Então é o quê? Tempos houve em que lhe chamavam a porca. Por ser o mesmo que chalafurdar num chiqueiro. Nicky Florentino.
2004-01-20
Os números são uma força. Segundo a edição de hoje do Público, o Governo concede que em dois mil e quatro apenas obterão visto de trabalho seis mil e quinhentos imigrantes, sendo que, neste caso, se entende por imigrante qualquer criatura oriunda de países que não fazem parte da União Europeia. Boa política, esta. Sobretudo na sua precisão. Seis mil quatrocentos e noventa e nove imigrantes é pouca gente estranha. Seis mil e quinhentos imigrantes é uma praga tolerável. Seis mil quinhentos e um imigrantes, convenhamos, isso é que é demais. Nicky Florentino.
A propósito da intenção do CDS/PP de suscitar a inconstitucionalidade do sistema eleitoral da região autónoma da Madeira, o senhor dr. Alberto João Jardim obrigou o senhor dr. Paulo Portas a meter a respectiva cauda entre as perninhas. E, obediente ao senhor dr. presidente do PSD/Madeira, o senhor dr. presidente do CDS/PP abriu uma gaveta e arquivou a sua intenção de princípio. Se isto, Portugal, fosse uma verdade, era motivo para chorar. Mas como ninguém deve levar esta pátria muito a sério, é recomendável o riso. De facto, os comediantes, um e outro, são uns pândegos. Não sabem, aliás, ser outra coisa. E isso é motivo suficiente para a felicidade. Sejamos, pois, felizes. A paródia também é nossa. Nicky Florentino.
2004-01-19
O senhor secretário de Estado da Administração Local admite que, em dois mil e seis, os municípios estarão em condições de cobrar e liquidar impostos. A partir dessa data, sim, os portugueses poderão começar a votar com os pés, como sugere Charles Tiebout. Até lá, o luminoso secretário de Estado, sem tino, num voluntarismo sôfrego, sem mando de ministro ou de primeiro-ministro que o coloque em ordem, vai inventando mais e mais variáveis que não controla, vai brincando à engenharia política através da qual ele julga estar a construir o futuro. O futuro como ele deve ser, o futuro como ele será. Na prática, o fulaninho faz lembrar aquele cowboy de banda desenhada. Primeiro o acto, depois o juízo. Sombrio. Pois o juízo, o dele, vem da sombra e de nenhum outro lugar que a luz alguma vez tenha alcançado. Nicky Florentino.
2004-01-18
O actual senhor presidente do Banco de Portugal já foi, em tempos, senhor secretário-geral do PS. Quase ninguém se recorda. Provavelmente nem ele. O passado, às vezes, quando não se consegue apagar, é uma vergonha. Segismundo.
É de reflectir sobre se a resistência do fenómeno da corrupção em Portugal não decorre do facto de, em menor ou maior medida, todos sermos competentes na matéria. Nicky Florentino.
2004-01-17
Houve um jantar, reservado, em casa do senhor dr. presidente do Grupo Espírito Santo. Os comensais, para além do anfitrião e da respectiva esposa, foram o Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, o Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, o senhor dr. José Manuel Durão Barroso e as respectivas senhoras consortes. Parece que a agenda de conversa ao jantar não foi muito lata. O propósito, segundo os ecos estampados na fronha da edição de hoje do espesso Expresso, seria o incentivo à candidatura a senhor presidente da República por parte do antigo primeiro-ministro. Até aqui, tudo muito bem. A intriga tanto pode ser animada num sótão quanto numa sala de jantar. Agora que, com um colégio tão reduzido de comensais, a discussão que acompanhou a referida refeição tenha merecido foro de primeira página diz tudo sobre algum ou alguns dos participantes. Alguém bufou, não se conteve. Por isso, quem quer que tenha sido, não praticou um acto bonito. A reserva nas pessoas é como nos vinhos, faz a diferença. E é dessa diferença que, por sua vez, se faz a confiança. Segismundo.
Irá ser saudado o artigo de Pedro Magalhães estampado na edição de hoje do Público. Não é que o seu conteúdo seja uma revelação extraordinária. O que sucede é que o que lá está escrito tem fundamento e reporta a realidade através de roteiros cognitivos com evidente potência analítica. Daí que os desatinados, que não são poucos, áááá!, se venham a espantar com a clareza do que é afirmado. E com o diagnóstico da situação política nacional. A sensação é tipo a de abrir os olhos. Como se fosse a primeira vez. Nicky Florentino.
Há um senhor presidente de Câmara Municipal que é melhor do que os outros todos, juntos. Chama-se Avelino Ferreira Torres. É edil há um ror de mandatos em Marco de Canavezes. E anunciou, agora, que quer ser o senhor presidente da Câmara Municipal de Amarante. O argumento, embora o dito cujo tenha o pejo de não o dizer, é que a honra vale em todos os chãos. Se ele é o maioral de Marco de Canavezes, também pode ser o maioral de Amarante. Para mais, Amarante tem essa mácula de ser o município que viu nascer o bisonho fulano. A terra merece, pois, por o ter parido, o candidato anunciado. E, se a maioria dos amarantinos nele votar, merece pior ainda. É isso o destino. Nicky Florentino.
2004-01-16
Segundo a edição de hoje do Público, afinal não são os deputados do consórcio partidário que escora o actual Governo que têm obstado à presença do senhor dr. ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente na comissão parlamentar da respectiva área de governação. Parece que o autor dessa proeza é uma outra criatura, um tal de senhor dr. ministro dos Assuntos Parlamentares. Aqui fica o esclarecimento. Embora seja de suspeitar que a trama seja muito diferente do que aqui se disse. Sabe-se lá. Nicky Florentino.
A única ambição legítima de um homem – às mulheres não é questão que se coloque, a da legitimidade, por tudo lhes ser lícito – é o desejo de alcançar o limiar dos trinta e três anos de idade. Neste pormenor, etário, ninguém merece ser menos do que o que Cristo foi. Segismundo.
O motivo não era o ódio. Esse era, aliás, um dos sentimentos que ele jamais recenseara no seu catálogo de emoções, por a vida não lhe ter proporcionado semelhante experiência. Raiva já sentira, mas não é sensação que se confunda com o ódio. O ódio é uma forma sublimada de amor, um desejo de dor, um silêncio cavado fundo que troa gravemente vingança. A raiva é uma sofreguidão que se consome na sua própria leveza, não se estende no tempo, esgota-se em si mesma. O ódio, ao contrário, pressupõe um objecto onde se procura o afago de um crédito e para o qual se projecta serenamente o vagar com que se odeia. O motivo não era o ódio, pois. Colheu-o na mira, escolheu o ponto onde o projéctil haveria de cravar-se. Onde?, no peito?, na testa? Assestou no alvo, primiu o gatilho. Alea jacta est. O corpo tombou no seu destino, vergado pelo impacto de uma pequena cunha de metal, de pequeno calibre, que lhe estourou o crânio. A massa encefálica libertou-se desordenada. O sangue correu, correu solto, infrene. O motivo não foi o ódio. Foi um contrato. Pagaram-lhe uma morte. E ele cumpriu, conforme ordena o protocolo e a honra profissional. Sine ira et odio, sine ira et studio. O Marquês.
2004-01-15
Um tal Max(imilian) Weber, reputado sociólogo e, talvez por isso, criatura frustada e reprimida, tendente a depressões e angústias, que nunca teve qualquer sucesso político, numa célebre prelecção, titulada Politik als Beruf, definiu os deputados como borregos votantes perfeitamente disciplinados. Ora, consta que o senhor dr. presidente do PSD pretende que tal definição continue a fazer sentido. De tal modo que, por assim ser, terá imposto que, aquando da futura consideração, no parlamento, de iniciativas legislativas relativas à interrupção voluntária da gravidez – um dos mais patéticos eufemismos –, deverá o voto do grupo parlamentar do PSD ser a granel. Pouco releva que esteja em causa um tópico que o mesmo senhor dr. presidente do PSD diz (desastrosamente) ser matéria de consciência. Na prática, o que aqui se vê é o cão a ordenar o rebanho e, consequentemente, a evitar que as ovelhas e os carneiros se tresmalhem. É isto, sem metáfora, a democracia representativa, hoje. Que não existam, pois, equívocos. Ou ilusões. A política é uma fábula. E a fauna é o que é. O béu-béu, ão!, ão!, ladra e os mé-més, sem balir, pastam disciplinados. Nicky Florentino.
Lá em cima, no sidério, o que me fascina não é Marte. Saturno é que me fascina. O que me permite viver em inquieto sossego. Pois Saturno não é coisa que se deseje no meu tempo. Segismundo.
O mundo é o único pleno. O que significa que tudo isto, tudo o que acontece no mundo, compõe um absoluto, uma ordem única, sem exterior. Enquanto George Walker Bush pretende colonizar a Lua, os adolescentes portugueses, afectivamente envolvidos, tendem a agredir os seus parceiros, seja por via de violência hard – tipo porrada –, seja por via de violência soft – tipo qualificadores ofensivos ou impropérios. Tudo isto se conjuga, harmoniza. Deus sabe, de facto, do seu mester. Tudo isto é uma só ecologia, a mesma merda e a mesma felicidade. Segismundo.
É estranho. O terceiro simpósio de sexologia da Universidade Lusófona realiza-se na Torre do Tombo. Considerado o facto pelos mais diversos prismas disponíveis, o juízo tende a confluir na mesma sentença. Aquilo não é para aquele lugar, tal como aquele lugar não é para aquilo. Mas nada há mais aconselhável do que ser do contra e fazer as coisas ao contrário. Segismundo.
2004-01-14
A mensagem que o senhor dr. presidente da República enviou hoje à Assembleia da República enuncia pouco mais do que axiomas óbvios e um ror de banalidades. Não estranha, pois, que, do alfa ao ómega do espectro partidário relevante, todos tenham acenado com a cabeça, em concordância. Uns perceberam que as oposições têm que ser melhores. Outros perceberam que o governo tem que ser melhor. Ora, esta é que é a questão, melhorar implica ir em que direcção? Em direcção contrária ao fundo, ao lodo. O que é fácil de descortinar quando se levanta a cabeça acima do véu de ruído que atordoa o tino político. No entanto, ao invés de erguerem a cabeça e, como o girassol, orientarem-se pela luz, as senhoras e os senhores deputados o que desejam é brincar às discussões, aos debates. O que significa que amanhã, como que por efeito da gravidade, continuarão com a cabeça em baixo. Down, shuted down. Nicky Florentino.
Parece que os senhores deputados do consórcio partidário que suporta o actual Governo têm obstado à presença do senhor dr. ministro Amílcar Theias na comissão parlamentar que cobre a respectiva área de governação, enleando assim, como se uma teia fosse, as várias demandas dos deputados do contra. Compreende-se que assim seja. Enquanto não há atrevimento para demitir a criatura, sela-se a sua vontade de falar com uma rolha. É como se fosse uma lei. Nicky Florentino.
A polaroid estampada na página doze da edição de hoje do Público condensa graficamente a cerimónia de apresentação de Causas de Cultura, a sebenta que reporta os feitos de um fulaninho que quer assomar a senhor presidente da República. O panorama reportado na referida polaroid é sinistro. A fauna constante é medonha. Excepção para o cisne de louça que esteve entre o senhor dr. Pedro Santana Lopes e um espelho. Não pode ele ser confundido com as más companhias que circunstancialmente, ontem à noite, o cercaram no Grémio Literário. Fosse ele criatura de sangue e, por certo, não se disporia a tão inclemente e aviltante figuração. Já bem lhe teria bastado a desgraça de em pequeno, pouco depois de saído da casca, o terem confundido com um pato. Segismundo.
2004-01-13
Agustina Bessa-Luís apresenta hoje Causa de Cultura, o relatório de feitos do senhor dr. Pedro Santana Lopes na matéria, escrito por si mesmo. É tudo tão óbvio. Como num romance light. Ou, melhor, uma fábula. Pois é de suspeitar que no próximo domingo, uma e outro, juntos, vão à caça. Com o rabinho a dar, a dar, as cínicas criaturas. O Marquês.
2004-01-12
Pior do que ser sexualmente rapaz, etariamente jovem, futebolisticamente belenense, politicamente socialista, profissionalmente sociólogo, academicamente doutorando, tudo junto, é rogar, como um inocente cordeiro que padece de scrapie, que lhe suportem os custos do jantar e dispor-se a mostrar o saldo da conta bancária aos comensais. Não é?, Filipe. Segismundo.
2004-01-10
Na edição de hoje do espesso Expresso, as puritanas criaturas da respectiva direcção manifestam incómodo pelo facto de o Jornal de Notícias ter publicitado a existência de uma carta anónima, anexa ao processo do caso-escândalo da Casa Pia, que implicava o senhor dr. presidente da República. É um facto que a paranóia instalada nos media endossa a possibilidade de se resvalar francamente para a asneira. O caso, mau grado a tentativa de enquadramento feita pelo Jornal de Notícias, parece indiciar disparate. Mais um. Agora, que a matilha moralista do espesso Expresso uive desalmadamente soa a falso e a intempestivo. Não bastava o senhor dr. presidente da República ter demorado quatro dias a reagir, vem agora, mais de uma semana depois, o espesso Expresso moralizar sobre o assunto. É tarde. Para além disso, fica a sensação – ou a convicção – que a posição revelada na edição de hoje se deve exclusivamente a não ter sido uma moçoila ou um moçoilo do espesso Expresso a alimentar a intriga canalha. E a isso não se chama vigilância profissional ou deontológica. Chama-se ressabio. Segismundo.
O Estado deve, sobretudo, proteger-se e preservar-se a si mesmo. O que, para a entidade bestial que é, é missão de sobejo. Nicky Florentino.
Escreveu o João na edição de hoje do espesso Expresso, “o Estado deve proteger-nos dos outros. Mas deve, sobretudo, proteger-nos de nós próprios”. Não! O Estado não deve proteger-nos dos outros. Apenas deve proteger-nos das ofensas dos outros. E o Estado não deve proteger-nos de nós próprios. Pois a protecção de nós próprios só pode ser garantida pelo juízo. Se em nós próprios existir siso, existe. Se não existir, duas hipóteses apenas. O internamento compulsivo em sanatório ou asilo adequado. Ou, melhor, o suicídio. Tudo o mais tende a configurar-se uma insidiosa forma de tutela que nem o Estado nem qualquer maravilhosa – leia-se: atinada – criatura pode garantir convenientemente. Pela simples razão de que isso é missão para divinas criaturas, tipo menino Jesus. Nicky Florentino.
Segundo a edição de hoje do espesso Expresso, a Grande Área Metropolitana de Leiria passa a incluir Ourém, Santarém e Fátima. Pois, pois... É bonito quando a estupidez é franca. Segismundo.
2004-01-09
Ela estava sentada no rebate da porta de entrada de um edifício de uma rua perpedicular ao princípio da Cinco de Outubro, a Pinheiro Chagas, ali nos arredores da maternidade. Tinha um gorro a revestir-lhe a cabeça. E, com a face protegida pelas mãos, chorava. Ele, que na circunstância passava por ali, apercebendo-se, abordou-a. Passa-se alguma coisa?, perguntou estupidamente, por ser evidente e manifesto que o choro significava que algo se passava. Deixa-me em paz!, gritou ela, em resposta. Com o gesto obrigado da resposta, o rosto dela cortou a penumbra e revelou-se. O traço das lágrimas brilhou. Olhando-a, a compaixão aumentou nele. A beleza, mais do que o sofrimento dos outros, tende a ter esse efeito. Fosse ela feia ou o gorro perturbante e ele não se sentaria naquele mesmo rebate, ao seu lado, numa tentativa de a reconfortar. Estás bem?, insistiu ele, tanto no modo interrogativo quanto na estupidez. Ela, mas o que é que tu queres?, reagiu bravamente. Deixa-me em paz!, ordenou. Quando sorrires, se sorrires, seguirei o meu caminho; estou com fome, quero apenas ir jantar, disse ele. Ficaram sentados, lado a lado, desconhecidos, calados, alguns minutos, nem poucos nem muitos. Até que ela, com um toque de cotovelo, alertou a atenção dele. E, sem nada dizer, mostrou-lhe um sorriso. Ele, então, levantou-se, disse adeus e, como avisado, foi jantar. Sem sequer pensar se o sorriso que ela fizera e lhe oferecera fora sincero ou apenas uma máscara, uma dramatização. A compaixão não se confunde com paixão. A revelação da dor foi o que o interessou nela, a menina bonita. Nada mais. O Marquês.
2004-01-08
Dela sabe-se pouco, o suficiente. É do PSD. Já foi esposa do senhor dr. José Lamego, o tal do PS. É presidente da primeira comissão parlamentar. Tem um carinha laroca. Chama-se dr.ª Assunção Esteves. Sobre ela nada mais interessa, excepto saber-se que se atreveu a propor a redefinição, para mais cingidos, dos limites de liberdade de imprensa. Compreende-se. Que coisa outra poderia ela sugerir ou dizer?, se as alternativas eram o silêncio ou o tino. Nicky Florentino.
Último rima com único, certo. Mas só por acaso não rima com estupidez. O Marquês.
Existe uma tribo urbanita estranha, aquela dos que, no cinema, ficam sentados a olhar para o écran até que se esgotem os créditos do filme. Há outros que também ficam, porém não são da tribo estranha. Uns apenas acompanham os da tribo estranha. Outros, ainda que permaneçam sentados, assalta-os uma inquietude, por, embora lhes apeteça levantar e sair da sala, não quererem estorvar ou incomodar os da tribo estranha que insistem em acompanhar o correr das letras miudinhas projectadas no cabo da bobine. Quando se olha para os da tribo estranha, nos olhos, percebem-se impregnados de uma solidão e preenchidos de todos os demónios que não mostram a face. Parecem gostar de apreciar pormenores que não interessam ao menino Jesus. Têm um ar inteligente. Não é líquido, contudo, que sejam menos do que loucos. Pelo menos é assim que também os sinto. Doidos. E avessos à ordinária economia do tempo de saída do cinema. Pois não é vergonha, julgam eles, ser-se o último. Segismundo.
2004-01-07
Perguntaram a Luiz Pacheco, “do PCP ainda gosta?”. E ele respondeu, “já não tenho idade para isso. Foi uma ilusão de época”. É isto uma resposta que confirma a hipótese do máximo de consciência possível. Nicky Florentino e Segismundo.
Nas páginas trintas quatro e cinco da edição de hoje do Diário de Notícias é possível encontrar o conforto da voz de um danado. “Agustina é uma figura essencial na ficção, não tem parceiro. Ao pé dela, falar do Saramago é como falar do cão...”, disse Luiz Pacheco. Pode não gostar-se do gajo. Julgá-lo acintoso. Maledicente. Raivoso. Abjecto. Cromo. Decrépito. Senil. Mas, seja qual for o juízo, não se lhe pode recusar a razão. Segismundo.
Disse o senhor dr. deputado do PSD Luís Marques Guedes que a birra ou cisma do PS em não viabilizar a revisão extensiva da Constituição da República Portuguesa pretentida pelo consórcio partidário que escora o actual governo corresponde a uma posição antidemocrática. Não há criaturas mais medonhas do que aquelas figurinhas parlamentares que não sabem o que dizem e, em consequência, abusam indiscriminadamente do conceito de democraia, imputando-lhe sentidos que jamais teve. É que a posição do PS tem tanto a ver com democracia quanto a estouvada afirmação do senhor dr. deputado tem a ver com piranhas ou morangos com chatilly. Nada!, niente! A democracia é outra coisa. O juízo também. Nicky Florentino.
Inteligência estratégica, desabafou o senhor dr. primeiro-ministro, é o que se exige aos países grandes da União Europeia para que demonstrem aos outros, os pequenos, que o seu projecto não é de dominium. Porém, bem vistas as coisas, isso não é inteligência. É ilusionismo. Nicky Florentino.
2004-01-06
Na edição de ontem do Público foi notícia que a elite empresarial portuguesa tem expectativas que a levam a estimar que, no que à economia respeita, dois mil e quatro será melhor do que o passado dois mil e três. Na edição de hoje, o mesmo Público noticia que os portugueses têm expectativas diferentes, inclinadas a estimar que em dois mil e quatro a situação económica do país vai ser pior do que a verificada em dois mil e três. As elites, que sabem da matéria, confiam. Os gentios, cujo saber económico raramente alcança para além do respectivo bolso ou do saldo disponível no cartão de multibanco, suspeitam. Estão bem umas para os outros, as elites e os gentios. Vivem no mesmo país. Mas umas e outros vivem a sua vidinha sem vislumbrar para além do patamar pequeno que lhes sustenta e cerca a existência. Padecem de uma miopia social que gera uma espécie de insensibildade à sorte, ao destino dos outros. É por isso que Portugal não existe. E é uma unidade cada vez mais cavada. Uns vão (bem). Outros ficam (mal). Portugal não existe, Portugal não tem futuro. Os portugueses, esses, sim, existem e têm futuro. Têm, mas não concordam entre si. Ou melhor, concordam apenas na discordância, sem concordar. Haverá quem apelide este facto de autismo. Porém, talvez não seja mais do que alienação. Mal para o qual a consciência é terapia suficiente. Há, todavia, um senão. A consciência tende a conferir evidência à miséria, à própria e à estranha. E isso não é bom para as ilusões. Daí que, mal por mal, seja preferível preservar o engano. Portugal. Nicky Florentino.
A carta que supostamente implica o senhor dr. presidente da República no caso-escândalo da Casa Pia é anónima. Se é anónima, é como se não existisse. Existe, mas não conta. Na prática, a relação aconselhável a ter com cartas anónimas é de desconsideração, olhar para elas como se fossem páginas em branco. O que contêm não ofende. Visa apenas ofender. E isso poucos parecem compreender, a começar pelo pungido e madaleno senhor dr. presidente da República. Tal como a boca é capaz de guardar silêncio, também os olhos são capazes de cegueira. Ver para além disto é brincar estupidamente aos fantasmas, é animar espectros. É cair como um pato. É fazer figura de urso. É ser otário. É ler correio que não é para ser lido. Segismundo.
2004-01-05
Six Feet Under, o único sinal da espécie de ressurreição do outro canal, o segundo, da RádioTelevisãoPortuguesa. Segismundo.
O calendário é uma legenda do tempo, uma ilusão útil. De facto, embora o presente date cinco de Janeiro, o ano de dois mil e quatro começou apenas hoje. É assim para qualquer mortal, é assim também para o senhor dr. presidente da República. O facto de ele ter reagido somente depois de quatro dias corridos sobre o estímulo - foi no dia um de Janeiro que o Jornal de Notícias estampou nas suas páginas que o nome do senhor dr. Jorge Sampaio constava numa carta anónima apensa ao processo do caso-escândalo Casa Pia - diz tudo sobre a ordem do tempo e das coisas nesta pátria, a nossa. Não há urgências. Não é de hoje. E é isso que a faz permanentemente intempestiva. Que se cante, pois, sem cerimónia, time is on my side... yes, it is. Segismundo.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).