Ela estava sentada no rebate da porta de entrada de um edifício de uma rua perpedicular ao princípio da Cinco de Outubro, a Pinheiro Chagas, ali nos arredores da maternidade. Tinha um gorro a revestir-lhe a cabeça. E, com a face protegida pelas mãos, chorava. Ele, que na circunstância passava por ali, apercebendo-se, abordou-a. Passa-se alguma coisa?, perguntou estupidamente, por ser evidente e manifesto que o choro significava que algo se passava. Deixa-me em paz!, gritou ela, em resposta. Com o gesto obrigado da resposta, o rosto dela cortou a penumbra e revelou-se. O traço das lágrimas brilhou. Olhando-a, a compaixão aumentou nele. A beleza, mais do que o sofrimento dos outros, tende a ter esse efeito. Fosse ela feia ou o gorro perturbante e ele não se sentaria naquele mesmo rebate, ao seu lado, numa tentativa de a reconfortar. Estás bem?, insistiu ele, tanto no modo interrogativo quanto na estupidez. Ela, mas o que é que tu queres?, reagiu bravamente. Deixa-me em paz!, ordenou. Quando sorrires, se sorrires, seguirei o meu caminho; estou com fome, quero apenas ir jantar, disse ele. Ficaram sentados, lado a lado, desconhecidos, calados, alguns minutos, nem poucos nem muitos. Até que ela, com um toque de cotovelo, alertou a atenção dele. E, sem nada dizer, mostrou-lhe um sorriso. Ele, então, levantou-se, disse adeus e, como avisado, foi jantar. Sem sequer pensar se o sorriso que ela fizera e lhe oferecera fora sincero ou apenas uma máscara, uma dramatização. A compaixão não se confunde com paixão. A revelação da dor foi o que o interessou nela, a menina bonita. Nada mais. O Marquês.