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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2004-01-06


Na edição de ontem do Público foi notícia que a elite empresarial portuguesa tem expectativas que a levam a estimar que, no que à economia respeita, dois mil e quatro será melhor do que o passado dois mil e três. Na edição de hoje, o mesmo Público noticia que os portugueses têm expectativas diferentes, inclinadas a estimar que em dois mil e quatro a situação económica do país vai ser pior do que a verificada em dois mil e três. As elites, que sabem da matéria, confiam. Os gentios, cujo saber económico raramente alcança para além do respectivo bolso ou do saldo disponível no cartão de multibanco, suspeitam. Estão bem umas para os outros, as elites e os gentios. Vivem no mesmo país. Mas umas e outros vivem a sua vidinha sem vislumbrar para além do patamar pequeno que lhes sustenta e cerca a existência. Padecem de uma miopia social que gera uma espécie de insensibildade à sorte, ao destino dos outros. É por isso que Portugal não existe. E é uma unidade cada vez mais cavada. Uns vão (bem). Outros ficam (mal). Portugal não existe, Portugal não tem futuro. Os portugueses, esses, sim, existem e têm futuro. Têm, mas não concordam entre si. Ou melhor, concordam apenas na discordância, sem concordar. Haverá quem apelide este facto de autismo. Porém, talvez não seja mais do que alienação. Mal para o qual a consciência é terapia suficiente. Há, todavia, um senão. A consciência tende a conferir evidência à miséria, à própria e à estranha. E isso não é bom para as ilusões. Daí que, mal por mal, seja preferível preservar o engano. Portugal. Nicky Florentino.


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