O motivo não era o ódio. Esse era, aliás, um dos sentimentos que ele jamais recenseara no seu catálogo de emoções, por a vida não lhe ter proporcionado semelhante experiência. Raiva já sentira, mas não é sensação que se confunda com o ódio. O ódio é uma forma sublimada de amor, um desejo de dor, um silêncio cavado fundo que troa gravemente vingança. A raiva é uma sofreguidão que se consome na sua própria leveza, não se estende no tempo, esgota-se em si mesma. O ódio, ao contrário, pressupõe um objecto onde se procura o afago de um crédito e para o qual se projecta serenamente o vagar com que se odeia. O motivo não era o ódio, pois. Colheu-o na mira, escolheu o ponto onde o projéctil haveria de cravar-se. Onde?, no peito?, na testa? Assestou no alvo, primiu o gatilho. Alea jacta est. O corpo tombou no seu destino, vergado pelo impacto de uma pequena cunha de metal, de pequeno calibre, que lhe estourou o crânio. A massa encefálica libertou-se desordenada. O sangue correu, correu solto, infrene. O motivo não foi o ódio. Foi um contrato. Pagaram-lhe uma morte. E ele cumpriu, conforme ordena o protocolo e a honra profissional. Sine ira et odio, sine ira et studio. O Marquês.