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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2004-11-30


A mais. Escreveu o João, "esta é a dissolução mais política e mais presidencialista de todas as dissoluções dos últimos anos". A dissolução mais política dos últimos anos... o que é que raio, diferente do excesso e que seja assisado, isto significa? Nicky Florentino.

Referência



The show must go on. Em verdade, apenas recomeçou o circo... que não é de feras. Nicky Florentino.

Referência



O senhor eng.º que se segue. Apesar de tudo, em termos políticos e atendidos os superiores interesses da pátria - essa grei que não existe -, são raros os motivos que justifiquem o ânimo ou o sossego. Nicky Florentino.

Referência



O que vem depois. Foi com lágrimas que o céu celebrou a dissolução da Assembleia da República e a demissão do senhor primeiro-ministro. Mas, em política, não é depois que vem a bonança. Nicky Florentino.

Referência



O regresso do zombie. O senhor presidente da República regressou, não se sabe a quê ou de onde, e decidiu dissolver a Assembleia da República. Como consequência, as hordas de gentios voltaram a ficar entregues a si-mesmas. Agora, quem é que é mau?, pior do que eles?, se já não há Governo. Uma desgraça, esta desorientação. Nicky Florentino.

Referência



Esprit d’État. O que revelou lapso de sentido de Estado na intervenção que o dr. Santana Lopes fez no pretérito domingo não foi tanto, como pretende o José, o facto de ele ter assumido e transformado uma cerimónia oficial num comício da sua seita. É, sim, a metáfora pueril por ele utilizada em tal comício. A política não é, nunca foi, coisa de crianças. Menos ainda de nasciturnos precoces. Nicky Florentino.

Referência



Captações, xx. Em Los Siete Locos. “Atrás dele, a chuva que entrava pela janela fazia um charco no chão, as perguntas e as respostas cruzavam-se em silêncio, por instantes uma ruga turvava a fronte do Astrólogo, depois os seus olhos imóveis, no seu rosto rombóide, assentiam com um pestanejar lento a uma resposta de acordo com os seus desejos e assim ficou até ao amanhecer, hora em que, levantando-se da mala, ironicamente voltou as costas aos cinco bonecos que permaneceram na solidão do quarto, bamboleando-se sob a bandeira da porta, como cinco enforcados”. Segismundo.

Referência



Feitas as contas. O menino Jesus, paradigma do desgraçado parido e, por não ainda não ter sido inventada a alcofa, posto a dormir numa magedoura, é cada vez mais um ícone capitalista e menos uma lenda comunista. Deus, mesmo nestas pequenas minudências, não dorme. Segismundo.

Referência



Fiat lux. Na Áum não há ainda iluminação de natal. Provavelmente não irá haver. Não é costume. Para além disso, embora cada vez mais frequentes e precoces, os eléctricos círios natalícios não iluminam os caminhos úteis. Guiam apenas as manias e os prazeres. Que se consomem. Segismundo.

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2004-11-29


Recapitulação. Portugal, essa entidade que não se sabe onde começa ou acaba, ganharia com o facto de o senhor dr. Durão Barroso ser alcandorado em senhor presidente da Comissão Europeia, disseram umas quantas proféticas vozes, corria ainda o veraneio. Agora, assente a poeira, dissolvida a espuma, é evidente o engano. O senhor dr. Santana Lopes é o cabecilha de uma trupe governamental que nenhuma habilidade domina para além das tropelias do engano. Nicky Florentino.

Referência



Há revolta no zoo. É o que sugere a declaração de demissão do senhor dr. Henrique Chaves. Nicky Florentino.

Referência



Má velha. Demitiu-se o senhor ministro do Desporto, Juventude e Reabilitação. O que significa que o Governo ainda existe. É essa a má notícia. Nicky Florentino.

Referência



Terapia. Ser perseguido por fantasmas cansa. A ele, maduro, cansava-o mais ainda, por já não saber pastar ovinos e caprinos, arte que herdara do seu avô e que, quando petiz, dominara superiormente. Para além disso, essa arte de pouco socorro lhe seria agora, por os fantasmas que o atormentavam serem urbanos. Ainda assim, decidiu e insistiu ele em reaprender a pastar ovelhas e cabras. À esposa, porém, pareceu tal decisão pouco sensata e isso mesmo, pretendendo-se prestável, lhe confessou. Como retaliação, com recurso a grampos, ele prendeu as mãos dela à bancada da cozinha e, sob cada uma das unhas, com gestos furiosos, espetou-lhe agulhas. Ao princípio como terapia, porque, enquanto espetava as agulhas, sentia os fantasmas que o perseguiam a dissiparem-se. Depois, já livre dos obstinados fantasmas, apenas pelo gozo de a ver sofrer. O Marquês.

Referência

2004-11-28


Ó mãe! O senhor dr. Luís Filipe Menezes admite que, se for conveniente mimado pela direcção do PSD, talvez ainda venha a fazer o que disse que não faria, recandidatar-se a senhor presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. De política, esse mistério, pouco é sabido. Mas do pouco que se sabe é que não é matéria para crianças ou fedelhos. Por isso, se está carente, se deseja chi-corações, o senhor dr. Menezes que procure quem, de facto, lhe pode aplacar as necessidades de afecto, a mamã ou uma senhora professora do primeiro ciclo do ensino básico. Nicky Florentino.

Referência



O senhor deputado que foi à fonte. A denúncia da mediocridade dos fulanos actualmente em missões políticas, refeita ontem pelo senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva em página do Expresso, tem sustento empírico. Aqui fornece-se mais um subsídio para a desgraça da espécie. Num dia da passada semana, ao fim da tarde, um senhor deputado aliviou-se de pé nos lavabos do Nimas. Depois não pressionou o botão que permitia a descarga de água no mictório. Tão pouco lavou as mãos depois de ter sacudido o apêndice urinário. Limitou-se a segurar com a mão direita o saco que tinha prendido sob o sovaco. E a sair. O filme estava quase a começar. Nicky Florentino.

Referência



Outro tópico. O que interessa não é invocar Pasífaa, mas Prosérpina. Ou, então, Jezebel. Segismundo.

Referência



Captações, xix. Em Los Siete Locos. “Ah, entrar num mundo mais novo, com grandes caminhos nos bosques e onde o fedor das feras fosse imcomparavelmente mais doce do que a horrível presença do homem.
E andava, queria extenuar o corpo, esgotá-lo definitivamente, comprimi-lo de cansaço até ser impossível modular uma só ideia”. Segismundo.

Referência



Alucinação com menina e moça. Consegues acompanhar e revelar a imaginação desta canção?,
Picture yourself in a boat on a river,
With tangerine trees and marmalade skies
Somebody calls you, you answer quite slowly,
A girl with kaleidoscope eyes
.
perguntou-lhe ela. Depende do meu estado de abandono ou envenenamento, respondeu ele. Porquê?, porque perguntas?,
Cellophane flowers of yellow and green,
Towering over your head.
Look for the girl with the sun in her eyes,
And she’s gone
.
quis ele saber. Ela afastou-se sem responder. Recolheu-se, com uma pérola se guarda no interior de uma ostra, furtiva, em segredo. O que a teria levado?, para onde teria ido?, ela. Onde estás?, gritou ele a interrogação, onde foste?, como alguém que, sentindo a falta de algo, em desespero, inicia a procura, a busca do que sente perdido.
Follow her down to a bridge by a fountain
Where rocking horse people eat marshmellow pies,
Everyone smiles as you drift past the flowers,
That grow so incredibly high.
Newspaper taxis appear on the shore,
Waiting to take you away.
Climb in the back with your head in the clouds,
And you’re gone
.
Ele saiu da sala, foi ao quarto, foi ao outro quarto, foi à cozinha, e não a encontrou. A porta que dava acesso à varanda estava fechada. A inquietude convocou-lhe a adrenalina. Ela desaparecera. Ela desapareceu?, perguntou-se ele, percrustando o espaço com os olhos. Ela desvanecera-se. Ela desvaneceu-se, perguntou-se ele ainda, enquanto guiava os olhos pelo chão, pelas paredes, pelos vazios, pelos lugares da casa. Nada vendo, não a percebendo ali, entrou nele aquela sensação de desdobramento de si, a loucura, como se fosse uma espiral em rotação, o desequilíbrio. Começava a loucura a instalar-se e a fazer-se domiciliada nele, quando ouviu uma voz a perguntar-lhe, sabes os meus olhos?, uma dúvida.
Picture yourself on a train in a station,
With plasticine porters with looking glass ties,
Suddenly someone is there at the turnstyle,
The girl with the kaleidoscope eyes
.
Dos teus olhos, o que sei exacto, pois foi o que mais demorei a aprender, é a sua cor, esmeralda oceânico, respondeu ele. E ela, vinda do nada, ressurgiu, a sorrir. A sorrir-lhe. Foi quando ele tornou a abrir os olhos. Segismundo.

Referência

2004-11-27


Roteiro outonal. Semana quarentaesete, Immortel, Quarteto, The Goat, or Who is Sylvia?, Comuna, Histoire de Marie et Julien, Nimas, Comme une Image, King, Twothousandfortysix, King (reagendado para a semana quarentaeoito). Segismundo.

Referência



Gramática vital. Não ler o livro porque outros o leram ou lêem. Não ouvir o compactdisc porque outros o ouviram ou ouvem. Não ver o filme porque outros o viram ou vêem. Não assistir à representação da peça de teatro porque outros assistiram ou assistem. Não ir ao concerto porque os outros foram ou vão. Não jantar naquele restaurante porque outros lá jantaram ou jantam. Não sorrir porque os outros sorriram ou sorriem. Não falar porque os outros falaram ou falam. Não beber o que os outros bebem porque os outros bebem. Não ser como os outros porque os outros são. Não subviver porque os outros subvivem. Não adiar gestos ou suspender vontades porque os outros não sabem se também queriam ou querem. Não gostar porque os outros gostaram ou gostam. Não trabalhar porque os outros trabalharam ou trabalham. Não desgostar porque os outros desgostaram ou desgostam. Não esperar porque os outros esperaram ou esperam. Não ficar porque os outros não fugiram ou fogem. Não acreditar porque os outros acreditaram ou acreditam. Preguiçar porque os outros não preguiçaram ou preguiçam. E, em relação a tudo isto e mais ainda, admitir a dúvida e fazer ao contrário. Segismundo.

Referência



Inquérito. Ela, qual foi a maior lição da tua vida? Ele, que há mulheres que dizem com demasiada facilidade amo-te. Ela, e isso é mau? Ele, não sei. Ela, não sabes? ou não respondes? Ele, não sei. Ela, e isso acontece apenas com as mulheres erradas?, não é? Ele, não sei, não sei o que sejam as mulheres certas… Segismundo.

Referência



Violência. É, tudo escuro, em reserva, ouvir Hurqualia e, depois, Konx-om-Pax, de Giacinto Scelfi. Segismundo.

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Preguiça. É pecado mortal. Mas devia ser despenalizada. Segismundo.

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2004-11-26


Viva o velho! Exortação do senhor dr. Álvaro Cunhal ao décimo sétimo congresso da seita comunista, viva o marxismo-leninismo! Viva!, foi a resposta entusiasta dos congressitas. Alguém ainda não acordou... Nicky Florentino.

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Captações, xviii. Em Los Siete Locos. “Depois recaía na certeza de que era esse corpo que armazenava as suas meditações, nutria-as com o seu sangue cansado; um miserável corpo mal vestido que nenhuma mulher se dignava olhar e que sentia o desprezo e o peso dos dias, pelo qual só eram responsáveis os seus pensamentos que nunca tinham desejado os prazeres que reclamava em silêncio, timidamente.
Erdosain sentia-se apiedado, triste com o seu duplo físico de quem era quase um estranho.
Então, como um desesperado que se atira de um sétimo andar, atirava-se para o delicioso terror da masturbação, querendo aniquilar os seus remorsos num mundo do qual ninguém poderia expulsá-lo, rodeando-se das delícias que estavam afastadas da sua vida, de todos os corpos mais distintos e belos, para cujo gozo necessitaria de uma imensa soma de bens e dinheiro”. Segismundo.

Referência



Civilização. Os gentios pátrios, sabe-se, são serenos e de costumes virtuosos. Compreende-se, por isso, que uma mulher insistisse em contribuir com a sua voz para o friso de indignados estacionados junto ao tribunal onde começou o julgamento do caso-escândalo da Casa Pia. Rogava ela prisão perpétua para os réus. É uma posição moderada. O destrambelho podia ser ainda mais agudo e reclamar, ao invés de prisão perpétua, pena de morte. Segismundo.

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2004-11-25


Luna lunar, alucinação. Descer o rectângulo, acompanhado pelo vigilante satélite amarelo, a ouvir Unforgettable Fire e Joshua Tree, desde Bullet the blue sky,
Sweet the sin
Bitter taste in my mouth
I see seven towers
But I only see one way out

You got to cry without weeping
Talk without speaking
Scream without raising your voice

You know I took the poison
From the poison stream
Then I floated out of here
Singing...ha la la la de day
Ha la la la de day
Ha la la de day
...
com as mãos a segurar a velocidade nocturna e proibida, a sentir-se homem, antes de entrar em Lisboa, o lugar onde tudo ameaça renascer e perecer eterno. Seis da madrugada, chegou-lhe a serenidade, depois da luz azul, florescente, em forma de cruz. E deixou-se cair. Em tentação. Chamada sono (e não vontade). O veneno é sempre uma promessa. Encontrá-lo-á amanhã. Pode esperar. Segismundo.

Referência



O (re)encontro. O que é que leva alguém a escrever o que outro alguém já escreveu? que seja diferente da ignorância ou do atraso. Segismundo.

Referência



Loucura swing. Recostou-se no maple e abandonou-se ao efeito do ansiolítico. Com o sono veio o sonho, no qual o marido tentava acertar-lhe na cabeça com as bolas que, em treino, ia batendo no green. Por estar tomada no pesadelo, não ouviu ela o silvo do taco de titânio a precipitar-se sobre o seu crânio. Anestesiada que estava, provavelmente sequer sentiu o impacto que lhe descobriu a massa encefálica. Seguro, porém, é que o seu sonho nada amorteceu. O Marquês.

Referência

2004-11-24


Má sorte ser…, ii. O Pinóquio não é a única criatura com cara de pau. Nicky Florentino.

Referência



Má sorte ser…, i. Há um malabarista, latoeiro é que ele não é, convencido que é o senhor primeiro-ministro da pátria. Nada a fazer. A não ser deixar o espectáculo, o circo, continuar. Até acabar. Pois tudo acaba. Nicky Florentino.

Referência



O jogo da batota. No Governo não mudaram os fulanos. Também não mudaram as missões. Portanto, mudança não houve no Governo. Houve tão só circulação em circuito fechado de umas quantas criaturas. Ora, se não mudou, o Governo não mudou para melhor. Ou seja, o filme continua a ser o mesmo. Mau. Os actores continuam a ser os mesmos. Cabonitos. E as personagens continuam a ser as mesmas. Estereotipadas. Assim sendo, a remodelação governamental que continuou hoje visou apenas agitar o casting ministerial. Como quem baralha cartas. E continua a animar a mesma batota. Nicky Florentino.

Referência



Canavial de equívocos. Ao contrário do que pretende o senhor assessor do senhor dr. Jorge Sampaio, o que aconteceu ontem em Canas de Senhorim não é apenas um caso de polícia. (Equívoco um). É mais, talvez muito mais, do que isso. É uma turba paroquial em convulsão, a julgar que o senhor presidente da República tem alguma coisa a ver com a criação de municípios. (Equívoco dois). Não tem. Para além disso, salvo breves espasmos, o senhor presidente da República já não existe, embora a arruaça civil e gentia de Canas de Senhorim entenda que sim. (Equívoco três). Como se insistisse em velar um cadáver político. (Equívoco quatro). A democracia é isto também, o inalienável direito ao equívoco e à vontade. É por isso que não pode ser grande coisa, a democracia. E menos ainda neste rectângulo pátrio. Nicky Florentino.

Referência



Captações, xvii. Em Los Siete Locos. “De novo a mulher filtrou entre as pestanas ruivas o seu malévolo olhar esverdeado. Era como se projectasse a sua alma sobre o relevo das ideias do homem, para assim recolher uma amostra das suas intenções”. Segismundo.

Referência



O fugitivo. Fugir é uma estranha forma de tornar a si-mesmo, pôs-se ele a pensar. Segismundo.

Referência



Esquecer. Olhou-o nos olhos, olhos esquivos. Ele entrou. Foste tu quem me apresentou a canção do esquecimento
je ne t’en veux pas
je ne te vois pas
et j’ai oublié
qui tu étais

que estou a ouvir. Não sei de ti, cada vez sei menos de ti, se ainda existes como te conheci, se me ainda me queres. Nada..., disse ela. Ele aceitou a culpa. Permaneceu estático no meio da sala, com o olhar vergado, caído sobre o chão. Não sei se te estou a esquecer, continuou elal,
qu’est ce que j’ai bien pu faire
de ce souvenir
j’ai oublié

sei apenas que começo a desejar esquecer-te. Não sou como tu, apontou-lhe o indicador da mão direita, não fujo. Mas também não suporto continuar a perseguir-te, a perseguir um espectro, com o coração. Talvez sejas o homem da minha vida, admito-o. Mas talvez não sejas para sempre esse homem.
je ne t’en veux pas
je ne te vois pas
l’histoire de ce train
ne me dit rien

Ele continuou silente e tímido. Nada tinha para dizer. Dizer o quê?, desculpar-se?, dizer que não sabe de si?, dizer que anda em busca de si mesmo? e que não se encontra?, dizer que não sabe onde está? ou quem é? Mas ela necessitava de uma garantia, penhor de confiança. Ou de palavras. Como ele não as dizia,
de quois nous avons parlé
a la fin d’été
j’ai oublié
j’ai tout oublié

disse-as ela. Caminho para esquecer-te. E sei que a frémita vontade de regressar ao futuro, que ainda me assola, se vai dissipar. É a erosão dos afectos...
oublié
Por isso, disse ela ainda, se voltares, quando voltares, talvez já seja tarde. E talvez até eu já não seja quem sou, ainda tua, ainda minha, vida, urgência viva, e não memória, não lembrança da perda feita dor, que começo a ser. Segismundo.

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Idées noires, i. Caligrafado num pequeno caderno estava este testemunho de Isidoro. Não é apenas o meu pai que quero matar. Quero matar também a minha mãe. A minha vida, julgo, creio, cumprir-se-á no instante em que, pelas minhas mãos, me vingar dele e dela. Não é a fortuna o que busco. Tão pouco o conforto de ser órfão. Por revelação maravilhosa, sei apenas que matando os meus progenitores alcançarei o divino. E maior boaventura não há. Hei-de matar o meu pai, pois. Hei-de matar a minha mãe, pois também. Porque fazer algo por um e outra, como fizeram por mim, gerando-me, é o salvo-conduto que me permitirá encontrar deus. Se não no justo acto, pelo menos na consequente rendenção. O Marquês.

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2004-11-23


Pedro. A epígrafe de O Único Animal que, de Augusto Abelaira, menciona o facto de o homem ser o único animal que distingue a água benta das restantes águas pagãs. O homem, portanto, segundo tal concepção, é um sujeito com a faculdade do discernimento. Mas não todos os homens. Pois que para o fulano que foi entrevistado esta noite no Canal Um pela senhora dr.ª Judite de Sousa tudo parece água, cristalino. Consta, aliás, que o tal fulano é primeiro-ministro. De que pátria é que não se sabe. Nicky Florentino.

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Embaixada de boa vontade. Ontem, um senhor ministro e um secretário de Estado receberam uma delegação dessa magna instituição chamada Sport Lisboa e Benfica. Explicou um dos delegados benfiquistas que, entre outros tópicos, falaram “de arbitragem, que é um dos aspectos nucleares do fenómeno do futebol” e o propósito da visita foi contribuir “para que o espectáculo do futebol seja cada vez mais transparente e digno”. Até pode ter sido. Mas o tal ministro não é uma criatura que em tempos foi não sei o quê da mesa da assembleia geral do grémio benfiquista? Enfim, a família é também para estas simpatias. O Estado é que não. Nicky Florentino.

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Ordem e melindres. Disse o senhor presidente do conselho de administração da RádioTelevisãoPortuguesa, “se aceitássemos classificações ordinais, tal criaria um grande sarilho na RTP”. Porquê? ele não explicou. Mas suspeita-se do motivo, na televisão não há ordem e são todos igualmente sensíveis, é o que é. Nicky Florentino.

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O esguio. O senhor dr. Rui Gomes da Silva tem propriedades de enguia. Consta que durante três anos foram ensaiadas diversas diligências de notificação do fulano sem que qualquer uma tivesse surtido efeito. E quanto à sua fama de pagador o melhor, mesmo, é não falar. Pois andou ele a fazer vida como se tivesse acordado indúcias, que não acordou, com os credores. Nicky Florentino.

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Captações, xvi. Em Los Siete Locos. “– Parecer-lhe-á mentira que eu, eu que lhe vim propor o assassinato de um homem, lhe fale de inocência e, contudo, tinha vinte anos e era um rapaz. Você sabe que tipo de tristeza faz alguém passar uma noite num bar asqueroso perdendo o tempo entre conversas estúpidas e tragos de aguardente? Sabe o que é estar num prostíbulo e de repente conter-se para não chorar desesperadamente? Você olha para mim assombrado, claro, via um homem alienado, talvez, mas não se apercebia que toda essa alienação provinha da angústia que trazia escondida em mim. Veja, até me parece mentira estar a falar com a exactidão com que o estou a fazer. Quem sou eu? Para onde vou? Não sei. Tenho a impressão que você é igual a mim, e por isso vim propor-lhe o assassinato de Barsut. Com o dinheiro fundaremos a loja e talvez possamos remover os alicerces desta sociedade”. Segismundo.

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Agenda. Dia vinteecinco, jantar com o dealer e conversar sobre a puta da vida. Segismundo.

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Indício. Não é de crer que quem não nos quer esquecer nos esqueça, omita um sinal de si, mínimo que seja. Se nos esqueceu é porque já tinha esquecido. E isso é algo que não convém esquecer, para aprender a esquecer melhor esse alguém. Segismundo.

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Oráculo. Sei já dos teus olhos, é o hábito, a fuga, a esquiva. É essa minha culpa e confesso-a, saber a lenta aprendizagem do que é ou será um dia o inevitável adeus. Por vezes vacilo. Já não sei se espero por ti, se adio enfrentar esse adeus. Já não sei se a espera, o acto desta espera, é um gesto de coragem ou de cobardia. Está frio. Mas ardo. Ardo sozinha, como me sinto. Agora vou dormir. Boa noite. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

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O (e)terno retorno. Com o tempo, ele fez-se maduro. Entre outras lições da vida, aprendeu que o corpo dela era um palimpsesto. O traço de cada nova dor podia assentar sobre um traço antigo, já cicatriz, escrevendo sofrimento sobre sofrimento, apagando um, velho, para revelar outro, fresco. E assim lhe foi desenhando, a ela, as costas, insistindo ele nas mesmas feridas, nas mesmas e exactas chagas. O Marquês.

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2004-11-22


Em busca de uma confirmação. O que mais o obcecava, a ele, era saber que ela calçava Bottega Veneta. Como seria cravar-lhe uma cavilha nos pés e rasgar-lhe as sandálias?, pôs-se ele a imaginar. Mas fantasia da interrogação não lhe satisfazia a vontade da constatação, assim como não lhe substituía ou aplacava a necessidade da evidência. Foi por isso buscar à carpintaria um martelo e um prego com doze milímetros de diâmetro. Ver para crer era um dos seus lemas de vida. O Marquês.

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Serão perfeito. Solidão. Ouvir How to Dismantle na Atomic Bomb. E comer pão-de-ló de Alfeizerão. Foi o que, depois da urgência, não tanto do desejo, lhe aconteceu. Segismundo.

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Pormenor da cidade pequena. O que era um local de encontro e culto de uma qualquer seita evangélica pentecostal ou o caraças é agora uma agência de consultoria financeira. Seguramente, o estabelecimento foi objecto de trespasse. Segismundo.

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Causar. A causa deles comemora o primeiro aniversário. Segismundo.

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O pão nosso. A senhora presidente da Junta de Freguesia de Alfeizerão é uma das acérrimas defensoras da certificação do pão-de-ló local, por forma a “afastar outros bolos que não têm garantias e podem dar mau nome à vila”. Ele, à distância, acha muito bem... Apesar de uns amigos da onça, ontem, que foram ver jipes a Alcobaça, não terem correspondido à sua solicitação, trazerem-lhe um exemplar, um!, do dito pão-de-ló. Segismundo.

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2004-11-21


Sabotagem. O senhor dr. Mendes Bota, que disputou a liderança da distrital de Faro do PSD com a senhora dr.ª Isabel Soares, não pode mais do que pode. Seja como for, há quem o perceba com uma espécie de todopoderoso algarvio. Tanto assim é que um fulano qualquer escreveu aos militantes da circunscrição avisando, ai!, ai!, ui!, ui!, “a liderança da distrital pelo líder da lista que se opõe a Isabel Soares tentará sabotar uma eventual candidatura de Cavaco Silva à presidência da República”. Uma desgraça, portanto. Nicky Florentino.

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Sons d’outono. Depois de ouver mais de uma vintena de concertos da trupe, ele insiste em dizer que o sexteto Mão Morta está em forma. Pequeno e memorável o concerto em Leiria, no auditório do Mercado de Sant’Ana, ontem à noite. Segismundo.

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2004-11-20


Re: Like a rolling stone. Não gostaste que eu te tivesse enviado o mptrês de Ruby Tuesday. Compreendo. Mas para além disso, a única coisa que te podia escrever era
if every angel’s terrible
then why do you welcome them
? Suspeito que gostarias menos. Um beijo para ti. Boa noite. Escreveu ele em resposta. Segismundo.

Referência



Like a rolling stone. Enviei-te o mptrês de Let’s spend the night together e tu, na resposta, enviaste-me o de Ruby Tuesday. Não gostei. Preferia que me tivesses enviado o de Paint it black. Sei que não vou ver-te hoje. Vou dormir entretanto. Pela primeira vez atrevo-me a fechar a porta do quarto. É um sinal para ti. Ainda me arde a espera. Talvez até me arda mais do que antes. Mas vou fechar a porta. Boa noite. Até amanhã. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

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Mau investimento. Se não é no sono que ele investe o seu tempo – o que seria sensato –, é seguramente na estupidez. Segismundo.

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2004-11-19


A pátria em interrogação. O que disse o senhor dr. Miguel Cadilhe sobre a regionalização pouco importa. Menos ainda importa a resposta dessa ufana criatura chamada senhor dr. José Luís Arnaut. Como o rectângulo parece à ilustrada pandilha jacobina em mando pouco mais do quem uma granja, a pátria é para ser gerida como se fosse uma herdade. Um capataz chega para tudo. Mesmo se está visto e revisto que não. Mesmo se está visto que de outro modo, com mais capatazes, cada um responsável pelo o seu feudozinho, talvez até fosse pior. Nicky Florentino.

Referência



Desprezar o demo que despreza. A pergunta é “concorda com a carta dos direitos fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?”, mas não é para ter resposta. Os senhores deputados abominam, tanto quantas são as voltas das suas vísceras, os gentios e as respectivas manias, entre as quais a de falarem, darem respostas. Por isso, se estão dispostos a fazer a pergunta, nos termos em que a enunciaram, é apenas para destilarem impunemente o desprezo que nutrem por quem não percebe puto do que está em causa, a Europa ou o caraças. Pode ser, pois, que se fodam por não saberem dançar. Uns, os deputados, e os outros, os gentios. É o que costuma acontecer quando o desprezo é mútuo e recíproco. Nicky Florentino.

Referência



Incêndio. Onde habitualmente dormia não pode ele dormir. O seu quarto é próximo da zona da casa em obras e isso impede-lhe o sono. Foi dormir, por isso, para outro paradeiro. Desgraça semelhante à de ser filho de quem é. É que algures abaixo do chão onde dormia, aconteceu um incêndio, em casa de um vizinho. Origem do aparato da circunstância, fumo, muito fumo, gritos, sirenes, vozes graves, barulho de motores. Afinal ali também não era possível dormir. É nestes pequenos pormenores incómodos que deus se revela a quem suspeita da sua inexistência. Ele, por mania, chama-lhe apenas azar. Nem deus. Nem destino. Segismundo.

Referência

2004-11-18


Demagogia sinistra. A qualidade do décimosexto Governo constitucional roça o zero da escala. A do eventual décimosétimo, entregue às putativas mãos do senhor eng.º José Sócrates – que algumas entidade divina nos proteja –, talvez não seja superior. Disse o fulano ontem no parlamento, “quero aqui dizer, para que não restem dúvidas, que, no estado actual da nossa economia e no estado actual das nossas finanças públicas, com um défice real próximo dos cinco por cento e com a dívida pública em sessenta e dois por cento – já para lá do limite do Pacto de Estabilidade [e Crescimento] –, é totalmente demagógico e é uma aventura perigosa querer baixar os impostos sobre os rendimentos”. Não é necessário ser bruxo para perceber o que é que ele fará quando for, se for, primeiro-ministro. Sinistro. Nicky Florentino.

Referência



Fé, esperança e caridade. O senhor primeiro ministro falou ontem em Orçamento de esperança. Pode haver orçamentos para muitas coisas. De esperança, porém, é que não há. Como não há de fé ou de caridade. Orçamentos há-os apenas de receitas e de despesas. O resto é lirismo. Ou tonteria. Nicky Florentino.

Referência



Ilegitimidade, o que não é. É sôfrega a estupidez que permite sustentar que as célebres e desassissadas declarações do senhor dr. Gomes da Silva em relação às intervenções dominicais do senhor Prof. Doutor Rebelo de Sousa constituíram uma forma tentada de pressão ilegítima sobre um órgão de comunicação social. É óbvio que o fulano em senhor ministro pretendia alguma coisa com as suas palavras, isso faz parte das regras do jogo da glória que se joga no lodo. Mas a ilegitimidade é outra coisa. Pelo que era suposto que as criaturas que se abancam na AltaAutoridadeparaaComunicaçãoSocial disso tivessem noção e no juízo isso lhes lampejasse. Nicky Florentino.

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Alturas e crédito. A AltaAutoridadeparaaComunicaçãoSocial é um enredo institucional absolutamente ineficaz e ineficiente. Existe mas, excepto nos custos a que obriga, é como se não existisse. A sua utilidade raia o zero, se não é zero. Foi por isso que há semanas o PSD deixou a seu cargo a averiguação do que originara a decisão do senhor Prof. Doutor Rebelo de Sousa de abandonar as homílias dominicais com que preenchia parte da noite de domingo na TVI. E foi por isso também que agora, umas quantas vozes, que não alcançam o céu, disseram que tal instituição, a AltaAutoridadeparaaComunicaçãoSocial, padece de um lapso de credibilidade. É que de falta de credibilidade os fulanos do PSD, o senhor dr. Morais Sarmento e essa inominável criatura que é o secretário-geral social-democrata, percebem. Sempre perceberam. São especialistas na matéria. Nicky Florentino.

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Agenda. Marlango, FNAC do Chiado. O trabalho, taquepariu!, calcular a taxa de abstenção nas eleições para o Bundestag apenas nos Landër da antiga Alemanha do lado de cá do muro, não permitiu ir ver a Leonor. É a puta da vida a acontecer-lhe em castigo. Segismundo.

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Quase royal flush. Primeiro L’Esquive, Nimas. Depois Diarios de Motocicleta, no Residence. Há sequências piores. Segismundo.

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2004-11-17


Agenda. O acaso levou-o a ouver a Vienna Art Orchestra, esta noite, na Cultugest. O jazz, mesmo no exercício cínico e paródico comandado por Mathias Rüegg, serve-se e serviu-lhe. Segismundo.

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Hábito estranho. Correr a Áum madrugada alta, comprar o Público na área de serviço de Aveiras e, depois de chegar a casa, lê-lo, antes de se deitar. Segismundo.

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Com(p)adrio. Os eurodeputados portugueses eleitos pela lista do PS admitiram votar favoravelmente o elenco da Comissão Europeia proposto pelo senhor dr. Durão Barroso, por pretenderem “normalizar as relações” com o dito cujo. Sabia-se que a alta política tende ao conforto diplomático. Sabe-se agora também que a essa mesma alta política obedece à lógica da relação entre com(p)adres. Nisso não há qualquer mal superlativo. Mas, por pudor que fosse, deviam as criaturas empossadas em tão insignes funções fingir que não se comportam como com(p)adres. Nicky Florentino.

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Fidúcia. A confiança é uma relação entre um confiante e um confiado. O senhor dr. Santana Lopes pode armar ao pingarelho, pode jogar ao pau com os ursos, pode fazer o pino, pode dar cambalhotas à rectaguarda, pode arregaçar as mangas, pode colocar um sombrero sobre a moleirinha untada com gel e o cabelo crespo, pode falar Francês, pode tocar piano, pode ir ao futebol, pode dissertar sobre fenómenos esotéricos e exotéricos como quem fala, de ciência exacta, sobre as virtudes da Cerelac ou do sabão macaco, pode ensaiar malabarismos retóricos persuasivos, pode tratar a senhora Cinha Jardim por tu, pode dar a volta ao mundo em cuecas e ao pé cochinho, pode passear de barco com o senhor dr. Paulo Portas a usar um boné que lhe empresta um ar patego, mas confiar nele, seja em que circunstância for, não parece ser bom investimento. Antes cair na dúvida. E afogar o desespero em Jack Daniel's, até o mundo adquirir a nitidez que o juízo lhe rouba. Nicky Florentino.

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Contra dialéctica. No interior desse claustro partidário chamado PCP, dizer “inclinação consensualizada” significa precipitação de quase todos para dentro do poço, o mesmo poço. É o destino. A acontecer em síntese. Pois a vida é, tem que ser, tragédia. Nicky Florentino.

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2004-11-16


Achtung! e a bonança fingida “Não houve crise nenhuma”, disseram o senhor dr. Santana Lopes e o senhor dr. Paulo Porta. Como os equívocos são um fenómeno filhodaputa. Os equívocos e a desfaçatez. Nicky Florentino.

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Interstate to hell. O Rui apanhou esta. John Hostettler, congressista norte-americano, juntou-se a uma cambada de assanhados que pretende mudar o nome da Interstate Sixtynine para um outro, Interstate Sixtythree, com sonorização mais moral e de acordo com o regime que regula a denominação das Interstates. Moral taquepariu, a que percebe deboche até em números-nomes de estradas. Segismundo.

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Agenda. Marlango, FNAC do Chiado, dia dezoito, a má, muito má hora, dezanove. Segismundo.

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O domicílio dos outros. Se os pais não reportam as intenções de revolver a casa ao filho que lá habita, o filho olha-os e pergunta-se és tu o meu pai?, és tu a minha mãe?, e fica na dúvida. E dessa dúvida há apenas uma saída. Telefonar ao Jaiminho, o autêntico Super-Mário, e acordar com ele a instalação de um esquentador na outra casa. Crescer é isto. Segismundo.

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Sem abrigo. Ele mora lá também, em casa dos pais. A inércia e o sossego explicam o facto. Mas aquela casa já não é o que era. Hoje, por exemplo, pouco depois de se ter deitado, começou a ouvir barulhos estranhos. Foi averiguar. Pedreiros... a partir o quarto de banho. Dois problemas, portanto. Roubaram-lhe o sono. E, não menos grave, a hipótese de tomar banho. Como sempre, a custo, como uma navalha que rasga até ao osso, aprendeu que aquela já não é a sua casa. Segismundo.

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Expectativa. Expectar é corresponder a um futuro. Segismundo.

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2004-11-15


A rolha que não salta do gargalo. Demite-se a direcção de informação da RádioTelevisãoPortuguesa. Mas não é notícia. Na RádioTelevisãoPortuguesa. É isto o lodo. E o sepulcro. Nicky Florentino.

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Tu quoque! A varanda de onde costumas espreitar o rio está fechada. Mas cá dentro já se ouve, integral, How to Dismantle an Atomic Bomb. É um privilégio que posso e quero partilhar contigo. Volta. Não demores. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

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2004-11-14


Opacidade imaginada. O senhor dr. Santana Lopes em discurso, “como podem alguns economistas dizer que o Orçamento é opaco? É opaco porque é imaginativo”. É isto a puta da imaginação do fulano. Nicky Florentino.

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Grande reportagem. Provavelmente, a reportagem mais exacta do que sucedeu no congresso do PSD encontra-se neste . Nicky Florentino.

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Delírio. Disse o senhor dr. Santana Lopes, “em doismilecatorze, quero estar perante os portugueses e dizer, como Cavaco Silva, mudámos Portugal”. É este o alcance do fulano. Para diante. Nicky Florentino.

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Sing this song. A estória do elevador foi transformada numa canção. Tal como o sono se transformou em vida. Nem um nem outro sabiam. Segismundo.

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Concurso de gente tonta. Ele sorri quase sempre quando alguém lhe confessa ser louco. Não que ele não acredite na confissão ou que suspeite que o confessor não saiba o que é a loucura. Ele sorri porque admite a hipótese de um concurso de loucos e tem a convicção que, em relação a aquele caso, a sua loucura é superior. Ou seja, ele sorri porque se imagina vencedor nalguma coisa. Segismundo.

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A última lição. Aprender a saborear os melhores pastéis de nata sozinho. Segismundo.

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2004-11-13


Cantar de galo. O que melhor acontenceu este sábado em Barcelos foram golos. Dois. O resto foi a miséria habitual, os espectros do costume, em cor-de-laranja psicadélico. Nicky Florentino.

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Ponto de encontro. Reencontro ocasional. Olá. Olá. Cumprimento com distância guardada entre os corpos. Como estás? Não muito bem, e tu? Também não muito bem. Seguiu-se uma pausa, um silêncio, a estranheza. Nos olhos, naquele instante, percebeu-se que a separação não tinha conduzido à felicidade desejada. E esse fora o motivo da separação. Segismundo.

Referência



Cena da cidade pequena, noite. A vantagem da urbanidade saudável é conduzir o corpo a acreditar mais em pastéis de nata do que no juízo final, julgou ele ouvir esta frase dita na mesa ao lado, mas, olhando bem as personagens que lá estavam, surgiu-lhe impossível promanar tamanha poesia daí. recentrou-se, então, na mesa e tornou ao diálogo com o outro sobre a morte de Arafat. E agora?, perguntaram-se, ainda sóbrios, sem nada mais da noite do que a ritual chávena de café. Segismundo.

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Cena da cidade grande, manhã. O carro parou no semáforo. Ela disse-lhe qualquer coisa, breve. Ele nada disse. Ela tentou aproximar-se dele. Nessa tentativa, ela olhou-o e perdeu os dedos da mão direita no seu cabelo. Mas ele permaneceu impávido, indiferente, como se não estivesse a ser mimado. Como se estivesse a ensaiar nela o limite do desprezo. Segismundo.

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2004-11-12


Enraivecer. Dizer, no Primeiro Congresso da Democracia Portuguesa, que a democracia não existe é um excesso. Percebe-se isso quando a audiência, ávida de destilar aversão ao capitalismo, enuncia nos olhos a raiva em relação ao argumento. É que, julga a generalidade dos patuscos distribuídos pelo auditório, a democracia é instrumento de salvação e redenção secular da espécie. Por isso, se um louco lhes diz que a democracia não existe, então, o desespero é ainda maior. Mas era essa a lição. A pedagogia pela inquietude. Nicky Florentino.

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Agenda. Kenny Wheeler, Culturgest. Já não há bilhetes. Porra!, fez ele exclamado coro com o Viegas. Segismundo.

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Captações, xv. Em Los Siete Locos. “Erdosain fecha os olhos. Um perfume, que não consegue discernir se de nardo ou de cravo, inunda a atmosfera de um misterioso embalsamamento de festa.
E Erdosain pensa:
- Apesar de tudo é necessário enxertar alegria na vida. Não se pode viver assim. Não há direito. Acima de toda a nossa miséria é preciso que flutue uma alegria, que sei eu, algo mais belo que o feio rosto humano, que a horrível verdade humana. O Astrólogo tem razão. Há que inaugurar o império da Mentira, das magníficas mentiras. Adorar alguém? Fazer caminho entre este bosque de estupidez? Mas como?
Erdosain continua o seu solilóquio com as maçãs do rosto coradas:
- Que importa que eu seja um assassino ou um degradado? Isso importa? Não. É secundário. Há algo mais belo que a vileza de todos os homens juntos, e é a alegria. Se eu estivesse alegre, a felicidade absolver-me-ia do meu crime. A alegria é o essencial. E também amar alguém”. Segismundo.

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Re: Ainda o adeus. A tua mensagem, os teus olhos desenham o adeus com lágrimas, devia ser apenas poesia, narrativa, não vida, para não te doer. Desculpa. Boa noite. Um beijo para ti. Escreveu ele. Segismundo.

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Ainda o adeus. Escrevo a palavra proibida: amo-te! É esta a minha pena. Não gosto de a cumprir sozinha, pois é arrombo maior do que o que consigo suportar, tendo eu nenhuma culpa. Gostava de ser capaz de te dizer adeus e não doer. Mas dói. Dói muito. Os meus olhos desenham o adeus com lágrimas. Adeus. É a falta das tuas mãos, dos teus abraços o que mais me mata. Adeus. (Volta). Escreveu-lhe ela. Segismundo.

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Esfolar a amada. Constantino apaixonou-se por Miquelina. Depois amou-a. Sempre com uma intensidade mórbida. Ela entranhou-se nele. De tal modo que ele ficou dependente do seu perfume, do seu cheiro. Um dia Miquelina quis soltar-se, fazer-se livre. Nunca se apaixonara por Constantino. Também nunca o amou como ele a amava. Decidiu, por isso, partir, fugir. Partiu, fugiu. Mas o Constantino foi no seu encalce. Encontrou-a. Segurou-a. Envolveu-a num lençol. Colocou-a no carro. E, com ela cativa, regressou decidido a casa. Antes de chegar, porém, parou no velho moinho de água. Entrou, carregando-a sobre o ombro direito. Pousou-a na laje do chão. Desenvolveu-a do lençol. Rasgou-lhe a blusa. E com uma faca cortou-lhe a pele das costas e do peito. Depois, acto contínuo, arrancou-a, como se fosse uma folha. A única saudade que tenho é do teu cheiro, por isso levo a tua pele comigo, disse ele, enquanto ela gritava a lancinante nudez da sua carne e a corrente da água e o ranger das rodas dentadas abafavam os seus agudos uivos de dor. O Marquês.

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2004-11-11


Nojo. Como anunciado antes, morreu Yasser Arafat. Que fazer?, para além de o sepultar. Nicky Florentino.

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Revelação amén. Página doze da edição de hoje do Público. Depois de uma pequena nota sobre audiência do Papa ao senhor presidente da República, que está agendada para amanhã, uma observação final, “o Público viajou no avião fretado pela presidência da República”. Mas o que é que raio isso interessa? O que é significa a necessidade de anunciar tal boleia? Nicky Florentino.

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Explicações. O senhor primeiro-ministro pretende explicar o Orçamento do Estado aos gentios. Por e para tanto, segundo a edição de hoje do Público, “está a ser feito um trabalho para se tentar traduzir o Orçamento numa linguagem acessível à maioria das pessoas”. Não é necessário. Pois o silêncio é sempre preferível ao engano. Nicky Florentino.

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Híbridos que não existem. O senhor eng.º José Sócrates acusou o Governo de “eleitoralismo radical”. É necessária alguma moderação no libelos para que o dedo em riste não pareça gesto tolo. É que se se é eleitoralista não se pode ser radical. É da natureza das coisas. E da puta da vida. Como costuma escrever o Segismundo. Nicky Florentino.

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O tempo cheio. Hoje tenho trabalhos para fazer em casa, mas não posso, a minha agenda está muito preenchida, disse uma sobrinha dele, a mais nova, seis anos, ao chegar a casa, enquanto descarregava a mochila no chão. Segismundo.

Referência



Comensalidade ecuménica. Partilhar a refeição com pessoas que não são conhecidas é uma forma de miséria antropológica. Ontem ele ficou a saber dos amores da irmã da Joana. Ele não sabe quem é a Joana. Tão pouco sabe quem é a irmã da Joana. Sabe apenas que a Joana jantava ao seu lado, junto com o namorado. Do namorado não conseguiu saber o nome. Mas conseguiu saber muito dos estouvados amores da irmã da Joana. Porque o mundo é tão resumido e condensado na mesa de jantar. Segismundo.

Referência



Faith no more. Ele olhou para a t-shirt preta e percebeu que o que era suposto ser um motivo estampado era o resultado de uma nódoa sofregamente pulverizada com lixívia. Sabes o que é isto?, perguntou-lhe o Zé Vitório, expondo e apontando para o peito. Não, respondeu ele. É o produto da mão de deus, podes fazer fé, explicou-lhe o Zé Vitório, batendo orgulhoso no peito. Mas não era para acreditar. E para fazer fé menos ainda. Segismundo.

Referência



Urgências. Sente ele ser urgente aprender a odiar. Será esse o seu futuro. É essa a sua necessidade. A estupidez não cessa de o ser. E de o surpreender. Segismundo.

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Pedir em vão. Ninguém deve rogar a outra pessoa amor. Pois é o mesmo que alguém pedir a outra pessoa que vá dormir, se a outra pessoa não tem sono ou não pode dormir. Segismundo.

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Antony, Coco & Rosie. O que podem as vozes foi o que ele aprendeu, aprendeu por nova confirmação, no concerto realizado ontem à noite no Lux. Segismundo.

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Missão dorida. Ele aprendeu a olhar para ela com olhar de adeus, o que é dor que quase já não se usa. O Marquês.

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2004-11-10


Orçamento. Se o senhor primeiro-ministro promete a diminuição do IRS não é para acreditar. Ele gosta de dizer estas coisas. Ele gosta de ser simpático. Mas não sabe ser. Também não tem que saber. Bastava que governasse. Com tino. Mas não. O tino não lhe deve parecer simpático. Sabe-se lá... Nicky Florentino.

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Agenda. Antony & the Johnsons, Lux. Segismundo.

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Feuer Frei! O que se espera de um concerto é que os homens consigam arder. Como Ícaro. E Rammstein. Segismundo.

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Pré-conceito. É pouco provável que se consiga apreciar uma banda cujo logo é uma efígie de um moto-rato. Por isso, antes exílio do que Exilia. Segismundo.

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2004-11-09


Quinze anos. Os muros, uns, continuam a ser construídos e, outros, a colapsar. Mas há rombos, quedas de alguns, que persistem fulgurantes na memória. Como os Trabant. Nicky Florentino.

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Agenda. Hoje ele vai jantar com o Zé Vitório que foi assaltado no pretérito sábado. Depois vão ao concerto dos Rammstein. Dia de aventura, portanto. Segismundo.

Referência



Os tempos do mesmo ofício. Apontou-lhe a arma ao pé esquerdo e primiu o gatilho. Repetiu o acto em relação ao pé direito e a cada uma das mãos dele. Depois disse, o trabalho agora é mais limpo, a Cristo os buracos foram abertos à martelada, na época ainda não tinham inventado este extraordinário berbequim chamado revólver. O Marquês.

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2004-11-08


Sem cordel. O senhor dr. Carlos Carvalhas entende que o senhor dr. Santana Lopes é uma “marioneta do grande capital”. Que o fulano seja do grande capital é como o outro. Qualquer um é o que é. Mas marioneta é que o fulano não é. Se fosse, teria uns quantos cordéis que permitiriam comandá-lo. Não tem. É auto-comandado. É isso que inquieta. Não há controlo sobre ele. Nicky Florentino.

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Coisas que nunca foram. Desabafou o senhor secretário-geral do PCP, “a soberania nacional torna-se cada vez mais uma ficção”. Equívoco da criatura. A soberania nacional jamais foi mais do que uma ficção. Nicky Florentino.

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Espírito santo. Em artigo estampado na edição de hoje do Público, um dos plumitivos de segunda-feira escreveu, “o escândalo contra Buttiglione é feito de ignorância e facciosismo”. O que significa que o escândalo a favor do dito cujo é feito de sapiência e discernimento. E também de cara de pau. Nicky Florentino.

Referência



Guardador de son(h)os. Abriu a porta. Espreitou. Confirmou-o ali. Saudou-o, boa noite. Ele reagiu à saudação, boa noite, disse também. Fechou a porta. E foi fazer filmes para a cozinha, antes de tornar ao quarto. Fosse o mundo todo assim, exacto, e, nessa exactidão, espaço para ficções... Segismundo.

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Captações, xiv. Em Les Chants de Maldoror. “Quando queria matar, matava; e isso até acontecia muitas vezes, e ninguém me impedia”. Segismundo.

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Arde a espera. Talvez um dia consiga tirar de dentro de mim a cratera feita da tua falta, da ausência do teu corpo. Por ora, basta-me a tua presença. Não demores. Como costume, arde-me a espera. Boa noite. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

Referência



Falsas promessas. Prometeram-lhe mousse de chocolate. E ele foi. Enganado. Segismundo.

Referência



Desejado afecto. Era paixão, paixão tão cega. Andava ele com as entranhas incendiadas. Pensava, a todo o instante, apenas nela. E dela pretendia somente uma resposta, correspondência ao seu amor. Amor que ela, a velhaca, nunca lhe deu, por apreciar a dor que ele obstinadamente transpirava enquanto demandava o desejado afecto. O Marquês.

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2004-11-07


Status, renda e classe de juízo. Disse ainda o senhor Doutor António Borges, em entrevista à edição de ontem do Expresso, “não consigo perceber como é que alguém com o estatuto de um secretário de Estado consegue viver com os ordenados com que eles vivem”. É da ilustração. Acaso não fosse tão iluminado o fulano não teria dificuldade em perceber as miudezas da vidinha. Nicky Florentino.

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Do outro lado do espelho. Disse o senhor Doutor António Borges, em entrevista à edição de ontem do Expresso, “não há regime melhor do que a ditadura iluminada. Se houvesse um princípe perfeito conseguiríamos maravilhas do país”. Pois... e a Alice passaria a poder a andar por aqui. Nicky Florentino.

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Da mortalidade. Há uma necessidade de conforto, minima vital - mesmo se de uma vitalidade de segunda ordem -, que obriga à invenção de deuses domésticos, menores. Ele inventou uma mulher a quem as suas mãos não tocam, apenas os olhos. Ser mortal é isto. Ter consciência e sentir o que está por preencher. E, às vezes, se breve ou lento, morrer com essa sensação de incompletude nas mãos, no corpo. Segismundo.

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O alcance dos sinais. E se os sinais que ele espera, deseja e espera, não chegam? Por que é que não chegam? Porque ele espera. Não devia esperar. Não devia esperar mais. Devia suicidar-se já. Ou, então, (sobre)viver. Segismundo.

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Mal de amor. Mais do que impressioná-la, ele queria arrebatá-la. Ofereceu-lhe, por isso, uma flor que não é de oferecer. Ofereceu-lhe a vida também. E disse-lhe as palavras que conseguiu. Há gestos e discursos que são declarações de amor. Declarações autênticas. Mas há corações que são esquivos, blindados, apertados por dentro, para os quais nenhum gesto parece ser suficiente. Daí que a vertigem do amor que não merece recipocridade empurre para a loucura, para a dor, para o veneno. E a puta da vida se instale, não apenas provisoriamente, no corpo, o lugar onde começa a ser, por sempre ter sido, desnecessária. Segismundo.

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Mau maria. Depois de duas horas de sono, acordar com enjoo e não padecer de gravidez não é experiência bonita. Segismundo.

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Doença. Falha-lhe o sono consecutivamente. Ao mesmo tempo os demónios consomem-lhe com volúpia os últimos traços de preserverança. O que se aproxima não é saudável, sabe ele. Segismundo.

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Mundo de canções tristes. Ele estava a ouvir a telefonia quando subitamente se sentiu arrombado. I need your love, o refrão da canção, era a mensagem que ele desejava enunciar, na proporção e na urgência exactas, mas não conseguia. Ou, se conseguia, não surtia o efeito pretendido. Há mulheres que não se rendem a canções. E alguns homens ficam tristes, muito tristes, capazes de morrer, por isso. Miséria maior não há do que o amor falhado, sentido falhado, e cantado por outros. Segismundo.

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2004-11-06


Queda. Vou bater-te, desabafou ele, preciso de te sentir magoada para ser feliz. Ao ouvir isto, ela tentou escapar, fugir. A placagem, que a fez cair, foi a primeira causa de dor que sentiu. Mas a queda foi o que menos lhe doeu, a ela. O Marquês.

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E se depois. Morro, morro, no altar de ti, canta ele, já vingado em depois, como se fosse um cão, um cão que não morre, um cão que não morde, cão da morte. Ou apenas cão triste. Segismundo.

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Escravos do desejo. Dói-me a alma, dói-me a alma... canta ele, até exaurir-se e ser depois, depois que demora a acontecer. Segismundo.

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Estranheza. Em quantos capítulos se revela uma espécie de estranho? Segismundo.

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Canal inveja. Ocasionalmente ele admite ter vontade de ter um blog. Há um problema, porém, alerta ele. O nome do blog que ele desejava ter, Mau tempo no canil, já está tomado, e bem, por outro. Segismundo.

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Ode pum. Escrever é uma urgência absurda. Por isso ele devia estar quieto e limitar-se a ouvir o Pedro Carneiro a bater Xenakis. Segismundo.

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Captações, xiii. Em Les Chants de Maldoror. “Já não tinha qualquer parcela de divindade: consegui elevar a alma até às excessivas alturas desta inefável volúpia. Escutai-me pois, e não coreis, ó inesgotáveis criaturas do belo, que tomais a sério o ridículo zurrar da vossa alma, sobejamente desprezível, e que não compreendeis por que motivo o Todo-Poderoso, num raro momento de excelente paródia, que decerto não ulrapassa as grandes leis gerais do grotesco, se deu um dia ao mirífico prazer de mandar que um planeta fosse habitado por seres singulares e microscópios, chamados humanos, e cuja matéria se assemelha à do coral vermelho. Claro que tendes razão para corar, ossos e gordura, mas escutai-me. Eu não invoco a vossa inteligência; vós a expulsaríeis do sangue pelo horror que ela vos dispensa: esquecei-a, e sede consequentes convosco próprios... Agora, nada de mais contrangimentos”. Segismundo.

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Dúvida. Quantas vezes suporta um homem cair repetidamente na mesma ferida?, ferida sua, pergunta-se ele. Segismundo.

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A fanfarra do desassossego. Algo que não se sabe, o que fazer com o eco do silêncio que troa, da cabeça ao peito, dentro dele? Segismundo.

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Re: Adeus. Sabes?, esta noite comi os pastéis de nata que desejei partilhar contigo. Escondi apenas um, como se fosse simultaneamente um desejo e um segredo. Não sei quem o vai comer amanhã, se tu, se eu. Mas, peço-te, não me digas ainda esse adeus último. Também tenho saudades tuas. Um beijo para ti. Escreveu ele. Segismundo.

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Adeus. Hoje, embora triste, porque foste para longe – uma vez mais, estás sempre a ir, a voltar para longe –, retenho a alegria da tua companhia. Não esqueço que, quando comecei a falar-te de Philip Larkin, fugiste para me falar de Philip Roth. Gostas destes jogos, não é? De embaraçar? De baralhar? Por vezes esse jogo parece-me um expediente que utilizas para fugir de ti mesmo, da circunstância, do tempo e do lugar onde te encontras. Não tenho a certeza que assim é, mas suspeito que seja. Estou triste. Este é talvez o primeiro instante em que me confesso sinceramente a ti. Sinto a tua falta, a falta de ti inteiro, não apenas das tuas mãos. Sinto muito. Talvez sinta demais a tua falta, em demasia, excesso. Não sei se é doença ou mal. Sei apenas que sinto a tua falta, que sinto muito a tua falta. Assim como sei que um dia terei de te dizer o último adeus. O adeus sem retorno, sem devolução, sem regresso. O adeus que termina uma hipótese de futuro entre nós. O que sinto por ti tem-me permitido fintar e iludir esse adeus derradeiro, sem apelo. Mas não sei até quando dizer-te adeus será suportável para mim. Sei apenas que um dia acontecerá, dizer-te adeus para não tornar a repetir. Ou talvez não. Não sei. Parece-me que o rio está a morrer lá fora. É uma sensação recorrente quando estou em solidão. Para além disso, está frio. Arrefeceu. Agora vou dormir. Estou exausta. E, sabe, a porta do quarto fica aberta, aberta para ti. É a forma que tenho de, em silêncio, à distância, enunciar o teu nome e clamar por ti. Não demores. Boa noite. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

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Fidúcia. E porquê?, perguntou ela, sempre ansiosa em saber todos os porquês. Não te sei dizer porquê, respondeu ele, nisto talvez até não exista porquê, não sei, tens que confiar, aprender a confiar. Segismundo.

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2004-11-05


Re: Tu faltas-me. Hoje não ouvi a tua voz. Não vi os teus olhos. Não aspirei o teu perfume. Não senti o calor do teu corpo. Estes nãos não foram opção minha. Apenas aconteceram. Não fugi. Não te fugi. Um beijo para ti. Boa noite. Escreveu ele em resposta. Segismundo.

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Tu faltas-me. Ouvi aquela voz a cantar
God has given you but one heart
You are not a home for the hearts of your brothers

e não sei de ti. Não confesso, não digo, mas sinto a falta das tuas mãos. Necessito das tuas mãos para me domesticar. Onde andas tu? Foste numa das tuas fugas? Quando regressas? Não demores. A porta do quarto fica aberta, é o sinal do costume, para ti. Escreveu-lhe ela. Segismundo.

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Porque o Natal não é quando se quiser. É princípio de Novembro e na caixa de correio ele encontrou já um catálogo de brinquedos. Andam a antecipar com tal sofreguidão o Natal que sequer o deixam acontecer. Segismundo.

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Como nos filmes. O que é que leva uma mulher a pegar no pé do espectador que está sentado imediatamente atrás de si na sala de cinema? Ele não sabe. Ela, pela estouvada ousadia, levou um pontapé na mão. Segismundo.

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Da metamorfose e ser grande. Antes, para além de o tempo correr lento, era ao contrário. A irmã não lhe telefonava a informá-lo de um determinado NúmerodeIdentificaçãoBancária, com muitos zeros. Segismundo.

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Doer no osso. De entre todas as inutilidades humanamente inventadas, nenhuma é mais inútil do que o sofrimento indolor. O Marquês.

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2004-11-04


Ways of worldmaking. Escreveu Wittgenstein, “a linguagem é um labirinto de caminhos. Vindo de um lado, conheces o caminho; vindo de outro lado, mas para o mesmo ponto, já não conheces o caminho”. Em política também é assim. Por isso, compreende-se, George Walker Bush venceu a eleição para futuro presidente dos EstadosUnidosdaAmérica. É tudo uma questão de sentido, mais do que de direcção. Até porque caminhos não os há assim tantos. Nicky Florentino.

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O estranho caso da nicotina sobre a mesa da cozinha. Em casa dele, domicílio de um homem só, ninguém fuma. São por isso um mistério os dois packs, de marcas diferentes, um ainda com dois cigarros, em cima da mesa da cozinha. Ou isso ou a memória da loucura já foi mais vigilante. Segismundo.

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Captações, xii. Em Les Chants de Maldoror. “Não encontrando o que procurava, ergui mais alto a pálpebra assombrada, mais alto ainda, até avistar um trono, formado de excrementos humanos e de ouro, sobre o qual reinava, com um orgulho idiota, o corpo coberto de uma mortalha de lençóis sujos de um hospital, aquele que a si mesmo se intitula Criador! Tinha na mão o tronco apodrecido de um homem morto, e levava-o alternadamente dos olhos ao nariz e do nariz à boca; uma vez na boca, adivinha-se o que fazia. Os pés mergulhavam-lhe num vasto mar de sangue em ebulição, à superfície do qual se erguiam de repente, como ténias no conteúdo de um bacio, duas ou três cabeças prudentes, que imediatamente se baixavam, rápidas como setas; um pontapé bem aplicado na cana do nariz era a sabida recompensa para a revolta contra o regulamento, ocasionada pela necessidade de respirar noutro meio ambiente; porque a verdade é que aqueles homens não eram peixes! Quanto muito anfíbios, nadavam conciliatoriamente naquele líquido imundo!... – até que, quando já não tinha nada na mão, o Criador, com as duas primeiras garras do pé, pegou noutro mergulhador pelo pescoço, como com uma tenaz, e ergue-o no ar, acima do lodo encarniçado, requintado molho! Àquele fazia o mesmo que ao anterior. Devorava-lhe primeiro a cabeça, as pernas e os braços, e em último lugar o tronco, até não sobrar nada; porque mastigava também os ossos. E assim sucessivamente, durante as outras horas da sua eternidade. Às vezes exclamava: «Criei-vos, e portanto tenho o direito de fazer de vós o que quiser. Dou-vos sofrimento porque me dá prazer»”. Segismundo.

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Aproximação à verdade, ii. Ele ao computador, a teclar freneticamente, com os olhos entregues à imagem do monitor. Ela, sentada junto à janela alta, da varanda, a vigiá-lo e a ler um livro, livro tardio nas suas mãos, mas livro oportuno e circunstancial, de Phillip Larkin. Suspendeu por instantes a leitura. Andas a escrever sobre nós no blog?, formulou ela a inquisitorial questão. Ele, sobre nós?, no blog?, não. Que pena, lamuriou ela, num sussurro que cortou um silêncio de María de Buenos Aires e que não devia ter sido ouvido por ele. Segismundo.

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Aproximação à verdade, i. Disse ela, enquanto temperava uma salada, o jantar, sabes?, hoje ouvi falar de um blog, a caserna ou o casebre dos danados ou qualquer coisa assim. Eram dois gajos... Disseram mal?, quis ele saber, sem aparentar curiosidade, continuando a escrever uma breve nota no seu caderno. Não, pareceram-me entusiasmados, com uma espécie de novela noir e sádica que andam para lá a escrever, explicou ela. Um, um, sonorizou ele, tentando confirmar o desinteresse no diálogo. Sabes que blog é?, indagou ela. Eu?, não, mentiu ele. Segismundo.

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Eyes wide shut open. O problema não é o que vejo nos teus olhos, percebes?, é o que eu, olhando-os, não vejo, disse-lhe ela. Segismundo.

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Gritar a dor. Durante as manobras de mimos, ela descobriu-lhe uma erupção cutânea sob a orelha e percebeu que o ponto lhe era doloroso. Apeteceu-lhe, por isso, despertar a dor ali alojada. Começou a acariciar-lhe o cabelo, como se lhe dispersasse a atenção. Ao mesmo tempo olhou-o nos olhos, esboçou um sorriso, um sorriso daqueles. Depois, traiçoeiramente, como quem busca gozo ainda maior, colocou um dedo sobre a borbulha, apertando-a e despertando-lhe uma dor aguda. Ele enganou a dor sentida, tentando devolver a ela o sorriso. E nesse mesmo instante, segura e sádica, ela voltou a repetir o gesto e a reforçar o sentido da dor que ele sentiu, confirmando-a, sem que ele a pudesse, agora, enganar. O grito, ai!, já soara. O Marquês.

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2004-11-03


Vencer sem ter que esperar. O Luciano tem razão, é muito suspeita a mania de querer contar os votos todos, até ao fim. Ou se acredita em eleições ou não se acredita em eleições. Isso de contar os votos é um pormenor sem a mínima importância. Contar os votos sequer devia ser necessário, pois já há formas sofisticadas de fazer estimativas. Na prática, contar os votos, os votos todos, é um excesso de zelo. Do mesmo que a lavagem dos cestos já não é vindima - só os desassisados é que sustentam que até à lavagem dos cestos ainda dura a vindima -, contar os votos nada tem a ver com eleições. Aliás, acaso alguém acreditasse em eleições, liminar devia ser a sua disposição a dispensá-las. Por um motivo simples: pretender que a contagem dos votos seja integral é não acreditar em eleições. Bem visto. Nicky Florentino.

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Os não-barómetros. Palavra do insígne senhor dr. Luís Delgado, o ajuntamento Lusomundo Media não é pressionável. Palavra do senhor presidente da PT, não aceita pressões de quem quer que seja. Ai, ai, e o pai natal foi com o coelhinho e o palhaço no comboio ao circo. É isto o que acontece em lugares onde não há barómetros. Nicky Florentino.

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A casa sem nenhuma virtude. As convulsões da distrital de Leiria do PSD, com acusações de fraude e manigâncias afins, são um bom indício. Os partidos políticos devem ser o que são. Até porque as virtudes são para pregar e ensaiar noutros contextos institucionais. Nicky Florentino.

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Como se fosse uma agência de emprego. Conversa do senhor eng.º José Sócrates, “hoje há mais cento e cinquenta mil desempregados do que há dois anos e meio. Nunca um Governo perdeu tantos empregos em tão pouco tempo e isso expressa o falhanço desta política económica”. A falta que faz alguém, com espírito caridoso e disponível, que possa ilustrar o juízo do senhor secretário-geral do PS e explicar-lhe que o raio do Governo não perde empregos. Nicky Florentino.

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Alegria. O resultado da eleição que determina quem será o futuro presidente dos EstadosUnidosdaAmérica, caso vença George Walker Bush, pode não parecer simpático, mas ainda assim é. Para além do óbvio, como notou o Jorge, venceu o Daily Show. E isso é o que, de facto, interessa. Não as tristezas já anunciadas e que, como é sobejamente sabido, o tempo, em futuro, confirmará. Nicky Florentino.

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Tristes tigres. Tristes são também os que perderam a faculdade de se iludir e persistem em fingir-se certos. Segismundo.

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Leituras. O que é que raio faz melhor a leitura dos jornais no Café Central?, pergunta-se ele, por sentir que em nenhum outro lugar lê jornais como lê no Café Central. Segismundo.

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High Windows. Ele há janelas que fechadas, mesmo se discretamente, não oferecem o conforto que quando abertas. Segismundo.

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Captações, xi. Em Les Chants de Maldoror. “Começava a parecer-me que o universo, com a sua abóbada estrelada de globos impassíveis e irritantes, talvez não fosse aquilo que eu sonhara de mais grandioso. Um dia, então, cansado de calcorrear a pé o caminho abrupto da viagem terrestre, e de andar vacilando como um bêbado através das obscuras catacumbas da vida, ergui lentamente para a concavidade do firmamento os meus olhos de tédio, rodeados de um grande círculo azulado, e ousei penetrar, eu, tão jovem, nos mistérios de céu”. Segismundo.

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O rei do lar, doce lar. O Zé Vitório comprou um aspirador. Pequenino, mas potente, disse ele, com enrolador automático de fio e tudo. Uma bomba, pá!, uma autêntica bomba, explicou. Mas tive de o devolver. Era vermelho, não era azul como na caixa. A mim não me enganam. Se é vermelho, não é azul. Se eu soubesse que só os havia vermelhos, não o tinha comprado. Eu não sou touro, pá. Segismundo.

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A fruta pecado. Dormir três horas. Depois comer maçãs. Pois o pecado também deve acordar. Segismundo.

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Boleia. Quando no carro dele soa Mauricio Kagel é aconselhado não se perguntar o que é que se está a ouvir. Segismundo.

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Sonhos de abóbora-menina. É quase meia-noite, tenho que ir, disse ela. Ele reteve-a nos seus braços. Vá lá, olha que se chego a casa depois da meia-noite transformo-me em abóbora, pretendeu ela, com estas palavras, livrar-se do abraço que a estava a reter. Não faz mal, sossegou-a ele. E continuou, se te transformares em abóbora, eu, depois, faço sonhos contigo e como-te. Ela sorriu e comentou que romântico... Não percebeu que a imagem que lhe preenchia os anseios era, mais do que a mastigar, a fritura dela em óleo alimentar. O Marquês.

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2004-11-02


Eleições no maior clube do mundo. Hoje, haverá muitos curiosos, voyeurs e interessados a acompanhar o processo conducente à eleição do futuro presidente dos EstadosUnidasdaAmérica. Como se o destino estivesse a ser decidido lá longe. É isto uma alegoria da impotência. E maior miséria política, ser apenas espectador, não há. Nicky Florentino.

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Cair de pé. A natureza nunca o incomodou tanto que ele sentisse necessidade de acreditar em deus ou inventá-lo. Segismundo.

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Primeiro de Novembro. O infâme tinha um único prazer na vida, destruir as flores com que os vivos ornamentavam as campas dos seus queridos defuntos. Mas o prazer não decorria da destruição das flores e respectivos arranjos. O prazer decorria da provocação, do exercício da heresia. Pois sabia ele ser certo que indignando os outros lhes devolvia a traída e dorida sensação de serem vivos. Para além disso, o infâme reservava-se ao prazer apenas uma vez por ano. Exactamente no primeiro dia de Novembro, dia em que, perante o olhar e o testemunho de quantos romareavam ao cemitério, pisava com deleite as flores depositadas sobre as lápides. O Marquês.

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2004-11-01


Morrer às prestações. Não é bonito jantar com metafórica vista para o mar e não comer, por apetite não haver, a sobremesa, pudim de queijo. Segismundo.

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The desparate kingdo(o)m of love. Para além da espera obrigada, o que esperar de uma mulher? Que ela não demore. Mas ela demora sempre. Tanto que, por vezes, já não existe. Existiu. Segismundo.

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História. Estão constantemente a acontecer factos. É uma inexorabilidade do tempo, o tempo em directo. Segismundo.

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2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).