2004-02-29
Os desejos são horizontes de definição estranha. Tão estranha que cada um tem os seus, desejos. Por exemplo, o senhor presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes foi assomado pelo desiderato de ser o senhor presidente da Câmara Municipal de Amarante. E o senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa padece da vontade de arribar a senhor presidente da República. Por ora, o que nos protege deles é apenas o futuro. Que, valha-nos, ainda não acontece por antecipação. Nicky Florentino.
Ao senhor Avelino Ferreira Torres os gêéneérres de Marco de Canavezes não põem a mão em cima. É isto, a simpatia, estar pela grei. Nicky Florentino.
2004-02-28
Segundo sugestão do senhor dr. Pedro Santana Lopes - ainda que não verificada empiricamente pelos serviços competentes -, existem, de facto, ameaças à sua integridade física. Uma vez que uma ameaça é uma promessa, vamos lá ver se é cumprida. Ou se não passa do que é, um cenário, uma hipótese que não se cumpre, mas que conforta quem se protege convenientemente nela. Segismundo.
Se o mundo tiver a exactidão que se presume escrita nas narrativas jurídicas que o pretendem ordenar, alguém clamará justiça. Porém, é apenas pela vingança que se descobre e alcança a justiça que satisfaz. Que alguém sofra é, pois, condição de justiça. O Marquês.
2004-02-23
O Nicky Florentino, o O Marquês e o Segismundo estão envolvidos em outras danações que não de carnaval, lá fora, na vida. A culpa, toda a culpa, é de uma bisonha criatura metida em presidente de Assembleia Municipal de uma paróquia sinistra. Os danados, os três, estão a preparar-se para um duelo. Voltarão depois da peleja. No final da semana que corre. Vivos ou mortos. Pois aqui, na blogosfera, do ácido ao cozy, são possíveis mais vidas do que as estreitamente convencionadas. É por isso que, aqui, neste chão, nesta dimensão suspensa, cá dentro, gostamos de ventos. Tanto quanto gostamos de tempestades. Gregório R.
A maior parte das apostas do Nicky Florentino e do Segismundo do último fim-de-semana eclipsaram-se. E o seu resgate é impossível. Há por aqui, neste tugúrio, quem exclame enfática e repetidamente, ad nauseum, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!, taquepariu o blogspot!... A sorte, neste azar, é que nada disto é para levar a sério. Até porque o que aqui se lavra, como se lavra, não é diferente da pretensão do senhor dr. Pedro Santana Lopes arribar a senhor presidente da República. Uma leve leveza. Tão insustentável quanto o ser. Ou o não ser. Gregório R.
2004-02-22
Ele entrou num restaurante. De imediato percebeu três grupos, aparentemente feitos pela escola. Notou neles o pedantismo académico típico da frescura na universidade. Num dos grupos discutiam-se os projectos mais implausíveis, com a segurança que apenas a ignorância providencia. Para além dos três grupos, havia no restaurante cinco casais, quase todos novos, de extracção etária não muito diferente da daqueles. Perscrutou, súbito, a fauna sentada. A paisagem era sinistra. Um moço, quase indistinto, com farda e avental, perguntou-lhe, uma mesa para quantas pessoas? Ele encontrou-o com os olhos. Apenas. Nada disse. Por instantes entorpeceu. O moço repetiu a pergunta, é uma mesa para quantas pessoas? Nenhuma, respondeu ele. Acho que me enganei, acrescentou, em explicação. O moço, então, estendeu a mão, apontando a porta, e acompanhou-o. Ele saiu. Depois tornou a entrar. E, com uma satisfação cruel, confessou, olhe, não me enganei, apenas não gostei do restaurante. E tornou a sair. Definitivamente. Sem escolta. O Marquês.
O senhor dr. Guilherme Silva, o maioral da bancada parlamentar do PSD, disse, “noutro país qualquer, Alberto João Jardim já teria tido uma oportunidade das mais relevantes a nível da hierarquia do Estado”. Alto! Há limites para tudo. Até para a imaginação. É que, como soi dizer-se, cada macaco no seu galho. E não consta que no continente existam bananas daquelas, pequenas, típicas da Madeira. Nicky Florentino.
2004-02-21
Não há ninguém assisado que explique às criaturas do PS que os clubes não são para discutir política?, menos ainda para discutir política com quem não quer saber puto de política. Nicky Florentino.
A protecção policial de que beneficia o senhor dr. Pedro Santana Lopes, mais do que um símbolo de status político, é a demonstração tanto de uma fraqueza – a incapacidade de se defender – quanto de uma megalomania – a presunção de que alguém o pretende ofender fisicamente. A isto, numa hipótese simpática, chama-se dissonância cognitiva. É um facto que a criatura necessita de protecção. Porém, carece de protecção não em relação a estranhos, mas em relação a si mesmo. E essa protecção não é um agente da PêéSsePê que a pode providenciar. Seja como for, o mais que ele, o senhor dr. Santana Lopes, pode gerar, se arribar a senhor presidente da República, é vergonha, como disse o senhor dr. Miguel Sousa Tavares. E, convenhamos, ninguém o quer exterminar. O tempo encarregar-se-á disso. A menos que, como clemência, soe um qualquer concerto para violino. De Chopin, claro está. O que é pouco provável. Ou seja, é outra fantasia. Segismundo.
Participar na folia do Carnaval é provavelmente a forma mais acintosa de auto-desrespeito a que qualquer criatura se dispõe. A miséria que as apessoadas almas se sentem tentadas a utilizar como máscara é rigorosamente a mesma miséria que carregam envergonhadas durante o ano e para a qual não há sacerdote que lhes consiga o alívio. Aliás, se se celebram homílias todos os domingos, para quê este cortejo pagão onde o disfarce é a revelação cruel e voluntária da identidade disfarçada? O Carnaval é a filosofia da TVI transposta para as ruas. Daí que, mal por mal, seja preferível que o triste espectáculo da despudorada exibição da miséria se confine à televisão. Pois essa, embora seja permanente, comanda-se à distância. Em última instância por via do off. O Marquês.
2004-02-20
Não sei, mas suspeito que uma meretriz asseada, uma bíblia ou uma garrafa de Jack Daniel's, qualquer uma delas, são melhores conselheiras do que um advogado. E isto porque o advogado é o guardião da hipocrisia colectiva através da qual se encena e celebra, por escrito, o arbítrio da vida, como se fosse uma ordem, uma grei. Segismundo.
Segundo o senhor bastonário da Ordem dos Advogados, "toda e qualquer pessoa deve ter um advogado. Se vamos ao médico para evitar ficar doentes, por que não havemos de passar a ir ao advogado para evitar problemas com a justiça?". Por uma razão simples, o juízo. Todos, ainda que uns mais do que outros, somos capazes de ajuizar. Neste sentido, os problemas com a justiça a que o senhor bastonário alude não são verdadeiros problemas com a justiça. São, isso sim, prejuízos. Ou seja, problemas, apenas e só. Segismundo.
A propósito da criação da figurinha do advogado de família, disse o senhor bastonário da Ordem dos Advogados, "o conceito é este: o advogado é um conselheiro que todo o cidadão deve ter". A presunção da utilidade que o fulano destila em relação à própria espécie é desmedida. E, para além disso, faltam-lhe os fundamentos que lhe permitam explicar por que é que um advogado é preferível a um padre, a um(a) amante, a um croupier, a um barman, a um broker, a um dealer ou a uma assistente social como consultor ou conselheiro jurídico. Segismundo.
Quem domina, ainda que no mínimo, a arte das políticas sabe que o medo cativa e conquista mais lealmente os gentios do que a fé. A fé é um recurso contingente e volátil. O medo é uma forma robusta e obrigada de respeito. Por isso, anunciar à hora de almoço que, em dois mil e três, o défice orçamental se cifrou em dois vírgula oito por cento do ProdutoInternoBruto e que isso é uma verdade simpática, por mais que pretenda assustar, é apenas um apelo ao credo alheio. Que, vindo de onde vem, bá!, não vai longe. Nicky Florentino.
Segundo anúncio estampado na edição de hoje do Público, o senhor Hermínio Loureiro irá conferenciar, à noite, no hotel Ipanema Park, no Porto, sobre o tópico «O desporto enquanto veículo de cidadania europeia». Aqui está mais uma invenção tonta, em que os governantes são pródigos. É que o desporto não é um veículo. E menos ainda é um veículo de cidadania europeia. Pois a cidadania europeia não é uma condição que se veicule. É, quanto muito, um horizonte. E, como qualquer horizonte, uma ficção que (a)parece ali, mas que não convence ao passo de corrida. Nicky Florentino.
Disse o senhor presidente do PND, "o país precisa de voltar a ter alegria. Um grande contributo para isso é que aqueles que intervêm tenham humor e saibam dialogar rindo". Não sei, mas deve ser por isso que são tantos os que se riem quando o fulano fala. É que, não raras vezes, o riso é uma forma desesperada de destilar a embicilidade alheia, como se fosse um divertimento, uma brincadeira indolor. Nicky Florentino.
2004-02-19
Não é cosy, como pretende a Ana. Ou é cozy ou, se o ph for de outra experiência, é Così fan tutte. Segismundo.
A galáxia de personagens do Muppet Show foi arrebatada pelo império Disney aos herdeiros de Jim Henson. O que significa mais uma inauguração do fim do (meu) mundo. Inteiro. Segismundo.
Segundo consta, Silvio Berlusconi terá proferido estas palavras, “pagar cinquenta por cento de impostos justifica moralmente a evasão fiscal”. É isto a clarividência liberal. Segismundo.
A reunião dos senhores drs. José Luís Arnaut e Nuno Morais Sarmento no mesmo Governo tem uma explicação. Assim só se estraga um Governo. Mesmo se não há outro. Nicky Florentino.
O propósito de criar o Clube Liberdade e Cidadania, por si, já não augurava juízo muito salubre. Confirmou-se a suspeita. Segundo o senhor deputado Manuel Alegre a iniciativa vem em razão do “esclerosamento da vida democrática”, que faz com que as gentes queiram participar mas não saibam como ou onde. Agora, pretende ele, aí está mais uma plataforma para a implicação dos gentios na política. Onde se encontram umas quantas criaturas da vanguarda dispostas a ilustrar pedagogicamente os cínicos ou desinteressados. Como se fossem apóstolos da democracia, dispostos a injectar os renitentes em prol da causa. A democracia, porém, é outra coisa, diferente desta conversa e ideia. A democracia não se injecta. A democracia descobre-se e absorve-se. Nicky Florentino.
2004-02-18
... entre o que o José e o Daniel disseram disto, a blogosfera. Depois continue. Como se nada disto fosse importante. A vida é lá fora. Por aqui apenas se ouvem ecos. Vêem-se solidões fingidas de comunhão. Lêem-se palavras que preenchem afectos com distâncias. Simulam-se análises de uma quadricula do universo. E tudo isto é excessivamente intangível e inefável para ser verdade ou encontrar-se com a verdade. Porque o que aqui se faz, na blogosfera, é estar à janela, ao postigo. A espreitar, umas vezes. A mostrar, outras vezes. Como que a imitar a vida. Como que a fantasiar a realidade de que nos destacamos e com que nos fazemos contra os outros ou outros. É por isso que a blogosfera é o que é. Mais uma dúvida ou um jogo do que uma unidade sem plural dentro de si. Segismundo.
Uma pergunta, que raio de sexualidade natural é que uma instituição segrega? Segismundo.
A natureza impressiona. Compreende-se, por isso, que exista quem se atreva, em juízo, afirmar que “ser lésbica não é ser mulher na plenitude natural do termo, porque se assim fosse não haveria o problema da procriação natural”. Aliás, a natureza, na sua infinita cautela, permite naturalmente a estupidez de se entender a plenitude natural do termo mulher, assim como de se codificar a procriação natural como um problema. É que a natureza não é madrasta. A natureza é mãe. Segismundo.
A propósito da sentença do Tribunal Judicial de Aveiro em relação ao julgamento de um conjunto de criaturas implicadas na realização de aborto, o presidente do grupo parlamentar do CDS/PP disse, “esta situação vem demonstrar que alguns dos argumentos que têm percorrido a sociedade portuguesa não têm comprovação prática. Não há uma única mulher que, tendo recorrido ao aborto, tenha ido parar à cadeia”. É bonita a estupidez quando é franca e eloquente, não é? Segismundo.
O senhor presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção entende que “é uma infelicidade uma criança ser educada por homossexuais, sejam dois ou um”. Em seu douto entender é preferível que a criança cresça e viva numa instituição ou em famílias de acolhimento. Pois assim, pretende ele, estará assegurada a “sexualidade natural” – ou, o que é o mesmo, a “sexualidade original”, a “sexualidade genética” – da infantil criatura. O raciocínio do fulano é tão estúpido na sua evidência que ele nem sequer se sobressalta com o facto de os homossexuais não serem (necessariamente) filhos de homossexuais. Isso, aliás, para ele, deve ser um mistério do caraças. Ou, então, um defeito da natureza que não tem defeitos. O Marquês.
Disse o senhor dr. Paulo Portas, “o CDS responderá aos insultos com obra e às ofensas com trabalho”. Face a tais ameaças, o melhor é negligenciar o fulano e o respectivo partido. Que se suspendam já, neste instante, os insultos, que se interrompam as ofensas. Pois isso é garantia de que as criaturas do CDS/PP ficarão quedas. Talvez até, ó acrescida maravilha!, silentes. Nicky Florentino.
Assomou ao juízo de um conjunto de criaturas do PS a ideia de criarem uma tertúlia política, não se sabe se de catequetização ou de revelação, que fosse apetecível aos que não querem saber puto dos partidos políticos. A coisa chama-se Clube Liberdade e Cidadania. Seguramente alguém ainda há-de pretender que tal coisa é uma iniciativa da sociedade civil ou um espaço de ressonância para vozes da sociedade civil. Mas não é. É apenas uma forma de enleio pelos tentáculos de um cartel que não se satisfaz com o seu domínio e com a sua margem e, por isso, pretende ir mais além, à conquista. A isto chama-se colonização. Por bacilo que infesta. Nicky Florentino.
O senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa fez votos de que venha a “ser chique utilizar os transportes não privados” na respectiva paróquia. São votos tontos, como está bem de ver. Quando é que o convívio com gentios, sem o propósito de lhes extorquir o voto ou o dinheiro, terá alguma coisa a ver com a elegância? Aliás, em Lisboa, a extensão da linha do metropolitano até aos arrabaldes, como Odivelas, é um risco que jamais deveria ter sido assumido. Os suburbanitas, os saloios, devem ser guardados à distância. Meter-lhes o metropolitano à porta é apenas uma forma de os convidar a baixar à capital. O que não é boa política. Não protege a paisagem. E não preserva a salubridade social do lugar. Nicky Florentino.
2004-02-17
A absolvição dos réus implicados na prática de aborto pelo Tribunal Judicial de Aveiro é desconcertante. Não porque uns jubilam e outros rosnam. Mas porque é mais um exemplo da ineficácia do sistema judiciário português, designadamente do ministério público e dos processos de investigação que suportam o libelo. Segismundo.
Em relação às presidenciais, a esquerda está mal habituada. Desde mil novecentos e setenta e seis, os seus candidatos foram sempre os vencedores. No entanto, perfila-se que na próxima eleição para presidente da República será a vez de a esquerda patrocinar a candidatura do seu senhor dr. Basílio Horta ou do seu senhor eng.º Ferreira do Amaral. A democracia é assim mesmo, um jogo. Há sempre alguém que tem que fazer figura de urso. Ou, então, jogar ao pau com eles. Nicky Florentino.
Disse o senhor dr. Paulo Portas, "não tenho nenhum problema com a minha colega e amiga Celeste Cardona". É provável que isto não seja bom indício do que quer que seja. É que, se não os tiver, ninguém tem necessidade de dizer que não problemas. Nicky Florentino.
2004-02-16
O Pedro vai-se embora. Não tem tempo. Não tem disponibilidade mental. Diz ele. É uma forma de crescer para a vida, mais como obsessão do que como flor. Deixem-no ir. Ele sabe o caminho. Segismundo.
2004-02-15
Ela já esteve no fundo da vida, prenhe de quanta miséria a condição humana pode. Hoje, redimida, resgatada, confessa com lacrimado orgulho que foi por vontade de deus que tornou a viver, a ser gente. Não acredito. Deus não vai tão baixo alçar alguém. Seria um trabalho sujo. E um desperdício. O Marquês.
O PCP é um partido onde se pratica uma forma muito estranha de fazer contas. A propósito do resultado desejável nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, disse o senhor secretário-geral da trupe comunista, "a derrota da coligação de direita será conseguida, não pelo facto de o PS ser o partido mais votado, mas pelo facto de a direita obter uma minoria de votos face à maioria de votos no conjunto dos partidos da oposição". O que é prova de que ainda há quem acredite no menino Jesus e em fadas amigas. O excesso de marasmo dialéctico é no que dá, desejos alados, que nem a plausibilidade tangem. Nicky Florentino.
Segundo a edição de hoje do Diário de Notícias, o senhor dr. Jorge Coelho, eminente dirigente socialista, disse em Espinho, “se o dr. Durão Barroso não arrepia caminho e não muda de caminho, em dois mil e seis os portugueses põem-no na rua porque, positivamente, governou mal”. Porque, positivamente, governou mal... Este discurso, para a criatura que o enunciou, há-de ter algum significado político, não? Nicky Florentino.
2004-02-14
Na capa do Expresso, a destacado preto, surge estampado “Governo vai reduzir número de presos”. Se lessem o dito semanário, os meliantes e corrécios actualmente encarcerados estariam já em ânsias e a aguardar o decreto-lei que lhes daria soltura. Porém, como as grades têm também a virtude de os proteger dos títulos estúpidos do semanário dirigido pelo senhor arq.º, os reclusos permanecem no seu sossegado sossego e sem ilusões. Que é como deve ser. O Marquês.
Lê-se, “o Expresso e José Júlio Gonçalves chegaram a acordo num processo judicial movido pelo ex-reitor da Moderna. Conclui-se, assim, mais um episódio de um caso que mobilizou a atenção do país”. É isto notícia, a última. Porém, mais latente do que expressa. Segismundo.
A edição de hoje do Expresso noticia na fronha, “vendas de iogurte ultrapassam o leite”. A necessidade de ordenhar as vacas, todavia, mantém-se, indiferente às oscilações dos termos do mercado. A natureza é mesmo assim. Segismundo.
A classificação é um princípio de ordem. Ao classificar-se algo destina-se esse algo à condição de classificado e, portanto, à condição de algo que se conforma à classificação e à ordem que lhe subjaz. Posto isto, qual é a classificação adequada a classificar o senhor dr. Pedro Santana Lopes? Embora a demanda da resposta aparente ser empreitada fácil, não o é. Segundo o padre António Vieira, “todas as criaturas quantas há no Mundo se reduzem a quatro géneros: criaturas racionais, como os homens; criaturas sensitivas, como os animais; criaturas vegetativas, como as plantas; criaturas insensíveis como as pedras; e não há mais”. Afastando liminarmente a primeira das quatro hipóteses, que género de criatura é, afinal, o senhor dr, Pedro Santana Lopes? Um, dó, li, tá... Segismundo.
Uma voz do Expresso, “o Parque Mayer é que não descola”. Reage o senhor dr. Pedro Santana Lopes, “não me fale do Parque Mayer. É um caso complicadíssimo”. Certamente muito mais complicado do que ser-se presidente da República. Nicky Florentino.
Na entrevista que concedeu ao Expresso, o senhor dr. Pedro Santana Lopes, como um espantalho agitado pelo vento, deu publicidade ao juízo, seu, segundo o qual a candidatura do senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva à presidência da República colocaria em risco a unidade do consórcio partidário que escora o Governo. Ele, sim, seria uma garantia da integridade da coligação governamental. Entretanto, um dos entrevistadores perguntou, “se se recandidatar em Lisboa, vai em coligação?”. E o entrevistado respondeu, “eu prefiro ir sozinho nas autárquicas”. Está mais do que visto que o fulano não consegue dar-se ao respeito, por mínimo que seja. Nicky Florentino.
Disse o senhor dr. Pedro Santana Lopes, “há uma matriz, um chip, que está dentro de mim: um Governo, uma maioria, um Presidente”. E ele gostava de ser tudo, tudo ao mesmo tempo, ainda que, com subtileza e alado pensamento, simule modéstia, dizendo “não há só um candidato possível, nem para Belém, nem para Lisboa, nem para primeiro-ministro”. Nicky Florentino.
Ontem, em Espanha, o senhor dr. Durão Barroso, perante uma audiência de ávidos espanhóis, exortou os nuestros hermanos a não se aproveitarem das fraquezas lusitanas do momento. Fazê-lo, segundo o dito cujo, seria não compreender o seu conceito de inteligência estratégica. O que quer que isto signifique, este é um conselho de um fraco. E o pior que pode um fraco fazer é revelar ou confessar a sua fraqueza. Pois a besta que o faz não é besta que se faça prezar. Nicky Florentino.
A edição de hoje do Público, anuncia a intenção do senhor presidente do PSD reclicar a fauna da direcção do respectivo grupo parlamentar. Guilherme Silva é o nome do actual presidente da bancada social-democrata. Ana Manso, Gonçalo Capitão, Leonor Beleza, Jorge Neto, Marco António Costa, Marques Guedes e Nazaré Pereira são os nomes dos vice-presidentes. Não é preciso dizer mais nada. É compreensível a intenção do senhor dr. Barroso. Nicky Florentino.
2004-02-13
Não é extraordinário, pela imaginação, ver um círio mariano a pairar sobre uma azinheira na Cova de Iria. Qualquer criatura envolvida numa tenebrosa cortina de superstição ou sob o efeito qualquer outro factor de sugestão imagina isso e coisas piores, como veados a comer coelhos. Não é revelação divina. É alucinação. Ou é delírio. O Marquês.
O demónio saiu manso e roubou-lhe o sangue. Não adianta invocar, agora, a jurisprudência que protege a vítima. É já tarde quando, aaaai!, retine no tímpano o tom agudo do grito de alguém a quem as vísceras foram libertadas por um golpe súbito de lâmina. O Marquês.
Conceber o mercado como actor é má metáfora e muito má fábula. É que o mercado sequer chega a ser cabotino. Basta pensar, não muito, para perceber o quão inadequado é dizer-se que o mercado é actor. Mas o beato prelector insiste, pois sabe que, estando ele naquele altar da sapiência, as criaturas do auditório estão dispostas a acreditar nas suas palavras. Como doutrinou Paulo, ele sabe que a veritate quidem auditum avertent, ad fabulas autem convertentur. Esse, porém, é um saber que o engana. E, por si, engana muitos outros. Ainda que não todos. Segismundo.
Provavelmente não existem mais do que duas experiências sublimes, a do som e a da imagem. E quem disso sabe cala-se e nem faz desenhos nem slides. É pedagogia que parece certa. Segismundo.
Consta que uns quantos membros do Governo ficaram melindrados com as recentes declarações do senhor dr. Miguel Cadilhe sobre a hipótese da Agência Europeia para a Segurança Marítima não ser instalada em Lisboa. Alguém disse para caracterizar tais declarações, “simples ignorância ou pura má-fé”. O que quer que tenha sido, talvez não seja má propriedade. Até porque o Governo é o que é. Nicky Florentino.
2004-02-12
O PS não existe. Quem existe são os fulanos do PS. É esta a sua, do PS, miséria, miséria em múltiplo. Poder-se-ia dizer que é um drama. Mas talvez seja mais, infinitamente mais, uma tragédia. Da qual não há remissão. Nicky Florentino.
Em artigo estampado na edição de hoje do jornal Público, um senhor deputado socialista escreveu, “há autarcas e autarcas, há sérios e esforçados e há insanos de olhar rasteiro que qualquer cristão repara à primeira vista”. É assim, de facto, com os autarcas. Tal como assim é com os deputados. Nicky Florentino.
Qual é a necessidade de a cannabis ser prescrita por via de acto médico? Já tantos a consomem, rigorosamente para os mesmos efeitos paliativos, e não parece que tenham necessitado de um receituário. Para além disso, uma das ideias actualmente mais repugnantes é a ideia de que a dor dos outros deve e merece ser atenuada. E isto porque uma das utilidades dos outros é justamente a de sofrerem sem que nos doa. Doa a quem doer. O Marquês.
2004-02-11
Segundo a edição de hoje do Público, reportanto dados do Ministério da Saúde, num passado recente foram realizadas mil cento e cinquenta e oito circuncisões em Portugal. O que é que isto quer dizer? Segismundo.
No Algarve, os senhores edis discutem qual é a forma institucional que melhor serve os interesses da região. Os fulanos do PSD preferem a comunidade intermunicipal, os fulanos do PS preferem a grande área metropolitana. No primeiro caso parece que aqueles saem beneficiados, no segundo caso parece que são estes que aproveitam. É isto a «revolução tranquila» que algumas inonimáveis criaturas do actual Governo apregoam. Nicky Florentino.
A democracia é simultaneamente coisa e credo. Enquanto credo é também uma forma de evangelização de bestas, autocratas, plutocratas e demais fauna afim. E tanto assim é que, segundo a edição de hoje do Público, existem prenúncios de um encontro entre o britânico mister Blair e o líbio senhor Kadhafi. Não se sabe ainda quando e onde será. Mas a democracia é mesmo assim, o limiar último da civilização e da história, que se cumpre tanto nos anódinos processos quotidianos quanto nas elevadas e insuspeitas relações diplomáticas. Aliás, sendo o limite, nada há para além dela, a democracia. Facto que até senhor Kadhafi conseguiu aprender, como se fosse uma lição do senhor Prof. Doutor Francis Fukuyama. Mesmo se há circunstâncias e tempos em que é preciso estar com os democratas para se poder continuar a ser o contrário deles. É uma das intemporais regras da vida. Nicky Florentino.
O Estado, se se quer impor – de facto –, deve impor-se mais pelo medo do que pela lei. É por isso um insofismável indício de fraqueza, em França, estar a legislar-se no sentido de se proibir o uso de símbolos religiosos nas instituições públicas. Por dois motivos. Por um lado, esses símbolos, o mais das vezes, representam fantasmas inócuos, logo não perigam a grei. Por outro lado, ao proibir-se o uso de tais símbolos perde-se um dos elementos de identificação de determinadas criaturas, deixando-se, assim, de se perceber quem são os perigosos sarracenos, judeus e demais criaturas de infiel credo. Mais aconselhado é, pois, que se tolerem tais símbolos. Porquanto, assim, sempre se descortinam mais facilmente os alvos. A abater. Nicky Florentino.
2004-02-10
A iniciativa Compromisso Portugal apresentou trinta medidas como solução para um conjunto de problemas da pátria. É de conceder que entre as criaturas envolvidas em tal iniciativa abunde a boa vontade e o altruísmo patriótico. As tais, mais do quaisquer outras, são criaturas que sabem o que custa a vida. Para além disso, por experiência própria, sabem o que é viver bem. São, portanto, competentes na matéria em apreço. Todavia, a ideia – ou, pior, a presunção – de que com trinta medidas se concerta Portugal é de tontos. Trinta é um número infâme. Foi por trinta dinheiros que Judas beijou Cristo. Que não seja esquecido. Segismundo.
Uma das cenas mais impróprias e incómodas num restaurante é, no final da refeição, a discussão sobre quem arca com a despesa. É sempre uma disputa patética – eu pago, diz um; não!, eu é que pago, diz o outro – , uma forma estúpida de ser possidónio ao contrário. A barriga cheia tem destes efeitos. Segismundo.
O uso voluntário de um véu pode ter muitos significados. Pode significar honra. Pode significar vergonha. Pode significar identidade. Pode significar ilusão. Pode significar recusa. Pode significar dádiva. Pode significar aceitação. Não interessa. Mas a proibição do uso voluntário de um véu tem apenas dois significados, não necessariamente exclusivos. Estupidez e ignorância. Nenhum deles é bonito. Segismundo.
As palavras são dele mesmo, George Walker Bush. Disse ele, “sou um presidente de guerra”. Não é novidade. Não é surpresa. Uma e outra seria se ele tivesse anunciado que era um presidente de juízo. Mas isso concerteza que até a ele pareceria excessivo. Ninguém é assim tão demente. Ou alucinado. Segismundo.
Quando se aproxima a celebração do segundo centenário passado sobre a data em que Kant se transformou em cadáver, devia ser óbvio e evidente para qualquer criatura com um mínimo de ilustração que ninguém vê o mundo como ele é. É por isso que o engano e os enganadores existem. Assim como a ignorância. Segismundo.
O que mais impressiona na beata senhora secretária de Estado da Educação é a sua inclinação para doutrinar sobre matérias que manifestamente não domina. É um facto que todos, embora uns mais do que outros, estamos habituados a pronunciarmo-nos sobre questões e assuntos de que nada ou pouco sabemos. É uma pulsão vital a imaginação de que os mistérios do mundo estão disponíveis para o nosso juízo, quando são tão opacos e reservados. Se é assim com o mundo, não é diferente com a sexualidade. Por isso, em relação à sua aprendizagem e à sua experiência o que se recomenda é a prática. E não a abstinência. Aliás, pelo que aparenta, é nisso, e só nisso, que a tal senhora secretária de Estado se revela competente. O Marquês.
2004-02-09
Ernest Paluzzano, um agricultor francês, decidiu vender a gruta pré-histórica de Saint-Cirq-du-Burge de que é proprietário e onde existem várias gravuras rupestres. Pede um milhão de euros. Deve ser monumental o défice do orçamento do Ernest. Segismundo.
Uma criatura insiste que o primeiro filme dos manos Wachowski se chama Blow-Up. Não vale a pena responder não, não senhor, o filme chama-se Bound. E acrescentar que infinitamente melhor do que o Blow-Up é o Blowup. Pois ele não saberia distinguir a Vanessa Redgrave, pelo Antonioni, de uma lata de Redbull. Aliás, ilustrá-lo neste parâmetro, seria desperdiçar uma oportunidade de lhe subsidiar a ignorância. Segismundo.
2004-02-08
Duas criaturas do Diário de Notícias decidiram entrevistar a sinistra senhora secretária de Estado da Educação, a tal que em tempos se lembrou de afirmar que a religião católica era a religião oficial portuguesa. Não está melhor. E as jornalistas acompanham-na. Atente-se neste excerto. Surreal. Entrevistadora, “os protocolos são iguais?”. Entrevistada, “sim, a diferença está nas verbas atribuídas. Sendo que a maior verba é a da Associação para o Planeamento da Família, que reduzimos...”. Entrevistadora, “para metade. De cento e quarenta mil para oitenta mil euros”. Entrevistada, “naturalmente, mas nós não temos dinheiro”. É isto, só pode ser, a alegria no trabalho. Segismundo.
Na edição de hoje do Diário de Notícias, o senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva apresenta ao auditório alargado dos respectivos leitores as dez lições da integração de Portugal na União Europeia. Quase todas são lições de economia ou de finanças. O que indicia que o sobejo que faz a pátria é uma mera ficção. Na prática, Portugal não é mais do que um mercado e uma moeda. E, claro está, o poço de Boliqueime. Nicky Florentino.
Os gentios olham para o senhor eng.º António Guterres e hesitam em perdoar-lhes as ofensas políticas. Devoto, beato, o dito cujo não compreende tamanha ingratidão. E sente-se injustiçado. Por isso, revela-se indisponível sequer para ser candidato a candidato a senhor presidente da República. Sem, por um instante que fosse, suspeitar que a justiça da magnífica divindade cristã se faz por ínvios enredos. Remissão de pecados?, rien ne vas plus. Nicky Florentino.
O senhor primeiro-ministro ameaçou que, mesmo que o PSD tenha um mau resultado nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, não se demite. Mas por qual raio haveria ele de demitir-se? Alguém andou a comer sopa fria?, tipo vichy choisse, ou quê? Nicky Florentino.
Segundo a edição de hoje do Público, confirma-se a suspeita. O senhor Prof. Doutor António Sousa Franco será o cabeça de lista do PS nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. Parece ser a criatura exacta para o lugar. Tem todas as credenciais desejáveis. E, para além disso, é surdo como uma porta. Nicky Florentino.
2004-02-07
O regime de segurança social dos bailarinos é um problema político extraordinário. Mas, seguramente, não é tão complexo quanto o dos astronautas, dos fadistas e dos serralheiros mecânicos. Nicky Florentino.
O que é que, para além de tempo livre, explica que uma determinada espécie de gente vista um avental sem ser mulher e sem estar envolvida em trabalhos de culinária? Nicky Florentino.
O Expresso é uma cunha da vanguarda. Sempre na onda. Vai daí decidiu patrocinar uma grande reflexão pública sobre um dos inquietantes tópicos inscritos actualmente na agenda. Pode Portugal continuar a ser um país independente? Ou é inevitável a sua integração na Espanha? Como o juízo não é demais, as respostas podem ser dadas sob a forma de licitação em leilão. Quem dá mais? Nicky Florentino.
O conceito de notícia do Expresso é demasiado exacto. Notícia é a reportagem do que não aconteceu ainda, mas pode acontecer. Se deus quiser. E não acontecer ao contrário ou diferente. Segismundo.
A edição de hoje do Expresso defende a honra da respectiva redação. A notícia que, no passado sábado, dava conta da substituição do senhor comissário europeu português, o dr. António Vitorino, pelo senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa e a notícia que dava conta da dispensa do actual senhor presidente da Assembleia da República e respectiva substituição pelo fulano actualmente em senhor presidente do Governo regional da Madeira podem ter sido negadas pelos visados. Isso, no entanto, não afecta a sua veracidade. Podem não ser verdadeiras hoje, mas provavelmente sê-lo-ão no futuro. Aliás, como bem recorda a nota editorial em fundo rosa, isso até já aconteceu antes. Por isso não é novidade. Que é como quem diz notícia. Segismundo.
O paradigma da inimputabilidade é o senhor Prof. Doutor João Carlos Espada. Sempre que invoca o nome de Nietzsche revela, com toda a gentlemanship que apregoa, uma abissal ignorância. Tornou a acontecer hoje. Numa página, a dezoito, do Expresso. Embora a nódoa mal se note no maculado papel do jornal, ela está lá. Talvez que seja até obra divina. Mas é também asneira. E da grossa. Segismundo.
2004-02-06
Do pior que pode acontecer a uma qualquer criatura é ir à Jamaica e vir de lá afectado, com ideias. Aconteceu ao senhor Avelino Ferreira Torres, o insigne presidente da Câmara Municipal de Marco de Canavezes. O que confirma que, de facto, onde nada mais consegue ideias, o voodu caribenho consegue maravilhas. O Marquês.
A preservação da distinção entre Governo e oposição é condição, primeiro, da política e, depois, da democracia. Pelo que o consenso pretendido pelo senhor presidente da República e por umas quantas ilustres criaturas em torno das finanças públicas é a negação de uma, a política, e de outra, a democracia. E má, muito má ideia, portanto. Nicky Florentino.
Uma trupe de cientistas americanos e russos anunciou ter criado dois novos elementos químicos superpesados, os números cento e treze e cento e quinze. A criação do primeiro elemento susteve-se durante mais de um segundo, enquanto a existência do outro foi mais precária, no sentido em que se aguentou apenas durante noventa milésimos de segundo. Seja como for, o tempo que um e outro elemento duraram é irrelevante. O que convém ter presente é que esta é mais uma prova de que a realidade não é suficiente para os homenzinhos e de que a ficção também não os satisfaz. Por isso insistem eles em brincar ao deus e em inventar naturezas que não são naturais. Segismundo.
Não há consenso sobre o tal pacto relativo às finanças públicas. Assim sempre se preserva a hipótese de uns serem bons, enquanto outros são maus. É irrelevante quem uns e outros sejam. Importante, importantíssimo, é que se distingam. Para não existirem confusões ou equívocos. Nicky Florentino.
O mais irónico em tantos que opinam sobre o raio das armas de destruição em massa é que pouco ou nada têm a dizer sobre elas. Uns, desgraçados, não as conseguem apontar a dedo, porque não as encontram. Outros, não menos desgraçados, não conseguem distinguir um supositório dolviran de um míssil tomahawk. Segismundo.
Ela. Tinha uma t-shirt preta de alças, rasgada na parte de trás, sobre um top preto. Os ombros nus. Vestia umas calças de napa, em preto fosco. Calçava umas botas Doc Marteen’s. Pretas. Tinha um cinturão de balas. Uma pulseira cravada de bicos. Ao pescoço tinha um cordão de couro, preto, com um pingente estranho. Ao pescoço tinha também um fio colorido, mais fino do que o outro, com uma etiqueta, onde estava inscrito o seu nome. O seu cabelo era curto, com um carrapito no toutiço, seguro por um elástico. Tinha um piercing no queixo e um cravo na sobrancelha esquerda. Ostentava apenas um brinco, na orelha direita. Ela. Quase meia-noite, lavava o chão da loja onde trabalhava, uma loja de roupa para teenagers, com formas e tons extravagantes, muito para além de qualquer tendência. Uma esfregona, segura pelas suas mãos, deslizava, em movimentos súbitos, lançada para um lado e para outro. A menina punk da Pimkie parecia uma Cinderela pungida. O seu olhar era baço. Sem fundo, sem horizonte. Quebrado. Ali, exposta como os manequins, desejava diluir-se como o detergente do balde. Notava-se-lhe vincada a ofensa brutal da função. Os gestos com que animava a esfregona eram pesados. Carregados de culpa e vexame. O constrangimento era-lhe evidente. Tudo isto era já sobejamente desdouroso, humilhante. Mas, para a mortificar ainda mais, ele, que no instante passava em frente à loja, susteve o passo e, com um olhar ostensivo, apontou-lhe a vergonha. Injectada pelo opróbio, ela vergou-se ainda mais. A dor da honra caldeou e atormentou-a. Abandonou a esfregona, dentro do balde, perto da porta da loja. Fugiu. Refugiou-se atrás do balcão, simulando uma qualquer tarefa. Ele não desistiu. E decidiu entrar na loja. Como se fosse um jogo, uma brincadeira. Estava a gostar de lhe acentuar a mágoa, de sentir a humilhação inscrita nela. Queria, por isso, o prémio das lágrimas. Só com elas estaria justificado o seu gozo. O seu momento. O Marquês.
2004-02-05
Quem quiser compreender o motivo por que a exibição televisiva, em flash, do seio direito de Janet Jackson suscitou tamanho escarcéu entre os norte-americanos tem que ler De la Démocratie en Amérique, de Tocqueville. Ou isso ou compreender o conceito de publicidade enganosa e, como espectador tranquilo e demente, continuar a ocupar o juízo com o empolgante mistério das armas de destruição em massa cuja existência foi afirmada e ninguém encontra. Segismundo.
Motivos familiares foi o que invocaram o senhor dr. Pedro Santana Lopes e o senhor Prof. Doutor António Rosado Fernandes para terem alinhado no cortejo fúnebre do senhor general Kaúlza de Arriaga. Ora, isso nem é respeito nem é vergonha. É desculpa. Que revela tanto sobre os ditos fulanos vivos quanto sobre o dito falecido em cujas exéquias participaram. Melhor fora, pois, que se tivessem limitado a apresentar os devidos pêsames à viúva. Sem mais um pio. Segismundo.
Segundo a edição de hoje do Público, a propósito do resultado do referendo sobre a regionalização, o Vital, do Causa Nossa, sentenciou que “as pessoas não votam em coisas que não conhecem”. Equívoco franco, claro está. Pois o que politicamente mais fazem as ditas pessoas é votar em coisas que não conhecem. Votam em partidos políticos. E votam em candidatos à Assembleia da República, a presidente da República, ao Parlamento Europeu e a mais umas quantas miudezas autárquicas. Tivessem as pessoas – um simpático eufemismo para os gentios – um conhecimento circunstanciado da variada oferta política inscrita nos boletins de voto e prefeririam a abstenção. Pois as que conhecem as coisas não precisam de votar nelas. Nicky Florentino.
Que o senhor secretário de Estado da Administração Local é uma invulgar luminária política é facto sobejamente sabido. Mas nunca é demais recordá-lo. Pelo simples gozo de, imediatamente depois, o esquecer. Nicky Florentino.
Deu o senhor ministro da Defesa a seguinte redação a um despacho, assinado por si a um de Janeiro de dois mil e três, “determino que os relatórios anuais de actividades de informações nas Forças Armadas, elaborados no âmbito da competência do EMGFA nesta matéria, sejam remetidos ao conselho de fiscalização dos serviços de informação até ao dia trinta e um de Março do ano seguinte àquele a que respeitam”. Ora, segundo a edição de hoje do Público, a Divisão de Informações Militares do EMGFA não ligou puto à determinação política do senhor dr. Paulo Portas. O que, sendo ele um fulaninho tão auto-determinado, não deixa de o fazer parecer um soldadinho de chumbo. Nicky Florentino.
2004-02-04
A condição humana é uma estranha forma de condensação de comunhão e diferença. Por isso, são regras da vida os consensos e os dissensos. Ora, se é assim na vida, é assim também na política. Porém, na política, muitas vezes o consenso é uma forma de castração, um modo de estreitar o possível. Daí que se compreenda que as gentes do PS, tão castas de oposição que andam, padeçam agora da tentação de serem acilhadas na besta do consenso sobre as finanças públicas. A responsabilidade política, contudo, não é ser-se carregado, como um álacre tonto, no dorso da alimária. É, antes, assestar-lhe com as esporas. O que exige senso. Ou tino. Não, nunca, desatino. Nicky Florentino.
O senhor deputado António Costa produziu afirmações não muito simpáticas para a TeleVisãoIndependente. A desbocada apresentadora do Jornal Nacional insinuou que o deputado, por razões familiares, prefere acompanhar um outro canal, da concorrência. E nem por um instante lhe passou pelo cérebro que ela-mesma, ali, com a fronha exposta à câmara, é consorte do senhor José Eduardo Moniz. Que, por acaso, não por família, é o maioral do tal canal. Segismundo.
O José perguntou a que horas é que deixa de ser early morning? A resposta óbvia varia consoante o meridiano. A resposta correcta varia consoante a vida. A resposta exacta não se compadece com horas, pois exige, no mínimo, minutos. A resposta verdadeira é a que não depende do Sol ou da Lua. Mas a resposta sincera é a que, porque late night ou qualquer outro momento, não responde à pergunta. Porque o tempo é uma grandeza que se simula. Para lá e para cá. Como se fosse a máquina de um relógio. Segismundo.
Sobre as armas de destruição em massa que não são encontradas – talvez porque não existam –, razão parece ter o senhor director do Público. Caso elas não existam de facto, ter-se afirmado a sua existência foi um engano. Não uma manipulação. Ou isso ou tudo isto mais não é do que um sonho mau. Que alguém, pois, nos Blix. Para que possamos acordar deste pesadelo. Segismundo.
Disse ontem a senhora ministra da Justiça, ipsis verbis, “não há insulto nem gritaria que me desvie um milímetro das responsabilidades e dos objectivos que o Governo definiu para a Justiça”. É no que dá a surdez. Nicky Florentino.
Os edis, como qualquer outra criatura bípede, com espaldar recto e polegar oponível, são falíveis. Sabendo disso, os não menos falíveis governantes e superiores burocratas da pátria têm perpetuado o enleio tutelar que, pelas mais diversas vias e nos mais distintos planos, controla ou estorva a acção dos senhores autarcas. Ora, sabendo-se que o jacobinismo português tem o seu quê tanto de avisado quanto de presunçoso, revela-se estranho que a Assembleia da República tenha concedido que sejam os senhores presidentes de Câmara Municipal, sem qualquer baia, a escrever as fronteiras do que serão as futuras áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais.
Tem sido travado um debate cordato sobre este tópico entre o Luís e o Vital, no Causa Nossa. Para já, o juízo do Luís sobre a matéria parece mais assisado do que o do Vital. Por várias razões. Elencam-se aqui algumas, sete, tantas quanto os pecados mortais.
Primeiro, o cesarismo municipal, enquanto cultura e prática, tenderá a impedir que as futuras áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais consigam ir muito para além do paroquialismo dominante. É mesmo de suspeitar que, na prática, venham a ser o mesmo que foram historicamente os partidos de notáveis, uma coligação circunstancial e específica de interesses entre senhores da terra. Pois não é de crer que, com a forma e a inércia do sistema político nacional, os senhores presidentes de Câmara Municipal venham a abdicar de jogar o seu capital pessoal nos mais diversos expedientes que animam com vista a conseguir uma resposta às suas demandas junto dos governantes e dos burocratas que com eles despacham directamente.
Segundo, se é um facto que não há uma pulsão regionalista em Portugal, certo é que também não há puto de evidência de uma pulsão intermunicipalista. A maior parte dos consórcios municipais actualmente existentes ou foi constituída por via de pressão do Estado ou com o estrito fito de captar fundos da União Europeia. Por mais boa vontade que exista em querer reconhecer o sucesso de alguns casos, é conveniente ter presente que quase todos eles têm subsistido não por via da comparticipação financeira dos respectivos municípios, mas sobretudo por via da captação de financiamentos estranhos, sejam eles estatais ou europeus. Apriori, não há, pois, qualquer garantia de que a via agora ensaiada venha a revelar-se sustentável, tanto no curto quanto no médio prazo.
Terceiro, não há uma convergência de entendimento político entre os autarcas e o sôfrego e bisonho secretário de Estado da Administração Local – que nesta matéria parece ordenar mais do que o respectivo ministro ou o primeiro-ministro – em relação à utilidade das áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais. Enquanto este as concebe como um espaço de concertação municipal que irá assumir a generalidade das missões entretanto transferidas para os municípios – e que, por economia, dificilmente podem ser eficientemente prosseguidas por cada município por si –, os autarcas olham para tais formas associativas como mais uma plataforma de reivindicação junto das fontes patrimoniais, designadamente o Estado – ou melhor dito, o governo. Por outras palavras, enquanto um se pretende aliviar de encargos, o que os outros querem é dinheiro para suportar investimentos que, por si mesmos, não estão em condições ou não têm vontade de suportar.
Quarto, se há engenho que os autarcas não dominam é a arte de cartografar. Por si só, isto é quanto bastava para que tivesse havido o discernimento de não conceder que fossem os edis, pelas suas simpatias e afinidades – e sem qualquer outra condição –, a definir o desenho das unidades territoriais a constituir. É um facto que o traçado dos distritos, assim como o traçado das NUT II e das NUT III, não é inquestionável. São sobejamente conhecidos casos de municípios que estão integrados numa destas circunscrições, mas cujas relações de interdependência plasmadas no território os tendem a aproximar de municípios de outras circunscrições. Ainda assim, não ter-se estabelecido alguns limites à associação de municípios vai permitir a definição de mais um mapa que não se compagina com os mapas já existentes. O que é mais um contributo para baralhar e não para concertar o raio do ordenamento administrativo português.
Quinto, no plano das atribuições, as áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais não são significativamente diferentes das associações de municípios existentes antes. Por aqui, portanto, a figura delas pouco acrescenta ao panorama do associativismo municipal. Onde se percebe qual é a intenção inscrita no novo regime de formas de associação municipal é ao nível das competências que são reconhecidas aos respectivos órgãos. E, daí, o que se depreende é que a bota não bate com a perdigota.
Sexto, a proposta de criação de regiões administrativas foi submetida a referendo em mil novecentos e noventa e oito. O resultado foi o que se sabe. Por um princípio de integridade e coerência política, a constituição das novas áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais devia ser precedida da realização de referendos de âmbito local nos vários municípios que entenderem associar-se entre si.
Sétimo, nada se sabe, de facto, sobre o que valerá o mapa definido pelo conjunto das novas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais em termos de organização territorial da administração desconcentrada e em termos políticos. A criatura que está em secretário de Estado da Administração Local sobre esse assunto já disse alfa, primeiro, e ómega, depois, sempre com a mesma convicção. Ora, isto não augura futuro. Se o voluntarismo com tino é pragmatismo, o voluntarismo sem trambelho é irresponsabilidade. E quase sempre a irresponsabilidade arrasta as melhores das intenções para consequências escatológicas. Ou seja, dá merda. É isso que, por ora, parece o mais provável. Mas há sempre a hipótese do engano. Que, neste caso, é também uma esperança. Mas esperança que, pelo que se vê, não se justifica ter. Nicky Florentino.
2004-02-03
A vida é uma espécie de circular à identidade, uma película simultaneamente estranha e íntima, um cerco interior montado contra o mundo, o véu que compassa a distância que possibilita a liberdade. Daí que um dos efeitos da morte seja juntar cada um de nós à maioria, onde a diferença se dissolve e a liberdade deixa de ser uma hipótese. Segismundo.
Borges sugeriu que os políticos são plagiadores de pragmática tardia, no sentido em que as suas acções e intenções constituem a projecção deferida de um depósito literário arcaico, com pelo menos um século. Por isso não se surpreendeu ele com o facto de apenas por estes tempos mais próximos, tantos e tantos anos depois de Walt Whitman ter destilado poeticamente a pulsão democrática em Leaves of Grass, os fulanos que vivem da e para a política estarem enlevados com a democracia. É sempre assim. Antes da evidência do presente inscrito no quotidiano existem os prolegómenos invisíveis da poesia que esboça os horizontes. O que significa que o que acontece hoje acontece já vetusto. E já estava escrito. Nicky Florentino.
A senhora ministra da Ciência e do Ensino Superior ordenou a demissão do fulano, director-geral do Ensino Superior, que havia requerido o elenco nominal dos docentes dos ensinos superior e politécnico públicos que no dia vinte e três do mês passado aderiram à greve. Apenas como ilustração, registe-se que a decisão da senhora ministra é um dos contrários da inimputabilidade. Nicky Florentino.
O senhor presidente da República foi em embaixada à Noruega, arrastando consigo, por via de convite, uma comitiva de representantes de uma miríade de interesses económicos. Sendo a iniciativa uma forma de ofensiva comercial, era suposto que o senhor presidente da República tivesse tido a atenção de convidar uns quantos negociantes de bacalhau. Porém, o dito cujo, nem os considerou. Parece que prefere os pastéis de Belém aos pastéis de bacalhau. Por causa das espinhas. Nicky Florentino.
Se há coisa que se compreende, sem qualquer outro suplemento de juízo, é o incómodo de muitos norte-americanos perante a revelação do seio direito de Janet Jackson no intervalo da final do Superbowl. Há coisas que não são de se ver na televisão, mas apenas ao alcance dos dentes ou das mãos. O Marquês.
2004-02-02
O que seja a tragédia sabe-se. O que seja a tragédia televisiva é que é um mistério. Seja como for, fez-lhe menção o senhor dr. Eduardo Cintra Torres na edição de hoje do Público. A evitar, portanto. Pois, hoje, como em tantos ontens, não se aprende nada com o Olho Vivo. O Marquês.
Segundo o senhor eng.º António Mota, o mercado português de construção civil corre o risco de, num futuro próximo, ser uma região autónoma espanhola. A metáfora tem a sua piada. O que o fulano autor do discurso pretendeu acentuar foi a tensão nacionalista do problema, se problema é. Mas o que ressalta, para além do óbvio da mensagem, é a pequenez das empresas portuguesas de obras públicas. E ainda há quem se atreva a sugerir que a dimensão, o tamanho, não conta. Conta e não é pouco. Nicky Florentino.
Os movimentos pro criação de vários municípios estiveram reunidos o passado fim-de-semana em Samora Correia e enunciaram a disposição de endurecer a luta pela respectiva causa, designadamente através de boicote às próximas eleições para o Parlamento Europeu . É sempre a mesma coisa. O catálogo da imaginação política não dá para mais. E o roteiro da acção é tão sem surpresa. Uma desgraça, é o que é, a política à portuguesa. Nicky Florentino.
O Movimento Defesa da Vida é um projecto da diocese de Lisboa que, entre outras altruístas disponibilidades, se dispõe a apoiar mulheres que tenham passado pela traumática experiência de um aborto. A propósito desta cristã e santificada missão, confessou a senhora Graça Mira Delgado do dito movimento, “a primeira mulher que atendi estava grávida de cinco meses e chorava convulsivamente porque tinha morto um filho, cinco anos antes”. Deve ser bonito este ofício, o da Graça. Pois nada há que mais gozo dê do que sentir a culpa dos outros e afirmá-la. O Marquês.
2004-02-01
Disse o senhor dr. Mário Soares aos seus correlegionários socialistas em relação à próxima eleição para o Parlamento Europeu, “a primeira condição para termos uma estratégia de sucesso nas europeias é fazermos uma boa lista, que seja homogénea e coesa. E que os candidatos não se contradigam no discurso”. Sobre a integridade ou a compactabilidade da lista socialista nada há a dizer. As listas são ou devem ser blocos e não um monte compósito de calhaus ou entulho. Quanto à necessidade de os candidatos estarem sintonizados na voz também não há nada a dizer. Mas, por via das dúvidas, talvez que o melhor mesmo fosse que não falassem. O silêncio tem esse efeito extraordinário de convergência. Para além disso, em silêncio não se dizem asneiras. Quanto muito, divaga-se na sua direcção. Mas os outros não o ficam a saber. O que, em política, é infinitamente mais salubre. E melhor, muito melhor, música. Nicky Florentino.
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