2006-11-30
Ensaio sobre a cegueira. O que merece ser salientado não é o propósito de o PCP substituir deputadas e deputados da sua banda parlamentar, sob o fito da respectiva «renovação sustentada». O que releva é, no âmbito dessa manobra, o bisonho fulano que encumeia o esquadrão parlamentar comunista, a tal criatura que enunciou ter dúvidas sobre se os norte-coreanos (con)vivem ou não em ordem democrática, permanecer, esteio da trupe, como totem juvenil ou fresco. É que, se renovar é renovar, o moço bem necessitado está de ir pregar para outra freguesia, para tonificar ou conceitos ou vistas. Mas, não, ele fica para semente. Ou isso ou, então, é a dialéctica que não se vê. Nada que estranhe, pois. Nicky Florentino.
Qwerty. É um facto que a terminologia linguística para os ensinos básico e secundário, que tanta celeuma vem suscitando, contempla a hipótese de um adjectivo não contável/massivo, com valor não restritivo e – se, por exemplo, a expressão for indefinida – um valor referencial específico, assim como inclui a hipótese de um sujeito nulo expletivo. Mas isso é parte do caso apenas. Para sossego, que conste, permanecem os acentos gráficos – o agudo, o grave e o circunflexo –, as notações léxicas – o til, o trema e a cedilha – e os sinais de ligação – o hífen e o apóstrofo. Portanto, não é o fim do mundo tal como era conhecido. Só mais um pormenor. Para que não paire aqui um sujeito nulo expletivo ou qualquer outra espécie de espectro sem graça, saiba-se que o fulano que subscreveu a portaria n.º milquatrocentoseoitentaeoito/doismilequatro, datada da véspera de Natal, o então senhor secretário de Estado da Educação, é, por extenso, o senhor dr. Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio. Eventuais melindres políticos a arremessar, portanto, têm destinatário definido. Que ninguém se acanhe. Seja no arremesso, seja na matéria arremessada. Nicky Florentino.
Translação. Escuta-se uma voz. Para começar é mais fácil. Há vozes que nos conduzem e levam, quase atordoam o caminho e, através de si, a distância. Depois, pelo absurdo que toda a curiosidade contém, procura-se a face dessa voz. Muitas vezes acontece uma espécie de assombro, de inquietude. A aquela voz não deveria corresponder aquela face. E, por fim, não é possível evitar a sensação de engano e uma pergunta, «quem és tu?». Antes da habituação, os outros nunca são quem queremos e como desejamos. Justamente porque são anteriores ao que, em nós, é expectativa ou reflexo. Ainda bem. O mundo continua. Segismundo.
Stranger in a strange land. Um dia seremos ainda mais comuns, não obstante a obsolescência da comunidade. Segismundo.
2006-11-29
Para que o dia seguinte continue a ser amanhã e melhor. Flexigurança é tanto um modo de jeito quanto uma forma de soberania. Tipo «vai doer-te, queiras ou não; mas, se consentires, vai parecer-te que dói menos e que é por uma boa causa». Nicky Florentino.
O valor dos segredos d’O Livro de Pantagruel para jagunços e meninas de credo difícil. Há quem se espante por ele saber o paradeiro de algumas das melhores iguarias do mundo, onde há isto, onde há aquilo. De ordinário, a incredulidade mantém-se até ao instante da prova. São quase sempre também as mesmas criaturas que se espantam com a sua capacidade de, mediante combinações bizarras ou improváveis de ingredientes, providenciar momentos de dieta invejáveis. Em rigor, quase nada disto é estranho. Já são muitos os seus anos de investigação, ensaios e treino sobre esta matéria, designadamente no que concerne a sobremesas. O que surge estranho é que, caso após caso, as mesmas criaturas insistam em repetir o respectivo preconceito perante qualquer novo cenário e, depois, em face do produto, salivem como os cachorros de Pavlov. Às vezes não há paciência para a relutância original dessas criaturas, quase sempre enunciada em registo avaro ou por motivo de nojo. Mas é quase sempre mais forte o gozo e a prova da inveja, verificar a saliva dos outros, perceber o olhar de gula dos outros, diante da sugestão materializada do gourmet. E é assim porque há uma beleza estranha no modo como os outros caem diante de nós e se rendem, porque sente-se um sopro sublime quando os outros, por confronto empírico, se tornam testemunhas da própria miséria. Segismundo.
2006-11-28
O arranj(inh)o político perfeito. No âmbito da manobra com intuito de «renovação sustentada» da bancada parlamentar comunista, aconteceu que uma senhora deputada do PCP disse que não senhora, isso é que era bom e bonito, e insistiu em ficar na honra, a deputar. Volta vai, volta vem, emergiu o escarcéu habitual, que isto e que aquilo, muitas certezas e quase tantas sentenças. O caso, porém, é virtuoso. Serviu para que as gentias criaturas mais incautas ou distraídas percebessem que o enredo político é uma sucessão de nós sobre nós, montada e embrulhada num universo de ilusões convenientes e simpáticas. Em rigor, significa isto que as coisas tanto podem ser assim como ser ao contrário. Os limites formais são suficientemente concertáveis e dúcteis para permitir soluções diversas. Para além disso, o pluralismo político, na prática e pela prática, tem uma virtude iniludível, mistura, em cocktail e em caldeirada, uma fauna imensa. Tudo, obviamente, em boa intenção da pátria. E de mais além, a ideologia, a doutrina, a vidinha ou assim. Quem pode censurar? As coisas são como são. Às vezes o novelo político desenrola assim, às vezes desenrola de outro modo qualquer. Chama-se a isso contingência. Tal e qual como na puta da vida, em que até as contingências são contingentes. Nicky Florentino.
O circo aristocrático. O senhor dr. Manuel Alegre apresentou cerimonialmente um livro de uma criatura que nutre o propósito real de assomar à porra de um trono que já não há, o reino que se estende desde São Gregório até aos Algarves e às províncias insulares. Aludiu mesmo um referendo sobre a configuração do regime ou não se sabe bem o quê. Nada a objectar. Quando alguém não é senhor presidente da República pode proferir as levezas que bem entender e lhe aprouver. Ainda bem. A liberdade, tanto quanto o exercício cívico, servem justamente para isso. Para isso e, se for caso, para ir ao circo. A manobra é de semelhante calibre e juízo. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. O mundo é cheio de mistérios como este, colapso de traqueia em cães mata? Segismundo.
Os outros. Muitos pedem a verdade, mas querem amparo mediúnico sobretudo. Uma versão dos factos não lhes chega para proporcionar o chão que, mais do que desejam, necessitam. Há vozes a mais, queixam-se, há um excesso de ontologias. Pedem a verdade, embora, de facto, pretendam a expiação. Pois para eles a verdade é uma história de fuga, como qualquer outra história pessoal. Segismundo.
Qualquer coisa à bolonhesa, se faz favor. Faça-se. Encerrem-se as universidades públicas, nomeadamente aquelas que produzem graduados em cursos úteis, tipo advogados, economistas, engenheiros, gestores. Pois quem mais, diferente desta fauna, poderia salvar este parêntesis do mundo chamado Portugal? Segismundo.
2006-11-27
Página do livro dos googlemas. Sem consciência desse facto, pernas inchadas na explicação do terapeuta holístico, todos corremos para a eternidade. Segismundo.
Index Librorum Prohibitorum, i. Feita uma sondagem, verificou-se que ninguém deste tugúrio vez alguma se dignou ler Milton Friedman. Chame-se a este facto curiosidade. Em compensação, há quem, até à exaustão, tenha lido e contralido Hayek, páginas, páginas e páginas, e disso se orgulhe. Tanto que recorda o princípio do trigésimo terceiro capítulo de Moriæ Encomium, de um tal Desiderius Erasmus Roterodamus, assim, porque de Rotterdam. Quamquam inter has ipsas disciplinas, hæ potissimum in pretio sunt, quæ ad sensum communem, hoc est, ad stultitiam, quam proxime accedunt. O resto é cartilagem. Segismundo.
Os deuses menores. Insistem em responder à chuva com aparato e protecção civil. Porque o tempo do pudor e do ordenamento do chão já passou. O que faz com que os alertas e os coletes fluorescentes cor de laranja sejam uma tentativa de remendo em manobra sobre o passado que nos persegue. Bem, antes isso do que outra coisa pior, ficarmos molhados ou assim. Segismundo.
2006-11-26
“O instrumento de morte foi uma haste pequenina e fina com uma minúscula lâmina na extremidade. E uma vez na posição devida soltou-se a lâmina e soltou-se o instrumento: a concha, a folha, a forma humana, que são decorações, desenhos semelhantes”. *
Cadavre esquis. Muitos lhe perderam Vasconcelos. Outros mais ainda. C’est la (sur)vie. Segismundo.
* Mário Cesariny (org.), Antologia do Cadáver Esquisito, Lisboa, Assírio & Alvim, 1989, p. 44.
Acácia, meu amor # viii. Às vezes é tudo tão difícil. Agora ainda arde a tarde, mas não demorará a estação das chuvas, que virá demolhar os pastos e alagar as terras. Muitas coisas, então, irão mudar. Permanecerá, porém, o meu afecto à minha guarda, continuarei a ser aqui e a reclamar-me daqui, durante os ainda longos dias da savana. Não fujo do que sou. Vivo também, ai, ai, suspiro, as minhas intermitências. Eliz B.
2006-11-25
Ensaio sobre um hossana. Tente-se a revisão da cotação da glória de um feito de דוד. Que, embora pastor e jovem, o mais novo de oito irmãos, filho de um dos mais vetustos efrateus sob o domínio de שאול המלך, bateu-se contra e derrotou um guerreiro gigante, este armado, com o corpo protegido por bronzes e com escudeiro, um filisteu incircunciso chamado גָּלְיָת. O caso narra-se com brevidade. Postos os exércitos israelita e filisteu para a contenda, o gigante גָּלְיָת desafiou quem, só, ousasse contra ele, livrando os demais do combate. Perante a incredulidade dos irmãos e outros, דוד dispôs-se à peleja. Dispensou armadura e investiu na mesma direcção em que avançou o corpo de guerra levantado em seis côvados e mais um palmo do adversário, porém em sentido simétrico, para o encontrar. Levou-se armado de uma funda e de cinco seixos que antes havia pegado e guardado do alforge de pastorícia. O outro vinha com lança numa mão, escudo de bronze na outra mão e espada embainhada à cinta, conduzido pelo seu escudeiro. Prévio à contenda, trocaram insultos e, como é da praxe, reclamaram as respectivas honras e invocaram as suas providências. O que sobeja do episódio é consabido. דוד tomou uma das pedras do alforge e, com a funda, projectou-a, acertando na cabeça de גָּלְיָת, o que foi quanto bastou para o prostrar. Aturdido, o filisteu foi depois decapitado pelo fio da própria espada, também por acto de דוד. Para além de já eleito e protegido divinamente, foi sobretudo este feito que o fez aclamado e herói. Em excesso, porém, é o que nesta oportunidade se pretende atestar. Pois, conforme a crónica canónica do caso, antes do confronto, fez דוד que se soubesse que, quando à guarda do rebanho de seu pai, havia já perseguido e feito mortos os ursos e os leões que, com sanha e cobiça de bicho, haviam tomado como presa alguma parcela ovina daquele conjunto. E, mais, que, no exercício de reparação do rebanho, quando algum urso ou leão se erguia contra ele, com as suas mãos, a nu, tomava a besta pelo pescoço e apertava-o, até a besta perecer por estrangulação. Portanto, o que se deveria celebrar não é tanto o facto de דוד, um pastor imberbe, ter derrotado e esgotado a vida de גָּלְיָת, um titã belicoso e com prepúcio intacto. O que se deveria celebrar é sobretudo o facto de, sem funda, a mãos, דוד abater ursos e leões. Do que o que posteriormente aconteceu a גָּלְיָת, embora não por causa de qualquer ovelha, foi apenas a aplicação derivada de um engenho maior, matar animais ferozes, como a natureza os fez. Segismundo.
2006-11-24
A mulher que escreveu a Bíblia. Apanhei o caso através do Pedro. A Bíblia está no meio de nós, o juízo constitucional depende. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. Matéria como esta, simpatia para marido ser mão aberta, é coisa de gaja, ou não? Segismundo.
Sinusite e condição. É verde e, embora não seja kryptonite, remete um gajo ao tapete. O verde é baço e mucoso, escória. Os olhos opressos parecem caleidoscópios. A luz imprime uma espécie de dor indefinida, sem ser cegueira. É isto um dos sinais da tão propalada semelhança com deus? Segismundo.
Afã. O senhor mister Scolari anda para aí a fazer apelos recorrentes a ser fã da vizinha e o caralho. O mínimo que se pode afirmar é que é enternecedor. Ele e o spread da Caixa Geral de Depósitos. Segismundo.
The matrix. Isto, “os sujeitos sociais compreendem o mundo social que os compreende” *, é o enunciado máximo possível da ecúmena e da harmonia. O que significa que somos simultaneamente interiores e exteriores, mútuos e recíprocos na entrada e na saída, corpo e mundo enquanto verso e reverso, em regime ouroboros. Segismundo.
* “Les sujets sociaux comprennent le monde social qui les comprend” (in Pierre Bourdieu, La Distinction: Critique Sociale du Jugement, Paris, Les Éditions de Minuit, 1979, p. 562).
2006-11-23
O carrossel. O que tem que ser tem muita força. E, portanto, segundo as palavras do senhor secretário-geral do PCP, após “uma avaliação das necessidades objectivas do partido”, foi decidida a alteração das criaturas em deputação na bancada comunista, em prol da renovação da dita cuja. É o materialismo dialéctico a acontecer, sente-se. A mesma ideologia em corpos tonificados. Agora ou depois, como antes. Amén. Nicky Florentino.
As lamúrias de um d’Assis. Em entrevista estampada na edição de hoje do Público, o senhor frei franciscano Vítor Melícias pôs-se a acusações ao Estado maumau, que estrangula - que é como quem diz enleia, estorva e estupra - a sociedade civil em não sei quê e que mais, nomeadamente as benfazejas instituições e criaturas que, voluntariamente, aceitam subsídios e comparticipações do Estado bombom para cumprir a missão misericordiosa de atender aos desvalidos, indigentes e necessitados deste segmento da crosta terrestre. É isto cuspir no prato. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. Em termos botânicos, a nossa especialidade é tanto essa, flores silvestres selvagens, quanto coroas fúnebres, com túlipas de plástico em poliuretano. Segismundo.
Oratória. Às vezes, dissertar - assim como elencar - é um exercício difícil. Corre o discurso e, por um qualquer pormenor, empana súbito, numa palavra que falta, numa expressão que recalcitra, numa oração que escapa. Acontece. A solução elegante e óbvia para o problema é adiantar a expressão «et cætera». Mas, talvez porque o latim é uma língua morta e já não se fala na missa, o que quase sempre se utiliza para ultrapassar o impasse discursivo é a expressão secular «e o caralho». Ainda bem. Porque «e o caralho», enquanto o que é demais, mais do que «e tal», é o complemento exacto de tudo. Segismundo.
2006-11-22
Contra os canhões, um, dois, esquerda, direita. A tropa é um problema. Os militares são um problema. Para o senhor primeiro-ministro. Para o senhor ministro da Defesa. Para os senhores das altas patentes das forças armadas e de cada uma das suas três raças. Para as próprias criaturas sob condição militar e respectivos familiares. Para os civis. Para os objectores de consciência. Para os desertores. Para os veteranos, padeçam ou não de stress pós-traumático. Para os que passaram a qualquer reserva. Para os que saibam pronunciar ou não Pershing II ou campo militar de Santa Margarida. E ainda, o que não é dispiciendo, para o Orçamento do Estado. Daí que, por cá, qualquer passeata para manifestar descontentamento em relação ao que quer que esteja relacionado com as forças armadas seja necessariamente uma marcha de todos nós. Nós, heróis do mar da Palha, dos Sargaços e ainda além da Taprobana, colégio de gentios de fidalga estirpe, pátria intrépida e imorredoura, foda-se. Nicky Florentino.
Uma questão de diapasão. Por motivos inconfessáveis neste domínio de trevas e neblina espessa, também aqui há quem nutra simpatia pelo senhor Doutor Rui Ramos, embora não beata ou obrigatoriamente concorde com o que ele manifesta e empresta à estampa na imprensa autóctone. Curiosamente, hoje aconteceu isso, ainda que ninguém morra por essa ocorrência. Atente-se. No artigo da página seis da edição de hoje do Público, sustenta o aludido que «os políticos que temos» constituem «uma 'camarilha'» e não «uma classe política democrática». O caso explica-se com simplicidade. Em Portugal, a turma das criaturas com probabilidade de ascender a honras com alvará de governação é constituído por um bando de fulanos que pulula e intriga com sobeja avidez em torno ou na proximidade do consulado pátrio e dos respectivos corredores alcatifados e comissariados. Ou seja, aqui assim, a extracção dos senhores governantes tende a ser de palacete e, claro, de entre aqueles que acumulam maior número de insígnias e ofícios do partido político a que pertencem ou que têm maior expressão mediática, reduzindo, esses tais, parte significativa da prática política às relações de drama e novela entre personalidades, o fulano, o sicrano e a beltrana, que, respectivamente, estão pro ou contra não se sabe bem quem. Posto isto, danado, manifesto a propensão a concordar com o diagnóstico proposto pelo senhor Doutor Rui Ramos. E, por assim ser, também declaro a dificuldade em encaixar alguma da prosa que anteriormente ele debitou sobre a política pátria. Não por muito. Mas por, antes, ele ter insistido num roteiro analítico das acções e práticas políticas dos nossos senhores, os tais «os políticos que temos» - designadamente do senhor eng.º José Pinto de Sousa e do senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva -, que iludia, senão escamoteava, o impacto das referidas relações personalizadas e de todo o enredo de basfond institucional que as matiza no produto político concretizado por esses mesmos fulanos. Na prática, sucedeu o seguinte: outrora o senhor Doutor Rui Ramos atribuiu propriedades de tragédia ao que agora rotula de comédia. O que dá raio. Nicky Florentino.
Requiem. Dans la Ville Blanche é uma pessegada sobre Lisboa, realizada por Alain Tanner. Nunca confundir, por isso, Alain Tanner com o malogrado Robert Altman. Segismundo.
Guarda-costas. A peça mais extraordinária da exposição era um conjunto de folhas com mensagens escritas à máquina. As mensagens não estavam imprimidas a tinta, estavam punçadas. Cada letra de cada palavra correspondia a um corte. As folhas estavam esticadas por fios de aço, presos às ditas folhas por anzóis, e pareciam folhas de pele. De facto, as folhas, era necessária uma aproximação para perceber isso, eram folhas de pele. O Marquês.
2006-11-21
Stand up liberty. Um gajo esforça-se para ser liberal old fashion. E, como brinde, aleluia, ale-lui-a, ainda pode rir com o que o Pedro e o João escreve(ra)m. Segismundo.
Ortografia do não e do sim. Como é que se escreve anti-inflamatório? E cérebro? Segismundo.
O espectro da velha da gadanha. No limite, ouve-se dizer com mais frequência não quero morrer do que quero viver. Como se a morte fosse explícita e a vida fosse implícita. Segismundo.
2006-11-20
A intrusão de si e em si. Falas sobre a liberdade como falas sobre ti. Falas sobre a liberdade, em ser senhora de ti, e não vês, sequer vislumbras, quão encarcerada estás no teu corpo. Que é teu não por ventura ou vontade tua, mas por capricho da natureza, contigência e lotaria da vida, talvez puta da vida. E, mesmo assim, sentes-te entranhada nesse corpo, como se o fosses e fosses senhora dele e, através dele, dona de ti, your own master, the master in command, master and commander. Compreendo-te. A ilusão do domínio e da submissão em ti e por ti facilita-te a emancipação, tanto em relação a ti quanto em relação aos outros. Sabes?, em muitas ocasiões é esse o meu itinerário também. Mas, para me sentir livre, o mais das vezes basta-me clamar «não me fodam!». O grito acorda-me, não necessariamente me faz consciente, e suporta-me a ilusão que é sobretudo o estorvo alheio que me incomoda. A culpa, assim, torna-se leve, levíssima. E a liberdade é isso, (con)viver com a própria culpa, mais do que com a culpa dos outros, mesmo daqueloutros que também somos e pelos quais nos expiamos. O corpo é o que nos leva. Segismundo.
Manhã submersa. Não se sabe porquê, mas as auroras começam a ser-lhe excessivamente lhasdaputa, a pesar. Quase como se o gajo fosse do Benfica ou padecesse de qualquer outra maleita equivalente. Cansa-o ver o sol nascer tantas vezes, já sem mistério, acompanhado pelo estrépito dos camiões. Na prática, esta é a lamúria dele, a manhã acorda e levanta demasiadas criaturas. Segismundo.
2006-11-19
Acácia, meu amor # vii. Aqui, superior, na gávea da savana, guardo-me, não me escondo. É por isso que me pergunto se isto é uma ilusão. Não, não é uma questão de perspectiva. É uma questão de hipótese. Guardo-me verdadeiramente aqui? ou imagino apenas essa guarda? Às vezes temo viver dentro de uma ilusão apenas. Não páro nos semáforos. E, sei, isso é perigoso. Ou será uma ilusão? Eliz B.
2006-11-18
Página do livro dos googlemas. Ora aí está, simpatia para o marido manso e mão aberta, algo que não interessa puto. Ao menino Jesus inclusive. Segismundo.
Proscenium vitæ humanæ, ii. O maior desafio é prosseguir, sem companhia, sem bandeira. Ir. Ir sem remorso, sem tremoço. Não é desafio, mas é ir. Assim como rir. É provável que nada disto tenha utilidade ou faça o mundo mais mundo. Provavelmente até é mais do que provável, como se fosse uma sequência mise en abyme de probabilidades. E depois?, probabilidades sobre probabilidades impelem mais a uma sensação de certeza? ou a uma sensação de dúvida? Não adianta. O tempo que necessitas para fazer o cálculo que te possibilitaria uma resposta mais firme é tempo que não dispões. Por isso, ou desistes ou arriscas. Remar não é rimar, ir não é fugir. Ir é uma espécie de jogo. Estou cansado. Fala-me. Olha, a mancha…, a mancha alastra, cresce no meu sentido. Parece que se alimenta do teu silêncio, parece que é para mim ou que me vem buscar. Não sei, não estou certo. Pode ser uma ilusão. Mas também pode ser a ilusão de uma ilusão. Fala-me, fala-me entre as outras vozes. Eu espero. Estou cansado, já te disse? Fala-me. Segismundo.
imagem © Juste de Juste
2006-11-17
O «menino guerreiro» e o «estilo Rambo». O senhor dr. Pedro Santana Lopes a dizer “nunca direi nunca”, como fez ontem à noite em entrevista na teelvisão, é uma criatura a viver dentro de si a harmonia do encontro alien versus predator. Quase caso para dizer, ó mãe!, muda de canal. Nicky Florentino.
“Os homens agarram-se ao diabo das recordações, a todas as suas desgraças, e é
impossível fazê-los sair delas. Ocupam-lhes a alma. Vingam-se da injustiça
do presente revolvendo no fundo de si próprios o futuro, juntamente
com a merda. Bem no fundo, todos eles justos e cobardes. É a
sua natureza”. *
impossível fazê-los sair delas. Ocupam-lhes a alma. Vingam-se da injustiça
do presente revolvendo no fundo de si próprios o futuro, juntamente
com a merda. Bem no fundo, todos eles justos e cobardes. É a
sua natureza”. *
Lamber a memória para lavar o pêlo. A víbora revisionista é uma das modalidades da estupidez à solta. O passado é o passado, foi o que foi. Quem não é capaz de (con)viver com o passado - e, portanto, de (sobre)viver -, antes de começar pateticamente a reparar factos entabuados, como quem sacode o entulho que existe sobre a tumba ou enxota moscas, dispõe de uma solução airosa. Matar-se, passar à história. Só assim conseguirá livrar-se da culpa. Da sua e da dos outros. Não há outro modo asseado e autêntico de ajustar contas com o que já foi. Segismundo.
* Louis-Ferdinand Céline, Voyage au Bout de la Nuit.
Proscenium vitæ humanæ, i. Fala-me sobre fantasmas. Fala-me sobre as vozes que te acordam, sobre os demónios que te consomem. Fala-me sobre os frutos nocturnos e as maçãs. Fala-me sobre a morcela de arroz e o pão de centeio. Fala-me sobre o frio, o avanço da infantaria contra as trincheiras, o gás mostarda e os mísseis. Fala-me sobre os prazeres e as artes. Fala-me sobre os erros e as conquistas. Fala-me sobre o significado do sangue, fala-me sobre a geometria dos caminhos e dos mapas. Fala-me sobre a preguiça. Fala-me sobre ti, fala-me de ti. Sabias?, Béla Ferenc Dezsõ Blaskó morreu num dia dezasseis de Agosto. Já estamos em Novembro, é quase Natal. Fala-me. Fala. Olha, a mancha da parede está a alastrar, aproxima-se. Não sei o que traz, se mais solidão, se mais silêncio, se os acordes do meu requiem. Fala-me. A mancha continua a alastrar, a aproximar-se. Recebeste o postal que te enviei?, que te enviei quando estive em Praha. Fala-me. Não sei mais o que possa ser a minha culpa ou o meu castigo. Fala-me. Segismundo.
imagem © Juste de Juste
2006-11-16
Nós por cá todos bem, muito obrigadinho. Esta noite o senhor presidente da República foi entrevistado na teelvisão e disse muitas vezes nós. Nós isto, nós aquilo, entre o plural majestático e a insinuação da existência de cooperação estratégica entre a sua honra e a turma governamental. Tanto nós disse o fulano que não deixou de sugerir o senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva a dançar a chula, de braço dado, com o senhor eng.º José Pinto de Sousa. Vira, virou. Nós é isto. Nicky Florentino.
Companhias. Sagres preta, envergadura mini, é um bom princípio de conversa. Repetindo-se, é também um bom princípio de companhia. Segismundo.
Ainda o regime das coisas difíceis. É por não haver saída - e, em rigor, também não haver entrada - que o riso é o modo sublime de pronunciar a tragédia. Neste sentido, justamente porque a vida é a puta da vida, rir não é uma simulação da saída, mas um modo de suportar a vida. Segismundo.
O regime das coisas difíceis. Pode insistir-se, é verdade. Mas em quê é que isso altera a verdade?, em quê é que isso altera as coisas? , em quê é que isso altera o domínio? A luz é que se projecta a uma velocidade infrene. Nós, gente, podemos demorar e errar. Podemos ir mais devagar, sem pressa. Temos essa prerrogativa e essa necessidade. Não por acaso, a confiança é uma infusão lenta. Pelo que, antes de sermos infectados pela urgência, em nós o tempo é autêntico e não um simulacro de si mesmo. Apenas quando o tempo se torna exterior a nós é que começamos a viver a sensação de atraso. E a perder o gozo de sentir o vibrato da vertigem, do corpo contra o horizonte. Pela aceleração da plataforma que nos referencia os actos e os passos, o tempo transforma-se na esfera que nos encarcera. Deixamos de caminhar, passamos a ser levados numa espécie de tapete rolante. Mesmo quando paramos, somos arrastados. Daí que, enquanto houver disposição, o riso seja o catalisador mais eficaz e eficiente da resistência e o diferenciador em relação aos apressados. É rir ou sair. Não há saída, porém. Segismundo.
2006-11-15
Remessa dos bons dias. Entre o inverso e o controverso é provável que nenhum verso seja suficientemente calibrado e satisfaça com precisão a vontade de alguém sugerir a outrem que se vá foder. Segismundo.
Le Bataclan Asylum, # iv. Uma lâmpada fluorescente, em instalação improvisada, providenciava a iluminação do gabinete do detective. Um insecto atraído pela luz chocava repetidamente contra a gambiarra, como se, por instinto, fosse impelido a inseminar aquele branco baço. Estava sozinho, como se desejava, recostado na cadeira. Levantou-se. Ergueu um vaso, o vaso da orgia. Celebrou a carne e o molho. Depois começou a gritar, morte aos redentores! Mas não lhe bastou o clamor, pelo que argumentou, acuso os legisladores, cães de vício, de se fingirem livres e de quererem vincular todos à sua putativa liberdade. Acuso-os de prostarem-se, como as bestas caudadas, e de quererem confinar a vontade de cada um de nós à sua vontade. Passou a mão pelos lábios, livrando-os do excesso de saliva, e acrescentou, que sejam suprimidos os legisladores, falsos profetas, por pretenderem cumprir a função de uma inexistência, a regra única. Arremessou o vaso contra o chão, partindo-o. No instante seguinte, tornou à sobriedade e calou-se. Lançou os olhos sobre o espelho. E, ao mesmo tempo que se olhava através do reflexo, murmurou, como se estivesse a confidenciar a si, na minha carne é a minha dor apenas. Por isso tomo-a a minha regra e nenhuma outra. Sobre a secretária, havia uma culpa ainda por determinar, um dossier aberto. Fechou-o. Tornou a rescostar-se na cadeira, esticou as pernas e pousou as mãos, com os dedos entrelaçados, sobre o peito. Posteriormente suspirou. E, sem destrinçar as mãos, consertou-as contra a nuca. Mesmo após as ter lavado, ainda sentia nelas o perfume de lavanda. O Marquês.
2006-11-14
O socialismo sólidó. Não se sabe se o senhor eng.º José Pinto de Sousa, emprestado à honra de senhor primeiro-ministro, é de «direita», de «esquerda» ou de «quem o apanhar». Afirma-se isto porque ser de «esquerda», no que vale ser de «esquerda», é prosseguir políticas não apenas de saneamento das finanças públicas, mas de mais. Mas isto da política, em Portugal, claro, é mais ou menos o mesmo que jogar ao pau com os ursos. E não adianta especular sobre quem são os ursos. Porque o que releva, e enquanto releva, é o que é o pau. Pois enquanto vai e não volta folgam as costas. Depois, como antes, tau! Nicky Florentino.
Ala sinistra. Lado á. Há custos de ordem e de regulação social. Parte significativa desses custos reporta-se a missões de Estado ou assumidas pelo Estado. Pelo que, quando o Estado está sob stress financeiro, os referidos custos tornam-se evidentes. A manta é curta para corpo com tanto lastro e tantas necessidades vitais ou artificiais. Lado bê. Os cidadãos são titulares de direitos. Todos têm um ror de direitos. O gozo desses direitos, no entanto, implica um custo. Parte do custo desses direitos é assegurada directamente pelos cidadãos. A outra parte é assegurada pelo Estado, cujas receitas são directa ou indirectamente asseguradas pelos cidadãos. Há ainda casos em que outros, que não os titulares de determinado direito ou o Estado, asseguram parte dos custos da condição cívica de alguém. Portanto, as composições sociais tardo-modernas são um enredo complexo de relações, interesses, conveniências, cumplicidades, fraternidades, invejas, hábitos, modos, vontades e manias. O que significa que a equação política que subjaz a tais composições, se assim se pode pronunciar o caso, também é complexa. E isto sem considerar que muitos dos custos que foram mencionados antes tendem a diferidos, o que tem como consequência o facto de a ordem de pagamento ser apresentada a posteriori e, portanto, não necessariamente a quem deveria suportar tais custos. Perante isto, tudo embrulhado, não espanta, pois, que não sejam poucos os que se proclamam canhotos e dispostos à justiça gregária. Conquanto, óbvio, a despesa referente à factura social não seja suportada pelo próprio bolso. Nicky Florentino.
O Jaime dois ós, as amigas dele e a senhora Famke Janssen. Tudo o que há a escrever sobre o assunto, o Rui já escreveu e não carece de quaiquer reparo ou acrescento. Segismundo.
Página do livro dos googlemas. Sobre a necessidade ecológica do retorno da grande deusa mãe, nada há a declarar, aqui, neste tugúrio. Segismundo.
Ai se este chão não fosse tão pesado aos nossos pés. Emigração, o apelo que vem de dentro. Segismundo.
2006-11-13
Rouge. Segundo a edição de hoje do Público, este fim de semana, em Lisboa, alguém proclamou que o mundo estava a ficar mais vermelho. Pois. Ou é isso e ninguém nos avisou ou é daltonismo. Nicky Florentino.
O exorcismo do exorcista enquanto auto-expiação. O senhor dr. Pedro Santana Lopes escreveu um livro ao qual concedeu o título Percepções e Realidade. Um tratado sobre dissonância cognitiva na primeira pessoa, suspeita-se. Nicky Florentino.
Aposta e contexto. Ela, nada? Ele, nada. Ela, nadinha?, mesmo nadinha? Ele, nadinha, mesmo nadinha. Ela, quer então dizer que ninguém? Ele, sim, quer então dizer que ninguém. Ela, como é que isso foi possível? Ele, foi possível porque era uma possibilidade. Ela, mesmo assim, porra. Segismundo.
Os feitos e os defeitos de Lazy González, x. Não é meu, foi o que Lazy González disse quando perceberam que havia sangue nas mãos dele. O Marquês.
2006-11-12
Se o ésse de PS não é socialista. Este fim de semana a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica não passou pelo Centro Nacional de Exposições de Santarém, mas devia ter passado. Entre outros motivos, porque deveriam ter sido apreendidos os produtos indevidamente etiquetados e oferecidos ao consumo. Nicky Florentino.
Desilusão e além. Ele julgava que conhecia um prodígio, um gajo que, em corpo, era o máximo de resistência possível a ferro chispado. Hoje, porém, desiludiu-se. Porque, lendo a página trintaeum da edição do Público deste domingo, ficou a saber que na passada sexta-feira, uma brasileira, com vinteeum anos, levou seis tiros na cabeça e ontem, sábado, falou à imprensa, dizendo que apenas necessitava que lhe retirassem os projécteis alojados no crânio para poder prosseguir a sua vidinha. O que significa que, afinal, ele apenas conhece um gajo normal. Mas conhece. Segismundo.
Acácia, meu amor # vi. O que sonho?, quando sonho. Sonho com o peito saciado e com o domínio dos arredores. Sonho com o corpo retemperado por um tónico suculento de carnes verdes. E quando maior é a vigília, pelo morno da tarde, a aguardar a noite, às vezes sonho em voar, sonho ser uma ave grave. Mas esse é sempre um sonho breve. Porque, mesmo a dormir, ocupa-me a sensação de habitar um ninho em ti, acácia, meu amor. Eliz B.
2006-11-11
Página do livro dos googlemas. Foda-se, sociologia do magusto - acontecimento em si, o que é que é isto? Segismundo.
Mundo de aventuras, iii. Não há justiça no jogo das culpas. Há apenas pecado e consequências. O sinners, let’s go down
Let’s go down, come on down
O sinners, let’s go down
Down in the river to pray. É por isso que o resultado desse jogo, jogado no corpo, jogado entre os corpos, não é o produto de um problema como os outros. O Marquês.
2006-11-10
My little pony. A aparição dos póneis. Rondava o relógio as três da manhã, havia póneis à solta junto à rotunda norte da cidadela santa. Um dos póneis era branco. Nenhum pareceu comer coelhos. Pastavam e cirandavam apenas. Segismundo.
2006-11-09
Saiam de diante! Caralho, caralho. Caralhinho, caralhinho. Não o fodam que ele é grande e não tem paciência para jogos de nem sim nem sai de cima. Uma atenção?, uma atençãozinha? Esta apenas, vão-se foder! Segismundo.
Mundo de aventuras, ii. Qualquer que tenha sido
2006-11-08
Página do livro dos googlemas. Mistérios, o mundo é cheio de mistérios, como este porque algumas mulheres têm os pequenos lábios da vagina esticados? É por isso que se justifica decifrá-los. Segismundo.
Orçamento e contas. O correio, a orgia que traz - em coisas que se ouvem, em coisas que se lêem - e a falência que arrasta. Tudo tem um preço. E há coisas que se pagam caro. Que se foda. Fica o património. Segismundo.
Deu deus telefone e o direito infinito a telefonemas a quem tem nozes. A mesma mãe que lhe levou nozes levou-lhe o quebra-nozes. Não obstante a evidência, não contente, tratou de apurar esse facto via telefone. É para este tipo de urgências que serve o telefone. A mãe, obviamente, reconheceu o facto e, en passant, preocupado e caridoso, o pai prontificou-se a ir levar o quebra-nozes à menina. Que não era necessário, disse ela. Porque ele estava na cozinha e, conforme capacidade e disponibilidade anunciadas antes, iria partir-lhe as nozes. Segismundo.
2006-11-07
Ou alguém puxa da pistola ou alguém não é grande espingarda. Ver blogs é mais ou menos o mesmo do que uivar à lua. Aqui, pelo menos, é. Daí que ler jornais seja um prestimoso recurso para a salubridade da alma atormentada dos daqui. Por exemplo, pela leitura da página onze da edição de hoje do Público, ficou a saber-se que um especialista em sistemas de comunicação e informação, que nem é nem alguma vez foi dirigente do PCP - embora nutra uma simpatia enternecedora por Engels - e que responde pela graça António Vilarigues, comparticipou, com o senhor Prof. Doutor Eduardo Prado Coelho como protagonista, na reunião mais surrealista que, no âmbito daquele partido político, ao longo de mais de uma trintena de anos, já teve oportunidade de testemunhar. É pena. Pois trinta anos é muito tempo para apenas uma experiência dessas. Nicky Florentino.
Pátria e morbidez. Estão equivocados aqueles que julgam resolver a equação e o problema Portugal sobretudo pelo lado da variável Estado. Por dois motivos. Porque, no caso português, o Estado é o corpo que esse complexo virtuoso chamado sociedade civil encontrou para nutrir as suas boas virtudes. E porque não há morbo que se conserte preservando mais a entidade parasita – a sociedade civil – do que a entidade hospedeira – o Estado. Nicky Florentino.
Regime de enganos sucessivos. A democracia é um regime de enganos, de enganos sucessivos. Um dos factores que produz tais enganos é o sufrágio. Perceba-se porquê. Em cenário de eleições, diversas forças políticas constituem-se no boletim de voto. Triunfa aquela que, a mais, oferece as propostas mais agradáveis. O que quase sempre significa que a vitória calha à força política cuja acção prenunciada comporta menos custos directos e imediatos para os eleitores. Depois, com o alvará de governação, as forças políticas governam. E, claro, o que foi dito ou prometido - portanto, prenunciado - em campanha eleitoral já lá vai e, onde o pudor sequer sedimento chega a ser, pouco ou nada vincula a acção governamental. Portanto, uma coisa é ganhar eleições legislativas, outra coisa é governar. E o modo como se ganha eleições não tem necessariamente a ver com o modo como se governa - em termos históricos, esta diferença está sobejamente documentada. Daí que quem deseja não ser enganado necessite escolher outro regime. Não se sabe qual, porém. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. Pára tudo! Rebobina. Outra vez. Pára definitivamente. Enfim, sobre menina morre no seu quarto de ouver dose, nada - nada, mesmo - a declarar. Segismundo.
Se calhou o desalento, se a miséria afunda, se a chuva é uma chatice, se os outros estorvam, não fujam. Leia-se o Francisco e o Filipe. Motivos de alegria e para alegria não faltam. Segismundo.
Alter. Sente-se o limite, o retorno à forma. Ela, ainda somos diferentes? O corpo, quebrado, cede. Ele, não, nunca fomos. Segismundo.
Mundo de aventuras, i. Isto da vida, incluindo os segredos e as mentiras, é como Lavoisier enunciou em relação à natureza. Daí que seja de admitir que é por justiça, justiça doméstica, que se colabora na traição, ajudando-se quem foi vítima de traição a trair quem traiu. Pode mesmo acontecer que, para justificar os gestos, se invoquem motivos de honra ou o princípio da reciprocidade. Mas isso é apenas um adereço narrativo, desnecessário. No limite tudo reconduz ao corpo, à carne. É esse, sem desculpa ou camuflagem, o motivo exacto da retaliação. Já está. O Marquês.
2006-11-06
As palavras que nunca te direi. O juízo é um timbre ténue. Justamente por isso, as proposições, quaisquer que sejam - a propósito do referendo sobre a despenalização do aborto -, não devem escorar-se em argumentos lodosos, como o afirmado pelo senhor Prof. Doutor Francisco Louçã, segundo o qual “no «sim» está a humanidade e a convergência e no «não» está a intriga política e a agenda interna dos partidos”. Se a intenção é a que o fulano apregoa, aconselhável é, não que se cale, mas que não exorbite para além da bolha do trambelho. Tal conselho, no entanto, reconheça-se, parece ser intempestivo e, por isso, já ir tarde. Nada a fazer, portanto. Se o dislate já lá vai, é deixá-lo ir. Nicky Florentino.
Solta o Torquemadanacleto que há em ti! Segundo a edição de hoje do Público, a propósito do referendo que para aí se anuncia, parece que a seita do BE não está disponível para argumentar e contrargumentar sobre “conceitos abstractos”. Pelas palavras do senhor Prof. Doutor Francisco Louçã, a trupe prefere ir a direito e colocar o problema directamente sobre o osso: “queremos que as pessoas se confrontem com a sua consciência, sabendo que, qualquer que seja a sua opinião, não podem ser cúmplices da condenação das mulheres”. Às vezes assoma a vontade de obrigar a estupidez a determinados limites. Mas ainda bem que isso não é possível. Porque, assim, a estupidez é como deve ser, franca. Nicky Florentino.
Enxertado em quê que não se enxerta. O senhor dr. Manuel Monteiro, presidente dessa quase inexistência chamada PND, classificou-se como conservador liberal. Que é mais ou menos o mesmo do que um urso polar admitir-se urso e pardo. Com a óbvia salvaguarda de o urso não ter qualquer culpa em relação à plausibilidade do que admite ser. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. Aqui a oferta nem é selecta nem é bem aventurada. Por isso, o credo e o pai nosso em Sueco não temos. Também não queremos ter. Segismundo.
Página do livro das maravilhas, viii. No limite, tudo acaba bem. E acontecer tal fim é uma questão de tempo apenas. O tempo que dura a novela. Segismundo.
Hermes e a caligrafia. Quando alguém chama cabrão a outrem, é manifestação de simpatia se a esse epíteto for justaposto antes o pronome possessivo meu. É ofensa se antes desse nome predicativo do sujeito não houver pronome possessivo ou houver o pronome possessivo seu. Segismundo.
2006-11-05
Acácia, meu amor # v. Guarda-me sempre uma dúvida, o que valem os sonhos?, os meus sonhos? Mas não me demoro sob essa guarda. Prefiro ir no sono, até ao outro lado, e permanecer lá, imaginar-me a vencer todos os meus debates com herbívoros, precipitando sobre eles as minhas garras, sentindo a carne a rasgar-se, sentindo o seu sangue quente, a derramar-se, sentindo, depois, esgotar-se o seu estertor. Os meus sonhos repetem-se. Deve ser isso a que se chama instinto. Eliz B.
2006-11-04
Vai. Lá fora, o outono. Aqui, neste tugúrio fingido mundo, a contemplação dos seus ecos. E, claro, a vontade indómita de mandar alguém para o caralho. Os sábados são assim. Os sábados outonais são ainda mais assim. Segismundo.
Profilaxia das liberdades. Outros tempos, os anos cinquenta do século pretérito. Valia quase tudo, o cuidado inclusive. Então como hoje, porque nunca foram de ferro, os pobres rapazes e homens eram vítimas dos desmandos da libido. Em consequência, sofria, portanto, a respectiva genitália. O axioma, no entanto, é eterno. As aparências iludem e, depois, pode acontecer um ardor do caraças. Aliás, sobre isto, é certo, jamais alguém terá a coragem de propor um referendo. Segismundo.
2006-11-03
Oblatos e caviar. Em termos políticos, o cuidado e a curiosidade da oposição social-democrata em relação ao custo dos cocktails e das vernissages em que andam envolvidos senhores em missão de governação faz todo o sentido. Serviço público é serviço público, défice do orçamento do Estado é défice do orçamento do Estado e cognac não é champagne e não se sorve de um flute. Nicky Florentino.
Português, o sujeito nulo expletivo. O senhor dr. Alberto João Jardim, em entrevista teelvisiva, disse ter muita honra e orgulho em ser português. Está explicado o (a)caso. Nicky Florentino.
A denúncia. A chuva produz um efeito dissolvente sobre as ilusões. Por exemplo, com a chuva tornam-se evidentes os fios de marioneta através dos quais são animadas muitas das criaturas que conhecemos. É por isso que, quando chove, elas correm mais do que as outras. Segismundo.
2006-11-02
Página do livro dos googlemas. Mas onde é que há disso?, simpatias para encontrar coisas perdidas? Aqui não há simpatias. Segismundo.
Nas vésperas de halloween. Escreveu o Pedro, “o liberalismo é um produto do cristianismo e não é viável sem ele”. Ou seja, serás livre conquanto à sombra da cruz. Porque, parece, o liberalismo nada tem a ver com liberdade religiosa ou pluralismo de credos. Amén. Segismundo.
O mundo é todo chão. Perguntaram a um fulano chamado José Imaginário, jornalista, vinteetrês anos de idade, o que é que ele fazia quotidianamente para proteger o meio ambiente - vide página cinquentaequatro do suplemento «Local Lisboa» da edição de ontem do Público. Ele respondeu, “o que faço é essencialmente não mandar lixo para o chão”. Como o mundo é tão melhor quando depende da imaginação das criaturas que o habitam. Segismundo.
2006-11-01
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).