Uma questão de diapasão. Por motivos inconfessáveis neste domínio de trevas e neblina espessa, também aqui há quem nutra simpatia pelo senhor Doutor Rui Ramos, embora não beata ou obrigatoriamente concorde com o que ele manifesta e empresta à estampa na imprensa autóctone. Curiosamente, hoje aconteceu isso, ainda que ninguém morra por essa ocorrência. Atente-se. No artigo da página seis da edição de hoje do Público, sustenta o aludido que «os políticos que temos» constituem «uma 'camarilha'» e não «uma classe política democrática». O caso explica-se com simplicidade. Em Portugal, a turma das criaturas com probabilidade de ascender a honras com alvará de governação é constituído por um bando de fulanos que pulula e intriga com sobeja avidez em torno ou na proximidade do consulado pátrio e dos respectivos corredores alcatifados e comissariados. Ou seja, aqui assim, a extracção dos senhores governantes tende a ser de palacete e, claro, de entre aqueles que acumulam maior número de insígnias e ofícios do partido político a que pertencem ou que têm maior expressão mediática, reduzindo, esses tais, parte significativa da prática política às relações de drama e novela entre personalidades, o fulano, o sicrano e a beltrana, que, respectivamente, estão pro ou contra não se sabe bem quem. Posto isto, danado, manifesto a propensão a concordar com o diagnóstico proposto pelo senhor Doutor Rui Ramos. E, por assim ser, também declaro a dificuldade em encaixar alguma da prosa que anteriormente ele debitou sobre a política pátria. Não por muito. Mas por, antes, ele ter insistido num roteiro analítico das acções e práticas políticas dos nossos senhores, os tais «os políticos que temos» - designadamente do senhor eng.º José Pinto de Sousa e do senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva -, que iludia, senão escamoteava, o impacto das referidas relações personalizadas e de todo o enredo de basfond institucional que as matiza no produto político concretizado por esses mesmos fulanos. Na prática, sucedeu o seguinte: outrora o senhor Doutor Rui Ramos atribuiu propriedades de tragédia ao que agora rotula de comédia. O que dá raio. Nicky Florentino.