O valor dos segredos d’O Livro de Pantagruel para jagunços e meninas de credo difícil. Há quem se espante por ele saber o paradeiro de algumas das melhores iguarias do mundo, onde há isto, onde há aquilo. De ordinário, a incredulidade mantém-se até ao instante da prova. São quase sempre também as mesmas criaturas que se espantam com a sua capacidade de, mediante combinações bizarras ou improváveis de ingredientes, providenciar momentos de dieta invejáveis. Em rigor, quase nada disto é estranho. Já são muitos os seus anos de investigação, ensaios e treino sobre esta matéria, designadamente no que concerne a sobremesas. O que surge estranho é que, caso após caso, as mesmas criaturas insistam em repetir o respectivo preconceito perante qualquer novo cenário e, depois, em face do produto, salivem como os cachorros de Pavlov. Às vezes não há paciência para a relutância original dessas criaturas, quase sempre enunciada em registo avaro ou por motivo de nojo. Mas é quase sempre mais forte o gozo e a prova da inveja, verificar a saliva dos outros, perceber o olhar de gula dos outros, diante da sugestão materializada do gourmet. E é assim porque há uma beleza estranha no modo como os outros caem diante de nós e se rendem, porque sente-se um sopro sublime quando os outros, por confronto empírico, se tornam testemunhas da própria miséria. Segismundo.