2005-07-31
Roteiro canibal, edição revista e aumentada. Em toda a equação do desejo, a carne é um factor a considerar de modo remoto e residual, embora inevitavelmente. Pois o que é motivo de assanho da libido, não é a carne, é o molho. E, antes, o shake corporal, o ritmo entranhado no corpo. Segismundo.
Roteiro canibal. Em toda a equação do desejo, a carne é um factor a considerar remota e residualmente. Pois o que é motivo de assanho da libido, não é a carne, é o molho. Segismundo.
On the rocks. Depois de duas sequências de três Black Label mais um Bushmills, para variar, uma
2005-07-30
Página do livro dos googlemas. Para além de tudo, nada sabemos sobre roteiro de uma peça evangélica para o dia dos pais. Segismundo.
Home alone. Quase ninguém, apenas quem fica, e um cerco livre. Oportunidade para, madrugada já quase dissolvida em manhã, ouvir Hanne Hukkelberg, a estugado débito. Quando se é livre, as coisas não são para ser em pequena escala. O Häagen Daz e o volume do som, pelo menos, não são. Segismundo.
2005-07-29
O homem senhor engenheiro que não se inspira no almanaque Borda d'Água. Afirmou o senhor primeiro-ministro, “não abandonaremos este caminho e não nos intimida nem a arruaça nem o insulto”. Ao revelar tamanha intrepidez, está visto, o fulano julga que não lhe calha ter que envergar um colete reflector daqueles, os tais. Pode ser que, por não saber dançar, não lhe corra mal a vida de carapau de corrida com a mania de jogar ao pau com os ursos. Nicky Florentino.
She's got the jack. Por maior que seja o esforço investido, subsiste a dúvida. Se,
She gave me the queen
She gave me the king
She was wheelin' and dealin'
Just doin' her thing
She was holdin' a pair
But I had to try
Her deuce was wild
But my ace was high
But how was I to know
That she'd been dealt with before
Said she'd never had a full house
But I should have known
From the tattoo on her left leg
And the garter on her right
She'd have the card to bring me down
If she played it right. Ou se,
If she played it right. Ou se, She gave me her mind
If she played it right. Ou se, Then she gave me her body
If she played it right. Ou se, But it seems to me
If she played it right. Ou se, That she gave it to anybody
If she played it right. Ou se, But I made her cry
If she played it right. Ou se, And I made her scream
If she played it right. Ou se, I took her high
If she played it right. Ou se, And I curdled her cream
If she played it right. Ou se, But how was I to know that she had been there before
If she played it right. Ou se, She told me she was a virgin
If she played it right. Ou se, She was number nine, ninety-nine on the clinical list
If she played it right. Ou se, And I fell in love with the dirty little bitch.
Qualquer das versões serve. O jogo é o mesmo. Não é de espantar, pois, que, royal flush!, royal flush!, para alguns existam dois ou mais amores. Segismundo.
Os
Hermenêuticas. Não obstante o universo babélico dos comportamentos e das manias, a compreensão dos gestos não é um exercício difícil. Mas não é fácil compreender a dificuldade em guardar silêncio durante um concerto ou um recital. Ainda assim, é fácil dizer xô! e crescer para os inconvenientes vizinhos de circunstância. Não é garantido, mas é provável que resulte. Tem resultado. Segismundo.
Miau. Se macho, seria Lodovico Settembrini. Segismundo.
2005-07-28
Back to the future. Cá, na pátria, não obstante a retórica sobre reformas estruturais e desafios e horizontes, o futuro são passados recauchutados. O que, segundo Darwin, mais tarde ou mais cedo terá como consequência a falência ecológica da espécie autóctone. Será essa a sua salvação política. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. Aqui, neste tugúrio, não há excursos sobre simpatias com cuecas ou, seja lá isso o que for, foda. Segismundo.
Cosmovisão. Cortada do fundo negro, Encélado, uma das luas da casa dos anéis. Segismundo.
As horas. Acordar cedo e cedo erguer é dormir pouco, quase nada, nada. Segismundo.
No comments. Maçãs da Nova Zelândia. Segismundo.
Ser amável. Corpo com a forma de uma falta que o preenche. Segismundo.
Matança de girassóis. Por pro Pop Dell’Arte. Segismundo.
2005-07-27
Página do livro dos excursos, v. Na natureza, nada do que existe é para ser visto, mas, ainda assim, vê-se. Segismundo.
®. Não interessa quem descobriu ou inventou as maravilhas. Interessa, sim, quem oportunamente as sugere. Segismundo.
Just like a woman. É a chuva. É o cheiro da terra molhada. Segismundo.
2005-07-26
Um, dois... insiste, insiste. Como escreveu o desgraçado do Marx, pode acontecer que alguns aconteceres tenham vários tempos. Mas apenas o primeiro tempo de cada acontecer é o autêntico, o da tragédia. Os restantes tempos, caso existam, são réplicas burlescas, farsas. Tipo produto contrafeito, vendido na feira do Relógio. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. O que é que se podia dizer aqui? sobre benta de las tontas. Segismundo.
Não o fodam, porque ele não é o Joseph K.. A burocratazinha esqueceu-se de remeter as ordens de pagamentos de honorários para a contabilidade - nas últimas semanas, disse ela, foram muitas inscrições para os mestrados e para os doutoramentos e para o raio que a parta. Consequentemente a contabilidade nem verificou a cabimentação nem remeteu as referidas ordens de pagamento para despacho. Não havendo despacho, nada chegou à tesouraria. Nada tendo chegado à tesouraria, a conta bancária do fulano não foi incomodada com o montante de euros que lhe é devido. E fica-se ainda a saber que não se sabe quando é que o assunto pode ficar resolvido - neste momento há apenas uma funcionária em cada serviço por onde o processo tem que tramitar, o que significa que tudo é susceptível de demorar mais do que é habitual. Claro que nada disto é grave. Mesmo o facto de uma das ordens de pagamentos de honorários ser referente à leccionação de uma disciplina do segundo semestre do ano lectivo passado. Sim, passado, doismiletrês/doismilequatro. Claro que cresce a vontade de mandar para a merda ou para o caralho muita gente. Mas isso é rudeza. Por isso, antes do assomo da raiva e da distribuição avulsa de impropérios, há ainda a hipótese de telefonar para o senhor presidente da casa. Que, parece, foi de férias. Pouco importa. Alguém haverá de responder. Até porque, hoje, ele está mais liberal do que costuma. Fala num tom cordato. Utiliza algum vocabulário expandido e simpático. Embora repita com frequência o conselho, não me fodam. O que espanta todos. Inclusive o senhor presidente da casa. Que foi de férias. Mas levou o telemóvel. Segismundo.
O
Live after death. A velha da gadanha, não o espectro, ronda próxima, a puta, a grande puta. No pior dos sentidos. Segimundo.
A improbabilidade da vida. O requiem é o silêncio, a palavra indizível, que se percebe, não perante a morte, perante o luto. Segismundo.
2005-07-25
Classificados. Lisboa - Belém. Trespassa-se negócio. Motivo à vista. Às vezes cheira a pastéis. De entre todas as fraudes eleitorais - que tendem a ser todas as eleições -, nenhuma é maior do que a eleição presidencial. Nicky Florentino.
Porque uma viagem não aconteceu. Ele chama-se Alexandre. Ela
Página do livro dos demónios, ix. Por mais que alguém tente, vivo, ninguém consegue fugir, escapar de si. Segismundo.
Epistemologia vital. Na vida, o que se sabe, sabe-se por desvio a um padrão. Segismundo.
Página do livro dos excursos, iv. Há uma luz, própria ou emprestada, em todos os gestos ainda antes de acontecerem. Daí que também as omissões sejam iluminadas. Segismundo.
Sabedorironias. Há coisas que se sabem. Não se sabe porquê. Segismundo.
2005-07-24
Toto. Para brincar-se a senhor presidente da República basta ter no mínimo trinta e cinco anos de idade. Qualquer outro critério, o do mais ou menos trambelho incluído, é pouco relevante para as apostas. Pois acontece que serão os gentios que, pelo voto, determinarão a chave do jogo. Nicky Florentino.
Página do livro das sentenças, xxi. A intimidade e o afecto fundo fundam-se na confiança, não no credo. Segismundo.
Some guys have all the luck. No amor somos vulgares. E elas, em vez de perderem sapatos de cristal, perdem chinelos. Ainda assim, noites há em que acontecem cinderelas. No amor somos todos vulgares. A mesma estória. Repetida em corpos diferentes. Repetida por corpos diferentes. Segismundo.
2005-07-23
Página do livro dos equívocos, vi. Um casamento cigano não é um concerto de Ali Farka Touré. Segismundo.
Sonambulismo. Quando nada há a dizer, nada deve ser declarado. Mesmo quando se está a dormir. Segismundo.
2005-07-22
Página do livro das falências, iv. A carne
Stairway to heaven. Ele, o homem que odiava elevadores, era um pedreiro, dos verdadeiros, sem as manias dos que se dizem em Francês, os maçons. Todos aqueles que o conheciam gabavam-lhe a competência. Todos aqueles que dele necessitavam disputam-no. Nascera para erguer paredes. Muros. Nascera para fazer casas. Obras. Era a melhor das mãos, a fazer e a aplicar a massa, a utilizar o fio-de-prumo e o nível de bolha-de-ar. Foi o sujeito que mais rápido ascendeu de servente a mestre. Demorou três dias. Menos tempo do que aquele que deus demorou a montar o mundo, porque um dos dias que mediou entre o seu início na arte e a sua ascensão a pedreiro classe gold foi feriado de ir à missa - portanto, foi um dia que não conta na contabilidade dos dias. Embora o seu jeito profissional lhe valesse tanto no enchimento de alicerces quanto na postura de telhados, tanto no bruto quanto no reboco ou nos acabamentos, era a fazer escadas que o dito pedreiro mais se aplicava e investia perfeccionismo. Entre outras manias que vêm com o tempo, Nicolau - assim se chamava o dito fulano - fazia escadas com degraus de altura assimétrica. Porque, veio a saber-se mais tarde, ele gostava de observar as velhotas arroja-chinelo a precipitarem-se pelas escadas abaixo, até encontrarem chão fixo. O lugar onde vinteesete delas, avémariacheiadegraçaosenhoréconvoscoetcetera, chegaram já carcaça, cadáver. O Marquês.
2005-07-21
Vida hijadeputa. Se fazem o obséquio, saiam da frente. Ou, então, foda-se!, senhores, falem em Português. Segismundo.
Página do livro dos googlemas. Que não é vergonha emigrar é o que, aqui, defendemos. E o trucatruca, seja lá isso o que for, também. Depende dos dias. Segismundo.
Governo carrocel. Em política e em Portugal, nada é mais metafísico do que a condição de senhor ministro das Finanças. Tanto que, mantendo-se o Governo, rodam criaturas por essa honra. Nicky Florentino.
2005-07-20
O novo martírio do filho da mãe. O problema não é o trabalho. O trabalho não assusta. Também não é necessariamente o exercício de realização humana que pretendia o desgraçado do Marx. O trabalho é o que é. Mas pior do que o trabalho é andar
Página do livro dos googlemas. Aqui, nada, éne-á-dê-á. Nem sobre a confirmação conjugal na maçonaria. Nem, abrenúncio!, abrenúncio!, sobre a song ser benfiquista. Segismundo.
Página do livro dos equívocos, v. A dívida é diferente da dúvida em mais do que apenas uma vogal. Segismundo.
The devil has all the best tunes. Ao balcão, uma
Espiral do silêncio. Crescem os adeptos do silêncio na política pátria. Depois de o senhor presidente da República ter sugerido que se calem as vozes que dissertam sobre a crise, veio agora o senhor Prof. Doutor Freitas do Amaral defender que nada há a dizer sobre a política fiscal, pois, como o que tem que ser tem muita força e não há outra hipótese, é o que é e é o que tem que ser. Aliás, segundo o referido fulano, o último, quem se sinta enganado por, durante a campanha de galopinagem para as últimas eleições legislativas, o senhor eng.º Sócrates ter prometido não aumentar os impostos e, depois, ter feito o contrário do que prometera “tem certamente poucos conhecimentos quer de economia quer da vida natural dos povos”. O que seja a vida natural dos povos pouco importa. É coisa esotérica certamente. O que importa, it's the economy, stupid!, é a economia, seja lá isso o que raio for. Pelo que, pretende a criatura, sobre os impostos nada ou pouco há a dizer. Que sobem em caso de necessidade, que descem em caso de possibilidade, é quanto basta saber-se. O resto, chiu!, é
2005-07-19
Se isto é um gerador eólico. O senhor Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral é
De Espanha. Nem bom vento nem bom espavento, se a cápsula automóvel voa baixinho. Segismundo.
Porque a vida é uma única canção, Cruel.
Cruel is the gospel thats sets us all free,
then takes you away from me.
There is no Chicago urban blues, more heartfelt than my lament for you.
I'm a liberal guy, too cool for the macho ache, with a secret tooth,
for the cherry on the cake.
With a pious smile, a smile that changes what I say.
While I waste my time, inregretting that the days,
went from perfect to just O.K.
Lordy, What would I do? Don't call me possessive,
but God if he's smoochin' with you.
I's a jealous boy root, -the world shoyuld be free,
but don't you go following suit my heart is aligned -
it couldn't be neutral, I couldn't be that way inclined.
Its hard to defend, ba ba ba, ba, ba ba,
these feelings tuppentup friend.
Its cruel, ba ba ba, ba ba ba, ba ba ba, ba ba ba,
ba ba Its cruel, ba ba ba, ba ba ba, ba ba ba, ba ba ba,
ba ba Its cruel, its crueler than cruel.
But cruel is the gospel thats sets us all free,
then takes you away from me.
Should a love be tender, and bleed out loud?
Or be tougher than tough, and prouder than proud.
If I'm troubled by every folding of your skirt,
am I guilty of every male inflicted hurt?
But I don't know how to describe the Modern Rose,
When I can't refer to her shape against her clothes.
With the fever of purple prose.
But cruel is the gospel thats sets us all free,
then takes you away from me.
Cruel is the gospel thats sets us all free,
then takes you away from me.
- My contribution, to urban blues. © Prefab Sprout. Segismundo.
Dos princípios axiomáticos para uma vida decente. A puta da vida é cheia de regras. Mas nenhuma é mais vital do que esta, jamais ir a uma sala de cinema ver um filme escolhido por outra alma. Porque é um benefício garantido para o próprio. E porque, o que não é necessariamente bom, é também um benefício para terceiros, se os houver. Segismundo.
2005-07-18
Exercícios
Maioridade. O juízo é uma questão de domínio da linguagem e do silêncio. Segismundo.
2005-07-17
Incêndio no bordo do manto do espectro mariano. As chamas vislumbravam-se da berma da estrada. Os gentios, ávidos, constatavam a desgraça. E estorvavam. Porque era a massa errada, pinho, pinho inocente, que ardia. Segismundo.
A dieta dos sobreviventes. Depois do jantar, um gelado após cada sequência de três gins tónicos. Segismundo.
Soi-même comme un autre. Fechar os olhos, olhar para dentro, para além da névoa interior, e, no escuro, perceber a transparência e as coordenadas que, pelo corpo, fazem os gestos para ser. E também o engano. E também a dança. Segismundo.
2005-07-16
Página do livro das vontades, viii. Aprender a fingir e a acreditar no fingimento. Segismundo.
Página do livro das latitudes, vi. A derradeira prova da inexistência de deus é a existência
Página do livro das falências, iii. Titanic é
2005-07-15
Muitos são os caminhos. Liberais old fashion e marxianos comungam uma fundamentada desconfiança em relação ao Estado. Uns, aqueles, percebem-no como um potencial estorvo à liberdade e como um factor de entorpecimento ou desvio artifical das vontades. Os outros, estes, percebem-no como um instrumento de subjugação e, nesse sentido, serventia de interesses particulares em prejuízo do interesse geral. Não obstante ambas as facções mirem de soslaio o Estado, uma e outra deploram, em igual, as desigualdades. Onde se desencontram é no jogo das causas e das consequências. Enquanto os liberais old fashion suspeitam do Estado como gerador de desigualdades sociais, os marxianos suspeitam do Estado como convenção e celebração dessas mesmas desigualdades. Uns e outros, porém, voltam a encontrar-se na identificação da origem dos problemas, a sociedade civil. Embora os liberais old fashion tendam a ser mais modestos e envergonhados nessa identificação, devido à assunção de uma parcela irónica de culpa, chamada responsabilidade. Por isso vivem em desassossego e não acreditam em revoluções. Nicky Florentino.
O degredo. Se alguém telefona de repente e diz vou dizer ao meu irmão que já não vamos a Londres, isso é? Segismundo.
Página do livro dos googlemas. Não é à escolha. Nem santa católica com punhal no peito nem fuck fosses forest. Segismundo.
Os rapazes da mangueira. Na cidade pequena, um dos sinais da chegada do verão são os ensaios da fanfarra, menina não entra, dos bombeiros voluntários. Porém, mesmo sendo um desfile a fazer de conta, os fatos-de-macaco cor-de-laranja-fandango não convencem. Aliás, nem a farda nem a coreografia dos rapazes sugerem virilidade. E a propósito do ritmo minimal que lhes anima a marcha, trum, trum, tum, tum, tum, então, o melhor é nada acrescentar. Segismundo.
Absolut, o absurdo verosímil. Querer ser absoluto obriga necessariamente a não contradizer o prometido. Este é o primeiro engano vital. Engano do qual, em negativo, se destacam e sucedem os padrões da virtude. No entanto, tudo isto é um excesso dispensável. Pois querer ser, querer ser apenas, é já ironia suficiente. Como o vodka-laranja.
2005-07-14
Sob o falso manto ortopédico de Hobbes. O Estado é uma besta moderna, mais bestial do que a imemorável besta doméstica chamada gente. E, segundo as boas intenções enunciadas na origem, serve dois propósitos maiores. Por um lado, serve para atemorizar as pequenas bestas humanas a viver em chão pátrio e, se necessário, arbitrar com virtude salomónica querelas e desavenças entre elas. A esta missão chama-se manutenção e preservação da ordem. É coisa de segurança e justiça. Por outro lado, serve para proteger-se e proteger quem, por ius soli ou ius sanguinis, está sob a sua alçada, designadamente de ameaças e ofensas estranhas, exteriores, estrangeiras, usualmente corporizadas por outras grandes bestas, outros Estados. A esta missão chama-se protecção. É coisa de defesa e diplomacia. Como é óbvio, esta fábula do leviatão é sugestiva. Mas, enquanto fábula, devido aos desbragados ofícios do juízo more geometrico em que foi tecida, a coisa apalavrada pouco corresponde ao que a coisa é. Pois o Estado jamais logrou ser a mantinha protectora tão propalada pela propaganda. É apenas, no que é, um acidente histórico, sobejamente emproado por narrativas de conveniência e pela apologia das subjancentes boas vontades. Acidente que, como qualquer outro, durará o que as condições e as circunstâncias permitirem. Aliás, um dos sintomas da erosão do Estado é a crescente insustentabilidade da ilusão em que está envolto. O manto de Hobbes não está roto. O manto de Hobbes nunca foi mais do que uma rede de malha larga. É por isso que o combate a fazer pelos livres é corpo a corpo. É por isso que o combate a fazer pelos livres é sobre todos os chãos. É por isso que o combate a fazer pelos livres é sempre. A liberdade não é apenas para uma província. É para o mundo, inteiro, largo. Para todos. E a liberdade não é esperar. Nicky Florentino.
Aferição, ii. O carácter do candidato socialista à honra de senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa, provavelmente uma ideia simples, expõe-se em quantos caracteres?, espaços também incluídos. Nicky Florentino.
Aferição, i. Em política, uma ideia simples corresponde a quantos caracteres?, espaços incluídos. Nicky Florentino.
Combinação. Pode ser às sete, eu, às vezes, acordo sempre às sete, pequena besta devoradora dixit. Segismundo.
Pô-lo no sítio. É bater, bater muito no Filipe. Em regime inclemente. E, tau!, extra-large. Queméqueleosacanajulgaqué? Segismundo.
Via Diógenes. Não sei e não sei se quero saber ou não saber. É este um dos limites exteriores da ironia. Segismundo.
Página do livro dos googlemas. Aviso à navegação dos aflitos. Não existe no catálogo deste tugúrio o produto carros cocados. O que quer que isso seja. Segismundo.
Agendaventura. Curso de paraquedismo. Oitos saltos. Para não imitar Ícaro. Segismundo.
2005-07-13
Simplicidade e simple minds. O senhor Prof. Doutor Manuel Maria Carrilho tornou. Quer, quer muito, é desejo ardente seu, ser senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Agora investiu esforçado em ideias simples e propagandeou-as. Umas quantas. Nada a dizer. São leves. E constituem mais um esforço no sentido de promover a harmonização dos desejos. Da respectiva glória ainda nada se sabe. Mas sabe-se que, com o seu jeitinho de franjola atrás do piu-piu, não vai ser fácil compatibilizar o seu ufano desejo com o desejo daqueles que não o querem ver perto ou com pinturas à ianomani. Nicky Florentino.
Tour. Meados da tarde. Ouvem-se as cigarras. Narração pela voz de João Pedro Mendonça - a quem, como o Paulo fez um dia, todos devíamos pagar um café. Crise?, qual crise?, senhor dr. Sampaio?, qual senhor dr. Sampaio?, a crise e o senhor dr. Sampaio, xô!, podem continuar depois do final da etapa e dos comentários de Marco Chagas. Há tempo até amanhã. À mesma hora. No mesmo local. Nicky Florentino.
A crise cansa. Velar pelo regular funcionamento das instituições é missão do senhor dr. Jorge Sampaio, fulano circunstancialmente emprestado à honra de senhor presidente da República. Mas o senhor dr. Jorge Sampaio é o que é. Nem mais, nem menos. Um contentenente que chora e fala. E que padece de achamentos. Como, por exemplo, o achamento de que falar sobre a crise a tende a agravar. A natureza é assim. Para remediar o caso, que venham, pois, as milícias, evoluindo de uma ponta da rua. E os manifestantes em coreografias fandangas, evoluindo do outro cabo. Ao centro, encontrem-se e inicie-se uma sessão com um único ponto na ordem de trabalhos. Falar, falar, falar, ad nauseum, sobre a crise. Mas em silêncio. Depois dispersar, cada personagem com a respectiva cauda entre as pernas. E ir para casa. Ou abalar de férias. A crise cansa. É esse o consenso. E a puta da vida é mais do que ter que aturar as oscilações de humor do senhor maioral da pátria. Nicky Florentino.
Tu quoque! Depois de um extravagante ritual de chá, decidiram discutir convicções com ele, incréu. Quase no limite do diálogo, depois de muitos desentendimentos, um tal Najib confessou que, também ele, naquele instante, era capaz de jurar que a P. J. Harvey era australiana. Outro enganado. Embora em graça. Segismundo.
The sheltering sky. Um viajante não tem olhares. Lá fora a cidade era branca. We can be heroes. Era uma certeza. Poderia correr demorado e soturno o tempo que haveria de continuar branca a cidade. Nada, fosse o horizonte carminlíneo do fim da tarde, fosse a negritude da noite, poderia roubar-lhe a alvura. We can be heroes. Nada. Do chão saíam sons e cheiros inexprimíveis, abertos, rasgados pelo calor. Ao mesmo tempo crescia uma sensação de distância em relação a esses sons e cheiros. Não havia vitrinas, não havia biombos, mas era como se algo, inefável, indizível, talvez um véu de celofane, talvez um lençol, afastasse tudo e, ali, naquela sala, se guardasse um cerco simultaneamente fraco e protector, retiro do mundo. We can be heroes. Repete-se a chávena oferecida pelas mesmas mãos encardidas. O chá, nunca morno, queima. Acentua-se o efeito de banda desenhada. A cena. As personagens. As paredes brancas começam a amarelecer. Parece película de um filme antigo. Os sentidos agudizam-se. O corpo, pelo perfume das especiarias espalhadas sobre o soalho, faz-se inebriado. Lá fora a cidade era branca. We can be heroes. Ainda é?, a dúvida. A madeira lateja. Aberta a janela, todos os elementos parecem comungar o tom ocre do chão. Os muros, antes caiados de branco, adquiriram uma nitidez granulada de daguerreótipo. Vultos, espectros, sombras, balidos desfazem a perfeição da paisagem. Cresce um ritmo indefinido, desencontrado. O tempo parece refluir contra o corpo. We can be heroes. Sobe a lassidão, mas não a dormência. Um nome e uma face aumentam e enchem a lembrança. Conquistam o momento. Os velhos, companheiros de circunstância, riem. Subsiste o nome e a face. Os cheiros intensificam-se. Parecem impregnar-se, fundindo-se na carne. Um dos velhos diz algo. Não compreensível. Parece amigável. Esboça um sorriso. Ao mesmo tempo esfrega pétalas secas nas mãos. Torna a encher a chávena e a oferecê-la. We can be heroes. O chá fervente parece uma lâmina romba a cortar por dentro. Mais suor. Mas depois arrefece. Mais lembranças, in slide. O mesmo nome. A mesma face. Lágrimas. O ar congestionado de fumo e vapor torna-se irrespirável. We can be heroes. As vozes amortecidas. Os gestos cheios e languidamente distorcidos. A luz envelhecida em amarelo seco, torrado, quando o sol ainda ilumina claro e bruto. O cheiro disfarçado de uma flor. Quase aroma de anis. A vontade de encher o peito de ar fresco, de respirar todas as ausências. We can be heroes. Lá fora a cidade era branca. Just for one day. Mas já não é. Um viajante não tem olhares. We can be heroes. Amanhã não há regresso. Começa a volta. E lá fora, a deus, a cidade tornará a ser branca. Um viajante não tem olhares. Just for one day. Um viajante não tem olhares. Just for one day. Um viajante não tem olhares certos. Segismundo.
Cordeiro que tira os pecados do mundo. Mossadeq cortava demoradamente a carne. Distinguia-a e apartava-a do osso, desfiando-a, se necessário fosse. Após essa operação, pacientemente ordenava o prato. Depois, como se tomado por uma súbita urgência, em gestos sincopados e num ritmo alucinante, esgotava os pedaços de cordeiro que antes, com todo o cuidado, arrumara no prato, escrutinando cada pedaço de acordo com uma ordem, um esquema, que se repetia refeição após refeição. Sempre parecendo estranho. Segismundo.
Os ovinos de Panurgo. No hall de um hotel, um ror de académicos estava entretido a discutir o motivo que suscitou um rebanho suicída na Turquia. Um deles, mais afoito, afastou-se deixando um aviso e um rasto de ciência política, les moutons turcs sont toujours un problème épineux. Como as rosas. Segismundo.
Personagem de banda desenhada. Insistia, com voz morna. Que ele parecia uma personagem romântica. Que associava ao mistério do silêncio, das raras palavras, os olhos expressivos e as feições de Corto Maltese, porém em redondo. Ele decidiu não ser simpático. E perguntou, em grave Inglês, who da fuck is Corto Maltese? Foi quanto bastou para, de imediato, cessar o jogo. Que estava a ser jogado em Francês. E exclusivamente no masculino. Segismundo.
A globarbárie. Quando se pede água e perguntam se, em alternativa, pode ser coca-cola, percebe-se que a civilização é um processo que acontece em vagas. Adiante as coisas, depois os jeitos, os modos e, mais tarde, só muito mais tarde, as interrogações admissíveis. Segismundo.
2005-07-12
Cotação Brent. As projecções do banco de Portugal para o crescimento da economia nacional do corrente ano foram refeitas considerando, entre outras condições, o custo do barril do pretóleo a cinquenta e tal dólares. Cinquenta e tal dólares foi a expressão utilizada pelo senhor Prof. Doutor Vitor Constâncio. O bisonho fulano que presidiu uma comissão qualquer e que conseguiu calcular até às centésimas o
2005-07-09
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxxiv. Ou ao contrário, tudo como às vezes ou pior. Nalgumas ocasiões não se sabe. Noutras ocasiões depende. Segismundo.
2005-07-08
Post-it. Até à próxima quarta-feira, neste tugúrio não haverá serviços mínimos. Haverá o que houver. Não se sabe o quê. Provavelmente nada. Gregório R.
Ressurreição. Check in. Destino, limite. Modo, trip. Motivo, fuga e regresso. Segismundo.
O ego polaroid. A densidade da vivência de muitas criaturas não acontece sob a respectiva derme. O que são, enquanto ser sentido por si, são sur scène, no plateau, onde coreografam o seu simulacro e camuflam a própria miséria. Este é um exemplo. A tais criaturas poderia chamar-se-lhes bestas. Mas, aplicado a quem viaja de comboio, o predicativo não é justo. Daí que, para evitar o melindre de qualquer sensibilidade, seja preferível o oxímoro pessoas no sentido ruminante do termo. Segimundo.
Página do livro dos googlemas. A quem interessar, neste tugúrio não é hábito dissertar-se sobre mães nuas. Também não é hábito exibir imagens alusivas ao referido tópico. Segismundo.
Página do livro das interrogações, viii. A morte é um resgate? Segismundo.
Campeonato de um homem só. Por uma mulher não se ganha, por uma mulher se perde. Segismundo.
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxxiii. Excepto o jogo dos enganos. Segismundo.
Placa de platina na cabeça, ii. O banco de um veículo vestido com colete fluorescente, daqueles com o número autorizado e tal, não é uma questão de desgosto. É uma questão de preço. Há um ano aconteceu o mesmo com a bandeira da pátria com pagodes. Segismundo.
Auto-dissolução. A estupidez, ainda que inexaurível, parece desaparecer quando a velocidade tange a vertigem e, consequentemente, os gestos se aproximam do instinto. Segismundo.
A improbabilidade da liberdade. Não obstante o lastro acumulado de histórias e a sua sedimentação em formas e modos, a liberdade é todos os dias um desvio à ordem das coisas, gentios inclusos. Iludir este facto é o primeiro subsídio à paciência, ao cativeiro. Nicky Florentino.
2005-07-07
Poética da condição. Disse o senhor dr. Manuel Alegre a propósito da sua eventual candidatura à honra de senhor presidente da República, “se for, será concerteza um acto mais poético do que político”. Ou seja, mais para reader’s digest do que para anal que não seja de anedotas. Nicky Florentino.
Contra. We shall never surrender! Nicky Florentino.
Play list. First we take manhattan, depois Spanish bombs e, depois, ainda do mesmo álbum, London calling. Segismundo.
Placa de platina na cabeça, i. O que quer que signifique, a expressão cérebro a céu aberto não é uma apologia. Segismundo.
London calling. Não se sabe porquê. Segismundo.
Until the end of the world. Um liberal old fashion necessita de espaço para a sua liberdade e para a liberdade dos outros. Na velha Albion, em London não é diferente. Por isso, putaqueospariu! ou coisa pior para os que apertam esse espaço. Segismundo.
Oráculos. O Pedro, acaso conseguisse explicar o fenómeno - os sociólogos, esses inúteis, é óbvio que não têm competência afinada para as minudências exigidas pela análise discernida dos comportamentos -, teria verificadas em si as condições necessárias ao sono. Segismundo.
Fuga ao regime livin'la vida loca. Sobre este chão levado até lá adiante, com uma etiqueta onde está inscrita a palavra Portugal, alguns corpos experimentam-se cada vez mais asfixiados ou amortalhados. Por isso, aos sobreviventes, é aconselhado a activação ou do modo trip ou do modo emigração. Segismundo.
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxxii. E o mesmo desejo maior de perder o chão, este. Segismundo.
Página do livro dos exactos, ii. Apeteceu-lhe dizer a uma mulher, aquela mulher, que a amava, que a queria, que a desejava, acertar a cor, esmeralda oceânico, dos olhos dela. Mas o silêncio era o seu modo declarativo. Segismundo.
Crónica de uma dor anunciada. Ela levou as mãos à face. Descobriu lágrimas. Porquê?, perguntou-se, mas não se demorou na interrogação. A culpa que a atormentava carecia de expiação. Dentro de si pulsava a urgência. Para alívio, recorreu a um expediente doméstico. Torturou o amante. E, por esse gesto, perdoou-se. O Marquês.
2005-07-06
A democracia não existe. Como Pôncio Pilatos se interrogou sobre a verdade, pode perguntar-se, o que é a democracia? A democracia é um horizonte. Porém, a urgência que, tinóni!, tinóni!, anima os gentios não permite senti-la como limite. Facto que tende a gerar a perversa ilusão chamada democracia consolidada. Nicky Florentino.
Alienação sublimada. Em rigor, tragédia, verdadeira tragédia, não é demorar a hipótese de fuga. Tragédia, sempre tragédia, é essa hipótese ser em regime de ida e volta. Ou do tipo ir para fora cá dentro. Segismundo.
Da condição free-lancer. Vender a força de trabalho não é necessariamente a tragédia que Marx apregoou. Tragédia certa é, isso sim, uma demora de doze meses para receber os honorários que, au revoir, permitirão a fuga. Segismundo.
Estação dos honorários. Um liberal old fashion é cioso dos seus elementos de identificação. E também dos outros. Daí que não atenda telefonemas provenientes de números não identificados ou desconhecidos. Mesmo quando são para solicitar o nib. Segismundo.
Tendências primavera-verão doismilecinco. Ao ballet da Gulbenkian, pum!, aconteceu o que aconteceu ao Barnabé. É isto a silly season a acontecer. Segismundo.
Mundordem. A mãe, com jeito de mãezinha, foi chamá-lo para almoçar. Coisa inaudita, nos últimos anos. Com as pequenas bestas devoradoras remetidas a banhos, ele tornou a ser a causa do pudim que há para a sobremesa. É isso. Por instantes, o mundo reencontrou a perfeição que já
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxxi. E mergulha-se na estranha vontade de, por instantes, observar novamente uma máquina de ordenha a funcionar. Segismundo.
Trompe l'oeil. A sombra não é uma luz nocturna em ângulo, mas um negativo intangível. É por isso que, à noite, a luz é uma armadilha e faz os enganos. Segismundo.
Página do livro dos exactos, i. Começou a desenhar uma tournée pelos medos. Voar não é um deles. Segismundo.
2005-07-05
The man who wasn't there. Na noite de hoje, o senhor primeiro-ministro foi entrevistado na teelvisão. Faltou apenas um ingrediente. A cicuta. Nicky Florentino.
Law in books, law in newspapers. A propósito da redução do número de dias de dispensa remunerada de quem se candidata em eleições autárquicas, disse o senhor dr. Vitalino Canas, “a notícia do Público alertou-nos para a necessidade de acelerar o processo”. Convenhamos, é um sossego saber que os legisladores lêem jornais e, com essa leitura, fazem o jeito do seu ofício e o ritmo da letra da lei. Nicky Florentino.
Da opacidade do advérbio. A noite arrasta os sentidos para a estranheza dos corpos. E nela acontece frequentemente o reconhecimento do passado. Como se um dos corpos, mesmo que não esperado, tivesse voltado. Agora. E atrasado. Segismundo.
Uma fábula atlântica, adaptada à fauna e à paisagem autóctones. Skipper, o pinguim, hey, quadruped, sprechen sie Englisch? Albert,
The great song of
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxx. Mas já não se vai em excursões. Segismundo.
Palavra da salvação. Queres salvar o mundo?, perguntou, então não me cantes uma canção, dá-me, antes, conguitos, pediu ele. Segismundo.
Agenda paroutono. Vinteedois de Outubro, Lisboa, Centro Cultural de Belém, Brad Mehldau Trio. Segismundo.
2005-07-04
Hermenêutica e horizonte. O caso é de alucinaçãobanana. Mas muitos compreenderão, por compreenderem, as recentes declarações do senhor dr. Alberto João Jardim. Tantos quantos aqueles que o querem como ele quer os chineses. Longe da vista. Nicky Florentino.
O sétimo sacramento, se maravilha da natureza. O casamento é um artifício social, uma convenção. Conforme sapiente doutrina expressa pelo senhor Prof. Doutor Mário Pinto e estampada na edição de hoje do Público, o casamento é uma instituição “definida e controlada conceitualmente pela diferença dos sexos, pela coabitação e pela consequente geração de filhos, que ficam por direito sob a autoridade, a cargo e responsabilidade dos pais”. Até aqui, não obstante o excesso metafísico, o juízo ainda alcança. Não alcança é delírios do tipo “o casamento é heterossexual por natureza”, por mais metapolítica que seja a base do raio dessa natureza. Assim como não alcança que “casamento e família são uma só coisa”, porque casamento é casamento, família é família e o menino Jesus é o menino Jesus, não é nem a Monica Belluci nem o Mandrake nem um técnico de fibra óptica com a mania de arregaçar o prepúcio e gritar como o Tarzan. Nicky Florentino.
Escala de Mohs. Ela, és bruto. Ele, também os diamantes são, antes de serem lapidados. Ela, e és duro. Ele, isso os diamantes são sempre. Segismundo.
Página do livro das sentenças, xx. Todas as pobrezas são condição de miséria. Mas nenhuma mais do que a simpatia. Segismundo.
A linguagem como comunidade e intrumento para melhor vizinhança. Dizer não me fodam é um modo simpático de exigir distância ao cerco. Se assusta ou incomoda, isso significa apenas que o modo vernacular foi adequado e surtiu efeito. Segismundo.
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxix. E, acordado, um estranho fascínio por flores de aço. Segismundo.
Terapêutica motorizada. Quando a raiva não é tónico vital suficiente, surge a necessidade de carnear, retalhar corpos de gente próxima. Como o propósito não é fazer sandes de carne assada, é perfeitamente concebível a utilização de uma moto-serra. Segismundo.
Boa disposição. É acordar com assomos de urgência. Um lança-chamas. Para incinerar gente. Eufemismo de resíduos sólidos perigosos. Segismundo.
2005-07-03
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxviii. E sabe-se, de se saber, que Ivan Lins é Ivan Lins, não Ivan Lains. Segismundo.
Na jukebox. "Let it be", original d'The Beatles, por Nick Cave & the Bad Seeds. Segismundo.
2005-07-02
A theory of justice. Uma coisa é a inveja, outra coisa é o sentimento de privação relativa. Outra coisa ainda são os gráficos, como este. Nicky Florentino.
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxvii. E, para além das vozes, a companhia das visões. Segismundo.
Sub-sixteen. Os quinze anos de idade deviam ser o limiar de maturação do juízo. O mundo seria mais simples. Ninguém teria idade suficiente para conduzir um automóvel ou para votar. E, sem qualquer censura, poderia jogar-se à bola até fartar. Ao mesmo tempo que as raparigas fariam esperas envergonhadas aos rapazes, para que o encontro parecesse mera coincidência. Para além disso, os rapazes discutiriam as façanhas e o seu domínio da playstation. E ninguém se lembraria de ouvir Mähler ou ler Robert Müsil. Segismundo.
2005-07-01
As coisas e o respectivo chão. Em Portugal o Estado não é mau porque é Estado. O Estado é mau porque é português. Nicky Florentino.
Cenas da cidade grande, ii. Á, rapaz, vychissoise?, o que é? Bê, rapariga, ao mesmo tempo que com as palmas das mãos descongestionava os seios, não sei, pá. Cê, rapaz, vychissoise é um doce. Dê, rapaz, é um doce, doce que, por acaso, sei fazer muito bem. Á, cê e dê são alunos de um programa de pós-graduação em matérias políticas. Bê é apenas uma rapariga, amiga deles. Estudante de antropologia. Segismundo.
Cenas da cidade grande, i. Num dos flancos da carruagem do metropolitano estavam sentados quatro rastas. Um deles lia um dicionário. Ao lado, no outro flanco, estavam sentadas quatro meninas francesas, veraneantes, a discutir a beleza dos moços. Uma delas, a que mais falava e parecia indecisa, disse que lhe apetecia fazer dois deles. Um pela frente, outro por trás. Por trás queria aquele que estava a ler o dicionário. Todas riram como hienas. Eles, esses, alheios, continuaram a discutir futebol. Ao mesmo tempo que um deles lia um dicionário. Segismundo.
Aos trintaequatro é tudo como antes ou melhor, xxvi. E a mesma vontade de precipício de sempre. Segismundo.
Danar. Num quadro de tréguas, ele poderia pactuar com três ou quatro das pequenas bestas devoradoras - ainda assim, seria um quadro familiar pungente. Suportaria o custo dos ingressos no cinema, provavelmente acederia a ir ver a versão dobrada em Português e toleraria alguns guinchos, não muitos, seguro, ou qualquer outra forma de expressão pré-civilizacional. Na ecologia das circunstâncias, porém, aconteceu o que tinha que acontecer. Ele foi ver Madagascar, um longo anúncio do Bongo, sozinho. E disso tratou de fazer constar em casa. No regresso, percebeu os olhos das criaturazinhas encharcados de inveja. Ao mesmo tempo que, dentro de si - e só -, ouvia o tema do genérico de Impossible Mission. Segismundo.
Persistência do ser. Há lugares onde regressar para jantar é como tornar a casa. Quem regressa é já um padrão para os outros. Segismundo.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).