Sob o falso manto ortopédico de Hobbes. O Estado é uma besta moderna, mais bestial do que a imemorável besta doméstica chamada gente. E, segundo as boas intenções enunciadas na origem, serve dois propósitos maiores. Por um lado, serve para atemorizar as pequenas bestas humanas a viver em chão pátrio e, se necessário, arbitrar com virtude salomónica querelas e desavenças entre elas. A esta missão chama-se manutenção e preservação da ordem. É coisa de segurança e justiça. Por outro lado, serve para proteger-se e proteger quem, por ius soli ou ius sanguinis, está sob a sua alçada, designadamente de ameaças e ofensas estranhas, exteriores, estrangeiras, usualmente corporizadas por outras grandes bestas, outros Estados. A esta missão chama-se protecção. É coisa de defesa e diplomacia. Como é óbvio, esta fábula do leviatão é sugestiva. Mas, enquanto fábula, devido aos desbragados ofícios do juízo more geometrico em que foi tecida, a coisa apalavrada pouco corresponde ao que a coisa é. Pois o Estado jamais logrou ser a mantinha protectora tão propalada pela propaganda. É apenas, no que é, um acidente histórico, sobejamente emproado por narrativas de conveniência e pela apologia das subjancentes boas vontades. Acidente que, como qualquer outro, durará o que as condições e as circunstâncias permitirem. Aliás, um dos sintomas da erosão do Estado é a crescente insustentabilidade da ilusão em que está envolto. O manto de Hobbes não está roto. O manto de Hobbes nunca foi mais do que uma rede de malha larga. É por isso que o combate a fazer pelos livres é corpo a corpo. É por isso que o combate a fazer pelos livres é sobre todos os chãos. É por isso que o combate a fazer pelos livres é sempre. A liberdade não é apenas para uma província. É para o mundo, inteiro, largo. Para todos. E a liberdade não é esperar. Nicky Florentino.