2006-02-28
L’arquéologie du savoir e métodos e técnicas de investigação. Após anos a preparar a leccionação sobre dispositivos de operacionalização de pequisa e respectivos usos adequados, ele descobriu que foda, feature-oriented domain analysis, é um método de investigação que implica a mobilização de diferentes técnicas. Segismundo.
Títulos que fazem uma vida, mas não todos os dias, vii. Stranger than Paradise. Segismundo.
Vincent, cxxv. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-27
Um ausente nunca faz falta. O senhor dr. Jorge Sampaio, após uma excursão a chãos mauberes, tornou à pátria. Ninguém clamou pelo seu regresso. Mas ele voltou. Voltou como há-de ir. Quase com ninguém a aperceber-se do facto. Valha-nos isso. Nicky Florentino.
Wa(l)king life. Às vezes é suscitada a dúvida, para onde é que os mortos levam os vivos? Segismundo.
Hominisciência. Os conceitos afastam a realidade, enredam-na num universo reticular cujos limites
Vincent, cxxiv. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-26
Sem título. Jogo de merda. Resultado de merda. Co Adriaanse que se fôda. Nicky Florentino.
Agenda, iii. Dezoito de Maio, Lisboa, Paradise Garage, vinteeum.trinta, Arctic Monkeys. Segismundo.
Agenda, i. Um de Abril, Porto, Casa da Música, vinteetrês, Masters of Jojouka. Segismundo.
Vincent, cxxiii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-25
O regresso de alguém sempre ausente. De vez em quando o CDS/PP parece ter senhor presidente, o senhor dr. Ribeiro e Castro. É essa a sua desgraça enquanto instituição, tal figura sobreviver aos seus jejuns de existência. Nicky Florentino.
A família providência. Qualquer governo tende a abusar da imaginação e da paciência. O senhor eng.º José Pinto de Sousa parece não se fazer rogado a tal tendência. Vai daí decidiu inventar a responsabilidade filial em relação aos pais que aufiram pensão de reforma e pretendam um complemento para tal pensão. O que significa que o senhor primeiro-ministro, entre o patrimonialismo de Estado e o socialismo fingido, pretende desenhar o Estado como um suplemento das más famílias. Até a misericórida tem outro nome. É santa e é casa. Não é governo. Nicky Florentino.
Cinemarginalia. Capote vale tanto quanto Cash. Quem leu In Cold Blood sabe isso. Quem ouviu At Folsom Prison sabe isso. Mas Walk the Line, realizado por James Mangold, é mais do que Capote, realizado por Bennett Miller, embora Philip Seymour Hoffman, enquanto Truman, seja mais do que Joaquin Phoenix, enquanto Johnny. Segismundo.
Vincent, cxxii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-24
O charco dos gansos. Nos alvores da modernidade várias almas dedicaram-se a discutir a substância do acto político, se era arte, se era ciência. Hoje pouco importa o resultado de tal disputa, porque a política é sobretudo um exercício dramático. O senhor dr. Manuel Alegre, se não padece de dissonância cognitiva, confirma a tese. Porque, ao sentir e afirmar que é entre a seita a que pertence que se encontram aqueles que o olham como inimigo, grasna como um ganso que não é patola. O que significa que, nesta estória de aponta maumaus, é provável que o fulano faça mais figura de pato do que de bravo ou cisne. Nicky Florentino.
Apóstolos de Ícaro. Éfe de falha. É impossível cair-se recorrentemente sem descobrir-se a felicidade da queda. Na queda não há duplo sentido e levantar-se é sempre uma oportunidade posterior. Por isso, quando somos, devemos ser caídos com estilo. Cair e tornar a cair. Sem repetir o chão. Segismundo.
Pagar para ver, ii. Sob o título Brokeback Mountain, do filme realizado por Ang Lee, foi aposto o lema ecológico love is a force of nature. Sob o título Walk the Line, do biopic sobre Johnny Cash realizado por James Mangold, foi aposto o lema quase camoneano love is a burning thing. O amor, porque permite ser dito de tanto modo, é uma puta. Segismundo.
Pagar para ver, i. Brokeback Mountain, realizado por Ang Lee, não é um western gayola. É apenas um filme, talvez um puta filme, em que cowboys disparam sobre veados e se beijam. Segismundo.
Vincent, cxxi. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-23
Entre Novalis, ex e in. O exterior é a exponenciação misteriosa do interior, como se o interior, em todos os interiores, fosse menos secreto, fosse mais evidente, nu e exposto. Segismundo.
Os graffiti do pátio Beckett, iii. À luz, a primeira fronteira de alguém é a sombra que lhe antecipa ou persegue o corpo. Segismundo.
Vincent, cxx. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-22
. Há mundos e carnaval a acontecer lá fora. Segismundo.
Vincent, cxix. © Tim Burton. Segismundo.
Serial killer. Como nos filmes. Em tocaia, ele esperou-a na penumbra. Hello darling, disse-lhe. Ela procurou a origem da saudação, encontrou-o com os olhos. Sorriu para ele. Mas, súbito, o seu sorriso desvaneceu-se num esgar. Dois tiros de Beretta 92 FS, dois projécteis calibre nove, cravaram-se-lhe na carne. You tried to fuck me, you fucking slut!, exclamou ele, numa consumação retórica da sentença, da condenação. E abandonou a cena. Não demorou, porém, o remorso a alojar-se nele. Afinal, descortinou depois, ela não o havia traído. A combinação de informações com base na qual ele lhe deduziu a culpa era equívoca. Era facto que, ao contrário do que admitiu, ela nunca havia estado em Memphis. Já tarde, após o cortejo fúnebre, diante do féretro, quando o confortavam e lhe apresentavam as condolências, é que ele disso teve consciência. Em consequência, atormentou-o a contrição e começou a padecer de sono vago, frequentemente cortado por pesadelos lancinantes. A terapia a que se submeteu não surtiu efeito. Sentia-se domicílio de um demónio permanente, lugar de uma culpa insolúvel, irrevogável. That’s a fucking hard situation, foram as últimas palavras que o psiquiatra lhe disse, reforçando a sua sensação de impotência perante a própria culpa. Para superar a morte da amada, para livrar-se do cativeiro de dor em que vivia, iniciou casualmente uma campanha de mortes, mortes aleatórias, sem escrutínio. As vítimas não correspondiam a um perfil único e ele não se vinculou a um modus operandi estrito. Matava indiscriminadamente e de modo indiscriminado, consoante a oportunidade e o gozo. Assim, ao útil associou o agradável, no sentido em que, morte após morte, ele sentia a diluição da culpa original e isso era-lhe prazenteiro. Até que um dia, cansado, enjoado de testemunhar o estertor derradeiro das suas vítimas, como último acto de redenção, confessou detalhadamente todas as mortes de que fora autor a uma confidente. A qual, para acautelar uma eventual delação e aplacar possíveis sobressaltos, assassinou também. O Marquês.
2006-02-21
Va, pensiero, sull’ali dorate. Na edição do Público de hoje é narrada uma estória eloquente. Perguntaram ao senhor dr. Vasco Franco, outrora vereador da Câmara Municipal de Lisboa, se alguma vez havia sido abordado por um subornador. Ele respondeu: “deixe-me lá pensar… Não me lembro, mas penso que nunca fui alvo de uma tentativa de suborno”. Com tão boa memória, vale o pensamento do fulano. Nicky Florentino.
Condomínio. Há lugares onde o ritmo do tempo é mais lento, onde se podem colher os frutos na origem. São redutos para a fuga, para a ausência, poços de tónico. São santuários de distância e reencontro, sem companhia. Mas, agora, é quase sempre tempo de vertigem. Estar em jogo. Concluir a missão. Deixar estalar o corpo. Até partir, até cair. Porque a possibilidade de fuga está reservada a quem goza a hipótese de regresso. O tempo disponível, porém, não permite mais do que o pêndulo de movimento curto, a brevidade. Por isso, fica-se no mesmo lugar estranho de todos os dias. Aqui é a presença. Aqui é onde o fio da navalha rompe e talha. Aqui é estar. Aqui é um momento, uma fortaleza que guia e guarda. E ali é o horizonte. Longa é a espera dos sedentos e dos famintos. Longa é a marcha para lá. Lá onde ninguém vigia os errantes, onde não há coordenadas, apenas passos, tempo lento e preciso, exacto. Lá onde os caminhos são abertos e não corredores entre muros, paredes, apertados contra o chão. Lá onde há lado de fora, exterior, engano e dúvida. Lá onde o céu é céu aberto, onde a chuva perfuma a terra. Lá de onde também se foge para o destino, para aqui, onde já nem se sabe nem o regulamento permite caminhar com os pés descalços. Porque aqui é tanto a casa de partida quanto a volta. Segismundo.
As teorias do senhor Silva. A gripe das aves não é uma consequência ou um acaso da natureza, sustenta o barbeiro dele. Ao senhor Silva ninguém o convence do contrário. O mal é intencional e provocado pelos russos. É lá qualquer coisa que eles andaram a meter nas farinhas. O motivo é óbvio, disse o senhor Silva. Há gente a mais no mundo e ocasionalmente, como celebrou Malthus, há determinadas desgraças que vêm por bem. As pessoas, porém, notou e salientou o senhor Silva, já não estão para tolerar limpezas à bruta, pela guerra. Vai daí, ipsis verbis, a gripe aviária, embora menos providência do que cautelar, providencia uma conveniente limpeza a seco do mundo. Segismundo.
Vincent, cxviii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-20
Aniversário de nomeado. Não obstante os sinais e a aproximação do carnaval, apenas a doze do próximo mês, Março, é que correm trezentosessessentaecinco dias sob - sim, sob, sobre é estar por cima - a tomada de posse do senhor eng.º José Pinto de Sousa, nomeado senhor primeiro-ministro do décimosétimo governo constitucional. Nicky Florentino.
Calar estúpidos é semear estupidez em silêncio. A estupidez manifestada em linguagem deve ser franca, livre, e exposta. Quando assim não é, a hipótese da responsabilidade não existe. Existe apenas ou programa ou tutela, condições de menoridade, não de liberdade. Segismundo.
& mundos. O mundo é estranho porque é plural, porque todos os casos são particulares, à parte, não porque é pluralista. Segismundo.
Te Deum. Therefore God became as we are, that we may be as he is*. Segismundo.
* © William Blake
Títulos que fazem uma vida, mas não todos os dias, iv. The Blessed Virgin Chastises the Infant Jesus before Three Witnesses: A.B., P.E. and the Artist. Segismundo.
Vincent, cxvii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-19
Lucy in the sky with diamonds. Se se justifica tanta atenção em relação às sobras mortais de quem viu um círio mariano a jingar sobre uma azinheira, quem viu veados, em versão bambi, a comer coelhos, em versão tambor, que atenção merecerá? Segismundo.
Sobejos prometidos a relíquia. Conforme sacra e solene propaganda, hoje, na Cova de Iria, acontecerá circo concorrido em torno de um cadáver. Ao motivo de tal circo chamam fé. Porque, seguro, não lhe podem chamar juízo. Segismundo.
Vincent, cxvi. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-18
Dits et écrits, i. Frequentemente dizer é uma precipitação. As coisas estão onde estão, como estão. Por isso, dizê-las é apenas um modo de aproximação ilusória a elas. Porque o seu lugar e o seu estado permanecem. Como se nada tivesse sido dito. Segismundo.
Vincent, cxv. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-17
Perseguição nocturna. Fazer sinais de luz, alternando médios e máximos, a quem conduz o automóvel imediatamente adiante, é um acto romântico? Segismundo.
Vitalogia. Compreender um erro, mais do que um desvio hermenêutico, é um desafio epistemológico, mudar de vida. Segismundo.
Vincent, cxiv. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-16
É fogo que arde sem se ver. Demitiu-se o brevíssimo senhor presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil. O governo, lesto, antes que alguém gritasse: fogo!, nomeou outro. Nicky Florentino.
Ditosa pátria, república de justos. Até que um dia alguém acorda e, sem motivo aparente, descobre-se a dizer: foda-se!, deus nos livre tanto dos maus quanto dos justos, os representantes do ministério público, o senhor ministro da Justiça, etcetera. Nicky Florentino.
A pele como lugar de erro e culpa. O que é branco não é preto. E o jazz não exala todo do mesmo modo. Ela não sabia... Segismundo.
Os graffiti do pátio Beckett, ii. A corda com que ele se enforcou foi utilizada antes, também por ele, no ofício de outra fuga. Segismundo.
Jogontológico. A distância entre alguém e a diferença é menor do que a distância entre alguém e si-mesmo. Começa aí, nessa assimetria, o caso a que se chama mundo. Segismundo.
Vincent, cxiii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-15
Essa necessidade de aplacar a besta licenciosa que há em cada ser sensível. O senhor primeiro-ministro, após demorado torpor, rogou moderação e disse que é preferível o silêncio à demagogia. O senhor quem? O senhor exemplo. Nicky Florentino
One of us cannot be wrong. Quando foi a última vez que te sentiste música?, quis ela saber. Quando estive cego, disse ele. Segismundo.
Página do livro das interrogações, xiii. Porquê e para quê reflectir?, se, sobre o mesmo, é possível ficcionar ou imaginar. Segismundo.
Vincent, cxii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-14
Sensibilidades, são como os chapéus, há muitas. O número dois do artigo quadragésimo terceiro da Constituição da República Portuguesa, “o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”, é um desmando licencioso como qualquer outro. Nicky Florentino.
O governo clandestino. Qualquer governo é melhor governo quando é clandestino, quando parece que não existe. Em Portugal, por ora, o governo estava quase a lograr isso. O problema é que o senhor Prof. Doutor Freitas do Amaral falou. E, com o silêncio, o senhor eng.º José Pinto de Sousa, o maioral, anuiu. Como surge óbvio, assim não há clandestinidade que resista. E governo também não. Nicky Florentino.
A sufi ciência. O José, apenas com seis leis, (e)ditou as dez leis do Abrupto sobre os debates na blogosfera. Anotadas. Segismundo.
A probabilidade do silêncio. Tudo o que é dito pode ser dito de outro modo, noutro tom, com outro ritmo, por outras palavras. Acontece o mesmo com o silêncio. Exactamente no mesmo sítio, exactamente no mesmo instante. Segismundo.
Porque a vida é uma única canção, Evil hearted you.
Corazon de diablo siempre me intentas rebajar,
Con las cosas que haces
Y las palabras que difundes contra mi.
Corazon de diablo seguiras enganadome,
Con tu falsa sonrisa
Y tus canciones de sirena,
Sonriendo enganando, coqueteas conmigo hasta que no hay esperanza,
Respondiendo degradando, de rodillas intento agradarte.
Pero te quiero sin embargo y te deseo piedad,
A mi lado y veras lo que significas para mi.
Corazon de diablo siempre me intentas rebajar,
Con las cosas que haces
Y las palabras que difundes contra mi, sobre mi.
Corazon de diablo siempre me intentas rebajar,
Con las cosas que haces
Y las palabras que difundes contra mi, sobre mi.
Que harias sin mi, sonriendo, enganando,
Coqueteas conmigo hasta que no hay esperanza. © Pixies. Segismundo.
Títulos que fazem uma vida, mas não todos os dias, ii. If I Should Fall from Grace with God. Segismundo.
Valentim língua negra. Boy you just a stupid bitch
and girl you just a no good dick*... Segismundo.
* © Yeah Yeah Yeahs
Vincent, cxi. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-13
O sossego é para ninguém. Dick Cheney não disparou acidentalmente sobre o senhor procurador-geral da República. Nicky Florentino.
Twix, o caso. Súbito, estimulada, a memória começou a bolsar. Alguém, Samuel P. Huntington, escreveu um livro com o título The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order - consequência de um artigo, “The clash of civilizations?”, Foreign Affairs, Vol. 72, n.º 3, Verão/1993, pp. 22-28. E foi acontecendo o efeito rede, Paulo, José, Pedro... Porém, por algum motivo, não se vislumbra referência a outro título pertinente sobre o tópico, Jihad vs. McWorld: How Globalism and Tribalism Are Reshaping the World - também consequência de um artigo, “Jihad vs. McWorld”, The Atlantic Monthly, Vol. 269, n.º 3, Março/1992, pp. 53-65 -, de outro autor, Benjamin R. Barber. Nicky Florentino.
East of eden. O senhor Prof. Doutor Freitas do Amaral parece uma daquelas virgens prometidas, no paraíso. Nicky Florentino.
O mundo para além da caixa que mudou o mundo. Espanta que exista quem se espante por o mundo ser muito mais do que a ponta de iceberg que é exibida na televisão. Espanta, aliás, que exista quem se espante por o mundo acontecer para além do que se vê na televisão. Segismundo.
Sítio do Sebastião, o cão amarelo. Semear inveja. Havia bolo de maçã e noz, receita nova, lá. Lá, lará, lá, lá... Segismundo.
Vincent, cx. © Tim Burton. Segismundo.
Crepúsculo de uma inocência. Há uma idade em que as criaturas se impressionam com facilidade. Essa é a idade da credulidade. Não é por acaso que lhe chamam infância. Foi nessa idade que ele mais se guardou dedicado e temente à hipótese da transcendência em figura de um sapiente e omnipotente senhor. Seria senhor, embora dele não se tivessem as feições exactas. O que era sabido é que esse senhor, durante seis dias, se dedicou à concepção e materialização deste prodígio chamado mundo e, depois, ao sétimo dia, ainda antes da polaroid, remeteu-se ao descanso, entregando o destino da sua criação à própria mecânica das coisas e ao capricho dos animais, cujo conjunto incluía a mulher e o homem. Desde esse retiro sabático, deus como que se cingiu à condição de vigilante da própria obra, ainda que mereça registo o facto de, entretanto, ter maquinado modo de o seu filho primus inter pares ter nascido de uma mulher e padecido para, assim, pelo martírio do calvário, resgatar os erros do mundo. Foi com esta narrativa lendária que, durante a sua infância, insistiram sobre ele a tese da existência e a disponibilidade de deus. E, assim, puto, ainda que não lhe abundasse a virtude - lá padeceria ele dos desmandos de puedícia -, foi crescendo feliz e embrulhado em tal superstição, mas nunca derradeiramente certificado na respectiva fé. É que nas raras circunstâncias em que apelara à intervenção divina, deus nunca comparecera em seu justificado socorro. Não queria ele que deus falasse consigo ou que se revelasse em corpo perante si. Não. Bastava-lhe um sinal, um indício, ténue que fosse, do seu atendimento, da sua existência. Porém, nada. Nadinha. A mãe ainda tentou preservá-lo no credo, explicando, Quando se diz que Deus está no meio de nós isso não significa que Ele está entre nós, mas, sim, que está dentro de cada um de nós, meu filho; diz-se que Deus está no meio de nós porque Ele vive escondido, sem se ver, em cada um de nós, percebes? Como maternalmente colocado, o problema, portanto, seria um problema semântico. Não lhe foi difícil decifrar o insondável mistério do caso. Ele já sabia que o pai Natal não existia e que os presentes que recebia eram função da avaliação que os seus pais lhe faziam do comportamento. Ele também já sabia que as armas dos bandidos autênticos, como aqueles que por duas ou três vezes haviam assaltado a loja da família, por baixo do seu quarto, não eram inócuas como as pistolas dos irmãos Metralha. Ele sabia até que existiam coisas que, como o ar, por exemplo, não se viam. Tudo isto sabia e tendia-o à conformidade com a doutrina doméstica quando, um dia, ainda menino - mas já espigado -, ele ouviu falar do método científico, do ensaio, da experiência. Foi oportuna essa audição porque lhe suscitou curiosidade. E após algumas leituras, onde chegou a encontrar o nome de Popper, sentiu-se habilitado para realizar um teste. Desafiou deus. Propôs uma prova simples, daquelas que, para além de não implicarem grande despesa, qualquer deus poderia atender por tão inocente e ridícula ser. E com o silêncio anuente e cúmplice do divino concorrente esboçou a competição. Assentou duas frigideiras sobre bicos de igual calibre no mesmo fogão. Antes disso testou os dois bicos. Estimulou-os com fósforos ignescentes. Ambos acenderam de súbito. Apagou-os. Depois em cada uma das frigideiras colocou um ovo. Acendeu um dos bicos, o seu, e deixou apagado o outro, o de deus. Ainda assim, para facilitar a tarefa divina, sobre a bancada da cozinha, justa ao fogão, deixou a caixa de fósforos aberta. E rezou várias vezes a mesma oração de apelo à intercessão, o pai-nosso. Não obstante, apenas um ovo se estrelou. Feita a observação do que resultou da experiência, ele correu ao encontro da mãe, para lhe dar conta disso, concluindo, Mãe, um deus que não consegue fritar ovos ou não é Deus ou não existe, não é? A mãe repreendeu-o e esforçou-se por o ilustrar. Deus não é independente de ti, mas tu não és Deus, percebes?, esclareceu-o ela. Percebo, sim, mãe; então, isso quer dizer que Deus é um parasita, assim como as lombrigas, disse ele, aproveitando para convocar um conceito que havia descoberto recentemente. O dito valeu-lhe uma bofetada. Facto que, naquele instante, lhe reforçou a suspeita da inexistência de deus. Suspeita da qual nunca mais se livrou. Foi isso que o danou. O Marquês.
2006-02-12
Quase juízo final. Ao trambelho do senhor Prof. Doutor Freitas do Amaral assomou uma ideia constituída apenas por luz: o futebol como modo de processar sublimadamente conflitos e tensões de mundividência. A pretensão é obviamente estúpida. Por um lado, porque limita-se a considerar o facto de a bola de futebol ser redonda e, por isso, poder rolar para qualquer uma das balizas. E, por outro lado, porque ilude um preceito fundamental de qualquer jogo de futebol: o árbitro. Aliás, não é por acaso que o futebol jamais foi um exercício pacífico ou pacificador. É que, nesse jogo, não obstante a ilusão desportiva do terceiro excluído, o árbitro é também jogador. Nicky Florentino.
Ó pátria sente-se a voz, ii. Em termos diplomáticos, o Estado pátrio é um corpo com língua bífida? Nicky Florentino.
Ó pátria sente-se a voz, i. Em tese o Estado é uma voz única na pluralidade das suas vozes. Em Portugal é também mais ou menos assim. O senhor presidente da República falou a propósito do raio dos cartoons e disse alfa. O senhor ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros tornou a falar sobre os mesmos cartoons e repetiu ómega. A isto chama-se acerto, coerência, sintonia, desdobramento e cobertura diplomática. Em relação ao caso releva uma única dúvida: alguma das ditas vozes está destinada a chegar ao céu? Nicky Florentino.
E por que é que não uma cadela com trela? Oogie. Palavras do senhor secretário-geral do PSD, “em política, como em muitas outras coisas, quem tem medo compra um cão”. Boogie. Nicky Florentino.
Títulos que fazem uma vida, mas não todos os dias, i. Liebe als Passion. Zur Codierung von Intimität. Segismundo.
Talvez pior a terapêutica do que a hérnia. Para debelar o mal entre a quinta lombar e a primeira sacral, é provável que mais valor tenham os dois berros maternais do que as mãos de um fisioterapeuta escandinavo eventual. Pois massagista, sueco e com mãos de fada, pá!, é quase de apostar, dobrado contra singelo, como o fulano joga, se é que ao caso se aplica o predicado jogar, curling. Segismundo.
Página do livro das embirrações, i. Inverno?, óquei. Olimpíadas?, óquei. Agora, curling?, essa espécie de chinquilho on the rocks, não me fodam! Segismundo.
Vincent, cix. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-11
Tempo é dinheiro. And time was like a broken watch
I make money like Fred Astaire*... Segismundo.
* © Interpol
Às vezes é a vontade de ser como o banqueiro anarquista, ii. A pobreza, porque liberta da maioria das coisas, produz um ascetismo, uma sintonia cósmica única. Porque quem não está cativo de necessidades extraordinárias, pela sobriedade daí decorrente, tende a não estar agrilhoado a um chão particular diferente do próprio corpo. Segismundo.
Vincent, cviii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-10
Direito a Falstaff. A liberdade não é uma protecção em relação à estupidez, própria ou alheia. A liberdade é uma potencial protecção em relação às consequências da estupidez, porque a expõe de modo franco. Segismundo.
The thin red line, iv. Até que limiar é que o respeito pela alteridade é ainda respeito pela identidade? ou até que limiar o respeito pela identidade não é desrespeito pela alteridade? Segismundo.
The thin red line, iii. Para além de que limiar é que a cotação da responsabilidade é ultrapassada pelo valor da cobardia? Segismundo.
Paz pecado. Segismundo.
Paces deorum quærere. Mais relevante do que as lendas sagradas e os mandos divinos daí deduzidos são os actos litúrgicos pelos quais regular e recorrentemente os do tempo baixo e com ossos para o martírio rogam e emprestam motivo à divina providência para que lhes propicie melhores venturas. É isto o que, em suma, existe escrito numa epístola a Guerra Junqueiro, sobre coisas da religião, e que é possível encontrar nesse espólio chamado A Correspondência de Fradique Mendes. Como é óbvio, há Eça aí. Segismundo.
Vincent, cvii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-09
Levantai hoje de novo o esplendor de Portugal. A pátria, esta, uma forca que ninguém pode parar, tem tanto de ditosa quanto de futuro. Porque tem o senhor Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, o senhor dr. Vitalino Canas, o arquipélago da Madeira e a respectiva fauna, o senhor major Valentim Loureiro, o senhor dr. Jorge Sampaio e os fregueses de Canas de Senhorim. Nicky Florentino.
Sometimes you can´t make it on your own. A liberdade é «a minha liberdade». E «a minha liberdade» é liberdade porque não é «a liberdade dos outros», embora seja como «a liberdade dos outros». Segismundo.
Pretérito menos do que perfeito, i. Quando ele era infante incomodavam-no a textura, o odor e o sabor do peixe. Nunca curou ele este desgosto, mas a idade foi aliviando-o. Entretanto, em casa, enquanto crescia, safou-o o facto de não estranhar a sopa e de poder repetir à discrição. Segismundo.
Os graffiti do pátio Beckett, i. Há uma única condição justa no tabuleiro de xadrez. Por isso, o desejo não aponta para o cavalo por essa peça mover-se de modo estranho sobre aquele chão de quadrados de cor alternada. Aponta com precisão para o cavalo preto porque, aí, é o único cavalo alado sem a cor de pégaso. Segismundo.
Vincent, cvi. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-08
Todos bons rapazes e todas boas cachopas até que. A senhora dr.ª Inês Pedrosa sente-se “magoada” por o senhor dr. Manuel Alegre ter decidido tornar ao parlamento sem a informar previamente e está “muito arrependida” por, após o concurso eleitoral presidencial, ter continuado a ser porta-voz do arraial em torno do fulano. É para que conste quão doloroso é, como qualquer outro excesso voluntarista, o exercício fandango da cidadania. Nicky Florentino.
The thin red line, ii. É do axioma «ninguém é perfeito» que decorre o corolário «temos que ser uns para os outros»? ou é do axioma «temos que ser uns para os outros» que decorre o corolário «ninguém é perfeito»? Segismundo.
The thin red line, i. No que à liberdade concerne está sempre a jogar-se o match point e não há fora de jogo. Segismundo.
Laissez faire, ii. A resolução da equação do livre arbítrio implica a resposta a duas questões, uma referente à origem da liberdade, a outra referente ao seu limite. Neste sentido, compreende-se que com frequência se pergunte, onde é que acaba a liberdade? Mas que isso jamais signifique a desconsideração ou a subordinação da outra interrogação, onde é que começa a liberdade? Porque, como em tudo, também em relação à liberdade o princípio é antes do destino. Quando assim não é, a liberdade também não é. Segismundo.
Laissez faire, i. A liberdade é simultaneamente um modalizador de relações e uma relação. Começa aqui a dificuldade do fenómeno. Antes de mais, a liberdade implica uma reserva de acção. Neste sentido, o cerco é o fundamento da liberdade. Ou seja, a liberdade é uma protecção em relação aos outros e contra eles, por definir um espaço de intervenção sob as mais diversas formas que não carece de autorização de terceiros e cujo aproveitamento, em frequência e em estilo, é determinado pela vontade própria e por outras contingências pessoais. Por um princípio de equidade, a área desse espaço é semelhante para todos. O que é o mesmo que dizer que os limites, as fronteiras de tal espaço são iguais. Todavia, porque assenta sobre uma reserva particular exposta, a liberdade é também um exercício público da respectiva discricionariedade. Ou seja, a liberdade é uma acção pública. E por tal publicidade acontece que essa acção é regulada institucionalmente e escrutinada pelos outros. E em tal escrutínio tendem a ser investidas diferentes hermenêuticas, gramáticas que condensam roteiros cognitivos, valores e interesses desencontrados - senão mesmo contraditórios -, com índices variados de disposição ao encontro ou à comunhão. Posto isto, é falso que, na prática e pela prática, a liberdade de xis termine onde começa a liberdade de ípsilon. No plano geométrico é assim. Na cartografia da liberdade, os espaços de acção admissível - lícita, portanto - são exclusivos e contíguos. Mas no plano social, onde os actos são materializados e significados, esses espaços interceptam-se. E os limites dessa intercepção são motivo e objecto de disputa. É aqui que as mundivisões se chocam e tentam a prevalência. Em muitas circunstâncias num quadro onde as referências normativas ou doutrinárias das partes são distintas, onde as suas tradições e manias são incompatíveis e onde as vantagens, materiais ou simbólicas, se distribuem em função do resultado de um jogo de soma zero - o que significa que a perda de uma parte é o ganho da outra parte.
Ilustração. Personagens xis e ípsilon. Xis expressa-se em relação a determinado tópico. Ípsilon impressiona-se com tal expressão e, como consequência, expressa o seu sentimento de ofendido. Gera-se a polémica. Xis pretendeu expressar o seu raciocínio e afirmar a sua posição em relação a um tópico. Ípsilon entende que isso é ofensivo para si porque contraria um credo firme seu. Como dirimir o caso? Não há juízo salomónico que valha. A liberdade de xis colide com a de ípsilon. E vice-versa. Daí que a menos má das soluções talvez seja a definição e a vigilância de um mínimo de integridade inalienável e indisponível, comum a todos. Mas isso é ainda apenas horizonte. Falta chegar lá. E o caminho para lá chegar, para além de estar por andar, é desconhecido - isto é, não está disponível sequer ao vislumbre. Luta e responsabilidade parecem ser as coordenadas mais aconselhadas para esse caminho. O que faz com que o programa seja a doer. E das duas uma. Ou há metamorfose de pelo menos uma das partes, no sentido da indiferenciação. Ou ambas as partes encontram e acordam modos de convivência.
Seja como for, enquanto o tear tece o fio do tempo e demora a espera, hic et nunc, danados, qualquer que seja o catecismo e a catequese - e o Abraão e a virgem Maria mãe de Cristo e o Cristo - de quem quer que seja, somos livre, álacre e intransigentemente pelos bonecos. Assim, . Sem licença. Toleramos quem tenha e afirme juízo diferente deste, incluindo o senhor Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral. Mais, sobre tal diferença não desenhamos bonecos. Tão pouco graffittis. Julgamo-nos e sentimo-nos livres de o fazer. Mas não nos apetece. Apetece-nos apenar rir. E às vezes rir também de algumas misérias alheias. Sem certeza sobre o mérito e a justificação de tal riso. Mas com a expectativa dele, por gozos vividos antes, e o juízo, mais do que a convicção, de que esse riso não faz mal ou grande mal a outrém. Acaso faça, c’est la vie. Laissez passer. Segismundo.
Vincent, cv. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-07
Anger e heroísmo. A crise é geral. O mercado, salvo alguns nichos, bolsa com dificuldade. Compreende-se, por isso, que, a propósito das dívidas contraídas por quem se candidatou em Outubro último às autarquias locais, o senhor presidente do conselho de administração da Assembleia da República, ciente desse magno problema, tenha perguntado: “quem é que aguenta a fúria dos credores?”. Sim, essa e a do herói. Nicky Florentino.
Porque o que é não é diferente. Aqui recorda-se com nostalgia os exercícios metanóicos do senhor dr. Luís Delgado em que, aquando os memoráveis consulados governamentais entregues à seita do PSD, afundava-se ainda a situação económica da pátria no charco, ele anunciava a evidência, mais do que o mero e indiciário vislumbre, do saneamento da situação e a vertiginosa recuperação, a trote, da economia lusa. Bons e velhos tempos em que era necessário alienar os gentios em optimismo. Agora a moda parece que é outra. Tanto assim é que, a propósito da actual efervescência governamental, acusou o senhor presidente do PSD, “esta ideia, encenada pelo Governo, de uma certa euforia é uma tentativa de contaminar a sociedade na aceitação da imagem de um país próspero, competitivo, que cria riqueza e gera emprego. A realidade desmente, todavia, essa ilusão todos os dias”. Em Portugal, a puta da realidade é uma constante. Nicky Florentino.
Le monde, les uns et les autres. A liberdade de alguém acaba onde começa a liberdade de outrém. A frase é bonita, geométrica, mas equívoca. Porque a liberdade, porque é um processo pendular entre alguém e outrém, é sem onde definido, sem plano, sem geodesia. Claro que a imaginação celebrada na demiurgia da modernidade sugere uma solução para o problema, afirmando as convenções como decorrentes de um contrato original e suportadas por uma medida única e universal para a arbitragem de eventuais litígios. O problema é que, como notou Lyotard, aquém e para além dos litígios existem os diferendos, conflitos extracontratuais. Para esses não há medida acordada. Sequer há instrumentos ou linguagem comuns. É isto o mundo como ele é, um mistifório. Segismundo.
Nos territórios da
Nos territórios da
As duas liberdades. O mundo e as coisas - cartoons e pavilhões escandinavos a arder incluídos - vêem-se também com particular nitidez através de outro roteiro. Διογένης, Montaigne, Vico, Simmel, Berlin, são estações de um caminho diferente pelo qual se aprende igualmente a calibrar as relações, os actos e os enganos. Porque há chão e há caminhos. E às vezes escolhe-se. Segismundo.
Vincent, civ. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-06
The clash of civilizations. É compreensível que cartoons sejam motivo de polémica e jogo, violência, ataque e contra-ataque entre gentes de lastros e
aO Marquês
À décima de mais de mil noites. Contou-se assim, conforme paráfrase adiante. Havia na sala dez pessoas. Para além das três anfitriãs, irmãs formosas e desinibidas – porém, imaculadas –, havia o rapaz que, por sugestão sua, elas primeiro acolheram no palácio.
Vincent, ciii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-05
A ironia para além do signo de Bourdieu. Não obstante a violência simbólica implique um combate corporal, esse combate não é necessariamente mais corpo a corpo do que interior. A devolução que, pela relação com os outros e as coisas, alguém logra dentro de si é condição de três falculdades necessárias ao juízo, a distância, a diferenciação e a articulação. E desse complexo de faculdades decorre a hipótese de alguém suspeitar e rir. Tanto de si quanto dos outros. Aliás, sob este entendimento, é provável que não exista o que está para além da hipótese de riso. Em qualquer momento, os limites, os tabus, os produtos de qualquer sagração são consequência da inércia e da histerese num determinado espaço, por um lado, e da posição, do lugar que cada um tem nesse espaço, por outro lado. São consequências contingentes, portanto, convenções. Neste sentido, a vida é sobretudo um problema de domínio - auto-domínio, se se preferir - e de coordenadas. O que significa liberdade. E pândega, desde a paródia à estúrdia. O que sobeja é tensão ante mortem. E com ela, entre mansos e assanhados, há também que viver. Que se foda. Segismundo.
Vincent, cii. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-04
Página do livro dos equívocos, x. Na teelvisão alguém disse tê, de Tarzan, para significar Sandokan, o tigre da Malásia. Segismundo.
Faithless. © Marithé e François Girbaud. Segismundo.
Vincent, ci. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-03
E de tudo e mais alguma coisa. Explicou o senhor dr. Afonso Candal, senhor socialista com assento na Assembleia da República, que o comportamento da seita parlamentar de que faz parte é o que é porque a padiola da maioria absoluta em que se estriba “é da vida, é da matemática, é da legitimidade democrática”. Poderia ter acrescentado que é também decorrência do raio que o parta e da real gana. Pois é provável que qualquer um compreendesse e ninguém anunciasse espanto. Nicky Florentino.
. Ai os símbolos. Os símbolos simbolizam. Por isso, por implicarem simbolização, o respectivo reduto é icónico, imagético, emblemático ou caricatural - simbólico, portanto -, solto das contingências vitais. Daí que o complexo corpalma de quem produz ou consome ícones, imagens, emblemas ou caricaturas seja imediatamente estranho a essa plataforma encantada. Claro que os processos de produção e de consumo de ícones, imagens, emblemas ou caricaturas são também uma questão de senso, prática e gosto. E podem ser motivo tanto de melindre quanto de polémica. Mas nenhum símbolo é mais do que a vida. Seja a puta da vida, seja a vida largada. Segismundo.
Vincent, c. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-02
Shock and awe. Paternalmente vigiado pelo senhor Bill Gates e pelo senhor eng.º José Pinto de Sousa, um cortejo de senhores ministros precipitou-se sobre um palco. Aí, todos, ao mesmo tempo, inclinaram-se perante uma mesa e rubricaram um ror de papéis que têm algures a chancela da © Microsoft. No que à tecnologia concerne, a rapaziada, que havia prometido choque, avançou pavorosamente. Nicky Florentino.
Face a face. © António e © Kurt Westergaard. Segismundo.
A constituição da liberdade. Neste tugúrio somos largados. E, portanto, pelo direito à blasfémia, pelo direito à iconoclastia, pelo direito ao cartoon. Enfim, pelo direito ao avesso, a todos os avessos e aos avessos de todos os avessos. Segismundo.
Da franco-falocracia à anglo-humanidade. Na página sete da edição de hoje do Público, a senhora dr.ª Madalena Barbosa, “especialista em igualdade de género”, afirma que, em Portugal, aquando a tradução de uma célebre declaração universal, se verteu Human Rights em Direitos do Homem. Erro crasso, porque o original de referência foi outro e tinha escrito Droits de l’Homme. Segismundo.
Lælius de amicitia. A despropósito. Uma das regras estúpidas da vida é não dever escrever-se sobre o que os amigos escreveram. Não porque escreveram, mas porque são amigos. A mesma estupidez parece que não é válida quando aplicada aos inimigos. Ou aos outros. Ou aos próprios. Devia ser. Para que não subsistam suspeitas de qualquer eventual favorecimento a quem quer que seja. Segismundo.
Vincent, xcix. © Tim Burton. Segismundo.
2006-02-01
You can’t handle the truth! Um dos entretenimentos prováveis de quem está em missão de deputação são as comissões parlamentares de inquérito. Que servem para o que servem, nada ou quase nada, não considerando o treino dos dotes retóricos de quem a quem foi emprestada a honra de senhora deputada ou senhor deputado. Por isso, quando alguém, como o senhor deputado Mota Soares, revela incómodo por o regime de tais ocupações de serviço estorvar “as diligências probatórias” e impedir “o esclarecimento cabal da verdade”, fica sem saber-se qual o motivo por que esse divertimento merece ser diferente do que é. É que um dos raros adquiridos políticos universais e inalienáveis é este: os gentios não suportam a verdade e já têm a deles. Daí que qualquer outra verdade, diferente da verdade gentia, seja apenas uma forma de complicar o que é simples e evidente. Pois, excepto no que concerne ao próprio interesse e às respectivas conveniências, baralhados e ocupados com a vidinha já os gentios estão de sobejo. Basta-lhes o que é. Porque o que tem que ser tem muita força. E se for fatal, então, é porque era destino. Nicky Florentino.
Podem chamar o senhor Torquemada?, se faz favor. O funcionamento da décimasegunda comissão parlamentar, a comissão de Ética, já emprestou à evidência provas sobejas da sua desnecessidade. Daí que, perante o testemunho dos (ab)usos, ocasionalmente os senhores se sobressaltem, tentando emendar o desgraçado soneto. A propósito, segundo a edição de hoje do Público, começa assim um raciocínio da rapaziada do PSD: “violar a lei é grave, mas desrespeitar exigências éticas não é menos censurável”. E, vai daí, decorre o seguinte corolário: “a apreciação dos comportamentos dos titulares de cargos políticos não deve restringir-se ao respeito por aquilo que essas regras estabelecem, antes devendo alargar-se à avaliação do cumprimento estrito de regras de carácter ético”. Alcandorada neste juízo, segue-se a proposição de uma terapêutica desdita, que não assomaria sequer ao rés da lembrança do demónio, a criação de um conselho de ética e de conduta para avaliar e sancionar os comportamentos das senhores e dos senhores, a deputar ou a governar a pátria. Perante tal cenário, um liberal old fashion, no mínimo, eriça-se. A ética é função derivada da consciência moral de um sujeito. Na prática, a ética é o reduto dos motivos que fundam a auto-limitação dos actos de qualquer sujeito. Em Portugal, como é óbvio, isso não é alfobre de boas práticas. A maioria dos comportamentos não prima nem trambelho nem decência. Por isso existe a lei, para estabelecer limites ao impacto dos desatinos e das inconveniências. O problema é que por cá, na pátria, para além de não abundar o pudor, o Estado é um Estado de direito faz de conta. É isso o que é pior na intenção subjacente à proposta do PSD: os motivos por que é sugerida a criação de uma comissão de censura, um tribunal de vergonha. Pelo que, a ir por aí, por maus trilhos, preferível é, pois, que a arbitragem dos casos seja popular ou lapidar. Até porque, entre os gentios, é provável que a reserva de arremesso da primeira pedra não seja semelhante à da anedota evangélica. E, assim, talvez que o assunto se vá resolvendo a contento. Nicky Florentino.
Matrimónia. Aqui, neste tugúrio, ninguém conhece a Teresa ou a Helena. Também ninguém está interessado em conhecê-las. É quanto basta saber que elas querem casar e que há um pormenor qualquer que parece estorvar tal intento. Tudo o resto é sem porquê relevante. Porque a Teresa e a Helena, como qualquer outra mulher ou outro homem,
Do lugar da inocência. O Zé Vitório, quando puto, escapava-se de casa para ir jogar à bola. À mãe dizia que ia para outro domicílio, juntar-se a um colega, para estudar. Várias vezes a mãe percebeu que isso era mentira, porque a irmã, mais nova, lhe denunciava a manobra falsa. Daí que várias vezes a mãe lhe tenha feito experimentar no corpo que não devia mentir. Mas ele não era de se ficar, de ficar vergado, vencido. Aquando os castigos de sequestro caseiro a que era submetido por, à socapa, ter ido jogar à bola, várias vezes tentou ele incendiar a cama da mãe, acontecendo que, à sétima ou oitava dessas tentativas, a mãe foi obrigada a adquirir novo leito. Como acrescento à retaliação tentada pelos fósforos, sempre com proveito seguro, também várias vezes ele sovou a irmã. Segismundo.
Vincent, xcviii. © Tim Burton. Segismundo.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).