aO Marquês
À décima de mais de mil noites. Contou-se assim, conforme paráfrase adiante. Havia na sala dez pessoas. Para além das três anfitriãs, irmãs formosas e desinibidas – porém, imaculadas –, havia o rapaz que, por sugestão sua, elas primeiro acolheram no palácio.
Era um rapaz com feições amáveis e bons modos, o rapaz que naquele dia, ordenado e conduzido pelos vários lugares do bazar por uma dessas irmãs – a irmã mais nova, a governanta da casa –, carregara sob a cabeça uma alcofa repleta de víveres, iguarias, essências e outros pormenores de boticário até ao magnífico domicílio delas. Aí chegado, embora remunerado e dispensado, fez-se o moço do frete convidado a ficar, intenção a que, apesar de ciosas da sua virgindade, as moças anuíram. Não obstou isso, todavia, a que durante a tarde se tenham divertido, elas e ele, declamando versos, envolvendo esses versos em melopeias e em melodias, dançando, bebendo com abundância néctar generoso, banhando-se e permutando, cada uma e ele na sua vez, a exibição das respectivas peças de pudicícia, jogando um jogo que consistia em adivinhar o seu nome. As coisas delas disseram elas chamar-se alfavaca das pontes, sésamo descascado e estalagem de um lugar, enquanto que a coisa dele, para todas tomar e contentar, ele disse ser o macho vigoroso que sobre tais plantas trotava, aquela ração consumia e naquela albergaria se arrumava. Para além das três irmãs e do atrevido mandadeiro, naquela sala havia também três andrajosos mendigos, todos com face limpa de barba, apenas com bigode, e sem olho esquerdo. E havia ainda mais três outros, disfarçados de mercadores, embora na realidade fossem o califa e o vizir e o executor de sentenças pelo fio do alfange que o acompanhavam numa ronda nocturna e ali haviam sido atraídos pelos sons festivos que emanavam do encontro dos restante sete. Estava reunido este colégio de dez e era avançado o festim quando, então, a mais velha das irmãs se levantou e mandou que se cumprisse o dever delas, dever que, na circunstância, os hóspedes ignoravam. Em consequência e obediência, a irmã do meio empurrou os estranhos à casa para junto das portas talhadas em ébano e desanuviou o meio da sala. Ao mesmo tempo, a outra irmã, a mais nova, conduziu o mandadeiro até um pátio onde estavam duas cadelas de
pedigree, porte elegante, negras, acorrentadas, e ordenou-lhe que as levasse para dentro. Tornado à sala, o rapaz, após mando, entregou uma das cadelas à irmã mais velha, posta no meio da sala, a agarrar de modo firme um feixe de cilhas e com a manga desse braço arregaçada. Segurou ela a cadela, que de imediato começou a latir, e fustigou-a inclementemente com o azorrague até o seu braço padecer de cansaço. Acabado o suplício, encontrou o animal com o seu peito, afagou-o com blandícia e beijou-lhe a cabeça. Depois, ainda a mesma irmã, repetiu o caso na outra cadela.
Segismundo.