Laissez faire, i. A liberdade é simultaneamente um modalizador de relações e uma relação. Começa aqui a dificuldade do fenómeno. Antes de mais, a liberdade implica uma reserva de acção. Neste sentido, o cerco é o fundamento da liberdade. Ou seja, a liberdade é uma protecção em relação aos outros e contra eles, por definir um espaço de intervenção sob as mais diversas formas que não carece de autorização de terceiros e cujo aproveitamento, em frequência e em estilo, é determinado pela vontade própria e por outras contingências pessoais. Por um princípio de equidade, a área desse espaço é semelhante para todos. O que é o mesmo que dizer que os limites, as fronteiras de tal espaço são iguais. Todavia, porque assenta sobre uma reserva particular exposta, a liberdade é também um exercício público da respectiva discricionariedade. Ou seja, a liberdade é uma acção pública. E por tal publicidade acontece que essa acção é regulada institucionalmente e escrutinada pelos outros. E em tal escrutínio tendem a ser investidas diferentes hermenêuticas, gramáticas que condensam roteiros cognitivos, valores e interesses desencontrados - senão mesmo contraditórios -, com índices variados de disposição ao encontro ou à comunhão. Posto isto, é falso que, na prática e pela prática, a liberdade de xis termine onde começa a liberdade de ípsilon. No plano geométrico é assim. Na cartografia da liberdade, os espaços de acção admissível - lícita, portanto - são exclusivos e contíguos. Mas no plano social, onde os actos são materializados e significados, esses espaços interceptam-se. E os limites dessa intercepção são motivo e objecto de disputa. É aqui que as mundivisões se chocam e tentam a prevalência. Em muitas circunstâncias num quadro onde as referências normativas ou doutrinárias das partes são distintas, onde as suas tradições e manias são incompatíveis e onde as vantagens, materiais ou simbólicas, se distribuem em função do resultado de um jogo de soma zero - o que significa que a perda de uma parte é o ganho da outra parte.
Ilustração. Personagens xis e ípsilon. Xis expressa-se em relação a determinado tópico. Ípsilon impressiona-se com tal expressão e, como consequência, expressa o seu sentimento de ofendido. Gera-se a polémica. Xis pretendeu expressar o seu raciocínio e afirmar a sua posição em relação a um tópico. Ípsilon entende que isso é ofensivo para si porque contraria um credo firme seu. Como dirimir o caso? Não há juízo salomónico que valha. A liberdade de xis colide com a de ípsilon. E vice-versa. Daí que a menos má das soluções talvez seja a definição e a vigilância de um mínimo de integridade inalienável e indisponível, comum a todos. Mas isso é ainda apenas horizonte. Falta chegar lá. E o caminho para lá chegar, para além de estar por andar, é desconhecido - isto é, não está disponível sequer ao vislumbre. Luta e responsabilidade parecem ser as coordenadas mais aconselhadas para esse caminho. O que faz com que o programa seja a doer. E das duas uma. Ou há metamorfose de pelo menos uma das partes, no sentido da indiferenciação. Ou ambas as partes encontram e acordam modos de convivência.
Seja como for, enquanto o tear tece o fio do tempo e demora a espera, hic et nunc, danados, qualquer que seja o catecismo e a catequese - e o Abraão e a virgem Maria mãe de Cristo e o Cristo - de quem quer que seja, somos livre, álacre e intransigentemente pelos bonecos. Assim, . Sem licença. Toleramos quem tenha e afirme juízo diferente deste, incluindo o senhor Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral. Mais, sobre tal diferença não desenhamos bonecos. Tão pouco graffittis. Julgamo-nos e sentimo-nos livres de o fazer. Mas não nos apetece. Apetece-nos apenar rir. E às vezes rir também de algumas misérias alheias. Sem certeza sobre o mérito e a justificação de tal riso. Mas com a expectativa dele, por gozos vividos antes, e o juízo, mais do que a convicção, de que esse riso não faz mal ou grande mal a outrém. Acaso faça, c’est la vie. Laissez passer. Segismundo.