Serial killer. Como nos filmes. Em tocaia, ele esperou-a na penumbra. Hello darling, disse-lhe. Ela procurou a origem da saudação, encontrou-o com os olhos. Sorriu para ele. Mas, súbito, o seu sorriso desvaneceu-se num esgar. Dois tiros de Beretta 92 FS, dois projécteis calibre nove, cravaram-se-lhe na carne. You tried to fuck me, you fucking slut!, exclamou ele, numa consumação retórica da sentença, da condenação. E abandonou a cena. Não demorou, porém, o remorso a alojar-se nele. Afinal, descortinou depois, ela não o havia traído. A combinação de informações com base na qual ele lhe deduziu a culpa era equívoca. Era facto que, ao contrário do que admitiu, ela nunca havia estado em Memphis. Já tarde, após o cortejo fúnebre, diante do féretro, quando o confortavam e lhe apresentavam as condolências, é que ele disso teve consciência. Em consequência, atormentou-o a contrição e começou a padecer de sono vago, frequentemente cortado por pesadelos lancinantes. A terapia a que se submeteu não surtiu efeito. Sentia-se domicílio de um demónio permanente, lugar de uma culpa insolúvel, irrevogável. That’s a fucking hard situation, foram as últimas palavras que o psiquiatra lhe disse, reforçando a sua sensação de impotência perante a própria culpa. Para superar a morte da amada, para livrar-se do cativeiro de dor em que vivia, iniciou casualmente uma campanha de mortes, mortes aleatórias, sem escrutínio. As vítimas não correspondiam a um perfil único e ele não se vinculou a um modus operandi estrito. Matava indiscriminadamente e de modo indiscriminado, consoante a oportunidade e o gozo. Assim, ao útil associou o agradável, no sentido em que, morte após morte, ele sentia a diluição da culpa original e isso era-lhe prazenteiro. Até que um dia, cansado, enjoado de testemunhar o estertor derradeiro das suas vítimas, como último acto de redenção, confessou detalhadamente todas as mortes de que fora autor a uma confidente. A qual, para acautelar uma eventual delação e aplacar possíveis sobressaltos, assassinou também. O Marquês.