2005-01-31
O senhor que não sabe e não quer saber. Instado a comentar uma converseta qualquer do senhor Prof. Doutor Freitas do Amaral, o senhor dr. Paulo Portas disse, quase raivoso, que não sabia e não queria saber o que tinha dito o fulano. A isto chama-se coerência. Pois, sabe-se, a ignorância é um puta valor. Assim como a estupidez. Segismundo.
Terapia, ou reencontro com Stormblåst. Infusão bruta de música bárbara. Segismundo.
Utilitarismo. Olha-se para aquele cartaz e fica-se em raciocínios. Pode o voto útil ser em inúteis fingidos úteis? Nicky Florentino.
Subsídios para uma reforma do sistema eleitoral. No contexto do que habitualmente se chama democracia, o princípio da representação política é simples. O voto é o modo pelo qual o representado constitui o representante, alguém arrolado em lista por uma organização sinistra chamada partido político. Por via do voto, o representante representa o representado, o representado é representado pelo representante. Até aqui tudo bem, não obstante a intermediação partidária. O problema é que na distribuição de mandatos o contingente dos abstencionistas, o conjunto daqueles que por qualquer motivo não endossaram uma procuração política ao raio de um representante, é desconsiderado. O que está mal. A abstenção devia ser considerada como qualquer outro concorrente e entrar no cálculo dos quocientes a partir dos quais, segundo a regra d'Hondt, é feito o rateio dos mandatos submetidos a sufrágio. Acaso tal fosse feito conseguir-se-iam dois objectivos. Por um lado, evitava-se que os senhores deputados se presumissem representantes de quem não lhes outorgou qualquer representação. Por outro lado, se não fossem atribuídos os mandatos da abstenção, seria diminuído o número de deputados, o que, por aí, permitiria depurar a fauna. Se não pela qualidade, pelo menos pela quantidade. Nicky Florentino.
O senhor que diz que não vale o que disse por qualquer razão que não o juízo. Ouvi o senhor dr. Luís Filipe Menezes dizer que os destemperados comentários que faz se devem ao efeito do calor da campanha eleitoral e que, por isso, não são para considerar. Que a criatura destile estupidez ainda vá que não vá. A humanidade de cada um é assim mesma. Agora que confesse a estupidez que sabe que destila e não evita apenas exponencia a estupidez que destila. Nicky Florentino.
O senhor com cabeça de bolor. Entende o senhor dr. Paulo Portas que “Portugal precisa de um choque de valores”. Choque de quais valores? Os dele, claro está. Pois o raio do fulano, como um narciso que ao olhar-se no charco se deslumbra com o que vê, julga que só ele é que tem valores. Nicky Florentino.
O voto garantido. O senhor dr. Pedro Santana Lopes parece saber o que custa a puta da vida. Contra ventos e marés, provavelmente de peito feito, abnegado timoneiro e timorato, dispôs-se a substituir as mãos e os ombros do povo e fazer, por ele e com as suas e os seus simpáticos comparsas, o que é competência e responsabilidade de todos, salvar a pátria. Não o fará. E ainda bem. É por isso que o voto no PSD é o único voto garantido. Triste, mas garantido. Nicky Florentino.
2005-01-30
Chill-out. Encontrar mais um jardim de flores de aço, daquelas com três pétalas apenas. Segismundo.
2005-01-29
Maus hábitos. Como é que alguém o convida para ir jantar ali, à pobre - sobretudo de gosto -, e esquece que na antevéspera jantou com ele no Galeto? Segismundo.
O bichamigo. Os danados são de raras simpatias. Mas simpatizam com o diabo da Tasmânia. É ele o único animal que é nosso amigo. Segismundo.
2005-01-28
Destino. As sondagens incomodam o senhor dr. Santana Lopes, pois prospectivam hoje o que será amanhã. Ou seja, as sondagens incomodam o fulano porque não deixam o futuro acontecer. Como ele desejava. É o destino. O que, depois de deus, é a maior de todas as batotas. Nicky Florentino.
Na hora da despedida. Ele trocou cordialmente dois beijos com uma desconhecida, a Maria José. Não sabia disso. O Filipe é que sabia. O Filipe sabe muito. Segismundo.
Desvio-padrão. Abstenção eleitoral. Eleições autárquicas. Tópicos que não interessam ao menino Jesus. Mas ele anda entretido com a matéria. É isto, taquepariu, a miséria de todos os dias. Segismundo.
2005-01-27
Motivos da noite naquele lugar. Eloutro, és do Benfica? Ele, não. Eloutro, á, és do Sporting. Ele, não, não sou do Sporting. Eloutro, então o que é que estás aqui a fazer? Ele, vim jantar. Segismundo.
In between days. Pudesse ele a certeza ou a convicção, sentar-se-ia no conforto de saber certos todos os chãos e sobre eles caminharia de olhos fechados. Como a ironia - simpática maldição - é a sentença que carrega, limita-se a deslizar entre planos, numa renúncia permanente à inocência. E a cumprir o passatempo de abrir as portas para descobrir o que escondem, se a fera, se a dama. O tigre fere. Ela mata. O Marquês.
2005-01-26
Delegados da miséria. O senhor presidente da Câmara Municipal de Celorico de Basto admite a hipótese de processar o INE por, num estudo recentemente divulgado, sobre o poder de compra per capita, o respectivo município surgir no limite inferior do ranking nacional. Compreende-se. É mau ser pobre. Mas é pior ainda assim ser chamado. Nicky Florentino.
Delegados da abastança. Nada de extraordinário tem o facto de o senhor eng.º Jorge Jardim Gonçalves ter escrutinado o senhor dr. Paulo Teixeira Pinto para seu sucessor na honra de senhor presidente do BCP. Ambos são consabidos devotos da boa obra. E do dinheiro também. Nicky Florentino.
Ser danado. É um risco ser sentencioso, pois a vida é vida filhadaputa. Seja como for, o Rui tem razão e juízo. Pois, ontem, hoje, amanhã, “antes o Cid do que marinar em hipocrisia”. Segismundo.
A, chamada em outros lugares do mundo, gender expert. Em artigo estampado na edição de hoje do Público, sustenta a senhora Madalena Barbosa, “uma mulher socialista é uma mulher, antes de tudo: nasce-se mulher ou homem, não se nasce socialista”. E quem é a senhora Madalena Barbosa? O que se pode dizer, segundo informação de fundo do referido artigo, é que ela é “feminista, socialista e mulher, chamada em outros lugares do mundo gender expert”, exactamente assim, por esta ordem. Segismundo.
Saudade. Os bons velhos tempos foram os tempos da tommy gun, a elegante metralhadora dos gangsters. Segismundo.
Porto de engano. Não há abrigo, apenas movimento. Não há espera, apenas vertigem. Não há precipitação, apenas antecipação. Não há tranquilidade, apenas contingência. Não há verdade, apenas vontade. Não há posição, apenas ironia. Não há força, apenas resistência. Não há argumento, apenas legenda. Não há narrativa, apenas roteiro. Não há haver, apenas ter. Não há. Mas é como se houvesse. Ou ao contrário. Segismundo.
O jogo da vida. A urgência. Sempre a urgência. A eterna urgência. E a raiva. A ser a antítese. Segismundo.
2005-01-25
Assumir a culpa e a salvação. Escreveu o António José, “Santana Lopes é primeiro-ministro mas a culpa não é dele. Nem dos portugueses”. Mas ainda pode ser culpa dos gentios portugueses. Por isso, no próximo dia vinte de Fevereiro, nada de hesitações. O voto útil é o voto no PSD. É o único voto que, com culpa justificada, permite alcandorar o senhor dr. Santana Lopes em senhor primeiro-ministro. A redenção dos gentios, essa, vem depois. Tão certa quanto a bonança após a tempestade. E a desgraça. Nicky Florentino.
Orientação. Os debates políticos são uma forma sublimada de porrada. Por ser sublimada, nunca se sabe quem vence ou perde. Daí que os gentios com alguma preocupação na puta da vida prefiram ver o wrestling. Ou o Fashion TV. Aí os resultados são inequívocos. E é isso que os orienta. Nicky Florentino.
Look who’s talking. O senhor dr. Jorge Sampaio fez a declaração de motivos de dissolução da Assembleia da República que fez. Opaca. E conveniente. É por isso compreensível que agora venha debitar publicamente a seguinte ladaínha, “não podemos satisfazer-nos com uma campanha eleitoral limitada ou demasiado concentrada em acontecimentos ou afirmações exclusivamente dirigidos a possuir efeitos mediáticos e a obter ganhos políticos fáceis”. Pois... Nicky Florentino.
Curiosidade. Pouco importa que o CDS/PP já tenha encenado uma polaroid com catorze criaturas a imitar um Governo - como se o Governo fosse apenas um primeiro-ministro e treze ministros. Pois é sobejamente sabido que o senhor dr. Paulo Portas será tanto o futuro senhor primeiro-ministro quanto as vísceras de Prometeu são alimento de andorinhas. Importante é, isso sim, saber qual o elenco ministerial que o senhor eng.º José Sócrates imagina no caso de lhe calhar a honra de ser senhor primeiro-ministro. E importante porquê? Por curiosidade, somente. Se até nas telenovelas há as cenas do próximo episódio... Nicky Florentino.
Aniki Bóbó. A recorrência a metáforas inanes, considerando incubadoras e meninos da escola, provavelmente envolvendo também fisgas, berlindes e o raio que parta o senhor dr. Santana Lopes, começa a irritar. O fulano merece ser o senhor primeiro-ministro que segue. Mas, porra!, que seja capaz de simular o mínimo de trambelho. Nicky Florentino.
2005-01-24
Depois. Este capítulo já não é o Outono. Segismundo.
E se. A puta da dúvida é uma gramática difícil para a vida. E a puta da fé não lhe toca. Ou seja, não há modo, não enganado, de suportar a insustentável leveza do ser. É por isso que morrer sem o decreto da inocência é a única forma de morrer. Mesmo quando se vive. Segismundo.
Situação. Ouvir. São vozes. Que cantam mortas. Ver. São espectros. Que dançam vagos. E são, combinadas, as vozes, não por aproximação à poética da experiência. E são, confiados, os espectros, não por o veneno o vingar. São, umas e outros, no respectivo embaraço, a loucura a devolver-se ao paradeiro de si. A alcançar os seus destroços compostos em vida, o intervalo interlúcido. E a maior vontade de gritar. De ir para além do que os gestos podem. De instalar-se no exterior do corpo, cerco demasiado íntimo da consciência e da fome. Por isso, ele corre. Para mais próximo. Para dentro. Para o fim. Ele corre louco. Ou tão só urgente. Segismundo.
Pré-campanha eleitoral, subsídio ii. Votar no PSD é o próximo passo. Acumulam-se as evidências que o senhor dr. Santana Lopes é a criatura indicada para senhor primeiro-ministro. É o único que, sem fingir, revela não merecer crédito ou ilusão. É o único, portanto, que garante um péssimo governo da pátria. E isso é o que, nesta oportunidade, é imperioso. Pois não há salvação antes da catástrofe acontecer. Nicky Florentino.
De bater. Um dos indicadores da impotência das formas políticas contemporâneas reside na mania de transformar as pelejas em debates, conversas. É por isso que ganham sempre todos. Ou, numa outra perspectiva, ninguém perde. O que não faculta orientação atinada aos gentios. E é uma autêntica desgraça. Nicky Florentino.
O véu da legitimidade. O voto popular é função da respectiva inutilidade. Pois as eleições não são um exercício de manifestação de soberania. São um dispositivo de entronização dos eleitos. Nicky Florentino.
2005-01-23
Pasto pecado. Pudim de queijo. O que o obriga à gula. Segismundo.
Pesadelo depois de Black Hawk Down. Ela, sem qualquer palavra dizer, avança para ele, segurando a faca do pão, com o propósito de lhe cortar os braços, as asas. O Marquês.
2005-01-22
Manhosos. O senhor dr. Paulo Portas é o que é. O senhor Prof. Doutor Francisco Louçã também. A questão é saber a intermitência desse ser. Embora não seja de descartar a hipótese da sua permanência. E o engano. Nicky Florentino.
Queda. Aconteceu. Como a electricidade. Baixa tensão. Tão baixa que o chão se aproximou. Segismundo.
O mundo. Quase de manhã. A hora certa para ver pinguins a servirem de repasto a focas. Segismundo.
2005-01-21
A única testemunha. Ferir, ferir fundo, é um prazer superior, irrenunciável, disse ele ao inocente transeunte, antes de, com um golpe, lhe descobrir as vísceras. Deus foi a única testemunha do gesto. O Marquês.
2005-01-20
As lições do Tonecas. Naquilo a que ordinariamente se chama democracia, as eleições são um dispositivo de aprendizagem. Trágico é que os gentios, votando, reincidam consecutivamente no erro. É por isso que a democracia, como o código postal, é meio caminho andado. Para a desgraça. Nicky Florentino.
Falha. São os braços sem o corpo colhido, distantes, no modo de um abraço vazio, que não se emprestam, como é hábito, ao encosto do primeiro sono de alguém. Segismundo.
2005-01-19
O regime da opacidade. A democracia, enquanto coisa, não existe. E o mais aproximado que existe permanece nebuloso. O que é compreensível. Porquanto um dos inícios da democracia é justamente o voto secreto. Em prol da tão reclamada transparência, esse devia, pois, ser o primeiro segredo a abolir. Nicky Florentino.
Se o voto é uma arma. O voto é um direito e um dever. A abstenção é um direito. Por isso, o que verdadeiramente interessa no fenómeno da abstenção eleitoral é o que o determina. Se a vontade auto-determinada do eleitor. Se a sua vontade determinada. O que, no limite, nunca se saberá. Nicky Florentino.
Rec(h)eio e gosto. Phœbus. Primeiro estranha-se. Depois entranha-se. E é companhia de viagem. Segismundo.
Agenda. Para revisão. Hoje, Dirty Pretty Things, Nimas. Amanhã, Dom za vesanje, Ávila. Segismundo.
Virtudes out. Por que é que, por estes dias, a puta da paciência não tem abundado nele? Segismundo.
2005-01-18
Pré-campanha eleitoral, subsídio i. No próximo dia vinte de Fevereiro é aconselhado votar no PSD porque é o partido político que promete o senhor dr. Santana Lopes para senhor primeiro-ministro. E dele, do fulano, pode dizer-se que é um evérgeta. Divino. E protector. Embora não dos ou para os desamparados gentios. Nicky Florentino.
O esteta, os filisteus, as pérolas, os porcos e a democracia. Em entrevista estampada na edição de ontem do Diário de Notícias, perguntaram ao senhor dr. Manuel S. Fonseca, senhor director de programas da SociedadeIndependentedeComunicação, “e não deve haver um critério de gosto?”. Ele iniciou a resposta ressuscitando Bourdieu, “o gosto é sempre um gosto de classe”. Depois prosseguiu a sua resposta, “em 1992 a SIC trouxe a Portugal a democracia televisiva. Com a SIC terminou o dirigismo no entretenimento. Não é comparável o universo de pluralidade que temos hoje com o dirigismo serôdio da televisão anterior a 1992. Com os aspectos positivos e negativos, a televisão que temos é um espelho onde os portugueses se olham e que reflecte o que eles são”. O entrevistador, tocado pela terceira razão kantiana, insistiu, “não há um gosto universal?”. O entrevistado retorquiu. Ao princípio com uma interrogação, “mas algum dia existiu um gosto universal?”. Depois, com uma dissertação sobre os processos sociais que configuram as gramáticas de produção, distribuição e recepção estética, assim, “a questão é que havia gostos que não eram representados no espaço mediático. Esse fenómeno de exclusão do gosto popular, impondo o gosto minoritário de um grupo razoavelmente ilustrado, como um gosto que fazia lei, é uma história de exclusão. A exclusão não é mais possível a partir do momento em que a democracia chegou à televisão. Por muito que custe a alguns, o voto de um arquitecto vale o mesmo que o voto de uma peixeira do Bolhão. Não vejo porque é que pessoas habilitadas a votar e a quem os dirigentes políticos se dirigem em tempo de eleições não podem ver Os Malucos do Riso, que é visto por todas classes sociais. Não deve haver nenhum déspota iluminado a dizer que gostos os outros devem ter”. Ou seja, quer os arquitectos não queiram, quer as peixeiras do Bolhão queiram, a SociedadeIndependentedeComunicação tornou-se um garante da pátria democracia. Assim, tunga!, mesmo. Como se a democracia fosse um regime de (des)gosto. E só. Ou uma paródia. O que não é muito diferente. Nicky Florentino.
A máquina que a faz a felicidade quando não se está a dormir. Disse o senhor director de programas da SociedadeIndependentedeComunicação, em entrevista estampada na edição de ontem do Diário de Notícias, que é propósito da casa “oferecer uma alargada gama de emoções fundamentais para uma vida equilibrada”. Por outras palavras, depois do dinheiro, a teelvisão pretende-se a nova puta. Ou o substituto funcional dos ansiolíticos. Segismundo.
Amor de mãe, ii. Acabou-se, como tudo acaba. Eram seis e meia da madrugada. Acabou-se antes da chegada dos pequenos devoradores. Acabou-se por urgência, portanto. Segismundo.
Amor de mãe, i.
2005-01-17
Desassossego. Para ele, a casa dos pais tem algumas vantagens. Uma delas é o televisor. Por isso, durante alguns instantes, ele concedeu atenção a um programa chamado Prós e Contras. Mas o que verdadeiramente o incomodava era uma interrogação do fim-de-semana. O que é que diferencia uma marmota de um castor? Segismundo.
Arquivo. O que leva alguém a guardar os extractos bancários antigos numa caixa de Suchard Express?, a sinusite é que não é. Segismundo.
2005-01-16
Além. Há dias em que, para se ser mais do que Cristo foi e conseguiu ser, basta acordar. E já está. Segismundo.
2005-01-15
Camaleão óptico. Nos outdoors do Partido Socialista, o senhor eng.º José Sócrates surge com olhos azuis. Se é para enganar, deviam ser cor-de-rosa. Nicky Florentino.
Regra da fome. Os concertos dos Mão Morta são bons, muito bons. Mas acabam sempre antes da saciedade. Hoje foi assim também. Segismundo.
Quase encontro. No elevador, subiram, do parque de estacionamento para o Camões, cinco pessoas, entre as quais ele e o Rui. Mas o Rui não o viu, não estava com olhos para ele. E ele decidiu nada dizer. Para não interromper. Segismundo.
Um mundo só. É adormecer à hora que os outros acordam. Segismundo.
Experiência. Ouvir a Oxigénio, centoedoispontoseis, frequência modelada, estereofonia. Segismundo.
A vida. É por causa de um sorriso. Segismundo.
Torno. Ele voltou ao lugar, ao primeiro lugar de encontro com a cidade nocturna. E à diferença deste regresso, hoje, chamou-se sobriedade. E memória. Segismundo.
2005-01-14
Cenas da cidade grande, iii. Um gentio – como o Nicky os rotula –, muito contente, quase a abanar a cauda, disse, para que fosse ouvido para além do seu cerco de convivas, este ano o carnaval vai acabar só no dia vinte de Fevereiro. E, dito isto, riu-se. Sozinho. Segismundo.
Guardador de luas. Alcançámos, em plural humilde, reserva proporcional à nossa inescapável pequenez, Titã. Crescemos para longe. Saturno, no seu novelo de satélites, confirma-se um santuário. Para bem, ainda longínquo demais para ser já a casa do único deus que conhecemos, nós-mesmos. Segismundo.
Má tarde. O eco do silêncio em estereofonia. E, já quase perdido, o fio constante das canções que o fizeram. Segismundo.
Agenda. Hoje, Phœbus, Zé dos Bois. Amanhã, Mão Morta, Fórum Lisboa. Segismundo.
Má manhã. Ela, acreditas em deus? Ele, não, não acredito. Ela, e acreditas em alguma coisa? Ele, acredito na resposta que te dei. Segismundo.
2005-01-13
Cenas da cidade grande, ii. No encontro da Praia da Vitória com a Cinco de Outubro, um sem-abrigo para outro, deram-me este cachecol, mas não gosto dele. Dá-mo, então, rogou o outro. Não posso, de ti eu gosto, reagiu o primeiro, aquele que não gostava do cachecol que lhe havia sido oferecido. Segismundo.
Salubridade. Foram prolongadas as linhas do metropolitano de Lisboa, havendo agora estações em Amadora-Este e em Odivelas. Não há maior catástrofe ecológica do que abrir a cidade aos suburbanitas. Segismundo.
Cenas da cidade grande, i. Quase se abalroaram, elas. Estacaram o último passo no limite do encontro, antes do embate. Sorriram uma para a outra, a cumplicidade do reconhecimento. Então?, e as meninas?, como estão?, perguntou uma. A menina, começou a responder a outra, em tom enfático, para corrigir o plural, a menina está uma maravilha... E nelas sempre a urgência, aquela urgência da vida de todos os dias, da vida que serve o tempo e, pelos corpos, justifica a quotidiana procissão pendular do metropolitano. Rapidamente, por isso, se despediram, elas. E prosseguiram o seu desencontro. Segismundo.
Vira o disco e toca o mesmo. A propósito de um dos oxímoros mais estúpidos – benefícios fiscais –, aconteceu mais um episódio. Antes, na ocasião do debate do Orçamento do Estado, o senhor eng.º José Sócrates estava contra a sua desaparição. Agora está a favor. O que mudou foi pouco. O faro, não o tino. Pois neste momento, ao fulano, cheira-lhe a honras de primeiro-ministro. E, quando assim, não há malabarista que não se atreva a dar cambalhotas. Nicky Florentino.
Listar. Listar, fazer listas, é um exercício difícil, que obedece a uma economia particular. O caso das listas de candidatura à Assembleia da República permite ilustrar tal facto. Como não há lugares para todos os interessados em assomar à honraria parlamentar, umas quantas criaturas têm de ficar de fora da lista. Depois é que é o rateio eleitoral. Apenas para confirmar a ilusão da soberania popular. Nicky Florentino.
2005-01-12
Peça que não passa. Discos impedidos é o nome de uma rúbrica radiofónica que eles inventaram. A puta da imaginação... tende a corresponder ao desatino. Segismundo.
2005-01-11
Monstros e companhia. Olhar para o expositor, observar os peixes expostos, reconhecer o cação, não reconhecer a efígie do tamboril, perguntar ao senhor atrás do balcão, apontando, que peixe é aquele, o senhor responder é espadarte, acreditar, pedir espadarte para o jantar, porque tem bom aspecto o peixe exposto, depois contemplar o aquário dos bivalves, espantar-se com a ameijôa carnívora gigante, acordar e perceber o engano. Não era espadarte. Era tamboril. O sonho enganou-a. Segismundo.
Look, but don't touch. Por o alcance dos olhos ser largo, a proximidade afere-se pelo alcance das mãos. É por isso que olhar as mãos é uma forma de engano. As mãos não são para olhar, como se fossem um reduto distante, mas para alcançar. Com outras mãos. Segismundo.
Confiar. Porque errar é, sempre, uma hipótese. E porque a memória justa não é apenas a memória dos erros, como se somente o erro, antes, tivesse
Aprender. A suportar o silêncio, como?, se a vontade é de pela palavra dizer e não calar. Segismundo.
Regresso. A The Juliet Letters, de Elvis Costello e The Brodsky Quartet. Para quê?, para confirmar. Segismundo.
2005-01-10
Demanda de levezas. O senhor Prof. Doutor Francisco Louçã pôs-se a procurar ideias em cartazes de propaganda política. A ideia não era má. Má era a unidade de sondagem por ele escolhida. Pois procurar ideias em cartazes de propaganda política é o mesmo que procurar tsunamis em copos. Vazios. Uma tonteria, portanto. Nicky Florentino.
Ir ao engano. Disse o senhor dr. Paulo Portas, ontem, em Santa Maria da Feira, numa espécie de comício, com repasto a acompanhar, “na classe média que tradicionalmente vota PS ou PSD muitos estão tentados a dar o seu voto ao CDS, porque sentem que a escolha não chega e não é suficiente. A esses digo: venham para o CDS e nós saberemos representá-los como um partido moderado, estável, seguro e previsível”. Duas considerações. Em política, não é conveniente ceder a tentações. Menos conveniente é ceder à tentação de dar o voto - é sintomático que o fulano não tenha dito votar - ao CDS/PP. Para além disso, o CDS/PP pode ser um partido político moderado, estável e seguro – todos os partidos são isso e mais maravilhas ainda. Porém, por ser um partido político, previsível é que o CDS/PP não é. Aliás, acaso o fosse, aconteceria que a doutrina que o senhor dr. Paulo Portas andou a destilar durante tantos anos em crónicas de imprensa ainda pautaria os seus actos. Mas não, já não pauta. Pois muito do que ele escreveu já não lhe vale. Ora isso não é ser previsível. É ser o raio que o parta. E conforme a puta da conveniência. Nicky Florentino.
Agora. A urgência é a de sempre, porque a vida, se já começou - e começou sempre -, não começa depois de. De se cometer o erro de esperar. Segismundo.
2005-01-09
Ser para o erro. A inquietude é um modo de sintonia. E é a condição da (in)tranquilidade, da vida encontrada com o outro. Segismundo.
Errar. Ele gostava de não errar os gestos. Ele gostava de não errar os gestos naqueles olhos. Porque lhe fica a dúvida, sem ironia. Qual a fonte do erro?, os gestos? ou aqueles olhos? Segismundo.
2005-01-08
E se entre os sexos fosse uma guerra sem
E se entre os sexos fosse uma guerra sem
Back home. Quatro da madrugada. Ele chegou a casa. Sentiu o cerco montado lá fora. Três graus centígrados. Negativos. Não era lá fora, pois, que a febre estava domiciliada. Segismundo.
2005-01-07
Vertigem. O corpo não corresponde. A febre tarda a cinética dos gestos. E os olhos turvam. Segismundo.
Vontade. Quero ser todos os dias a continuada fome que me desperta, disse ele. Segismundo.
Agenda.
Tarde. É chegar no dia seguinte à projecção d’A Streetcar Named Desire, de Elia Kazan. No auditório da Biblioteca Museu República e Resistência. Segismundo.
2005-01-06
Passeador de sonhos. Hoje, finalmente, por arranjo das contigências da puta da vida, ele entregou em mão, como é de entregar, a quem estava prometida outra remessa, os sonhos de manufactura de sua mãe. Segismundo.
Encontro com a matilha, o episódio. Como nos filmes. O alazão de ferro, o ZuluChaves, evoluía Áum abaixo, à velocidade do costume. Lá dentro, na cápsula do automóvel, soava Sorrow, David Bowie. Entretanto, à sua frente, um batedor entra no corredor viário e começa a gesticular. Prentendia o agente da autoridade, motorizadamente montado, que ele se desviasse para a faixa da direita, entaipada por uma série intervalada de marcadores rasteiros, laranja, fluorescentes. Ele reduziu a velocidade, mas não se desviou. Se a faixa não estava aberta ao trânsito, não se podia transitar nela ou risco devia haver para quem nela transitasse. Por demorar ele a submeter-se à vontade do cavaleiro gêéneérre, depois, mais três batedores se aproximaram do veículo dele, cumprindo uma formação de escolta, dois adiante, dois atrás. Insistiram no gesto. Que devia ele desviar-se para a faixa da direita. Ele desviou-se. Porém deteve o carro. Os batedores não gostaram. Assim como não o compreenderam. Ele não estava, como sugeria um dos gêéneérres, a armar-se em engraçadinho. Queria apenas a garantia que se podia circular, sem risco, naquela faixa. Que lhe fosse dada ordem de prisão, para rematar as merdas, sugeriu um dos outros. Mas ele não queria ser preso. Queria apenas saber se, de facto, se podia transitar ali. Podia, disseram-lhe. E ele dispôs-se a seguir o batedor, sabia lá ele para onde. Seguiu a velocidade reduzida, embora o agente gesticulasse freneticamente para ele acelerar. Ele não acelerou. E manteve-se no limite mínimo de velocidade. Avançados alguns quilómetros, dois, três, foi-lhe ordenado que sustivesse a marcha do automóvel, junto a uma fila de carros, cinco, da brigada de trânsito. Ele assim fez. De imediato, como se o aguardasse, precipitou-se para ele alguém, aparentemente com patente nos ombros, a mandar baixar o vidro, para que pudesse continuar a repreensão que vinha já a ser enunciada desde alguns metros antes. Que isto, que aquilo, dizia o homem em grave tom. Ele, com pouca paciência para aturar desmandos, pegou no caderno de apontamentos, segurou na esferográfica, saiu do carro e olhou ostensivamente para a placa de identificação do oficial, após o que anotou o nome do fulano no dito caderno. Este gesto perturbou o senhor da voz da autoridade, que decidiu tornar à sua origem, ao mesmo tempo que debitava, em surdina, o que ele suspeitou ser uma sequência de impropérios. Após isto, pouco demorou até que, junto dele, chegasse um outro agente, educado, que, para além de lhe ter batido a continência, o tratou repetidamente por senhor x. O mesmo agente que, quando ele disse isso é que não, percebeu que não podia utilizar o capot do ZuluChaves como suporte, para preencher o impresso relativo ao auto de infracção. E não utilizou. Boa tarde e continuação de boa viagem foram as palavras proferidas, no fim, na despedida. E ele, então, seguiu viagem. Já estava atrasado. Segismundo.
Encontro com a matilha, o trailer. Ele. O ZuluChaves. High speed. A brigada de trânsito da GNR. O asfalto rechauchutado da Áum. A autoridade. A mania... Segismundo.
Encontro com a matilha, o teaser. Como nos filmes. Na Áum. Pormenores dentro de momentos. Segismundo.
Missão. Calar o que o corpo reclama, porque não é fome. Segismundo.
Ir. Para longe. Para além do alcance do desejo e da memória. E aprender melhor a amizade que o separa, a ele, dela. Segismundo.
Sinestesia. Por vezes ele sente-se a morrer vivo e não acorda dessa sensação. Segismundo.
Se isto, iv. A vida é um intervalo necessário, pois é nele o sentido acordado da música e do silêncio. Segismundo.
Se isto, iii. A perda é um ensaio de aproximação condicional à morte, ómega da conquista. Segismundo.
Se isto, ii. A esperança é uma distância para a frente, sentida ao alcance dos próximos passos, embora o caminho a seguir devesse ser outro. Segismundo.
Se isto, i. A saudade é uma distância para trás, sentida longa ou demorada no regresso, quando nenhum retorno devia acontecer. Segismundo.
2005-01-05
Listar. Se na lista do PSD, para o círculo eleitoral do Porto, tanto podem ser convidados o senhor dr. Pôncio Monteiro ou o senhor dr. José Freire Antunes, por qual raio é que a senhora Margarida Rebelo Pinto não haveria de ter sido também convidada para se perfilar como candidata a um banco da Assembleia da República? Foi e muito bem. Pena é que tenha recusado o convite. Pois ela, entre todas, era a única ilusão política admissível nas próximas eleições legislativas. Nicky Florentino.
Santificado seja. O senhor dr. Santana Lopes é um mártir. Mártir de si mesmo. Pelo que é dever desse bocado de mundo chamado Portugal, pelos gestos de quantos gentios nele existam, contribuir para a canonização do fulano. Por isso, no próximo dia vinte de Fevereiro, a missão cerebral é votar no PSD, o único vaso partidário onde o voto é e será útil. Votar em qualquer outro partido político é nutrir ilusões. O que é mau. Porquanto, onde há ilusões, as desilusões nunca tardam. Nicky Florentino.
O capitalismo como modo de vida. Consta que a livraria Buchholz, na Duque de Palmela, se encontra em situação de pré-falência. Por que é que isto soa a anúncio do seu cadáver?, porque o que tem que ser tem muita força. Nicky Florentino.
Morrer antes de acordar. É adormecer com a companhia do perfume de um corpo que já não se sabe. Segismundo.
Masoquismo. É a incapacidade de dizer, de lhe dizer, não me fodas que já sou grande. Segismundo.
Ossos do ouvido. Martelo, bigorna e estribo. O resto é cartilagem. Em rádio actividade, a puta da imaginação não tem limites... Segismundo.
2005-01-04
Sinais. Multiplicam-se os indícios. O senhor dr. Santana Lopes e o partido político a que o fulano preside justificam o voto de todos e cada um nas próximas eleições legislativas. Se o governo é uma mania e coisa má, há que proporcionar condições ao desatino e ao desgoverno. Nicky Florentino.
Re: Where the streets have no name. Desculpa, mas os meus olhos serão apenas amanhã. Hoje é ainda dia de cegueira, pois guardo o corpo proibido. Dorme bem. Escreveu ele em resposta. Segismundo.
Where the streets have no name. Perdidos, os meus passos ainda vão para ti. Mas nenhuma luz acontece no horizonte, se horizonte continua a haver, para onde os meus passos vão. E o sangue é já sem cor. E a raiva maior. E tudo morto. E nenhuma cinza da qual renascer. Sim, renascer para ti. Como uma paisagem morta. Boa noite. Escreveu-lhe ela. Segismundo.
Morrer vivo. É acordar sem a promessa vingada do desejo e não saber, não como, onde a vingar. Segismundo.
Errar. Quando alguém ama, o erro é amar. E, como todos os outros, é um erro que apenas se percebe depois, e não antes, de cometido. Segismundo.
2005-01-03
Reportagem. Uma repórter da SIC entrevistou um desgraçado do Sri Lanka cuja casa foi destruída. Foi a dele e foi a de outros. Pois o azar foi comungado tanto com, a maioria, pescadores quanto com condutores de tuk tuk. Uns e outros dali. Nicky Florentino.
Amor perfeito. É o que foi. Foi o que conseguiu reciprocidade. E morreu. Novo. Urgente. Segismundo.
Dizer a dor. A dor dita não dói menos por dita ser, embora entretenha dizê-la, pois assim, dita, se finge o que é a dor, por, antes de dita, dor ser e, dita, dor parecer. Segismundo.
Futuro. Pergunta-se ele, falido, é possível recomeçar para além do afecto que rasga?, se não se vê o futuro a começar indolor. Segismundo.
Curar devagar. As lágrimas lavam demoradamente a dor. É essa, ser um detergente lento, a melhor de todas as suas propriedades. O Marquês.
2005-01-02
O tempo, todo, quando é sofrer. É de dor, dor seca, a constante ressaca que ele agora padece. Pois, quando agora, é eterna e toda a dor que ele sofre. Segismundo.
Cão como ele não é. No Sítio da Catraia, o Sebastião faz ão!, ão! e é cão. Feliz. Segismundo.
2005-01-01
The
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).