2009-03-31
Casa das máquinas, ii. Antes de ser zombie, o meu querido tinha a mania de dizer nas relações interpessoais há um recurso escasso, a paciência, que condiciona todos os outros. Ele foi sempre pouco locus amœnus. A viúva.
2009-03-30
All thoughts are prey to some beast. A morte ensina-nos melhor do que a vida. O problema é que percebemos a lição demasiado tarde. A viúva.
2009-03-29
campanha de alerta, esclarecimento e ilustração por citação ou declaração contra todos os modos e todas as formas de inutilidade ou obscurantismo, ó mãe, iv
“nos estudos sociológicos e nas conversas de café, nas telenovelas e nas reportagens «do social» não encontro outra coisa senão atletas sexuais”.*
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* joel neto, “às vezes tântrico, às vezes nelson piquet”, in diário de notícias, n.º 51.126, 28.março.2008, suplemento notícias sábado (n.º 168), p. 54.
o vírus.
2009-03-27
Casa das máquinas, i. Não sou Gesellschaft, não sou Gemeinschaft. Mais do que solidão, isto revela o quão estou retirada das lides gregárias. Não sou animal moral, de festas ou romarias. Sou bicho do mato e de sala de cinema, com lugares individuais, de preferência vazios. É assim, pela distância, que intimo a minha vantagem. A viúva.
2009-03-26
conferência apache, x. a Deolinda fuma marlboros por causa dos berlindes abafadores que rebolam no cérebro e nos intestinos dela. leo david t.
2009-03-24
Passionless, pointless. Começo pelo atropelo, pela consciência dos dois lados do espelho. Depois experimento o algoritmo, a versão beta, a versão definitiva, as combinações até à saturação, sem exclusões. Perfeito, haverá quem diga. Perfeito?, perfeita é a cona. Provavelmente desistirei após alguns ensaios, para, a seguir, tentar afectos e modos mais estranhos, passagens e transferências para o outro lado, não importa qual. Não sofro convicções. Alucino e sofro metamorfoses durante a identidade. Cada vez mais não sou quem sou ou sou quem não sou - sei pouco de ontologia, não consigo explicar melhor. Este facto não me espanta e não me incomoda. Já referi, não tenho a certeza, não sou de ter certezas. Ainda assim aposto que o meu zombie querido era capaz de explicar isto melhor do que eu. Mas ele fodeu-se, agora sou só eu. É estranho mas não é suficiente. Sinto-me compatível e incompatível ao mesmo tempo com o tempo e com o resultado. Faço de conta, a vida obriga-nos muitas vezes a fazer de conta e a fingir que não estamos a fazer de conta. A vida é um teatrinho. Como o penalty de sábado à noite. Eu também vou começar a pôr a mão à frente da boca quando falo, para que não consigam ler-me os lábios. Vou treinar, treinar como se fosse atleta de alta competição. Ouvi dizer que lá para o outono irão realizar-se eleições legislativas e que as listas de candidatura vão necessitar de ser recheadas com mulheres. Estou disponível. Se treinar bem a pôr a mão à frente da boca quando falo, talvez até venha a poder mandar para o caralho outros deputados e para a cona outras deputadas. Eu, deputada da nação. Que é o mesmo que do caralho que foda a nação. Como sou contemplativa mas não de ficar muito quieta e à espera, vou candidatar-me pelo partido epicurista burguês. O epicurismo burguês convém-me, mais do que férias na neve. Se não houver, vou redigir um manifesto adequado. A crise que se foda. Quero ser artista. Mais ainda. Ou talvez não. A viúva.
2009-03-20
Página do livro dos googlemas. Isto, definição de popoff sobre a contabilidade, é mais ou menos uma porra, com mais ou menos poesia gráfica. A viúva.
Sida dezasseis. Por manias muito lá da confraria católica apostólica romana, o papa, o Bentinho quatro ao quadrado, disse qualquer coisa sobre os preservativos. Em rigor o problema dele não é novo e não é com os preservativos, é com o trucatruca em geral. Compreende-se. Segundo a doutrina da confraria, deus foi sempre mais adepto - ou será apologista? - do escape livre do que do livre arbítrio. A viúva.
2009-03-19
conferência apache, ix. a Deolinda tem três pernas mas rasteja com o cérebro à frente. leo david t.
2009-03-17
Post de informação, ii. Senhor Eça Puta, o meu problema com o transcendentalismo começa e acaba em mim, mesmo quando alguém grafa putaça para referir potassa, lapso que não se comete na província. O mais kantiana que alguma vez fui foi quando processei num triturador de papel possante o volume cartonado de Critik der reinen Vernunft editado pela fundação Calouste Gulbenkian. Foi uma satisfação orgasmática, semelhante ao que outros chamam ruptura epistemológica, porém sem ruptura. Ruptura sofri apenas a do hímen e uma vez só. Foi a fazer ginástica. É por isso que, como hei-de dizer-lhe isto?, continuo propensa a terçar abóboras de casca grossa da região do Tâmega. E não descarto um romance com um violador de melancias.
Miquelina Abóbora dos Santos
2009-03-15
Post de informação, i. Carlota, Bragança é um assunto muito sério. Já fui feliz lá, antes de ter tirado o curso de formação pedagógica de formadores do terço. Agora ando a ensinar a terçar broas de Avintes com golpes de karaté. Mão aberta, perfilada como um gume, três pancadas incisivas na crosta e já está. Não sei se me fiz entender. E não sei se já te disse que o meu próximo projecto é ensinar a terçar abóboras de casca grossa da região do Tâmega. Há uns tempos que, tau tau tau, ando a treinar isso.
Miquelina Abóbora dos Santos
2009-03-13
Manual de ser cinderela com pés grandes. Todos os partidos políticos têm os seus notáveis e as suas prima donnas. Os seus cromos e as suas cadernetas também O ps não é excepção. Facto que permite compreender as palavras seguintes do senhor dr. Manuel Alegre: “eu sou alguém que é militante mas um pouco mais do que militante” (Diário de Notícias, n.º51.111, 13.Março.2009, p. 16). Tanto que, seguramente não por acaso - mas em coerência, só pode -, o fulano aceitou fazer parte da comissão de honra do congresso que serviu para entronizar recentemente o senhor eng.º José Pinto de Sousa como maioral da seita socialista e pouco tempo depois declarou que estaria disposto a candidatar-se em concorrência com tal seita, não fosse o óbice do preceito legal que impede qualquer chusma não constituída como partido político de concorrer a eleição legislativa. Pelo que, no caso, um pouco mais do que militante não deixa de significar também cata o vento que passa. Nicky Florentino.
Pelo pãozinho sem sal. Parece que está na agenda parlamentar a preocupação com a hipertensão. Ainda bem, porque a saudinha e os cuidados com ela nunca são demais. O problema é que tal preocupação junto com a sanha de mando resultou na intenção de impor por via legislativa a redução do cloreto de sódio usado na indústria da panificação. Talvez fosse mais fácil proibir o pão, mas isso, parece, não seria muito europeu. O que é europeu é menos sal no pão e mais qualidade de vida. Daí que seja provável que, ainda para evitar a hipertensão, mais o cálculo renal e os problemas cervicais, as senhoras e os senhores emprestados à deputação não hão-de tardar a sentir a tentação de legislar também sobre a felação de pernas para o ar, celebrizada por Luiz Pacheco como o broche de pino. Nicky Florentino.
melancolia zündapp
# xxv. o coração é um órgão treinado para ser monogâmico. daí a sua propensão ao ataque e ao colapso mais do que ao bypass. Edgar da Virgínia.
2009-03-12
2009-03-11
Pastoral napalm, hors-série. Jack Bauer will be here soon, pronunciou assim alguém a sua esperança. Pouco depois começaram os tiros. A viúva.
o sinédrio das abjurações, i. os nervos estremeceram-lhe. a cerimónia já tinha começado. os lugares com assento estavam ocupados e havia uma fila nos corredores juntos às paredes laterais do templo, que tinham imbutidos painéis de azulejo alusivos às estações do calvário. a liturgia da cerimónia era simples, assim como simples era a sua encenação. mulheres à frente, homens atrás, e durante o exercício da oração e da homilia, através de gestos e de metáforas, cada compungido entregava o seu arrependimento e o seu temor à instância da indulgência suma e, em retorno, recebia a absolvição, como se o registo das faltas praticadas por si tivesse sido apagado tanto na sua ficha pessoal quanto na memória comum. porque a cerimónia já tinha começado, foi durante uma pausa do ritual para introspecção que ele avançou pelo corredor central, em direcção ao altar. aí, colocou as mãos sobre as abas do púlpito e, interrompendo o compasso de silêncio, disse eu não tenho propriamente um plano para a salvação, tenho uma alternativa demiúrgica. se fosse deus, eu não teria criado o mundo, não me teria implicado directamente na sua feitura. pelo contrário, teria criado deuses para criarem o mundo, ou seja, teria substabelecido a empreitada da criação a outros. depois, feita a bola, durante o jejum matinal teria urinado sobre ela, de modo a, por chuva ácida e dourada, criar os mares e a ilusão do ouro líquido. e a seguir, para complicar tudo, accionava o autoclismo e ficava a observar o que resultaria de tal caldo primordial. não creio que o mundo feito assim fosse pior do que o nosso, este, que deus nos deu. O Marquês.
2009-03-10
O deus seguinte. Vejo mal, não consigo ler Merleau-Ponty ou Rorty outra vez. Não tarda recomeçará a ânsia do princípio, que é uma espécie de luto menos melancólico. Depois virá a anarquia. E a seguir surgirá a fleuma da falência. Tudo rapidamente. Não suspiro. Não tenho tempo para alimentar impérios. Os pormenores são mais importantes do que julgamos habitualmente. Bastam-me as saudades de antes, dos erros e da imprudência, não a inocência. E a liberdade de e para dizer foda-se. E, se me apetecer, repetir. Foda-se. A viúva.
2009-03-08
Ó Carlota, o que tu queres sei eu, imagens em movimento e assim, mas não há, só há o princípio da suite malícias dos apontamentos do meu constantino, princípio que é fresquinho, fresquinho, do dia.
The Beatles, “Mean mr. Mustard”, in Anthology 3, Apple Records / EMI, 1996.
Miquelina Abóbora dos Santos
2009-03-07
Censura. A edição de hoje do Público (n.º 6913, 7.Março.2008, pp. 2-3) dedica algumas colunas ao facto de a acta da assembleia da república referente à sessão de quinta-feira passada não conter a transcrição de uma recomendação feita pelo senhor deputado José Eduardo Martins, da trupe parlamentar social-democrata, ao senhor deputado Afonso Candal, da trupe parlamentar socialista, para que fosse para a cesta acima da gávea, sofrer as tormentas do mar crespo. Por outras palavras, consta que, no hemiciclo, durante um debate, aquele senhor deputado dirigindo-se a este outro senhor deputado terá dito «vai para o caralho». Ora, queiram relevar qualquer coisinha, mas «vai para o c...», que é como surge estampada a recomendação do senhor dr. José Eduardo Martins no jornal, não é «vai para o caralho». É que «c...» não é «caralho». Ipsis verbis, «caralho» é «caralho». Pelo que parece incoerente e pouco rigoroso o modo como o caso foi tratado pelo Público. Aguarda-se pronunciamento do senhor provedor do leitor respectivo sobre gravidade tamanha. Nicky Florentino.
2009-03-06
Use your heart as a telephone. Tu perguntas-me black hearted love? e eu encolho os ombros, sem saber o que dizer. Os dias estão chuvosos. Tenho dificuldade em conciliar melancolia e novidades. A viúva.
2009-03-04
Derrame sobreontológico. Procuram-se sentidos. Há quem os procure no princípio, há quem os procure no fim. Esta demanda não deixa de ser um exercício irónico, no motivo e no alcance. Porque procura-se o que não se perdeu justamente porque não se perdeu o que se procura. A propósito, há aproximadamente dez anos, Sloterdijk aludiu numa conferência célebre ao Menschenpark. É o que habitamos quase absolutamente. Quase absolutamente porque a intimidade permanece reduto, o ponto de tensão entre a pulsão e a inibição. Um problema de sempre. Talvez seja uma invenção, não se sabe. O que se sabe mais ou menos é que tudo o que é interior desvanece-se no exterior, do mesmo modo que tudo o que é exterior desvanece-se no interior. Portanto não há saída, talvez até não haja desvanecimento. Parece que a tragédia não está a acontecer num palco, acontece-nos no corpo, precisamente na carne de cada um de nós. Às vezes o que parece é, sem se saber porquê. Baú (do Segismundo).
2009-03-01
O meu zombie querido manda dizer que disse, ix. Há cento e cinquenta anos mais um nasceu Georg Simmel, cujo pai era proprietário de uma fábrica de chocolate - isto é um pormenor muito importante. Georg foi fodido até mais não por motivos vários. Apesar disso, dissertou sobre a modernidade, sobre a tragédia moderna, com uma elegância filha da puta. Elegância analítica e filha da puta ao mesmo tempo. Tinha olho de falcão, lance de leopardo e precisão em suspensão de colibri. Flâneur - como o tipo sugerido por Benjamin - para uns, bricoleur - como o tipo sugerido por Lévi-Strauss - para outros, kantiano primeiro, vitalista depois, ele manteve uma atitude epistemológica constante só possível antigamente, quando ainda se procurava descobrir o que é que raio é a verdade. Actualmente vozes e vozes, algumas em êxtase excessivo, algumas outras em tom de salmo ou de papagaio, clamam que ele foi precursor disto e daquilo. O homem foi fodido até mais não e dizem-no avant-garde do juízo por minudências. É verdade que ele foi muito, foi muito e muito depois. Tão fodido, em consciência e por opção não fez escola. Os fodidos não fazem escola, deixam influências. Foi sociólogo quando ainda era decente ser sociólogo, antes de haver sociólogas e sociólogos, gente que constitui uma das pragas hodiernas mais deletérias. Bons velhos tempos, os de Georg Simmel. Se fosse vivo, morreu nas vésperas do termo da grande guerra de catorze-dezoito - foi fodido definitivamente por um cancro no fígado -, hoje ele seria capaz de explicar fenómenos como a senhora Manuela Moura Guedes, do mesmo modo que explicou, por exemplo, o dinheiro, Rembrandt e a transformação da dignidade das putas urbanitas, antes de, conta-se, cansado da guerra e da cidade, ter deixado de ler a imprensa e ter-se retirado para um bosque. A viúva
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).