Passionless, pointless. Começo pelo atropelo, pela consciência dos dois lados do espelho. Depois experimento o algoritmo, a versão beta, a versão definitiva, as combinações até à saturação, sem exclusões. Perfeito, haverá quem diga. Perfeito?, perfeita é a cona. Provavelmente desistirei após alguns ensaios, para, a seguir, tentar afectos e modos mais estranhos, passagens e transferências para o outro lado, não importa qual. Não sofro convicções. Alucino e sofro metamorfoses durante a identidade. Cada vez mais não sou quem sou ou sou quem não sou - sei pouco de ontologia, não consigo explicar melhor. Este facto não me espanta e não me incomoda. Já referi, não tenho a certeza, não sou de ter certezas. Ainda assim aposto que o meu zombie querido era capaz de explicar isto melhor do que eu. Mas ele fodeu-se, agora sou só eu. É estranho mas não é suficiente. Sinto-me compatível e incompatível ao mesmo tempo com o tempo e com o resultado. Faço de conta, a vida obriga-nos muitas vezes a fazer de conta e a fingir que não estamos a fazer de conta. A vida é um teatrinho. Como o penalty de sábado à noite. Eu também vou começar a pôr a mão à frente da boca quando falo, para que não consigam ler-me os lábios. Vou treinar, treinar como se fosse atleta de alta competição. Ouvi dizer que lá para o outono irão realizar-se eleições legislativas e que as listas de candidatura vão necessitar de ser recheadas com mulheres. Estou disponível. Se treinar bem a pôr a mão à frente da boca quando falo, talvez até venha a poder mandar para o caralho outros deputados e para a cona outras deputadas. Eu, deputada da nação. Que é o mesmo que do caralho que foda a nação. Como sou contemplativa mas não de ficar muito quieta e à espera, vou candidatar-me pelo partido epicurista burguês. O epicurismo burguês convém-me, mais do que férias na neve. Se não houver, vou redigir um manifesto adequado. A crise que se foda. Quero ser artista. Mais ainda. Ou talvez não. A viúva.