2007-04-30
Dos dias duros da lavoura dos brutos, viii. Comparado com Jack Bauer, Michael Scofield é um embrião de batráquio que nunca será beijado. Segismundo.
Modo de manicure. A intimidade é uma espécie de pó que se manifesta pelo alcance das mãos. Segismundo.
Excertos da abundância, i. Um extracto da noite e um dicionário. Um corpo esventrado, consumido na própria agonia. Se eu pudesse amar-te... Ninguém venceu por nocaute. Não sobraram despojos. O Marquês.
2007-04-28
Chamem a polícia! Em rigor, o mister Jesualdo Ferreira nunca deixou de ser o mister do Boavista. Nicky Florentino.
Chip natureza. Ele desejava poder afirmar que as gajas são como as pessoas, cada caso é um caso, mas. A natureza é a natureza. Segismundo.
2007-04-27
O homem da varinha mágica. Ростропо́вич, o apelido de um violoncelo silencioso agora. Segismundo.
Presto. A história está mal contada, não porque foi contada pelo senhor Prof. Doutor Francisco Louçã, está mal contada porque, sabe-se da propaganda animada, os glutões apreciam nódoas. Ainda assim a história vale pelo axioma político que lhe está subjacente. Um glutão vê um porco no campo, não um porco na cidade, não uma cabra na montanha, não um peixe a andar de bicicleta, não, vê um porco no campo, e pensa logo em dois presuntos, não em chouriços, não em salsichas, não em fiambre, não em febras, não em entrecosto, não em toucinho, nada disso, em dois presuntos, exactamente em dois presuntos, pensa em dois presuntos. Um glutão vê xis e pensa dois ípsilon, um glutão, não um senhor deputado do BE. Nicky Florentino.
Princípio precaucionário. Iklimler. É estranho. Mas às vezes o estatuto de um gajo equivale ao de um extintor, ser o único dispositivo ali, naquele lugar, a não necessitar do seu motivo para estar presente. Segismundo.
2007-04-26
O vendedor de cidades. Face a face com o passado, a cidade, de onde alguém se descobre ou encontra. Lugar que se vive, lugar que se diz, que se pisa, passo a passo, passo sobre passo. Com passo, passos. A morte é o próximo passo, a morte foi o passo anterior também. O corpo estala, lateja. O corpo. Nada é como foi, também nada foi como é. Um lugar, um lugar apenas. Com sujeito trágico, como sujeito trágico. Ruas sem nome, avenidas sem nome, casas sem número de polícia, casas sem casa, sem habitação. Mas com teelvisão. É sua - isto é, teelvisiva - a luz única que sobra para a noite. Os vampiros estão tristes, o planeta ainda é telex, não fax. Os vampiros estão tristes, o sangue é velho. Alguém descobriu um manifesto de despedida suicida, com estas palavras, quando voltar a nascer, quero nascer Bukowski. Agora os vampiros estão mais tristes, o sangue está morto. A cidade é os seus destroços, as flores em volta. Segismundo.
Estação da omnisciência. Conceitos que merecem atenção analítica, cão perigoso, limbo e real life. Segismundo.
2007-04-25
O regime e os seus claustros. Alguém do PSD falar em «claustrofobia democrática» não é extraordinário. O significado da expressão é evidente. É «clautrofobia» porque o PSD está na oposição. É «democrática» porque pode dizer-se que a democracia está para acabar e não vem daí qualquer bem ou mal ao mundo. Este ou outro, onde haja espelhos que mostrem o casaco que se veste. Nicky Florentino.
Bolsa de futuros. A improbabilidade da democracia é justamente um dos factores de sobrevalorização da democracia. Nicky Florentino.
O limite trágico do regime. O que é mais desconcertante nos rituais de celebração da democracia é a ilusão ou a incapacidade de expressão do sentido trágico do regime. Ao celebrar-se a democracia celebra-se uma inexistência, mas quase ninguém percebe isso. Aliás, a celebração referida só não é uma oração fúnebre porque isso pressupõe a consciência de uma desaparição. Como não pode conceber-se o desaparecimento do que nunca apareceu, a solenidade da celebração também não pode expressar a condição trágica da democracia. O que sobra? O sentido patético de falar em nome de. Nicky Florentino.
2007-04-24
U turn. Quem vai de rato Mickey a ovo Kinder com o mesmo sorriso é seguramente alguém pop. Ou plot. Nicky Florentino.
Avé Maria. A forma mais inescapável e inclemente de fascismo é a maternal. É a mais inescapável porque é doméstica e apenas a orfandade garante esquiva. É a mais inclemente porque é uma cobrança permanente de uma espécie de dano e dívida uterina em relação à qual a criatura devedora não tem qualquer responsabilidade, mas, ainda assim, é devedora e terá que ser pagadora. Nada a fazer, portanto. Posto assim, ninguém julgue que o fascismo aludido se manifesta sob a condição de «sogra». Não, nada disso. O fascismo aludido manifesta-se sob a condição de «mãezinha». Exactamente, mãezinha. As provas são mais do que sobejas. Alguém experimente dizer à mãezinha que desconhece o paradeiro do tupperware que, um dia, com ou sem consentimento expresso dela, utilizou e levou sabe-se lá para que destino - atenção!, é provável que ela saiba e enuncie o destino referido. Qualquer mãezinha que digne a sua condição é um nazi dos tupperwares. Para além disso, alguém experimente surgir diante da mãezinha com a fralda da camisa de fora - a dar ares de jovial, não obstante a idade para ser homenzinho e ter juízo - e, pior, com essa mesma camisa, que tanto tempo consumiu a ser passajada, engelhada. Pois é, uma mãezinha é um Benito ou um Adolf das camisas aprumadas, sem vinco. Pelo que, comparado com qualquer mãezinha nestas circunstâncias, reconheça-se, Salazar mais não foi do que um corneto de morango. Segismundo.
Entretanto, no sítio de pokémon amarelo. Na teelvisão a pátria suspende-se com facilidade. Quando não é por causa de um diploma em engenharia civil é por causa de uma carótida. É no que dão os milhões de benfiquistas. Segismundo.
2007-04-23
Dos dias duros da lavoura dos brutos, vii. Durante a infância, ao pequeno almoço Jack Bauer comia Троцький com muesli e, depois, não arrotava, rugia como um leão. Segismundo.
Morus conscientiæ. O humano é um animal que padece de dois privilégios estranhos, a promessa e a confissão. Pelas promessas afixa-se a um futuro, pelas confissões tenta demarcar-se de um passado. O que significa que não consegue encontrar-se com o presente. Isto é, consigo. Segismundo.
2007-04-22
Por Dühring. Os factores que fundam a impossibilidade da humanidade são os escrúpulos e os melindres. Segismundo.
Cavalos. Por dádiva ou usurpação, de deus temos ou conseguimos tudo, excepto a velocidade. Segismundo.
Acácia, meu amor # xxix. Sabes?, meu amor, às vezes o corpo, o meu corpo, parece-me um território perigoso. Não sei como o evitar, como fugir dele, não sei como escondê-lo. Sinto-o demasiado meu, tanto, tanto, que quase o sinto eu. Como se eu fosse o meu corpo, o meu corpo apenas e só. Parece impossível, não é?, mas é assim. É uma estranheza dissoluta, em mim. É um império que me consquistou. Eu saio, guardo-me, e junto de mim, justamente onde estou, descubro o corpo, o meu corpo, como se ele me perseguisse sempre. Mas não é só isso, é também a sensação que aquele corpo sou eu, não que eu sou aquele corpo, percebes?, meu amor. É por isso que a necessidade é uma forma de me libertar de mim. Tomada pela necessidade, rumo à carne, corro, persigo o sangue que corre. O corpo, o meu corpo, vai comigo, acompanha-me na caçada, mas vai atrás de mim. À minha frente vai a carne, a carne que persigo, a carne que necessito. Eu vou no meio. E depois regresso a ti, meu amor. Eliz B.
2007-04-21
Heróis por fantasmas, i. Sugestão dele para ela, faz-me feliz, faz-me um dinossáurio. Segismundo.
2007-04-20
PP. A pátria é pequena. O que significa que os seus bens e males, as suas gentes, elites ou massas, são proporcionais a essa pequenez. Nicky Florentino.
Cogito. A consciência, não a coincidência, a consciência é o produto do choque frontal de alguém consigo. Será lucidez se desse choque resultar fractura exposta. Segismundo.
Ecos de Αρχιμιδις. Celebra-se a invenção da roda. Celebra-se a invenção da pólvora e da rolha de cortiça. Celebra-se a invenção dos bife e leite de soja e do microprocessador. Celebra-se a invenção do controlo remoto, da via rápida, dos telediscos, do curling e dos iogurtes liofilizados. Mas, seguro, nenhuma é mais índice de civilidade do que a invenção do ar condicionado. Agora, sim, o ambiente corresponde-nos. Segismundo.
2007-04-19
Página do livro dos equívocos, xi. Sabe-se da vida, reciprocidade não é igualdade. Também não é simetria. E isso sofre-se. Segismundo.
2007-04-18
Agência. Não se nota, mas a paciência dele é mais uma canção dos Joy Divison do que uma canção dos Tindersticks. Segismundo.
2007-04-17
O adeus demorado. Palavras que soaram na teelvisão, o Benfica continua a despedir-se do título. Qual?, ninguém sabe. Segismundo.
Death is a lonely business. Pode discutir-se a vida. Em particular, pode perguntar-se: a vida é um fim? ou é um meio? Mas depois lá vem a sentença célebre de Heidegger, Sein zum Tode. O que significa que, se a vida é um fim, a morte é o fim. É isso que nos faz solitários perante ela - ela, a morte. Segismundo.
Where the gods pass on their way. A manhã entorpece os sentidos. As cores são rápidas e nítidas apenas à velocidade Mach três da noite. Segismundo.
2007-04-16
Dos dias duros da lavoura dos brutos, vi. Jack Bauer é simultaneamente o padrão e a garantia da resexistência da humanidade. Segismundo.
Ctrl+Alt+Del. O veneno descobre-nos com mais facilidade do que a mortalha ou a redenção. Segismundo.
2007-04-15
Gajas, o paradigma e o sintagma. Parte do martírio de um gajo mede-se em quilómetros. Ontem à noite, durante quase trinta quilómetros ele teve que ouvir uma discussão sobre modalidades e preços de depilação, assunto que o interessa deveras. Depois o cenário sossegou e, do mal o menos, na cápsula passou a ouvir-se Patrick Wolf apenas. Mas ainda ele não estava plenamente recomposto, embora já tivesse chegado ao destino e estivesse com os pés assentes em chão, eis que alguém se aproxima de uma das que tinha animado a discussão durante a viagem e lhe pergunta, o ben-u-ron cura uma dor de pescoço? Segismundo.
Acácia, meu amor # xxviii. A submissão. A submissão é o que resulta do combate. Primeiro sob a forma de quietude imposta ao corpo, depois sob a forma de distância, de afastamento desse mesmo corpo em relação a determinado território. É por isso que, entre os gatos maiores, na derrota triunfa simultaneamente o exílio e a soberania. Agora, meu amor, é a tua vez. Eliz B.
2007-04-14
Running to stand still. Ver um unicórnio com as mãos nos bolsos, sem passar para o outro lado do espelho. Segismundo.
O princípio do fim do mundo. Após mais de uma década de venda de serviço docente, pela primeira vez ele teve que leccionar antes da hora do almoço. Foi hoje a violência. Segismundo.
2007-04-13
Uma questão de sororidade. Muitas jamais serão donas de casa desesperadas. Ficar-se-ão por um horizonte mais breve, serem desesperadas apenas. Segismundo.
Onde é que está o Sherlock Holmes que somos? quando precisamos dele. Voltas e voltas e voltas e voltas e mais voltas. E a porra do bilhete que daria acesso amanhã à Aula Magna está onde está, quietinho, à espera. Ele só não sabe onde. Não está junto aos outros. Não está em qualquer dos lugares plausíveis ou a que a memória sugeriu revista. Por isso ele decidiu esquecê-lo pelo preço de outro bilhete e um favor. Segismundo.
I look down at my hands, like they were mirrors.* Muitas vezes o engano está no que é olhado, não no que se olha. Segismundo.
* verso da canção “New monster avenue”, incluída no álbum Get Lonely (4AD, 2006), d’The Mountain Goats.
2007-04-12
Sob Vœgelin. O cavaquismo sobrevivente é o que sempre foi, uma espécie de gnosticismo. O senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva vislumbra para além de todos e sobre todos o que o portugueses autenticamente necessitam - mais do que o que querem - e nunca simpatizou com o povo não ilustrado, cativo de interesses mesquinhos ou conveniências. Mais correcto, sempre defendeu o povo de si - si, o povo. Em toda a sua imanência, a acção política do fulano foi sempre em prol do povo, substituindo-se ao povo, excepto no que era difícil, justamente a empreitada da dita modernização do país, das mentalidades, da economia, da administração pública, do diabo et cætera. Onde era necessário ir ao osso calhava aos gentios, no demais do jogo ordenava ele e, depois, adormecia sossegado na travessa do Possolo. Foi assim com ele, foi, é e será com qualquer outro fulano a cumprir a função de coe deste rés-do-chão chamado Portugal. Recorde-se que, enquanto senhor primeiro-ministro, o fulano não foi senhor de grandes contemplações. Cortou a direito, com cassetete quando entendeu necessário, como sói dizer-se. Agora, enquanto senhor presidente da república, tem vindo a insistir na necessidade de ponderar isto e aquilo sobre isto e sobre aquilo. Mas, em rigor, o fulano não parece mais interessado na ponderação do que em fazer vingar o gnosticismo que professa, assente no princípio basilar de, xô!, manter os gentios no seu devido lugar. Admite a chatice da soberania popular nos concursos eleitorais, mas realça e salienta a autoridade dos órgãos de soberania. E a estabilidade, ó a estabilidade. Compreende-se, pois, que, no seu juízo douto e superlativo, geométrico e económico, a criatura jamais se tenha entusiasmado com, abrenúncio!, abrenúncio!, o referendo sobre o tratado europeu. Nicky Florentino.
Uma personagem. É-me indiferente se o senhor eng.º José Pinto de Sousa é engenheiro ou se, tendo ido à tropa, foi cabo miliciano ou o raio que o parta. Fixei-lhe as feições e, para o que quer que seja, para mim foi, é e será o senhor eng.º José Pinto de Sousa, fulano, agora sei, licenciado em engenharia civil pela Universidade Independente. Reitero, licenciado em engenharia civil pela Universidade Independente, cujas instalações são ali para as bandas do Batista Russo, desde milnovecentosenoventaeseis. Posto isto, não se vislumbra o que mudaria se a criatura não fosse licenciada ou fosse licenciada em qualquer outra arte ou inutilidade, tipo engenharia aeroespacial ou direito ou economia ou sociologia. Convenhamos, a situação não está para melindres. A malta deve fazer pela vida, aproveitar as oportunidades e, como dizem os de outrora, instruir-se. Foi o que o senhor eng.º José Pinto de Sousa fez. Ele até tem um mba não se sabe bem em quê atestado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, vulgo ISCTE. Para além disto, note-se, nenhuma das suas propriedades académicas é evidente ou importante na teelvisão. Tão pouco o modo como as obteve. Com trabalho árduo concerteza, porque para um gajo ser engenheiro é preciso dar ao chinelo como o caraças. Pelo que o que verdadeiramente releva é que, como qualquer outro, o senhor eng.º José Pinto de Sousa é o que projecta de si em situação pública. E se diz que é licenciado em engenharia civil e se comporta como um licenciado em engenharia civil é porque ele é licenciado em engenharia civil. Ou seja, ele sabe o que é, nós sabemos o que ele é e é uma felicidade para todos. Nicky Florentino.
Ipsis verbis. Alguém, sentado num banco de jardim, o problema é que ele não tem nem a confiança nem a liberdade para falar comigo assim. Segismundo.
Catálogo onomástico. Perguntaram-lhe que nome daria a um gato. Ou Osvaldo Ardiles. Ou Teófilo Cubillas. Ou Ludovico Settembrini. Ou Ulrich. Reacção às sugestões, ó tio!, por que é que não és uma pessoa normal?, como as outras. Segismundo.
Era uma vez um colectivo animal. Coisas que ainda fazem estremecer um gajo, ouvir e ver um panda sem ir ao jardim zoológico. Segismundo.
2007-04-11
Escala de Agave, viii. Canção triste é (sal)dar a culpa à consciência sem salgar a face. Segismundo.
Some are born to endless night. Aprender a não confiar é tão importante quanto aprender a confiar. Tal e qual como em relação aos semáforos durante a madrugada. Segismundo.
2007-04-10
Indy. Diga o que se disser sobre a graduação do fulano, o senhor eng.º José Pinto de Sousa é e continuará a ser o senhor eng.º José Pinto de Sousa. Na pior das hipóteses por usucapião. Nicky Florentino.
Maçado por nado em Vilar de Maçada. Até a tira Calvin & Hobbes estampada na edição de hoje do Público é uma alusão subliminar às suspeitas sobre a validade da graduação do senhor eng.º José Pinto de Sousa. Nicky Florentino.
Ligações directas. Manifestou o senhor presidente do CDS/PP que “ter um Paulo Portas em segunda mão é um desastre para o partido”. Este é o problema eterno dos sobresselentes em política. Nicky Florentino.
Ai tão amigos que nós éramos antigamente. Disse o senhor dr. Manuel Monteiro que o senhor dr. Paulo Portas é “o testemunho vivo da falta de coluna vertical política”. O que não é elogio só porque não é oração fúnebre. Nicky Florentino.
Doutrina bendita. Apanhei o fio da meada aqui. Segundo as doutíssimas excelências do Supremo Tribunal de Justiça não pode noticiar-se a verdade. Ou melhor, poder? pode, porém, depois, há que pagar-se uma indemnização a quem se sente prejudicado pela revelação da verdade, não por não ser verdade, mas porque a verdade revelada não é conveniente. Ora ainda bem que é assim. Pois agora concerteza que os fulanos e as entidades que se esquivam à tesouraria da fazenda pública podem rogar as devidas reparações indemnizatórias por o estado andar para aí a publicitar quem deve e quanto deve. Segismundo.
A volta dos tempos da manteiga dura. Diz o Filipe que assim é com os esquilos, diz o Pedro que assim é com os benfiquistas também. Segismundo.
Página do livro dos googlemas. Ora aí está algo, o Casino Marcelo Rebelo de Sousa, que merece ser investigado aturadamente. Segismundo.
Escala de Wittgenstein, i. Um gajo pode aludir muitas vezes ao caralho e não ser necessariamente denotativo. Segismundo.
Contra os sobejos pop. Ouvia-se uma voz apenas, uma voz grave, em exercício de exortação. Temos que fazer explodir petardos em salas de cinema, em parques temáticos, em centros comerciais, nos corações e nos olhos das pessoas, nas suas cabeças, em quebra-cabeças, em origamis, em aviões comerciais ou de papel, em cacilheiros. Essas explosões serão o detonador da inquietude e o princípio do fim da apatia. Depois, pela intensificação da inquietude e pela dissipação da apatia, virá a revolução e consumar-se-á outro modo de dor. O Marquês.
2007-04-09
Life is life, a telenovela da vida real. Consta que a história de Faye Turney com o lenço na cabeça vai ser transposta para écran a troco de umas quantas libras. Parece que o próprio governo britânico patrocinou tal hipótese, nada obstando. O que significa que não são apenas os iranianos que têm dificuldade em conseguir respeitar uma pessoa. Segismundo.
Dos dias duros da lavoura dos brutos, v. À semelhança de deus, Jack Bauer é como se não existisse. Segismundo.
A confirmação da culpa. Depois de tudo, importante é a sensação que se fica a dever o momento a alguém. Segismundo.
2007-04-08
As vésperas de todo o mundo. No que releva da condição humana, o mundo pós-edénico é o que é por inveja divina. A prova dessa inveja decorre, antes de mais, da mentira utilizada por deus para evitar que o homem e a mulher colhessem e trincassem o fruto de uma árvore que estava no meio do jardim dos princípios. Atemorizou-os deus com a consequência da morte. O mero toque produziria esse efeito. Ora isso era uma mentira de perna curta, porque o dito cujo e a dita cuja comeram o fruto da árvore aludida e o mais que lhes aconteceu foi perceberem que estavam desnudos. Deus até lhes confeccionou e providenciou vestimentas. Depois enxotou-os do jardim. Mas porque ainda assim a inveja não estava resolvida, para reservar definitivamente o acesso à árvore famigerada, cuidou de colocar querubins munidos de espadas flamejantes na ala leste do horto. Se à data isso talvez impressionasse, hoje sabe-se que o sabre luminoso de Luke Skywalker é muito mais potente e que deus é um gajo morto. Segismundo.
Nobody fucks with the Jesus
© Joel Coen, cena d’The Big Lebowski
para ver a cena integral clicar aqui
Segismundo.
Acácia, meu amor # xxvii. Hoje é o dia da concórdia. Por isso combato, vou à luta. Entrego o meu corpo à sua justiça, à sua força. Chegarei até onde ele alcançar. Não disputo a verdade. Não disputo os chãos. Não disputo o que resolve a fome ou a sede. Disputo o corpo, o meu contra o de outro, sem oração. Encontrar-me-ei no seu limite, consciente de que é aí que (e)s(t)ou fera. E que será sobre ti, meu amor, à tua guarda alta, que descansarei todas as minhas feridas, as visíveis e as invisíveis. Eliz B.
2007-04-07
A emissão prossegue dentro de momentos. Mais do que tranquilidade, avisado é saber que há um lugar onde se pode regressar. Segismundo.
2007-04-06
Modo imediato de azul. Morreu. Esteve sequestrado poucas horas, em ambiente confortável. Não ouviu uma palavra para além de todas as que utilizou em interrogações e rogos. O que é que se passa?, o que querem de mim?, até as perguntas serem mais vagas e resumirem-se a porquê? Gritou várias vezes porquê?, ninguém lhe respondeu. Era-lhe a angústia maior assim.
Um dos sequestradores estava sentado. Tinha dois livros ao seu alcance, que lia alternadamente. Era estranho. E tornava a situação ainda mais tormentosa. A juntar à dúvida sobre a sua situação, aquele rapaz, com a cara descoberta, lia em simultâneo um romance de Philip Roth e um romance de Agustina Bessa-Luís. The Human Stain, assim, em edição original, intercalado com Doidos e Amantes. Ou vice-versa. Porra!, primeiro cita Foucault, depois escreve «amar os amantes é uma lei da física», tudo na mesma página! *
Ainda não se tinha extinguido a exclamação, dois carros pararam diante da rampa de acesso à casa. Ao mesmo tempo tocou o telefone. Um aproximou-se e disparou sobre os joelhos dele, estilhaçando-os. Os agentes policiais precipitaram-se. Não ouviram os tiros, ouviram os gritos.
Nos últimos instantes, ficou-lhe a sensação que a eternidade, mais do que o infinito, começava depois da porta, aquela porta. Que, passada, a situação lhe permitiria comprar o tempo todo e sobreviver. Não sei. Não percebeu. E pereceu sem saber o que tinha acabado de ouvir, se um rumor, se um murmúrio. O Marquês.
* vide Bessa-Luís, Agustina, Doidos e Amantes, Lisboa, Guimarães Editores, 2005, p. 173.
2007-04-05
Sequências, iii. Primeiro o pecado, depois, um, dois, três, trinta, o pagamento. Segismundo.
Perfect strangers. Alguém tem que ser estranho para ser perfeito. O mundo não está para absolute beginners. Segismundo.
Caminhos para a metanóia. Cada vez mais a esperança cinge-se a uma forma e a uma necessidade, a catástrofe. Sem acidente, a contigência não é suficiente para desembaraçar nem da realidade nem do realismo. Segismundo.
2007-04-04
Como é que se mantém uma bolha chamada Sócrates? A majestade imaginada do senhor eng.º José Pinto de Sousa decorre muito do ar áureo que foi insuflado na sua imagem pública. Compreende-se, pois, todos os cuidados encetados pelo próprio ou por assessores seus no sentido de dar por irrelevantes os apuramentos jornalísticos tentados sobre o processo conducente ao título de licenciatura que o fulano ostenta. Na prática, os diversos telefonemas feitos mais não são do que formas de soprar, de continuar a soprar a bolha, evitando que toque o chão dos comuns. Porque, como sentenciou o desgraçado Marx, tudo o que é sólido gaseifica-se no éter, é disso, ar, que as bolhas necessitam para preservar a respectiva vacuidade. Nicky Florentino.
As águas territoriais do mundo. A imagem de Faye Turney com o lenço na cabeça diz quase tudo sobre o que não é conseguir respeitar uma pessoa. Segismundo.
Sequências, ii. Hoje o excesso, amanhã o reparo homeopático. Como se a realidade fosse um efeito de hipostasia. Segismundo.
Virgem suicida. Sobre a mesa, ao lado da cabeça jacente, havia uma nota escrita numa caligrafia irrepreensível. Olhos nos olhos, os meus e os da fera, e pelo olhar a sensação que habito a fera e que a fera habita-me e, porque me vence num golpe, oferece-me a si, fazendo do mim um sacrifício necessário. O Marquês.
2007-04-03
Programa de investigação. Cheguem-se adiante as doutrinas. Por que é que a prosódia da palavra patchouli no verso “Patchouli, borbulhas e brilhantina” da canção «Chico Fininho», de Rui Veloso, é diferente da prosódia da mesma palavra no verso “e tudo graças ao perfume Patchouli” da canção «Patchouli», do Grupo de Baile? Segismundo.
Sequências, i. Primeiro a vitória, depois a justiça. É por isso que a incompletude é a condição de cada um de nós. Segismundo.
2007-04-02
No hospício Portugal. Já desde pouco depois de o senhor eng.º José Pinto de Sousa ter sido alcandorado em senhor primeiro-ministro da pátria que, para tratar da saúde autóctones, é cobrada uma taxa de internamento, os dois pontos percentuais a mais encavados sobre os dezanove do imposto sobre o valor acrescentado. Nicky Florentino.
Gillette no país das maravilhas. É o nome de uma operação que ele vai sofrer hoje. Segismundo.
Dos dias duros da lavoura dos brutos, iv. Cristo foi crucificado. Jack Bauer não, nunca. Segismundo.
Ópio mustang. Está um gajo sossegado e, súbito, vislumbra uma maçã a preencher todo o espaço, como a maçã d’La Chambre d’Écoute, de Magritte. Segismundo.
2007-04-01
Um a um. Em termos futebolísticos, o senhor mister Jesualdo Ferreira é algo entre o bacilo e a toupeira. Nicky Florentino.
Stress pós-traumático, i. Ele recorda perfeitamente o dia em que os seus paizinhos o que levaram a confirmar o mar da palha. Apesar de sobejamente avisado, a decepção foi enorme. Aquilo não era mar, coisa que ele conhecia muito bem, era rio. E, mais grave, não havia vislumbre da palha, era água apenas. Sob choque, embora tenro, foi a primeira vez que admitiu que os adultos padeciam de uma qualquer disfuncionalidade hermenêutica e, por qualquer motivo, impossível de esclarecer, embora vivessem em engano, pareciam não se incomodar com esse facto. Chorou e, com a sensatez que conseguiu, disse, já vi tudo, podemos ir embora, está a apetecer-me um gelado. No entanto, passados pouco instantes, tornou-lhe a curiosidade, ó pai, quando é que compras uma enfardadeira daquelas que mete a palha em rolos grandes? Segismundo.
Acácia, meu amor # xxvi. Ai, ai, afinal não, não é fome o que sinto, é outra necessidade. É a mesma perturbação, são as mesmas palpitações, isso é certo. Mas este caso não se resolve pela corrida ou pela carne em sangue. A indolência também não me permite aplacá-lo por esses meios. É uma natureza estranha, esta sensação. É um desejo imenso, uma agitação tremenda, como se eu fosse o domicílio da esperança de toda a espécie. Seja o que for, tenho pudor em chamar-lhe paixão. Por isso, vou tentar demorar a preguiça. Eliz B.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).