2005-02-28
Venham a mim os vossos votos. Segundo o juízo do senhor dr. Luís Filipe Menezes, “é muito importante que os políticos tenham legitimidade eleitoral directa”. Para além disso, em coerência com o aludido juízo, entende o fulano que “o facto de ser candidato a uma Câmara [Municipal] é compaginável com uma entrada no parlamento lá para diante, a meio do mandato autárquico”. Certamente porque, há-de julgar ele – sabe-se lá –, a legitimidade eleitoral directa é um endosso à real gana, conforme a puta da conveniência. Nicky Florentino.
O contentamento da miséria. Um dos mesmos, daqueles do costume, decidiu incomodá-lo porque o Futebol Clube do Porto empatou com o Benfica. Queria réplica, para aplacar a amargura de, agora e ainda, ser benfiquista. Ele, o incomodado, nada replicou. Porque não tinha defesa – o Futebol Clube do Porto jogou mal. E porque não se deve poupar os que ficam satisfeitos com um empate à experiência silenciosa da miséria dessa satisfação. Segismundo.
Défice. A falta de paciência não me permite considerar-te, quanto mais considerar-te urgente, disse ele, a ela,
You say love is a temple, love a higher law
Love is a temple, love the higher law.
You ask me to enter, but then you make me crawl
And I can't be holding on to what you got, when all you got is hurt.
sobre o friso da canção que, no instante, passava na telefonia. Segismundo.
2005-02-27
O jogo da glória democrática. Celebrar o povo aquando a realização de eleições ou a propósito dos respectivos resultados é uma mania. Não uma mania como qualquer outra. É uma mania armada ao pingarelho. Porque é uma sinédoque, celebração que supõe que todos ganham, como se os abstencionistas e os degraçados que votaram nos partidos políticos derrotados não existissem. Nicky Florentino.
Se há coerência. É provável que o senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva não venha a ser candidato a senhor presidente da República. O motivo é óbvio. Tal candidatura é prejudicial à carreira académica do fulano. Nicky Florentino.
Não disse sucelência. O jornalista disse Pacheco Pereira e esperou que o senhor dr. Luís Filipe Menezes elaborasse sobre o assunto. Porém, o fulano esquivou-se. Nada quis dizer. É isto, o silêncio, o reconhecimento. E o ressentimento. Nicky Florentino.
2005-02-26
Ida e volta. Por que é que o corpo tende a regressar aos mesmos territórios?, aos que conhece?, se, depois, já conheceu tantos outros. Segismundo.
2005-02-25
Exercício, ii. Riscar o que não se aplica.
Exercício, i. Descobrir as diferenças. Luís
A ironia pelos sentidos. O que quer dizer o silêncio?, o teu, perguntou-se ele. Segismundo.
2005-02-24
The long way home. De manhã o mundo é mais estranho, bizarro. Mostram-se coisas que à noite, se acontecem, acontecem escondidas. Hoje, por exemplo, pouco depois das nove horas, na estação de serviço de Aveiras, estava estacionado um carro funerário, em serviço. Transportava um caixão, coberto por um manto de veludo escuro, sobre o qual, a ornamentar, estavam dispostas várias, muitas, coroas de flores. O condutor do veículo tinha ido descansadamente tomar o pequeno almoço. Sabia que o seu cliente não estava com pressa. E que tão pouco iria reclamar em razão da demora. Pois aos mortos não acontecem urgências. Segismundo.
Quando a manhã é hora de maus pronúncios. Sair de casa à hora a que habitualmente se toma o pequeno almoço - para, depois, ir dormir - não é simpatia. É fraqueza. E estar, por só se poder estar, em má companhia. Segismundo.
2005-02-23
A
Um, dó, li, tá. Começou o concurso eleitoral que verdadeiramente interessa à pátria. Quem será a criatura que se segue na presidência desse albergue, sem chão, sem paredes, sem tecto, chamado PSD?, onde cabem tanto o senhor dr. Marques Mendes quanto o senhor dr. Luís Filipe Menezes ou a senhora dr.ª Manuela Ferreira Leite. Isso é que interessa. Pois consoante a resposta, assim será o próximo Governo. Ou bom. Ou mau. Nicky Florentino.
Tsunami! Ele há coisas que, mesmo quando mudam, não mudam. Esse plumitivo assanhado que é o senhor dr. Luís Delgado disse que era preciso dizer que o senhor dr. Durão Barroso, quando primeiro-ministro, governou mal e mentiu. É isto a puta da desfaçatez. Não estar calado. Nicky Florentino.
2005-02-22
Do auto-governo. Os gentios que sabem o que custa a puta da vida não esperam que o Governo os governe ou venha governar. Eles governam-se. O Pedro, por exemplo, emprega lá em casa um exemplar dessa espécie. Sobrevivente. Nicky Florentino.
As condições da estabilidade que ninguém
Mudar de vida, ii. Já entregue ao exercício de amolador, a preparar o cutelo, disse o senhor dr. Marques Mendes que o PSD necessita mudar de vida. É um modo simpático de dizer que o senhor dr. Santana Lopes é um morto-vivo, mas não pode continuar a ser zombie na São Caetano à Lapa. Isso, apenas em São Bento. Da Porta Aberta. Nicky Florentino.
Mudar de vida, i. Nisto das políticas há apenas uma forma de morrer bem. Que é morrer vivo. Ao senhor dr. Santana Lopes, coitado, já lhe aconteceu isso. Mas a consciência do fulano ainda não processou a ocorrência. Nicky Florentino.
2005-02-21
Já começaram as mudanças. Hoje, lá em casa, não houve jantar para ele. Mas perguntou-lhe a mãe o que desejava ele para o almoço de amanhã. O que significa que, naquele domicílio, voltou a ser-lhe reconhecido o mais elementar direito. À vida. Segismundo.
Opinião e cotonete. O senhor eng.º José Sócrates disse conseguimos. O senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa disse que ele disse consegui. E nenhuma das criaturas que com ele partilhava o balcão, os demais senhores comentadores e os senhores jornalistas, o corrigiu. Compreende-se. Todos eles, juntos, são mais de falar do que ouvir. Nicky Florentino.
Mau princípio é. Sair pela porta da frente quando, antes, se entrou pela porta de trás. Nicky Florentino.
2005-02-20
Mártir de si-mesmo. O senhor dr. Pedro Santana Lopes pode ser santo. Pode ser o raio que o parta. Não se sabe. Sabe-se é que caiu, estatelou-se. E que, apesar de já ter começado outra cerimónia fúnebre, a de si-mesmo, ele não quer sair do altar. Segismundo.
Outono tardio. Que paisagem tão triste. Portas a cair. Segismundo.
Turismo eleitoral. Hoje, na cidade pequena, a sua, reconheceu ele muitas caras que já não via há muito tempo. Segismundo.
A insustentável leveza do inferno democrático. Cedo, antes do sono, decidiu ele não abster-se - uma das hipóteses que admitiu - e foi ao seu outro direito, votar. Ao sair da assembleia de voto, começou a aproximar-se dele, vinda de dentro, a sensação de erro, de culpa. Domiciliou-se em si e aí cresceu a vibração típica de quem se desdobra em Punch, numa das mãos, & Judy, na outra. Depois, sob este assombro interior, foi tomar o pequeno-almoço. Comprou o Público. E foi deitar-se. Nada havia já a fazer. Pois para o feito, como feito por si, não há redenção. Por isso, quando acordar, tornará ele ao desassossego. E, cativo da epistemologia irónica que o dana, continuará a esforçar-se para ser liberal old fashion. É um mau caminho. Mas, porque não acredita nem na inocência nem na remissão dos pecados, é o seu caminho. Em política, como no demais da puta da vida, heaven can wait. Segismundo.
Exame democrático. O boletim de voto é uma folha de teste com uma pergunta só para a qual não há resposta correcta. Nicky Florentino.
Matrix, ou por que é necessário o choque tecnológico. Tanta tecnologia. Até já se conseguem enviar cápsulas voadoras para luas de Saturno, ao mesmo tempo que a água continua a correr nas torneiras. No entanto, para se compor o raio de um elenco parlamentar, continua a ser necessário votar. A soberania popular, mesmo se apenas ilusão, é obviamente um escolho do passado, um arcaísmo que estorva a emancipação. Daí a urgência em abandonar a mania do sufrágio. Que se deixem as máquinas governar a pátria. As máquinas de um casino, por exemplo. Elas são instrumentos sem conveniência própria. E, portanto, nossas amigas. Nicky Florentino.
2005-02-19
Porque a democracia é para ser uma ordem de banda larga. Escreveu o Ivan, “a política é uma questão de escolhas”. Pode ser que sim. É por isso que, admitindo tal concepção, politicamente, as hipóteses de escolha nunca são demais. E o voto em branco é uma delas. Para além disso, é estreito o juízo que assenta o voto branco como uma não escolha. O voto branco pode ser uma escolha. Uma escolha, apesar dos pesares e dos apesares. Para alguns, pelo menos, é-o. Assim como o voto no BE - ou em qualquer outra candidatura - pode ser uma não escolha. Uma cruz de rebanho. Que, pela consolada integração numa comunidade de culpa, serve para, pela partilha do erro, diluir a culpa, aliviar o sentimento de (ir)responsabilidade e imacular a consciência do fulano votante. Sabe-se lá. Daí que, em democracia, o voto seja de cada um. Daí que, apesar de reservado no acto da sua enunciação ou abstenção, o voto seja objecto de uma leitura agregada e pública. Os direitos são assim. Para usar como aprouver ao titular. Ou, então, não são direitos. São instrumentos de coação. Ou de comando. Nicky Florentino.
Plateau de Estado. Já se sabia a figura politicamente pungente do senhor dr. Jorge Sampaio. Suspeitava-se até que, por desfaçatez ou presunção republicana, entretanto viesse apelar à civilidade dos gentios. Mas o fundo cénico sobre o qual gravou a declaração que endereçou à pátria ultrapassa tudo. O que é sinistro. Nicky Florentino.
Antes que. Subsídios para uma reflexão sobre o depois de amanhã. Há mais de centoevinte anos, escreveu Ralph Waldo Emerson, em “Politics”, um dos Essays: Second Series,
“(...) Every actual State is corrupt. Good men must not obey the laws too well. What satire on government can equal the severity of censure conveyed in the word politic, which now for ages has signified cunning, intimating that the State is a trick?
The same benign necessity and the same practical abuse appear in the parties into which each State divides itself, of opponents and defenders of the administration of the government. Parties are also founded on instincts, and have better guides to their own humble aims than the sagacity of their leaders. They have nothing perverse in their origin, but rudely mark some real and lasting relation. We might as wisely reprove the east wind, or the frost, as a political party, whose members, for the most part, could give no account of their position, but stand for the defence of those interests in which they find themselves. Our quarrel with them begins, when they quit this deep natural ground at the bidding of some leader, and, obeying personal considerations, throw themselves into the maintenance and defence of points, nowise belonging to their system. A party is perpetually corrupted by personality. Whilst we absolve the association from dishonesty, we cannot extend the same charity to their leaders. They reap the rewards of the docility and zeal of the masses which they direct. Ordinarily, our parties are parties of circumstance, and not of principle; as, the planting interest in conflict with the commercial; the party of capitalists, and that of operatives; parties which are identical in their moral character, and which can easily change ground with each other, in the support of many of their measures. Parties of principle, as, religious sects, or the party of free-trade, of universal suffrage, of abolition of slavery, of abolition of capital punishment, degenerate into personalities, or would inspire enthusiasm. The vice of our leading parties in this country (which may be cited as a fair specimen of these societies of opinion) is, that they do not plant themselves on the deep and necessary grounds to which they are respectively entitled, but lash themselves to fury in the carrying of some local and momentary measure, nowise useful to the commonwealth. Of the two great parties, which, at this hour, almost share the nation between them, I should say, that, one has the best cause, and the other contains the best men. The philosopher, the poet, or the religious man, will, of course, wish to cast his vote with the democrat, for free-trade, for wide suffrage, for the abolition of legal cruelties in the penal code, and for facilitating in every manner the access of the young and the poor to the sources of wealth and power. But he can rarely accept the persons whom the so-called popular party propose to him as representatives of these liberalities. They have not at heart the ends which give to the name of democracy what hope and virtue are in it. The spirit of our American radicalism is destructive and aimless: it is not loving; it has no ulterior and divine ends; but is destructive only out of hatred and selfishness. On the other side, the conservative party, composed of the most moderate, able, and cultivated part of the population, is timid, and merely defensive of property. It vindicates no right, it aspires to no real good, it brands no crime, it proposes no generous policy, it does not build, nor write, nor cherish the arts, nor foster religion, nor establish schools, nor encourage science, nor emancipate the slave, nor befriend the poor, or the Indian, or the immigrant. From neither party, when in power, has the world any benefit to expect in science, art, or humanity, at all commensurate with the resources of the nation”.
Como com os cromos, portanto, era bom que se trocassem umas ideias sobre o assunto. Nicky Florentino.
2005-02-18
Basic. Em linguagem não nova, o senhor eng.º José Sócrates parece um boneco programado. Para o Governo. É esta a primeira de todas as desgraças que se anunciam. Nicky Florentino.
Trai o que amas e serás feliz. É de boa prosa e melhor raciocínio o senhor secretário-geral do PCP. Disse ele ontem, “aos homens e mulheres socialistas que amam o seu partido, se quiserem que o PS continue de esquerda, dêem um voto à CDU, que é a melhor forma de impedir as políticas de direita”. O romance é complexo. Mas é assim mesmo. Uma espécie de tragédia. Não de drama. Nicky Florentino.
Contra as dúvidas, a nudez. Entende e alardeia o senhor dr. Paulo Portas, “o CDS é um bom agasalho para quem tem dúvidas”. Entendimento e alardeio manifestamente estúpido. Pois quem tem dúvidas não carece mais de uma samarra do que de despir-se. Nicky Florentino.
Alegoria da caverna. Segundo o senhor dr. Santana Lopes, “a clareza antes do tempo gera confusão”. É por isso que o sossego e o discernimento, sempre, garantidos, apenas existem nas trevas. Nicky Florentino.
O povo é a praga e a sarna. Disse o senhor dr. Santana Lopes, “em Lisboa, ganhei as eleições com os bairros municipais. Na Figueira da Foz, os notáveis da terra estavam todos com o PS. Eu ganhei as eleições foi com o povo. Custa. Dói. Mas é verdade”. Em política, os ingratos são assim. Ganham as contendas eleitorais com os votos do povo e, depois, dizem que isso amarga, magoa. Nicky Florentino.
Vozes. Um tal Alberico Lopes está danado com o José. Muito. Provavelmente não é o único. O que só abona a favor do José. Segismundo.
Augúrio. Para além dele, entraram três meninas, juntas, todas a falar Português açucarado. Quando uma delas, das três brasileirinhas, se lamuriou, ai!, cinema sem pipoca, se pode?, ele suspeitou que o ambiente na sala não iria ser bom. E não foi. Segismundo.
2005-02-17
Consequências do choque obreirista. Ele explica ao colega que o parque de estacionamento da Av. das Forças Armadas já não existe. O colega não acredita. Em Portugal não se começam as obras no mesmo dia em que a notícia sai no jornal, disse o colega. Ele nada disse, em réplica. Sabia apenas que o acesso ao parque estacionamento estava impedido por taipais e sinalizadores de obra. E que, por isso, antes de conseguir estacionar, tinha andado às voltas. Como antigamente. Segismundo.
Aventura no asfalto. O gêéneérre, da brigada de trânsito, apareceu junto à cabine da portagem. E disse-lhe para ele desviar o carro para a zona de estacionamento. Ele assim fez. Queria a identificação dele o gêéneérre. Ele quis saber porquê. O gêéneérre disse que era por obstrução à acção da autoridade. Que obstrução tinha essa quis ele saber. Que havia impedido a circulação de uma viatura da brigada de trânsito da GNR disse o gêéneérre. Ele disse que não, que não podia ser. A única ocorrência que recordava da viagem até ali era ter sido assediado por um carro qualquer, um Opel, cinzento, com umas luzes azuis estranhas a piscar, quando circulava pela Áum abaixo, em ultrapassagem a uma coluna de veículos pesados, à velocidade máxima permitida, oitenta quilómetros por hora. Que isso era o aludido carro da brigada de trânsito da GNR informou-o o gêéneérre. Que não fazia a mínima ideia que carro era esse reagiu ele. E que entendia estranho que, se da GNR, o condutor desse carro pretendesse que ele cometesse uma infracção, excesso de velocidade, pela qual há pouco tempo ele havia sido autoado. Comunicação para ali. Comunicação para acolá. O gêéneérre insistiu no pedido dos documentos de identificação dele. Ele facultou-os. E ao mesmo tempo, ali, decidiu fazer a participação em relação ao veículo com a matrícula tal, por o mesmo, às horas tais, ao quilómetro tal, se ter aproximado perigosamente do veículo que ele conduzia e por o ter pressionado durante algum tempo a aumentar a velocidade para além do permitido. Mais comunicação para ali. Mais comunicação para acolá. O gêéneérre devolveu-lhe os documentos de identificação, pediu desculpa pelo incómodo e desejou continuação de boa viagem. Segismundo.
Diga
The ground beneath their feet. Em entrevista, estampada na edição de hoje do Público, disse o senhor dr. Paulo Portas, “o CDS oferece qualidade por metro quadrado de forma competitiva no sistema político”. Ou seja, o CDS/PP é lastro, superfície, chão para pisar. Nicky Florentino.
©, ® e o património
O conservador de má memória. O senhor dr. Paulo Portas pretende-se conservador. Se assim é, devia demonstrar maior respeito pela memória. É que, aquando das eleições legislativas de milnovecentosenoventaenove, não foi o conhecimento do mandato conquistado pelo CDS/PP, no círculo eleitoral de Santarém, que fez saber que o PS não havia alcançado a maioria absoluta. Convém recordar que apenas houve consciência da situação bizarra, o PS ter logrado arrebanhar exactamente metade dos assentos parlamentares para gente das suas hostes, alguns dias depois, quando, surpresa, foi apurado que três, dos quatro, mandatos ditos da emigração, após o rateio eleitoral, calharam aos socialistas. Nicky Florentino.
2005-02-16
Tudo o que há a dizer sobre advogados
Agenda. Sexta-feira, The Struggles, Frog Eyes e Destroyer, auditório velho do Órfeão de Leiria. Provavelmente, pretexto para um jantar n’A Gare. Segismundo.
Gone with the wind. O ti Miraldino era moleiro. Fazia farinha, de milho, trigo ou centeio, no seu moinho de vento. Dessa farinha o Geraldes, rapaz estouvado e das noites, obrava o pão nosso e de cada semana. Naquele lugar remoto, assim foi a ordem das coisas e dos ofícios até um dia. Dia fatídico. Aquando a véspera das massas e da respectiva cozedura, foi Geraldes, na habitual visita de negócios, ao moinho do ti Miraldino. Demandava ele as farinhas para, no dia seguinte, com as suas mãos, conceber e celebrar o pão da comunidade e de algumas vizinhanças. Porém, o velho Miraldino, já folgado de algum juízo, não o esperava com os costumeiros modos. Entregue à solidão da viuvez, sem filhos ou outra criação, nos intervalos do seu rengorrengo, o ti Miraldino, que na mocidade fôra às letras à outra banda da raia, havia-se posto à leitura integral, na versão autêntica, castelhana, de El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha. O que lhe sugeriu estranhas manias à cabeça. Que o seu moinho de vento era um gigante, necessitado de protecção, em razão das ofensas que lhe seriam tentadas por um cavaleiro andante fora de moda, fulano falho em trambelho. Por isso, quando o Geraldes se aproximou, cavalgando a sua motorizada, uma Zundapp, com um seirão à rectaguarda, o ti Miraldino, ciente da necessidade de velar pelo gigante à sua guarda e sentinela, sem pestanejo ou piedade, assestou-lhe no corpo dois cartuchos, como se ele fosse peça de caça. E mais fez. Entregou a carne do desgraçado, talhada, às pedras para que, como o Saturno de Goya, pudesse o moinho devorá-la, ainda que não fosse de um filho seu. E assim, animadas pelo vento, fizeram as mós um farelo inédito, mistura de miolo e osso, à qual foi deduzida o sangue, farelo do qual Geraldes não pôde fazer pão. Porque, para além de ter sido moído, fazia ele pão apenas com farinha de milho, trigo ou centeio e com nenhuma outra, qualquer que fosse, mesmo se produto de moedura ajudada pelo vento daqueles montes. O Marquês.
2005-02-15
Graffitis em folhas áquatro. Não se espera muito dos ditos políticos. É por isso uma benção para todos os gentios que o senhor dr. Paulo Portas seja capaz de transmutar os seus raciocínios em bonecos e mostrá-los pedagogicamente na teelvisão. Para além disso, se o fulano sabe desenhar assim, confirma-se, é um verdadeiro artista. Nicky Florentino.
Sobre algumas
Deep Throat. Hoje, à noite, na teelvisão, no debate dos cinco cabecilhas, alguém não conseguiu fazer ouvir a sua voz. Mas também nenhum dos outros debatentes, por simpatia que fosse, gritou Geronimo! Limitaram-se, no que a hipocrisia permite, a desejar-lhe as melhoras. Para quem se senta à mesma mesa, é pouco. Nicky Florentino.
Les mots et le choses. Disse o senhor secretário-geral do PCP, “o Bloco de Esquerda está a funcionar como um depósito geral de adidos, que recolhe pessoas zangadas com a vida”. Ou seja, uma cambada de lumpen-ressabiados é o que os bloquistas, a granel, são. Nicky Florentino.
Canção para o dia de hoje, “Black angel's death song”.
The myriad choices of his fate
Set themselves out upon a plate
For him to choose
What had he to lose
Not a ghost bloodied country
All covered with sleep
Where the black angel did weep
Not an old city street in the east
Gone to choose
And wandering's brother
Walked on through the night
With his hair in his face
On a long splintered cut from the knife of G.T.
The rally man's patter ran on through the dawn
Until we said so long
To his skull-shrill yell
Shining brightly red-rimmed and
Red-lined with the time
Infused with the choice of the mind
On ice skates scraping chunks
From the bells
Cut mouth bleeding razor's
Forgetting the pain
Antiseptic remains cool goodbye
So you fly
To the cozy brown snow of the east
Gone to choose, choose again
Sacrificials remains make it hard to forget
Where you come from
The stools of your eyes
Serve to realize fame, choose again
And roverman's refrain of the sacrilege recluse
For the loss of a horse
Went the bowels and a tail of a rat
Come again, choose to go
And if Epiphany's terror reduced you to shame
Have your head bobbed and weaved
Choose a side to be on
If the stone glances off
Split didactics in two
Leave the colors of the mouse trails
Don't scream, try between
If you choose, if you choose, try to lose
For the loss of remain come and start
Start the game I che che che che I
Che che ka tak koh
Choose to choose
Choose to choose, choose to go (© Velvet Underground). Segismundo.
2005-02-14
A diferença: ele era apenas um, nós seremos mais. Os do BE já sabem que o PS vencerá as próximas eleições legislativas. Seja como for, aconteça essa vitória por maioria relativa ou por maioria absoluta, não estão disponíveis para ir para o futuro Governo. Mas, no parlamento, dizem eles, os do BE, “votaremos sempre as boas leis”. Tal e qual como o eng.º Daniel Campelo. Nicky Florentino.
Os ursos quando vão ao mel também não distinguem os insectos com ferrão que saltam. A plausível explicação do senhor dr. Santana Lopes para os factos, “a Assembleia da República foi dissolvida porque toquei na ferida. Meti a mão no pote de mel e saltaram as vespas”. Vespas? Poderiam ter sido abelhas. Poderiam ter sido tigres, porque também são listados. Mas não. Foram vespas que saltaram. Porque a realidade do senhor presidente do PSD, mesmo quando é fábula rústica, é estranha. Nicky Florentino.
Líder e companhia. Segundo o senhor eng.º Sócrates, no PS “ninguém tem vergonha de estar ao lado do seu líder”. Esqueceu-se o fulano de acrescentar, no final da frase, a palavra ainda. Porquanto, passado o circunstancial perfume dos despojos do Estado, virá esse inevitável pudor. Nicky Florentino.
Obsessões. Segundo o senhor eng.º José Sócrates, no senhor dr. Santana Lopes “a única obsessão já não é ganhar; é impedir a maioria absoluta do PS”. A ser verdade, é o que se chama encontro de obsessões. Pois que é desiderato único no senhor secretário-geral socialista a maioria absoluta. Nicky Florentino.
Caminhos para uma revolução cool. O CDS/PP, segundo o respectivo presidente, o insuspeito senhor dr. Paulo Portas, é um partido cool. E é. O senhor dr. Nuno Fernandes Thomaz, cabecilha da mole, pelo distrito de Santarém, para as eleições legislativas, instado a enunciar as suas ligações a tal chão, confessou, sem cerimónia, “vou a Fátima, vou a umas toiradas, vim ver uns amigos, mas nada mais”. Não admira, pois, que, entusiasmado com tamanha integração nesse distrito, enunciasse, como vectores prioritário de acção, “temos que construir o Museu da Bíblia no norte e no sul um parque temático como a Eurodisney”. Nicky Florentino.
O jogo dos enganos. Ela, ainda demoras muito?, aí?, com isso. Ele, não. Porém demorou. Tanto que ela, magoada, se foi embora, para o magoar. Mas desculpou-se, dizendo, mentira, que estava com sono. Não estava. O Marquês.
2005-02-13
A treze de Fevereiro. O senhor dr. Santana Lopes é o fulano adequado à honra de senhor primeiro-ministro. Se subsistiam, hoje as dúvidas dissiparam-se. Pois não suspendeu a campanha eleitoral do PSD apenas porque, um dia, era terceira-feira de carnaval. Também suspendeu a referida campanha eleitoral porque pereceu a última das três criaturas que viram um círio mariano a pairar sobre uma azinheira na Cova de Iria. É isto ter esprit d'État. E um irrepreensível sentido de nojo. Nicky Florentino.
2005-02-12
A dieta dos crescentes. O que faz os putos estúpidos não é tanto a ignorância ou a inexperiência. É a sofreguidão com que se entregam aos motivos do prazer e os esgotam com urgência, como se não houvesse depois, amanhã. O ritmo que emprestam aos seus gestos é de tal modo vertiginoso que sequer chegam a ter tempo para pensar. Claro está que eles, os putos, crescem. Porém, raras vezes a demora do seu crescimento é suficiente para os elucidar para o pensamento e para a moderação dos actos. Foi por isso que, em casa dele, por feito de três criaturas ainda de escassa ração, sobrinhos, que habitualmente têm paradeiro por lá, um frasco de Nutella de setecentasecinquenta gramas resistiu prestável três singelos dias. Nada sobrou. Mas a avózinha, célere e solicita, já foi comprar mais. Para os meninos. Porque, julga ela, tomada numa simpática ilusão, as pequenas bestas devoradoras estão a crescer. Pode ser que sim. Em todo o caso, pela prova que deixam como rasto, não aparentam estar a crescer em juízo. Segismundo.
A vital demanda de coordenadas. Ao sábado é muitas vezes esta sensação de deus, onde é que começa o mundo?, ali?, fora, ou aqui?, dentro, como quem perscruta o lugar da culpa. Segismundo.
2005-02-11
Pós-choque. Nenhuma seguradora cobre os prejuízos decorrentes da rejeição de um convite para ir ver Tarnation. É isto a prova da puta da vida. Segismundo.
Perseguir a sonic youth. A mãe não o ensinou a cair no sítio certo. Por isso ele não escapa ao zodíaco. Ontem, à tarde, ia ele a ouvir Phœbus quando lhe aconteceu um choque lateral. É a puta da vida. E nela não há coincidências. Foi um sinal, portanto. Mas à noite veio a confirmação, sob a forma de rendenção. Na Zé dos Bois. Dois corpos, canais de vida, a destilar energia. Um dos corpos, o Afonso, era peixe. O outro, o Jorge, era ovelha. O resto era cartilagem... Segismundo.
Cenas de um circo chamado democracia, ii. O senhor primeiro-ministro é um fulano nomeado pelo senhor presidente da República. Mas é muito mais bonita a ilusão segundo a qual o senhor primeiro-ministro é uma criatura eleita. E que, antes, há candidatos a tal honra, como se fosse um concurso. Nicky Florentino.
Cenas de um circo chamado democracia, i. Disse o senhor dr. Santana Lopes que se vive numa semi-democracia. O juízo do fulano vai-se aproximando da coisa. De facto, a democracia não existe. Mas o trambelho do senhor presidente do PSD devia ser mais ousado. Devia ter-lhe permitido discernir que também as campanhas eleitorais, as eleições legislativas ou as sondagens eleitorais são semi, semi-campanhas, semi-eleições, semi-sondagens. Neste carrocel frenético que anima actualmente a política pátria, apenas os candidatos não são semi, semi-candidatos. Deviam ser. Se fossem, provavelmente incomodariam menos as convulsões dos respectivos espíritos. Nicky Florentino.
Quando o tempo volta para a diante. Segundo o que o destrambelho autorizou ao senhor dr. Pires de Lima, os do CDS/PP são os revolucionários do século vinteeum. Podiam ser fauna mais exótica. Podiam ser flamingos. Ou azémolas ante-diluvianas. Nicky Florentino.
Ausência. Um dia ela caiu e ele não estava lá, perto, para a segurar antes de chegar ao chão, onde, quando se cai, a dor sempre se confirma. O Marquês.
2005-02-10
Um episódio da puta da vida. Tarde. Sol. Viagem. Trânsito. Rotunda. Viragem à direita. Táxi. Pumba! Declaração amigável de acidente automóvel. Nem feridos nem mortos. Corolário: virar à direita é um perigo, mas não fere ou mata. Segismundo.
O ábaco do ilusionista. O senhor dr. Paulo Portas tem andado a pregar que existem dez mandatos em disputa directa entre o CDS/PP e o PS. A paranóia do fulano não assusta. E não assusta por vários motivos. Sabe-se que o raio das eleições legislativas não são disputadas apenas entre o CDS/PP e o PS. Assim como se sabe que o raio das eleições legislativas começam do zero, isto é, não há nenhum handicap, nenhum limiar a defender, pois são um jogo aberto e contingente, entregue aos caprichos da vontade do povo. O que há são os resultados das eleições legislativas anteriores. Mas a validade de tais resultados está a expirar. Motivo por que, se servem para alguma coisa, o mais que podem ser é um marcador, um elemento de referência. Nada mais. Ou seja, presentemente os resultados das eleições legislativas de doismiledois pouco ou nada reportam sobre o equilíbrio e a distribuição de apoio eleitoral entre os diferentes partidos políticos. Para além disso, a fixação do senhor presidente do CDS/PP em números redondos, como o dez, é sintomática de uma cabeça formatada pelo sistema decimal. Não, segundo o fulano não são nove mandatos em disputa directa entre o CDS/PP e o PS. Também não são onze. Também não são trintaetrês ou nove vezes nove oitentaeum sete macacos e tu és um. Também não são duzentosevinteeseis. São dez. Tantos quantos os dedos de uma mão e de um pé, juntos. Enfim, bem vistas as coisas, são poucos. Tão poucos que dispensam o voto nas listas submetidas a sufrágio pelo partido presidido pelo fulano. Nicky Florentino.
Pensei que quisessem passar por cá depois... O guerreiro menino, pelo menos, está por tudo. Por isso faz tudo. Como sabe fazer. E não, bem, ao contrário. Ainda bem. Nicky Florentino.
Absolut. Empurrado pelo ânimo das empreitadas de galopinagem em que anda envolvido, o senhor secretário-geral do PS não se coibiu com pejos de frouxo e confessou ao que ele e os respectivos epígonos andam. Com voz projectada, “nós queremos uma maioria absoluta, absolutamente legítima, absolutamente estável, absolutamente capaz e absolutamente nova”, disse ele, ontem, em Leiria. Com tanto absolutamente invocado, o fulano não percebeu a rima assanhada que fez com quero tudo. É por isso que merece chupar no próprio polegar direito. Até ao tutano. Nicky Florentino.
2005-02-09
Da humildade democrática. Dissertou o senhor dr. Manuel Alegre sobre a hipótese de uma frente de esquerda. Entende ele que tal hipótese pressupõe “que os outros partidos de esquerda decidam, uma vez por todas, com humildade democrática, se querem ser apenas forças de protesto ou se estão dispostos a responsabilizar-se pela construção de uma alternativa de governo”. Mas à cautela, para evitar quaisquer equívocos, o fulano, que não está para demoras, lá defende o que a conveniência ordena, a maioria absoluta para o PS. É isto, pois, a humildade democrática. Não pedir pouco. E não pedir para os outros. Nicky Florentino.
No mundo dos soldadinhos de chumbo. Disse o senhor dr. Paulo Portas, “hoje o CDS é um partido diferente, um CDS que adquiriu sentido de Estado, assumiu responsabilidades, ofereceu ao serviço público pessoas extremamente competentes com currículos à prova de bala”. Currículos à prova de bala... Mas quem é a criatura tomada de trambelho que desperdiça munições sobre alvos tão insignificantes quanto um curriculum vitæ? Nicky Florentino.
Jogar ao pau com os ursos. Disse o senhor dr. Santana Lopes aos jornalistas convocados pelo respectivo gabinete para captarem uma declaração do senhor primeiro-ministro, “pensei que quisessem passar por cá depois do almoço”. Parece que quiseram. Tanto quanto ele. Pois há muito tempo que o circo não tem intervalo. Nicky Florentino.
Agenda. Amanhã, vinteetrês horas, Fish and Sheep, Galeria Zé dos Bois. Segismundo.
Quaresma. É acordar e ver, sobre a mesa de cabeceira, uma bíblia, mensagem sorrateiramente deixada pela mãe. Hoje, em casa, ao almoço e ao jantar, não haverá carne. É por isso que ele, todos os dias, como se fosse uma oração, dá graças aos restaurantes que satisfazem os carnívoros. Segismundo.
2005-02-08
Nomes de um homem só. Para o senhor dr. Alberto João Jardim, se o apostou na vitória do PS nas próximas eleições legislativas, o fulano é o senhor Silva. Mas se há a hipótese de ele não ter feito tal aposta, então, o fulano é o senhor Prof. Cavaco Silva. Ou seja, ao senhor do arquipélago ninguém engana, pois sabe ele que cada um é quem é consoante as apostas que faz. Nicky Florentino.
Ninguém leva a mal. Hoje, o senhor dr. Santana Lopes não se dedicou à galopinagem. Cumpriu o que prometeu. Deu-se à folia. Mascarou-se de senhor primeiro-ministro. Nicky Florentino.
2005-02-07
Soi-même comme un autre. O Bruno escreveu, “a antropologia fomenta (...) a busca de tudo aquilo que perdemos por sermos quem somos. Entre o pessoal e colectivo. Entre a intimidade e a política. Sempre com a suspeita que vivemos na tribo errada”. Onde ele escreveu antropologia poderia escrever-se ironia ou desassossego e a verdade persistiria. O que significa que a puta da vida se insinua pelas mais ínvias vias. As de cada um de nós. Todos. Segismundo.
Stranger in a strange land. Ele percebeu a estranheza que começa a ser naquela casa quando, mal passado o limiar da porta, ainda aberta, a mãe, maternal, o informou, olha, não tenho jantar para ti. Segismundo.
Aindagenda para longe. Vetiver, dia vinteeseis de Maio, Lux. Segismundo.
Obra. Não em ironia chamada desejo, pergunta-se ele se, o gin tónico desperta a verdade? ou são os benzodiazepínicos? Segismundo.
2005-02-06
Companhias. Hoje, em Castelo Branco, o senhor eng.º António Guterres animou o comício socialista. A trupe do PSD percebeu em tal acto a falta de pudor do fulano. Percebeu bem. E quis perceber também a menoridade política do senhor eng.º José Sócrates. O que, por muito que se deseje saber, não se sabe assim. O que se sabe é que uma outra criatura, um tal senhor Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, não admitiu que, num cartaz de propaganda ao PSD, a sua efígie fosse vizinha da efígie do senhor dr. Santana Lopes. Parece que lhe podia prejudicar a carreira académica... É que um professor catedrático, mesmo que desconheça o número de cantos d'Os Lusíadas, tem por boa economia não ser companhia de quem tem a mania de ouvir os concertos para violino de Chopin. Nicky Florentino.
Oxímoro. Vociferou o senhor dr. Alberto João Jardim, em comício, em Castelo Branco, é preciso mudar, mudar com o senhor dr. Pedro Santana Lopes. Pois é. É como marrar com as patas. Nicky Florentino.
Lullaby. Ainda antes da alvorada, a horas em que a vida acontece, o sono cai estranho sobre o corpo. E o corpo cai estranho, guardado, sob outra respiração. Segismundo.
2005-02-05
Agenda para longe. Einstürzende Neubaten, doze de Abril, CentroCulturaldeBelém. Segismundo.
2005-02-04
Fiesta. Esta tarde, na TelefoniaSemFios, ouviu-se o senhor primeiro-ministro a ser interpelado por um jornalista a propósito da Festa da Música, evento a acontecer no Centro Cultural de Belém. Como costume, falta dinheiro para tal realização. O jornalista insistiu e o senhor dr. Santana Lopes anuiu, entre uns quantos risos de quem não sabe puto o que se está a passar, que, chovesse na eira ou não, fizesse sol sobre o nabal ou não, estava em condições de garantir que a Festa da Música ir-se-á realizar. É isto ser senhor primeiro-ministro. Resolver problemas. E saber quem manda. Neste caso, o jornalista com o microfone ligado. Nicky Florentino.
O lodo. O produto do debate de ontem, entre o senhor dr. Pedro Santana Lopes e o senhor eng.º José Sócrates, foi sofrível. Foram más as respostas. Não foram melhores as perguntas. A politiquinha aperta-se crescentemente num círculo estreito. Os que perguntam e os que respondem são cada vez mais iguais. A diferença que subsiste é sobretudo de papel. Para além disto, um dos palestrantes, o senhor dr. Lopes, já provou conseguir ser mau primeiro-ministro. O outro, o senhor eng.º sócrates, ainda não. Mas o problema é apenas de oportunidade. Se lhe for propiciada, ele demonstrará conseguir ser mau também. Talvez não tão frouxo quanto quem lhe fez as perguntas ontem. Mas, destino, tão mau quanto tal fauna provará ser. Merecem-se uns aos outros. Os que perguntam. E os que respondem. Assim como o povo os merece. A uns. E a outros. Pois é uma ilusão julgar que nesta ordem chamada democracia sequer existe a hipótese de se conceber uma entidade chamada eles. Não, não há. O povo é uma entidade total. Sem exterior. O que significa que, em gente, tudo o que existe é povo. É por isso que a democracia acontece tanto tragédia quanto comédia. E sempre farsa. Nicky Florentino.
Revelação na intimidade. Dormir com o senhor Nuno da Câmara Pereira, segundo o próprio, permitirá saber se ele é reaccionário. É por isso que, em relação a tal assunto, é preferível a ignorância. Nicky Florentino.
Pro dentro e contra fora. Propor que os gentios de uma localidade se sobrelevem e encerrem as respectivas portas, urbanas que sejam, aos outros, os do contra, não é um desafio à estupidez. É estupidez. Propriedade que não se pode soterrar em aterro sanitário. Ou incinerar. Nicky Florentino.
Agenda para longe. Joanna Newson, vinteeum de Abril, Lux. Segismundo.
Saber o vazio. Por que é que a liberdade parece maior do avesso?, se as mãos caem, por preencher. Segismundo.
2005-02-03
Agenda. Hoje, à noite, na teelvisão, em versão inédita e extended, The Muppets Show. Porque a pátria é uma paródia que ninguém pode parar. Nicky Florentino.
Um mundo inteiro dentro. O acesso à consciência é uma espécie de devolução. Alguém chega a si-mesmo representando-se personagem. Bonito é quando esse reflexo dramatizado chega e não (re)encontra ou (re)conhece o sujeito que o projecta. A vida pode ser a puta da vida. Mas começa a sê-lo já aqui, dentro. E não apenas lá fora, para além das mãos de cada um e do seu alcance. É por isso que, apesar do enunciado da doutrina, não há inocentes. Segismundo.
O futuro. É saber que, depois, posto distante, braços em vazio, o corpo vai (re)conhecer a saudade. Segismundo.
2005-02-02
Porque o Estado sou quase eu. Disse o senhor presidente da distrital do Porto do PSD, “aqueles que me acusam de ser político-dependente são os mesmos que vão chorar para a porta de minha casa a pedir-me lugares”. É, então, que ele olha para os que carpem e, soberano, ri. Provavelmente até diz, em jeito de sentença, ora chupa aqui a ver se eu deixo. Nicky Florentino.
Credenda, iii. O senhor dr. Manuel Monteiro disse, “é extraordinário que os partidos considerados de primeira tenham presença nos telejornais das vinte horas, enquanto os partidos de segunda são convidados para telejornais ao meio-dia”. Convenhamos, tal facto nada tem de extraordinário. Pois corresponde a uma das regras constantes da puta da vida. A gentileza e a honra não chegam na mesma proporção para todos. Nicky Florentino.
Credenda, ii. O senhor dr. Paulo Portas disse, “apresentamos uma lista de gente competente e queremos que o eleitorado olhe para o CDS como um partido de ideias e que não entra em querelas, o partido em que se pode confiar”. Partido político que não entra em querelas não é um partido político. É um clube de mansos. E a mansidão é o último recurso a merecer confiança. Nicky Florentino.
Credenda, i. O senhor dr. Santana Lopes disse, “quero que os portugueses votem nos líderes políticos em função das propostas que têm para a sociedade”. Ó bendito atino! Alguém recorde ao fulano que, nas eleições legislativas, não se vota em líderes políticos. Vota-se em listas submetidas a sufrágio por partidos políticos. O que, sendo a desgraça que é, não é muito diferente, mas é diferente. Nicky Florentino.
Uma outra forma de inuendo? Legenda de uma polaroid estampada na página nove da edição de hoje do Público, “Morais Sarmento terminou a sua visita ao distrito [de Castelo Branco] nas minas da Panasqueira”. Nicky Florentino.
Para além das sugestões. Se é boato, é boato. Não é necessária a lamúria dos mansos como reacção. E menos ainda a opacidade da conversa que não diz o que disse. Em política, se é para não se saber, o silêncio é, como sempre foi, o melhor remédio. Depois, claro está, do trambelho. Nicky Florentino.
Cínicos. Há os que ladram. Há os que mordem. E há os outros. Sobre eles, os outros, nada dizer. Porque é infeliz propaganda. E porque o seu cinismo não é filosófico. É fisiológico. Segismundo.
Onirismo de abóbora. Ele, sabes?, hoje há sonhos cá em casa. Ela, o que é que isso quer dizer exactamente? Ele, que tenho sonhos, dos de comer, te. Segismundo.
Coisas para além de todo o preço. Não se devia discutir a honra quando alguém convida outrém para jantar naquel'A Gare onde não páram comboios e esse outrém se senta na exacta cadeira onde antes, pouco antes, esteve sentado o senhor Jorge Nuno Pinto da Costa. Segismundo.
Programa de gestos para uma dor tangível. Abre as mãos. Estende-as. Entrega-as à sua frente. Com elas sonda o vazio. Apalpa a sensação estranha de nada. E nelas, nas mãos, decide acolher o inefável que paira. Acolhe as dores, as dores que passam à sua frente. São as dores dos outros. As únicas para as quais as mãos, se estendidas e abertas, guardam sensibilidade suficiente. Depois cerra as mãos. E nelas transcorre um fulgor que jamais se deseja largar. Às vezes esse fulgor cresce. Cresce para sempre, para ser vício e costume. Cresce tanto que nele se descobre o sangue. O sangue de uma aliança, de um cálice, de um vaso. E dos outros, apenas deles, é o sacrifício de onde promana esse sangue, forma líquida da dor. O Marquês.
2005-02-01
No mundo. Existem três bestas. O Behemoth e o Leviathan não contam. Segismundo.
Agenda. Ler De Cœlo et de Inferno (De Cœlo et ejus mirabilibus, et de Inferno, ex auditis et visis), de Emanuel Swedenborg. Para conhecer os chãos da vida. Segismundo.
Machos de todo o mundo, uni-vos! No pretérito fim-de-semana, em Braga, clamou o senhor dr. Santana Lopes, “bem hajam os homens que amam as mulheres!”. O que é compreensível em alguém que jamais poderia ter clamado bem hajam os homens atinados. Nicky Florentino.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).