2008-07-31
Gens d’état. Na sua encarnação como maiorial do estado, em Abril do ano corrente o senhor Silva foi ao arquipélago da Madeira armado em madame Bruni. Foi como voltou, vestido. Sem uma palavrinha, balbuciada que fosse, comme si de rien n’était, sobre o facto de a assembleia regional autóctone não o ter acolhido em sessão solene e sobre a justificação aventada pelo senhor dr. Alberto João Jardim para o caso. É verdade que uma visita do senhor presidente da república à ilha da Madeira vale o que vale, nem mais nem menos do que isso. Mas sobeja memória suficiente sobre o seu silêncio e, portanto - porque quem cala consente, mais ainda quem deve velar pelo funcionamento normal e regular das instituições da república -, sobre a sua cumplicidade em relação à apreciação como bando de loucos de um conjunto de criaturas com assento na assembleia regional da Madeira. Agora, porém, quando bastava-lhe remeter uma mensagem ao parlamento - que encerrou entretanto para o pessoal poder gozar férias -, o senhor prof. doutor Aníbal Cavaco Silva fez constar aos portugueses o seu desagrado em relação a uns pormenores quaisquer do novel e tentado estatuto político-administrativo da região autónoma dos Açores, para além dos pormenores com os quais o tribunal constitucional embirrou. Ui. O povo ficou sobressaltado. Provavelmente já não vai a banhos. Ouvem-se os uivos das massas gentias inquietas. Ai que a pátria está para partir-se. Ai que o senhor presidente da república, senhor grave e sério, qualquer coisa. Não interessa o quê. O que fica por explicar é por qual raio, se não mereceu uma ilustração a propósito das declarações cavilosas do senhor dr. Alberto João Jardim sobre a composição da assembleia regional da Madeira, a malta houve de ser incomodada hoje com as condições nos termos das quais poderá o senhor presidente da república decretar a dissolução da assembleia regional dos Açores. Agora o senhor prof. doutor Aníbal Cavaco Silva quer que o levem a sério - e tem motivos para isso, porque, não obstante a unanimidade parlamentar, o diploma tentado sobre o estatuto político-administrativo da região autónoma dos Açores parece ter sido concebido e amanhado com os pés do pessoal emprestado à honra da deputação. Mas o eco do seu silêncio anterior, também em relação a um paraíso insular - o da alucinação banana -, não dá para o levar muito a sério. Antes amochou, agora empina. Está bem. Como os outros, também ele quer jogar ao aí vai alho. Para ver se vai. Que vá. Mais cedo ou mais tarde vamos todos. Nicky Florentino.
Como a cerveja americana. A empáfia e a figurinha do senhor eng.º José Pinto de Sousa a apresentar um computador para putos do primeiro ciclo do ensino básico revela muito do estado a que isto, o chão pátrio, chegou. It’s fucking close to water.* Nicky Florentino.
* alusão a um sketch dos Monty Python.
Fazer escândalo. Com graciosidade, claro. Com o caralho fazem-se outras coisas, salmos bonitos, por exemplo. Segismundo.
na tribo dos órfãos de pai e mãe e deus, iii. é verdade que com um rodízio de crucifixos consegue desenhar-se um coração e ele funciona?, quis saber uma vez o Gervásio, quando ainda aspirava a ser amante da esposa do sacristão e, para o amaciar - porque, cria e insistia, cornos duros podem magoar -, reparava-lhe a motorizada gratuitamente. O Marquês.
2008-07-30
No tempo em que havia serviçais toda a gente era mais assoada e honrada. Já alguém ouviu o mesmo coro de vozes que exige responsabilidade individual a quem recebe o rendimento social de inserção pedir responsabilidade individual a corruptores e a corruptos das burocracias ou do dinheiro grosso? Não. Para a finesse dos crimes de colarinho branco e a sua prevenção, em que é tudo senhor dr. ou senhor eng.º ou senhor arq.º ou senhor parecido com tais tipos de senhor, é necessário um aparato de diplomas jurídicos à maneira, de instâncias judiciais e judiciárias, de altas autoridades de controlo e regulação, de competência para colocar vírgulas e usar alíneas, et cætera, tudo asseado, para não macular as golas justas ao nó da gravata, porque as nódoas não ficam bem na fotografia do trato político da corrupção. Nicky Florentino.
Casa caiada de branco. A responsabilidade individual primeiro é individual depois é responsabilidade. Ou seja, responsabilidade individual é a responsabilidade de alguém por si. Se assim não for, não é individual. Ora, se é individual, anda para aí muita gente a debitar lições de responsabilidade individual não por exemplo próprio, mas por pregões às massas. O que é uma contradição performativa. Ou talvez não. Talvez seja mesmo trambelho de aluvião. O calor de estio, a pobreza vista da varanda, o desejo de ordem, é o que dá. Segismundo.
a Miquelina de joelhos. o júbilo do broche é difícil de explicar, porque é sobretudo emulsão, efeito da ordenha, de regozijo tem quase nada, no sentido em que é mais consequência e desperdício do que eficiência ou proveito, explicou ela. O Marquês.
2008-07-29
Hipotálamo e placa de platina, ii. O senhor comandante da zona marítima do sul declarou ser sabido como é que as massagens na praia começam, embora seja ignorado como terminam. Ou seja, admite o fulano, as fricções do princípio podem não ser as fricções do fim. Dos fins só deus nosso senhor sabe. Vai daí, como manda a puta da sapatilha, tal espécie de Savonarola dos algarves activou o princípio precaucionário do decoro, nada de massagens, de fim certo ou incerto, nas bordas meridionais do atlântico sob sua jurisdição. O raciocínio do homem não é falho de todo. Peca por défice de zelo apenas. Alguém já imaginou o que significa atribuir uma licença de pesca? As manobras debochadas que é possível concretizar com um carapau fazem o célebre manual sexual em sânscrito parecer uma ode à castidade e à decência. Segismundo.
Hipotálamo e placa de platina, i. Na pátria ditosa suspeita-se dos homossexuais. Porquê?, porque são homossexuais. Há quem tema a hipótese de homossexuais se casarem - ou algo que valha juridicamente o que o casamento civil vale. Há quem fique eriçado com a hipótese de homossexuais adoptarem crianças. E há até quem dispare porque alguém rotulado como homossexual se aproximou de um gato. O programa do obscurantismo pode tanto quanto a estupidez. Segismundo.
Império maternal. As mãezinhas são imperatrizes domésticas. A sua eternidade dura tanto quanto a reclamação que fazem dos seus tupperwares. Segismundo.
o Gaudêncio da tipografia. arrancou-lhe o coração e, segurando-o ao nível dos olhos, estranhou a textura e o tom do órgão. previra-o mais encarnado. ikb será a sua cor. depois pousou-o sobre uma folha de papel vegetal. zero, quarenta e sete, cento e sessenta e sete, em rgb, noventa e oito, oitenta e quatro, zero, zero, em quadricromia. O Marquês.
2008-07-28
Le sarcophage. A malta preocupa-se como pode com os pobres. Eles são entre um quinto a um quarto da malta, mas a malta olha-os de soslaio, para ver se os não vê bem. A malta é piedosa e abastece a alma na missa ao domingo ou vota na esquerdalhada, para aliviar-se. A malta, ó a malta, acha que a solidariedade é muito bonita, mas preocupa-se sobretudo com a sua vidinha, com a dos seus e com a de quem aparece nas revistas cheias de cores, com publicidade a champô e que mostram lugares onde a água é transparente, como dizem que é no paraíso, e onde a vegetação é verde capricórnio, a fazer lembrar os domínios do Tarzan, mas sem os perigos associados à bicharada. A malta até dá para a quermesse e compra umas rifas, não por necessidade, mas por espírito. Com o mesmo espírito, por curiosidade apenas, lê a fortuna que o zodíaco lhe reservou para a semana que entra. Às vezes, tau, há coincidências do caralho. Confirma-se o que veio escrito na secção do horóscopo das revistas. Entre o horóscopo das várias revistas para a mesma semana as coincidências são menores. Como surge evidente, não há horóscopo para pobres. A pobreza é um mal, não espanta que seja encarada como uma espécie de doença. Por isso a malta tenta evitar o contágio. A malta dá para a sopa deles e, quando vai às compras ao supermercado, dá para o banco alimentar. Os pobres são os outros, os pobres não escrevem em blogs, os pobres não lêem blogs. Os pobres estão lá longe, diluídos na paisagem. Às vezes estão concentrados em bairros, acontece. Fizeram-se experiências sociológicas e verificou-se que os lugares e os sítios onde há pobres atraem pobres pelo menos na mesma e exacta força com que repelem quem não é pobre. Depois, entre a malta, há sempre quem se preocupe muito com os pobres, mormente com as suas consequências. Não é a sorte deles. É facto que os pobres não fazem muito diferente do que fazem os remediados e os ricos, fazem pela sua vida. Mas há sempre alguém que entende que os pobres devem ser metidos na linha. Não na linha do Estoril, na linha de produção. Os pobres têm direito à pobreza, porém devem ser dignos aí, mais do que os outros. Deveriam inclusivamente pagar impostos e contribuições para a segurança social. E dar para o bodo. Se assim fosse, o caso - que é o seu caso, o caso dos pobres - resolver-se-ia por si. Depois guardar-se-iam dois ou três pobres, os últimos, para exibir em museus, de modo documentar quão a pobreza é função da preguiça dos pobres. Segismundo.
melancolia zündapp
# ix. à ilharga da razão, capítulo sem lastro suficiente para justificar a justiça, o suicídio. a morte compensa os vivos apenas. Edgar da Virgínia.
2008-07-25
The body is with the king, but the king is not with the body. A vida é assim, a imitar as tragédias que a imitam. Segismundo.
a veterinária. ele disse extinção, ela disse espécie em vias de. ele disse rima como mutilação, ela disse e com coração. ele disse não estou a perceber, ela disse de boi. ele disse continuo a não perceber, ela disse não faz mal. ele disse e não sei onde está a minha pistola, ela disse eu sei. ele disse ainda bem, ela disse está aqui, a tua pistola e primiu o gatilho. ele disse ai, como um cão, ela disse não, sem tanta literatura, como um cão, mesmo e, acrescentou, gosto de trampolins, prefiro cavalos. O Marquês.
2008-07-24
O discernimento é um recurso raro. A pobreza é um problema social, está bem, o que não significa que os pobres - os pobres de espírito incluídos - não estejam integrados socialmente ou que a pobreza seja um problema sociológico. Segismundo.
Isto é o que há de mais aproximado a experiências sociológicas, porque, ao contrário do que pretende ou pretende pretender o senhor prof. doutor Rui Ramos (vide “Os pobres de Estado” in Público, n.º 6688, 23.Julho.2008, p. 33), não há experiências sociológicas. Segismundo.
gravura © Gustave Doré
2008-07-23
Página do livro das sentenças, liii. A identidade não é mais um efeito de expressão do que é um problema de tradução ou equiparação. Segismundo.
Nem missão nem submissão. Uma vida inteira é o que pode tentar-se a cada instante. Não deve perder-se com glória. Segismundo.
the loveless. foder com jeitinho, indignou-se ela, o que é que isso significa? eu sou profissional, deveras. O Marquês.
2008-07-22
Página do livro das latitudes, xvii. Alguém procura a imanência e encontra o seu lugar vago. Segismundo.
2008-07-21
na tribo dos órfãos de pai e mãe e deus, ii. ouvi dizer que as coisas do coração são competência da administração interna, disse e, são?, perguntou o Geraldes. O Marquês.
2008-07-18
Secret meeting. Ir do berço ao berço não faz um gajo the nationalista. Porque um gajo vai, repete o engano, mas não é amigo de canções paneleiras. Um gajo é amigo e devoto do Jack Bauer e não procura astronautas. Segismundo.
A propósito de uma espécie de filoxera moderna. Se o caso mete insectos vectores, a culpa é do VV, o gajo que não dá nem para o pitroil. Segismundo.
Dar um jeitinho. Perante a incompetência ou o impossível quase sempre há alguém a pedir para ser dado um jeitinho ou a sugerir que talvez se devesse dar um jeitinho ou disponível para dar um jeitinho. Neste sentido, dar um jeitinho é uma espécie de intercessão divina por acção de mortais. Porém, quando se faz a avaliação das consequências do jeitinho dado, percebe-se que o mais das vezes dar um jeitinho é sobretudo improviso e enleio, não tanto reparação. O que significa que dar um jeitinho não salva, não resolve, entretém, ocupa, apenas, é um gesto bonito. É por isso que, ao ouvir alguém a rogar ou a sugerir dar um jeitinho, ele murmura, só para si, ai o caralho. E, expondo a própria miséria, dá. Segismundo.
2008-07-17
Se o caso mete insectos vectores. Vem na página vinteenove da edição de hoje do Público. Ao mesmo tempo que o bursaphelenchus xylophilus, o nemátodo que abrasa a madeira do pinheiro, é levado em trânsito pelo longicórnio da espécie chamado monochamus galloprovincialis, um fitoplasma, inoculado na videira e depois incubado na hemolinfa de um cicadelídeo chamado scaphoideus titanus, que o propaga, abrasa parreiras e o seu fruto, sob a forma de flavescência dourada - uma espécie de filoxera moderna. Parece que o senhor eng.º José Pinto de Sousa nada pode fazer. O caso não é resolúvel com o seu inglês técnico, porque esta crise, a dos males do pinho e das cepas, não é importada de fora. Nicky Florentino.
na tribo dos órfãos de pai e mãe e deus, i. o coração deve ser servido como a cerveja ou a vingança, frio, disse o Alcides. O Marquês.
2008-07-16
Os dias d’all my tango. Um gajo acredita em zombies, na contribuição obrigatória para a segurança social - «contribuição obrigatória» é um oxímoro, «para a segurança social» é um complemento para reforçar o efeito do oxímoro - e até no Jack Bauer em versão action man. No entanto, todos estes credos bizarros não elucidam por qual raio, na página nove da edição de ontem do Público, uma notícia sobre o propósito de três universidades públicas de Lisboa quererem ter massa crítica foi ilustrada com a fotografia de uma carteira de pílulas contraceptivas. Segismundo.
Cunnilingus mon amour! Tentar o ensaio, tentar o modo tentado, a aproximação, a ronda, a abordagem. O fenómeno está quieto, não mexe, é dominado, visto e revisto, subjugado, construído, posto objecto, porém não em laboratório. É como fazer a disciplina de animais em estado e condições naturais, selvagens. No limite, após a composição, surge a redação de uma inutilidade em capítulos, mais um, dois, três pontos para inscrever no curriculum vitæ. Parte há-de ser traduzida. Em inglês é melhor, vale mais pontos e glória académica. A felicidade é tão pouco e por tão pouco. Quase basta uma língua diferente. Segismundo.
cabaret baudelaire
# ii. chacais e pólvora e sangue, por ordem alfabética, para parecer que há uma ordem na nossa condição, acordada de si. deitei-me com putas e não gostei. enganado, repeti para confirmar o engano e o desgosto. ao mesmo tempo, talvez como compensação, comecei a fumar e a comer cacau. agora também aposto em cavalos de corrida e no calibre de nove milímetros. diz-se que é a medida certa, porque equiparada aos incisivos dos chacais. se não corresponde ao facto, pelo menos a ideia é poética, o esmalte chacal largo, a dilacerar a carne. parafusos com rosca fina, elemento moderno, isso, são coisa de outras medida e poesia. Edgar da Virgínia.
2008-07-15
Jogatina. Em Portugal, a volta institucional do futebol é próxima de tudo o que suscita asco - e não, isto não é uma alusão à competência do mister Jesualdo Ferreira, que já é pungente qb. Acabada uma prova longa, um campeonato, rodam ainda as consequências do fim, do tempo de compensação, do prolongamento, dos pontapés da marca da grande penalidade e o mais que os processos e os dispositivos impérvios permitem. Os órgãos do regime das coisas da bola, que em grande medida são o que os seus membros são, contribuem para o lodo, para o perfume a latrina. Até em relação às suas decisões é possível dizer que a bola é redonda. Portanto, fora do hectare relvado ainda há jogo, esconso, rançoso, mas jogo. A propósito, o senhor Jorge Nuno Pinto da Costa não sei o quê, toda a gente sabe, veio nos jornais. Até a senhora dona da saia com um lagarto pintado ajudou ao libelo e à acusação. Mas, depois, prova definitiva, a valer, arrumada, a contar, derradeira, como a bola dentro da baliza, nada. O que não significa que o senhor presidente do Futebol Clube do Porto tenha a virtude papal que isenta de erro e seja tão imaculado quão a virgem santíssima antes de parir. Nada disso. Seja como for, é comovente o facto de até no jogo rasteiro, do matraquilho de gabinete alcatifado, no jogo rançoso da espera e da mama à conta, onde se jogam pareceres e recursos e expedientes de croupier afins, o grémio do pássaro e pluribus unum ter sido derrotado. De facto, merecia sorte melhor. O mister Jesualdo Ferreira, por exemplo. Seguramente que haveria de fazer uma boa dobradinha com o senhor Rui Costa nos jogos da taça uefa. Intendente G. Vico da Costa.
Actas para motosserra, vii. A sociologia não conhece estações, o que não significa que seja uma máquina de movimento perpétuo. Segismundo.
Superlativo relativo, i. Sur scène, Bonnie ‘Prince’ Billy soa melhor do que Slavoj Žižek. Segismundo.
Sistema de calibres íntimo. É a vontade dele, de mandar para o caralho muita gente - o redil é largo, abundam as reses a merecer ordem de marcha, passa-se guia de remessa para acompanhar a mercadoria, se necessário. Habilitada com título de ida, ida apenas, sem volta, essa muita gente. Não, não é assombração. Também não é a paciência delida. É a mecânica da identidade dele. Quando o verão começa ele fica assim, dilata-lhe qualquer coisa - o cérebro não, porque não é assim tão grande, mesmo dilatado -, a demandar distância em relação ao cerco. Distância, distância, como Absalom, Absalom!, embora sem ponto de exclamação. Mas o cerco aperta. Em consequência, primeiro ele diz ai o caralhinho, para avisar. Depois, já tarde demais, sem reparação possível, grita ai o caralho. Fica com fama de bruto? Não. Preserva-a. É o que lhe vale a distância e a simpatia. Segismundo.
2008-07-14
Lady spider. A menina que é dona dos brancos toca as paredes para ver se pega. Segismundo.
Histoire de sa folie à l’âge classique. Há gajos diferentes, por isto ou por aquilo. Ele é diferente por ser o gajo com quem mais se chateia. Segismundo.
2008-07-11
outra coisa qualquer. cântaros, quatro, tens que meter a mão dentro de um. ela aproximou-se da bancada, arregaçou a manga esquerda e colocou a mão no interior do terceiro cântaro, o mais pequeno. sentiu uma textura orgânica, uma pele macia. dentro de dois dos outros cântaros havia água e areia, separadas, cada uma num. no último cântaro não se sabe o que havia. depois ela retirou a mão do cântaro, encostou-se à parede, afastou as pernas, deixou escorregar o corpo um pouco e, olhando a rapariga, disse toma-me, em tom imperturbado. toma-me, repetiu, enquanto a rapariga correspondia, mordendo-lhe o cio, bebe-me na carne. e a mão mesma que tinha estado dentro do cântaro estrangulou os sopros da cachopa. O Marquês.
2008-07-10
A midsummer night’s dream. A indiferença perante carcaças em palco, Bob Dylan, Neil Young ou Leonard Cohen - que irão estar no passeio marítimo de Algés brevemente -, não significa indiferença em relação a Tom Waits. Outrora ele iria a San Sebastián, nome castelhano de Donostia, sem avisar. Segismundo.
consequências de um matricídio. a mãe disse-lhe para ele morrer. ele não correspondeu à disposição maternal, sobreviveu, e, agora que a mãe está morta, não está preocupado com o assunto. o que o incomoda é a respiração que ouve. o quarto está escuro. quem será? és tu?, mãe, pergunta, assustado, ao mesmo tempo suspende a respiração, para ouvir melhor a outra respiração ou alguma resposta. nada, ouve silêncio apenas. e acontece que, no mesmo instante em que recupera o fôlego, ele torna a ouvir a outra respiração, ofegante também. de tal modo que começou a acreditar que a culpa é um animal que o persegue. será possível asfixiá-lo?, interroga-se ele. o método parece-lhe eficaz. foi assim que a mãe dele deixou de respirar. O Marquês.
2008-07-09
Sob a sombra do teu cão, as eleições. Escreveu Pascal: “la puissance des rois est fondée sur la raison et sur la folie du peuple, et bien plus sur la folie”. Actualizando, significa isto que a democracia é simultaneamente um jogo e um teatro, jogo e teatro estranhos. Pelo que tão estúpida é a acusação de o governo estar a governar para as eleições legislativas - porque é para isso que há eleições legislativas, para as políticas serem sufragadas, as do governo e das oposições -, quão estúpida é a negação governamental de o governo não estar a governar para as eleições legislativas - porque, se não está a governar para as eleições legislativas, significa que está a marimbar-se para a mole gentia, a grã julgadora regimental dos méritos das políticas prosseguidas e propostas pelas diversas forças políticas, a que suporta o governo incluída. Nicky Florentino.
Vozes a uma só voz. Parece que a agenda de preocupações do senhor presidente da república concorda com a da senhora presidente do psd. Quando há coincidências destas - porque são coincidências - é porque as circunstâncias são o que são e o que serão, comuns, mas não as mesmas. Nicky Florentino.
Máquina macia, iii. A expressão «nada a declarar» é performativa, uma tentativa de pronunciar o silêncio. Por esquiva ou sentença ou para engano não se sabe. O silêncio tem muitos significados. Segismundo.
melancolia zündapp
# vii. quase, a demora como gerúndio, a espera como pretérito imperfeito, o intervalo em que morremos. Edgar da Virgínia.
2008-07-08
Crédito mal parado. O psd está em estado save the cheerleader, save the world. Mais tarde ou mais cedo, alguém, proveniente do futuro, há-de tentar atender à pergunta «que fazer?». Até lá lavra a crise. Os cães ladram. Os códigos de barra passam. Nicky Florentino.
Brancos, ii. Há quem sustente a realidade falida. Que agora a realidade é sobretudo virtual, ou seja, não realidade, apenas efeito de realidade. A malta faz muitos downloads piratas e assim, usando a worldwideweb. Isto acresce à alienação antiga. Conversa. Para quem duvida da realidade da realidade basta tocar as paredes. Continuam reais, duras, com pó. Segismundo.
2008-07-07
Traumatrip, iii. Há algo que impele a uma reconsideração de um princípio, posto no versículo quarto do capítulo décimo primeiro do evangelho joanino, segundo o qual determinado mal não seria para a morte, seria para deus, para a sua glória. Talvez fosse. Há muito tempo que não há notícias de quem seja ressuscitado. Segismundo.
2008-07-04
Vade retro. A política está para o sexo e a orientação sexual como as natas pasteurizadas estão para o toucinho assado na brasa ou como a Vanessa Fernandes está para os matraquilhos. Está tudo relacionado e em harmonia, conforme se depreende. A obra divina é assim, não deixou pontas soltas. Isto, o mundo, é muito simples, portanto. A família é para a procriação. O casamento é para a família. O que significa que, aplicando a regra da transitividade, o casamento é para a procriação. Esta é a ordem das coisas, ordem que cumpre preservar e reproduzir até às calendas. O que fica por explicar em tal ordem é apenas o que não existe. A família sem casamento, a procriação sem família, et cætera, pormenores. Enfim, há retroescavadoras que, embora não sejam presidentes de um partido político em Portugal, têm raciocínio mais liso. Nicky Florentino.
Mundo Hamlet, iii. Até que alguém fica a saber que o seu saldo bancário é um espectro que não lhe permite fazer a operação pretendida. Segismundo.
O incrível. Quando verde, Bruce Banner não é um ogre chamado Shrek, é um ogre apenas. Hulk é a alcunha da besta. Segismundo.
melancolia zündapp
# vi. condenação à morte lenta, a sobrevivência de quem amanha a morte de outrem dentro de si, esperando todos os dias a sua ausência, como confirmação dos dias que sobram para o fim. Edgar da Virgínia.
2008-07-03
A senda da liberdade. Com a crescente descoincidência entre política e poder - facto em si emancipador, no sentido em que o poder é distribuído e passa a ser plural -, parte significativa do exercício político visa manter as aparências. Existe nisto insânia, obviamente. Por exemplo, anteontem a senhora dr.ª Manuela Ferreira Leite foi entrevistada num canal televisivo, para parecer que tinha algo a dizer, embora tenha sido mais, muito mais, o que não disse, não se sabe porquê. Há a hipótese de ela ter dito apenas o que quis dizer, há a hipótese de ela não ter mais para dizer, assim como há outras hipóteses. Porém o que releva da entrevista referida é o jogo das aparências, o esforço investido na sua preservação. O mesmo sucedeu no dia seguinte, ontem, com a entrevista do senhor eng.º José Pinto de Sousa, noutro canal televisivo. O fulano falou, explanou, avisou, anunciou, como se estivesse a bascular a orientação política do governo. Conversa, claro, para nada que seja significativo mudar. É por isto que, apenas sob a condição de se livrarem das ilusões e dos ilusionistas d’état, as pessoas poderão ser condicionadas pela autenticidade e, portanto, mais livres. Nestas circunstâncias, quem continuar a iludir-se, iludir-se-á em solidão, a estipêndio de si, do seu juízo, do seu corpo, das suas possessões. E a ordem espontânea das coisas, o melhor de todos os regimes, tratará de arrumar na miséria quem, em detrimento da sua realidade, entregar-se a devaneios e ilusões, formas sublimadas de grilhetas. Fred Augusto de H.
Traumatrip, ii. Em cada um é o seu figmentum malum, que é a sua humanidade também. Segismundo.
Burning inside, quatro cinco um, crónica de hoje e depois
未来少年コナン, のこされ島, realizado por © 宮崎 駿
2008-07-02
Actas para motoserra, vi. Salvo opinião melhor - que não há -, a sociologia é um oráculo tão maravilhoso quão inútil, pelo que nada explica. Os sociólogos que não padecem de inclinação lírica - a sociologia sociológica é uma disciplina cínica -, esses, explicam alguma coisa, o que é explicável, o que é sondável. Porém não explicam tudo. E menos ainda explicam a essência ou o mistério do ser humano. Para isso não há ciência. Há paciência. E riso. No limite, para resolver o problema, há o Jack Bauer - o melhor dos sociólogos, que, não por acaso, não é sociólogo. Mas geralmente ele está muito ocupado. Segismundo.
Ways of worldmaking. Para um gajo branco é branco, cor da cal, pelo que o melhor é pintar tudo em tom alvo e esquecer os pantones. Para as gajas, não, o tecto e o friso são branco floco de neve, as paredes são branco creme de nuvem, por causa do contraste. E ainda perguntam, coisinho?, se mate ou se acetinado. Foda-se. Que mundo é este? Segismundo.
cabaret baudelaire
# i. não alucino, o ópio é mau, moreno. os insectos mastigam-me a carne, sinto as incisões das suas mandíbulas. chafurdam nas feridas, as minhas, no sangue, corrente, infrene, morno. sou o seu alimento, a substância de que são nutridos. isto é um facto, sinto-o, participo na sua ruína. samsa teve outra sorte. Edgar da Virgínia
2008-07-01
There’s no place like home, o caralho. Um gajo está preparado para arrombos filhosdaputa, a euribor a trepar, a cotação do pipo Brent idem, a biografia do bambino d’oro do ps nos escaparates, a paleta de cores da dyrup, mas alguém chamar Jeremy Bentham ao John Locke morto e dentro de um caixão, isso, foda-se, ultrapassa, ultrapassa muito, a medida do que é admissível, mesmo à ficção teelvisiva. Segismundo.
Traumatrip, i. No final da cena segunda do acto terceiro de Macbeth, conforme a redação de Shakespeare, o general do rei escocês diz, Things bad begun make strong themselves by ill. O que significa que, mais do que pelo serviço nacional de sáude, a salvação consegue-se pelo adiamento da necessidade de dizer-se amanhã e amanhã e depois. As tragédias são assim, já estão escritas. Segismundo.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).