Da transgenia. Um porta-voz cobarde está com a causa, explica a causa, fundamenta e justifica os motivos e os propósitos da causa, está lá quando os outros causam, porém, defende-se, não causa como eles. Chamar-se Gualter também não ajuda. Segismundo.
Infração ao código da estrada. Mais do que para guerrear, beber cerveja fresca, comer tremoços, arrotar, fumar marlboros, ir ao futebol, consertar o desconforto às vezes entalado nas virilhas, jantar com os amigos, dizer «caralho, caralho» ou aturar gajas, o homem fez-se para acelerar. Segismundo.
Levítico para um gajo só, i. Uns pronunciam sinestesia. Outros incompreensão ou diagnóstico errado. Um gajo segue indiferente e dita o seu levítico. Porque, não obstante dromocrata, em si vale a preguiça também. Segismundo.
They got a message from the action man. Suscitaria dó, se fosse caso para isso. Não é. O testa ou porta-voz do rol de cachopas e moços que se armaram em texugos modelo jack bauer - nome científico dos cereal killers, nome que tem tanto de estafado quanto de estofado - e abrasaram o milharal numa herdade de Silves invocou a desobediência civil como justificação do acto. Quem não sabe o que é a desobediência civil tende à estupidez. Não devemos ser complacentes com a estupidez. A própria, a da simpatia, a dos gêéneérres ou a de qualquer outra criatura. Pelo que, se tudo correr bem - o que em Portugal não é expectativa com fundamento -, os díscolos ataca-espiga serão sancionados, sem considerar a estupidez como atenuante. E, hossana, quase ninguém saberá mais sobre organismos geneticamente modificados ou transgénicos do que sabia antes. Nicky Florentino.
Corpo presente. Quando antes de chegar ele já não tem puto de paciência, para ajuntamentos menos ainda, passados cinco minutos é difícil explicar a alguém em francês que está ali apenas por fazer parte da família do frete. Segismundo.
Todos os condes. A teelvisão exibe mais do que oculta. Ou seja, mostra e monstra mais do que esconde. Atente-se. Num programa de entretenimento perguntaram qual é o primeiro nome de Толстой (Tolstoi, no écran). Ofereceram quatro hipóteses, uma e apenas uma correcta. Alguém escolheu a hipótese Лев (Liev, no écran). Tóing!, errado. A resposta correcta é Алексей (Alexei, no écran). E, sem mais, indiferente e deferente, o entretenimento continuou, porque, em teelvisão, tempo é dinheiro. Алексей Николаевич Толстой não é Лев Николаевич Толстой. E vice-versa. Para além disso, o que é que isso interessa?, não é? A distância entre Алексей e Лев é quase um alfabeto inteiro e não haveria de ter havido dois (ou três ou mais) Толстой. Mas houve. Um, Алексей, escreveu ficção científica. O outro, Лев, escreveu romances de desventura e osso. Ambos estão mortos. Lê-se mais este último, dando-lhe mais existência do que ao outro, talvez porque escreveu livros com mais páginas. Sabe-se lá. Seja como for, de ciência certa, a teelvisão é que sabe qual é o primeiro nome de Толстой, Алексей. Não o Алексей Константинович, que, esse, é outro Толстой, poeta lírico, e em teelvisão as coisas não podem ser complicadas. Segismundo.
O material/virtual. O governo, o XVII constitucional, apregoa e celebra o choque tecnológico. Sustentam as e os daí que, assim, as oportunidades dos portugueses terão outro alcance no futuro. No futuro. Porque os governos tendem a deferir. Prova? Atente-se, por exemplo, na fotografia estampada na página dezassete da edição de hoje do Público, sobre um arquivo do serviço de estrangeiros e fronteiras. Papéis e capas exemplares. Nicky Florentino.
Saída de emergência. Muitos dos lugares de Portugal são sinistros. Seguir as placas a indicar saída, como «Algarve» - o único destino vago, equivalente a «Espanha», que pode encontrar-se por cá - ou «Bairro Social», não melhora a paisagem ou o horizonte. Segismundo.
Mapa jamais. Por estupidez ou hábito repetem-se alguns erros. Ele decidiu tornar à recta do Rogil e estacionar. Nunca talvez seja demais. Mas é muito provável que tão cedo não repita a manobra. Segue o motivo. Ali, naquele estabelecimento, os bolos são bons, alguns muito bons. O pão é bom, embora não do outro mundo. O serviço, esse, continua a ser o que era, mau. O problema não é a velocidade de atendimento, que, embora em chão vicentino, é tipicamente alentejana, no sentido arrastado e dormente do termo - tem autenticamente o ritmo da câmara lenta. O problema também não é o modo paleolítico de apontamento dos itens demandados e de determinação do montante a pagar. No Rogil, ali, naquele estabelecimento, um gajo não tem urgências. Por isso resigna-se, atura e sofre como um masoquista convicto. É o que é. O problema é que um gajo paga, não discute preço e, portanto, adquire o direito de ser servido. Por exemplo, se um gajo pede uma tosta mista, é suposto que o pão seja tostado, não amornado. Isto presumindo que, como é no fim do mundo ou para além do caralho mais velho, uma tosta é uma tosta também no Rogil. Em suma, um gajo veraneia e não anda a veranear para ser fodido. Por isso, reitere-se, nunca talvez seja demais. Porém a paragem no Rogil foi riscada do itinerário. Definitivamente. Segismundo.
Vala comum. Por Miguel Torga nem uma amostra para a caixinha das almas. Porque, telúrico e mais, há Teixeira de Pascoaes. E há Ruben A. também. Segismundo.
Habitação. Um gajo é sofisticado, o que, entre outras coisas, significa almofada - não uma almofada qualquer, mas a almofada do costume - e, mais recentemente, ar condicionado. Dita a narrativa, um gajo é sofisticado. Mas um dia arma-se com o espírito de Whitman e Thoreau e decide ir encontrar-se com a natureza. Literalmente com a natureza. E um gajo vai. Leve, portanto, sem casa, porque um gajo não é um caracol. Mas no momento em que parte, com o avanço do primeiro pé, começa a hipótese do arrependimento. Segismundo.
aquilo atrás da máquina de flippers. É como nos westerns, segue-se o voo dos abutres para saber-se onde está o cadáver. Após estas palavras gerou-se um silêncio breve. Depois, procurando a intimidade, soou uma interrogação, qual é o teu nome? A resposta foi imediata, chamo-me Guadalupe Müller. O Marquês.
O cidadão comum. A expressão «cidadão comum» é redundante e estúpida. Os cidadãos, todos, são comuns porque essa é justamente a condição e a propriedade da cidadania. Nicky Florentino.
Regras da prudência relativas às relações sociais, i. Falam-te sobre a sociedade civil, imaginas o bcp? Falam-te sobre o mercado livre, imaginas os sapatos vermelhos da senhora dr.ª Zita Seabra? Falam-te sobre o cidadão comum, imaginas a senhora arq.ª Helena Roseta? Falam-te sobre o medo, imaginas o cu? Falam-te sobre o estado, imaginas a extensão da placa continental? Nicky Florentino.
Última flor do fellatio. Portugal é um paradoxo. A espécie autóctone esquiva-se à reprodução. Mas não se fica. Pelo que não por acaso tratou de estender o seu domínio sobre parte do seu flanco subatlântico. Ai o mar abrasa a frente da Caparica e de Esposende, tau!, já o fodemos, ganhamos-lhe chão por baixo. Que a ONU deixa. Segismundo.
Na terra dos yahoos. Uma senhora directora de um museu nacional não sei o quê, sofreu em consequência e mais não sei o quê. Vai daí, para demarcar-se da dita senhora, um conjunto de criaturas em sinecura semelhante - senhoras directoras e senhores directores de museus nacionais, portanto - não sei o quê. E, seguramente porque no seu entendimento superior o caso não poderia ser resolvido através das instâncias próprias, também o senhor presidente da república não sei o quê. Ainda bem. Sabe-se lá o poderia ser o caso se não fosse assim. Arte antiga Pungência. Nicky Florentino.
Sociedade anónima. O problema dele com deus não é diferente do problema dele com os outros, os beatos, os castiços, os cyborgs, a Deolinda, o pato Donald, os duendes, os estrumpfes, as fadas, os gabirus, os génios, os gnomos, o Jack Bauer, os jagunços, os jarretas, o mister Jesualdo Ferreira, os marretas, os pares, os Pink Floyd, os profetas, as meninas Salgado, os santos, os suplentes, os vigários ou os outros, os outros simplesmente. É este o seu regime de relações há muito tempo. De simpatias também. Segismundo.
A solidão é os outros. A distância aos outros - a distância autêntica, não o afastamento piedoso ou circunstancial - produz o efeito imprescindível a alguém para ser e ser-se. Tal distância não é garantia de identidade apenas. É garantia de salubridade e sanidade também. E de estima. Do que resulta o facto - não o axioma - seguinte, um mundo melhor é um mundo de solitários. Segismundo.
Contra grei. A injustiça começa a ser uma opção com sentido a partir do momento em que se percebe que, mais do que justos, justiça pressupõe juntos. Segismundo.
Em agosto não há urgências. São as horas lentas e ledas e o trabalho empanado, à espera. O almoço estendido, derramado além do fim. Hoje não, hoje não, não pode ser, soa a consciência profissional. É urgente. Não pode esperar. Está bem. Se fosse mais tarde, poderiam falar sobre Djävulens öga ou Vargtimmen. Sobre quê? Está calor, não está? Não, não pode ser, porque o colega que trata daqueles assuntos está de férias. E agora? Agora o quê? Durante a ausência dele nada pode ser feito, agora só em setembro. Agora é agora, mas do outro lado do telefone agora é em setembro. Mas, em agosto, setembro é demasiado tarde. Obviamente que o caso não é assim tão urgente. Pode ser tratado em outubro ou em novembro ou depois, à portuguesa. Paciência. Até à palavra «paciência» o diálogo estava a ser cordial. Segismundo.
Dezassete fora dois. O poder é um problema. Prova evidente deste facto é a posição do bouquet de criaturas patuscas que concorreu recentemente à eleição intercalar da câmara municipal de Lisboa, entestado por uma espécie de Murray Bookchin de saias pátrio, porém com menos páginas escritas - valha-nos isso -, a senhora arq.ª Helena Roseta. Agora sabe-se que esse consórcio político circunstancial conseguiu assento para duas almas no executivo municipal lisboeta, mas não está disponível para administrar a coisa paroquial. É mesmo só para a infiltração basista e, enfim, ver como é que as coisas se passam e processam. Porque, reconheça-se, o tirocínio destas criaturas nunca acaba. Compreende-se. Os princípios que apregoam e perseguem são tantos que não dispõem de fins que suficientes. Nicky Florentino.
Processo de loteamento em curso. Já há prenúncios em Lisboa. Tantos que o novel senhor presidente da câmara municipal lá do sítio já começou a distribuição de pelouros, embora de pelourinhos é que dava jeito. Nicky Florentino.
Silogismo. Não há que estranhar o facto de o senhor dr. Marques Mendes estar com o senhor dr. Alberto João Jardim. Não há que estranhar o facto de o senhor dr. Rui Rio estar com o senhor dr. Marques Mendes. O que tem que ser tem muita força. E muitas outras coisas, visíveis e invisíveis, também. Nicky Florentino.
O charme discreto dos outros. Em sociedade, as coisas obedecem a uma certa simplicidade. Começam por pedir-nos cuidado. Mais tarde pretendem encerrar-nos num curral sob doutrina oficial. Quando não é sob isso é sob os bons costumes. Vai daí um gajo tende a dizer ai o caralho, para soltar-se. E o que é um dispositivo repelente aos outros parece falta de educação ou má-criação. O caralho é que é. Mas também não adianta explicar. Porque, embora improvável, como todos os outros dispositivos sociais, funciona. Segismundo.