2006-08-31
O desporto, a regra, a tribo e a pena asinina. Que porra de regulamentos desportivos são esses em que por presumida culpa de uns pagam outros? É que tal princípio é tão bestial - sim, de besta, tipo alimária quadrúpede - que espanta não apenas que exista, mas que existam criaturas - desde o céu até ao senhor dr. Gilberto Madaíl - dispostas a impô-lo ou a acolhê-lo. A puta falta que é a omissão de juízo. Nicky Florentino.
A nebulosa. Há um lirismo serôdio na ideia segundo a qual, em cenário enunciado democrático, a representação política estabelece um vínculo directo entre eleitores e eleitos. É que, em rigor, esse vínculo nunca foi directo - embora outrora assim tenha parecido. Foi sempre mediado por várias instituições, desde a força - a bruta ou a verbal - até ao consenso - pela adesão ou pela alienação. Setúbal, portanto, é mais um ponto no plano apenas. Nicky Florentino.
Sadismo político. Relativamente à mudança no elenco camarário do município de Setúbal pouco há a dizer. A coisa foi estranha. Ponto final. O fulano em senhor presidente da Câmara Municipal abdicou dessa condição não por determinação da sua pessoa, mas por determinação do partido político pelo qual foi eleito, o seu partido político. Há diferença? Há. No limite fica a saber-se que o senhor autarca não renunciou ao mandato em razão de uma conveniência particular, para ir assentar praça em honra mais honrosamente remunerada. O que, sendo de louvar, não ilude a penumbra sobre o caso. Um boomerang foi, um boomerang há-de voltar. Se fosse um frisbee, o movimento, a ida e a volta, seria igual, mas o caso seria diferente. Nicky Florentino.
Bissectriz. Neste mundo cruel, as pessoas dividem-se em duas categorias, as que chamam magnólia às nêsperas e as outras. Segismundo.
Classificados. Compra-se tempo. Para conceder aos inimigos. Com mais tempo eles matar-se-ão uns aos outros. E, então, deixará de haver tanto amigos quanto inimigos. Os outros serão apenas os outros e morrerão anónimos. Será o sossego. Segismundo.
®. Chegado a determinado momento da sua carreira de supliciador, entendeu que necessitava de um estilo, de uma marca de água. Para si, o acto de magoar era fulgurante, mas, como não se inscrevia suficientemente na memória, na sua ou na dos outros, esgotava-se rapidamente o gozo decorrente de tal acto. Obviamente que as vítimas teriam dificuldade em esquecer-se do que haviam padecido sob os seus tratos. Isso, porém, não lhe era suficiente. Ele necessitava que outros, os outros, lhe reconhecessem a obra. Necessitava, portanto, de dar publicidade aos seus casos. A melhor forma que encontrou para cumprir o seu intento obedecia a uma lógica. A cada vítima cortaria um dedo da mão. Depois de dez dedos cortados, à décima primeira vítima cortaria uma mão. Depois de dez mãos cortadas, à centésima décima primeira vítima cortaria um braço. Depois de dez braços cortados, a milésima centésima décima primeira vítima seria degolada. Embora pacientemente gizado, o plano não surtiu o efeito desejado. O Marquês.
2006-08-30
Um mundo melhor é possível. Se já é membro de uma célula indisciplinada da Frente de Libertação dos Duendes de Jardim. Se já é simpatizante da Associação para o Estudo e a Protecção do Gado Asinino. Um solitário hesita. Segismundo.
Está-se bem. Não bastava o heliocentrismo dito por Galilei, às narrativas seculares tinha de ser acrescentado o evolucionismo dito por Darwin. Por tudo isto, Prometeu fodeu-se. O seu fígado, constantemente regenerado por ordem da suma divindade, foi repasto quotidiano para uma ave de rapina. Até que um dia Hércules assestou um varapau no dito pássaro e a miudeza hepática do titã ficou em descanso eterno. Tão eterno quanto o vínculo que, por um arnês manhoso, ordenou Prometeu cativo da pedra. Mas isto foi há muito, muito tempo. Agora é tudo diferente. A película simbólica por via da qual é mediada a generalidade das experiências e vivências mundanas erigiu um mundo faz de conta. O que é tanto pode ser quanto pode não ser. Depende. Por exemplo. Uma austríaca foi raptada quando criança e logrou escapar recentemente, passado um ror de anos. Durante esses anos, o sequestro em que foi mantida privou-a de uma infinidade de bens - entre eles a liberdade. Mas agora, solta, ela preferiu realçar o facto de, não obstante, ter sido protegida de uma série de males menores, como o álcool ou o tabaco. Enfim, o mundo é conforme o disse Pangloss. Pode-se estar ou ser fodido. Mas pode sempre ser pior. Muito pior. Segismundo.
E por que mais é que Clark Kent é um frouxo? Em Superman Returns, película realizada por Bryan Singer, há um herói apenas. Que é uma heroína. Lois Lane não é apenas a mãe do filho de Clark Kent - embora a generalidade das criaturas envolvidas no enredo julguem que o progenitor é um desgraçado chamado Richard White, sobrinho do José Manuel Fernandes do Daily Planet. Tal facto é de notar, mas é obra que qualquer mulher consegue. Pois o que releva está muito para além da maternidade e da faculdade de engano feminina. Ou seja. Num avião, Lois Lane foi arremessada contra tudo o que faz amachucar, bateu com os costados, bateu com a cabeça, bateu com tudo, e conseguiu sair ilesa, sem uma contusão, sem um hematoma sequer. Num barco, Lois Lane apanhou uma puta porrada no toutiço, uma porta de aço na cabeça, e sobreviveu sem evidência de traumatismo craniano ou qualquer outro efeito secundário. Para além disso, Lois Lane tem o bónus de, como bom espécime, não padecer sob o raio da kryptonite. E tem uma cabeleira farta, coisa de que o vilão Lex Luthor não se pode orgulhar. Clark Kent, esse, pobre coitado, em todos os seus estados, preserva um penteadinho à foda-se. Segismundo.
O retornado. Clark Kent é uma personagem tão improvável e incoerente quanto deus. O acumulado de pormenores que empresta evidência à prova de tal afirmação é sobejamente notório. A criatura veste uma espécie de maillot que resiste a toda a espécie de elementos agressivos, excepto - veja-se lá a puta da inconveniência - a uma farpa de kryptonite. Depois, quando voa, com os punhos cerrados, o fulano ou é estúpido ou é socialista - passe a redundância. E sobre a volta de cabelo na franja, tipo gancho de camarão passado em azeite, sempre incólume, então, é preferível não tecer qualquer comentário. Em suma, Clark Kent, em todos os seus estados, é um frouxo. Segismundo.
imagem © Bryan Singer (do filme Superman Returns)
2006-08-29
Leaves of Grass e sequência. É impressão dos aqui do tugúrio? ou o senhor Prof. Doutor Prado Coelho, mesmo quando empina sobre a infâmia e a confissão de Günter Grass - de, já em idade de ter juízo no cocuruto, se ter voluntariado para ingressar nessa inominável falange chamada Waffen SS - é gordo? Gordo, mesmo. Mesmo, mesmo gordo. Rechonchudinho. Anafadito. E tal. Ã? Segismundo.
Antes e depois. Que tem gabarito. Que é bonito. Amigo também. Até ao dia em que, porque fodidos, nele tudo lhes parecerá diferente. Segismundo.
2006-08-28
Quando o argumentário político plana ao nível do amónio e das sapatilhas Sanjo. O senhor dr. Manuel Monteiro, provavelmente o
Quem vê caras não vê corações e vice-versa. Olha-se para esse benfazejo que seguramente é o senhor dr. António Costa, criatura emprestada à honra de senhor ministro de Estado e da Admninistração Interna, e nota-se nele um je ne ce quoi que faz lembrar essoutro insigne senhor, o senhor dr. Almeida Santos. Socialistas, um e outro, pois claro. Nicky Florentino.
Ora chupa aqui a ver se eu deixo. Segundo a edição de hoje do Público, o senhor dr. Luís Filipe Menezes, essa luminária a quem dava para ter assomos e achaques nos conclaves maiores da respectiva seita, o PSD, entende que a pátria não é pau para toda a colher. Pois não. É nougnat ou qualquer substância afim. Nicky Florentino.
Há já muito tempo que o ar nesta latrina se tornou irrespirável. Mateus, o nome é evangélico. O resto, o que acrescenta caso ao caso, é a sentina, o alguidar e as bordas do futebol. Uma merda, talvez a merda. A do costume. Nicky Florentino.
Dono que não conhece o cão. Alimenta o cão todos os dias, disse. Mas no instante de o nomear revelou-se incapaz de recordar o nome do bicho. Todos os dias, disse. Segismundo.
Pela soberania da toon town. É tão estúpida, tão, tão, tão, tão estúpida, mas mesmo tão estúpida, a anunciada e putativa higienização dos desenhos animados Tom & Jerry. Os desenhos animados são uma das derradeiras fronteiras da liberdade. Apagar os cigarros nos desenhos animados tem o mesmo alcance que a declaração da morte de deus. É uma estupidez. Sem o sentido franco que deve haver na estupidez. Perante a incapacidade de mudar o mundo - ainda bem que o mundo é o que é e não se revela disponível à modelação -, declaram-no limpo. Mas, sabe-se, a inocência da boa intenção dos limpadores é um indício da respectiva culpa. Vão-se foder. Segismundo.
imagem © Robert Zemeckis (do filme Who Framed Roger Rabbit?)
2006-08-27
Os dias do império e a falência. Não há tragédia maior do que a sobrevivência à própria miséria. E se houvesse? Ele não quer saber. Não, não quer saber. Não quer saber, mesmo, em tom enfático. Disse que renunciava a tal saberdoria. Hoje até falou em nojo, falou em asco. E, como às vezes destila, acrescentou que quer que o mundo, todo, inteiro, se foda. O que é uma pretensão absurda. Ele é no mundo. Ao accionar o autoclismo ele irá no dilúvio também. Nem é mais nem é menos do que os outros. Porém até esse facto ele quer que se foda. Como se pudesse. Como se fosse possível tanta amargura, tanto desamor, tanto desprendimento em relação a si mesmo e às consequências sobre si. Numa primeira abordagem, parece o caso justificasse a sua catalogação como loucura. Mas não, não é desvario. Também não é subsídio para o suicídio. É repetição, coerência, insustentabilidade. É a estupidez em manifestação autofágica, como se fosse um fecho éclair a correr inutilmente. Zip e nada. Zip e nada. Zip e nada. Zip, zip, zip, zip e nada. Que se foda. Amanhã não será diferente. O mundo sobrevive-lhe. O que faz com que ele e o mundo, assim como o mundo e ele, sejam merecidamente comuns. Que se foda, uma vez mais. Apenas para firmar e para confirmar a sua disposição. Neste instante, ele admite, o que deseja é simples, oscila entre um mil-folhas e a condição de desenho animado. Não, não é adepto do credo segundo o qual a alma se recicla no e pelo perdão. A alma, qualquer alma, confirma-se na culpa. É por esse lodo espectral, é afogados nessa fossa psic, que somos quem somos. Por quase nada hoje poderia ter-lhe sido um dia diferente. Embora a culpa, essa, tivesse sido a mesma. Alma e, depois, logo, por associação, deus não se sabe o quê. Deus? Sim, deus, pois claro. Mas hoje é domingo. A criatura esteve retirada - está sempre! -, em descanso. E sabe lá deus o que é um mil-folhas. Que se foda. Reitere-se, por quase nada e. Segismundo.
A experiência como contraste. O corpo, volume e superfície, quase se resume nos olhos, esta é a primeira sensação. Mas há mais. As mãos atribuem-lhe o toque, oferecem-lhe o alcance, a propriedade, as arestas. E tudo continua. Segismundo.
O regresso como fraqueza. No confronto com o mar, vai-se para perder, para voltar à margem. O que significa que, em tal caso, a sobrevivência é uma consequência da derrota. Segismundo.
2006-08-24
Modo de soberania. Por mais assombroso que seja, parte da realidade (re)conhecida é o produto do seu encontro com categorias. Neste sentido, a despromoção ontoceleste de plutão é um exemplo do que pode o consenso enquanto força de categorização. A realidade permanece o que é, a realização altera-a. Segismundo.
2006-08-23
Escala de Dan Brown, i. Talvez seja coincidência apenas. Ainda assim, proceda-se ao registo. Em Twelve Monkeys, James Cole diz all I see are dead people. Em The Sixth Sense, Cole Sear diz I see dead people. Doze macacos. Sexto sentido. Mortos vistos. Bruce Willis. Um..., cheira a pipa apocalíptica. Segismundo.
2006-08-22
Sinais. Quem sabe o que são laranjas do Pafarrão sabe o que é laranjada, autêntica. Aí não há o jogo do engano. Também não há o jogo da mentira. Quem sabe, sabe. Quem não sabe, não sabe. Segismundo.
2006-08-19
Pós-pontapé de bicicleta. Em cão, a contratação do mister Fernando Santos pelo Benfica significa uma época inteira de festas no lombo, um autêntico regalo. Pelo princípio da correspondência, a contratação do mister Jesualdo Ferreira pelo Futebol Clube do Porto significa memória dos tempos em que a cauda abanava. E, claro, saudades do mister Rui Barros. Nicky Florentino.
Página do livro dos googlemas. Esta é uma das interrogações sobre o mistério do mundo, porque se faz uma vénia nas palavras do credo: e encarnou pelo espírito santo no seio da virgem maria?, assim mesma. Como surge óbvio, o obscurantismo deste tugúrio não permite alcance sobre tão lucífero tópico. Aqui o negócio é mais trevas. Ou destemperos de alma. Segismundo.
Excitação. Em De l’Esprit Géométrique, Blaise Pascal escreveu, C’est une maladie naturelle à l’homme de croire qu’il possède la vérité directement; et de là vient qu’il est toujours disposé à nier tout ce qui lui est incompréhensible; au lieu qu’en effet il ne connaît naturellement que le mensonge, et qu’il ne doit prendre pour véritables que les choses dont le contraire lui paraît faux. Segismundo.
2006-08-17
Ovnis. O caso é umas quantas escalas em território nacional de umas maquinetas voadoras, supostamente a servir missões canalhas de agências de bons serviços norte-americanas. E súbito, na pátriazinha, borbulha o orgulho da soberania. A coisa chamada Governo digna-se a responder apenas perante a coisa chamada Assembleia da República, o que significa que não está para esclarecer o que quer que seja perante essa outra coisa chamada Parlamento Europeu. Em face disto, claro, há os contentinhos. Portugal über alles, über alles in der Welt. Mas o que (trans)parece é que o Governo não quer dizer puto sobre o assunto. Provavelmente porque os senhores maiorais da causa lusa não sabem o que raio se passou sob o seu nariz. Provavelmente porque não sabem o que dizer. Provavelmente porque é uma chatice. Provavelmente porque outra coisa qualquer. Aliás, se é para vir com uma conversa de merda tipo material bélico não ofensivo, também não adianta a rapaziada do Governo dizer o que quer que seja. É preferível o silêncio. No mínimo porque previne a entrada de mosca. Nicky Florentino.
Memórias de Marcello. O malogrado senhor Prof. Doutor Marcello Caetano nasceu há cem anos. Este facto foi recordado na generalidade dos meios de comunicação social. Mas parece não haver memória justa de quem foi a referida criatura. Há apenas a memória lavada e enxuta, tipo toalha de mesa imaculada, sem nódoa e perfumada com essência de lavanda. Deve ser porque sobre este chão, o pátrio, é tudo horizonte. E, claro, mansos costumes. Puta que pariu a indulgência. E a ignorância mais ainda. Nicky Florentino.
Hable con ella. Se alguém diz que o quebra-ossos se chama Bode Spencer, chama-se Bode Spencer e não se fala mais sobre o assunto. Segismundo.
Memorial de um mosteiro. Entre o capítulo das culpas, sala com porta fechada, e a sala da ouvidoria, aberta, havia um corredor longo e largo, com o tecto recuperado e pintado de branco. Agarrado ao branco havia um morcego. Segismundo.
Splendor in
From Buraca to the hole. Yeah Yeah Yeahs, Bloc Party e We Are Scientists, nomes que, em Paredes de Coura, rimaram com lama. Segismundo.
2006-08-16
Prenúncios de um outono-inverno difícil. Co é tão nome de treinador de futebol quão Jesualdo. Já houve dias melhores. Dias de discernimento. Nicky Florentino.
2006-08-10
In slide, iii. De um lado o incêndio, do outro lado a máquina chamada Atlântico. Segismundo.
In slide, ii. O mar testemunha o corpo de modo diferente do que testemunha a terra. Segismundo.
Pródomo às ordenações divinas. Ouvia-se apenas uma voz, voz grave. Não se sabe de quem era essa voz. Sabe-se apenas que clamava com império. Segismundo.
2006-08-09
Limite e decência. Nenhum treinador de futebol, digno desse ofício, se chama Co. Nicky Florentino.
In slide, i. Gradualmente, o itinerário da vida, o seu marcador, deixa de ser o dicionário e passa a ser o IPod. Segismundo.
2006-08-08
Sociedade limitada. Encharcados de alteridade, os outros são toleráveis até determinado limite. A partir desse limite, que quase sempre é um número, os outros são gente a mais. Segismundo.
Homem ao mar. A margem em assento permanente. Agora o mar em apelo quase íntimo, dentro. Perante ele, a maior das hipóteses, o rapaz é a criatura que salta, que se improvisa peixe. Segismundo.
2006-08-07
Ode ao microchip que vai ao mar salgado. Parte significativa da modernidade assenta sobre um complexo dispositivo que se estende desde a moto-serra até ao motor fora de bordo. Por isso, quando alguém procura um quarto com vista sobre o mar, o que procura é o silêncio aquém desse dispositivo, o seu avesso, uma autenticidade que imagina isenta de mecânica. Mas, porque é mais confortável, vai de carro para a praia. E, por via das dúvidas, leva o telemóvel. Com sorte, os calções têm bolso e no instante do primeiro mergulho ainda vai estar contactável. Segismundo.
Noctâmbulo sobre o signo de si. Noite após noite, contra a convicção, cavado no silêncio, ele sentia-se a personagem que não estava em Nighthawks. Havia nele uma ausência maior, um abandono perturbante. Ao falhar-se no quadro de Hopper, ele falhara-se a si também. Na prática, fora daquela mancha, era como se não existisse. Era como se a solidão lhe fosse plena, inscrita e dissoluta no corpo até à invisibilidade, a sua. Porque já estava fora, ele não saiu. Segismundo.
2006-08-06
O homem que sabe tudo. No seu ritual domingueiro de exibição de sapiência de emplastro na teelvisão, o senhor Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa notou que hoje começaram os incêndios na pátria. O que quer dizer que, como a famigerada vichysoisse, os incêndios anteriores não aconteceram. Nicky Florentino.
2006-08-05
Analepse hidra. Não há mistério, não há milagre. Há o que é anterior a esses estados de revelação, a ignorância e todas as suas cabeças. Segismundo.
O rapaz que se apaixona por mulheres das páginas do tempo
# Dois
Nas redondezas, no raio de uma quantidade de quilómetros avantajada, nenhum daqueles calendários que estivesse publicamente visível tinha a página do mês de Julho. As pessoas aperceberam-se desse facto no dia em que nho foi substituído por lho e quiseram virar a página do calendário que estava à mostra. Então, aperceberam-se também que o calendário não tinha a página do mês de Agosto. Comentando esta observação entre si, as pessoas julgaram ter havido um erro na produção de tais calendários e, durante o princípio do verão, disseminaram essa tese. Embora a tese parecesse plausível, um dia alguém aludiu a uma excepção, porque, numa pequena vulcanizadora ali perto, havia um calendário daqueles com a página do mês de Agosto. Curiosas, como se sentissem necessidade de confirmar o seu tempo, as pessoas começaram a fazer peregrinações à referida oficina, improvisando demanda. Ou um furo ou a verificação da pressão dos pneus ou o alinhamento da direcção do veículo, estes e outros motivos fizeram aumentar a clientela ali. Ora aconteceu que todos os que demoraram mais o olhar sobre o calendário, prolongando a contemplação da mulher nele exibida, cinco ou seis machos orgulhosos da respectiva testosterona – e que, perante a evidência, atreveram-se a soltar motejos ordinários do tipo ó jóia, anda cá ao ourives ou, com cerrado sotaque do norte, trocando os bês pelos vês e vice-versa, pá, esta gaja é como um helicóptero, gira e boa –, apareceram mortos entretanto, em circunstâncias insólitas. Nada sugeria a existência de um padrão no conjunto de tais perecimentos, excepto um pormenor. Todos os cadáveres apresentavam escoriações e fracturas diversas, parecendo que as vítimas teriam resultado de atropelamento. No entanto, nas imediações de onde os vários corpos foram encontrados, não eram visíveis quaisquer marcas de travagem no asfalto. Eliz B.
# Dois
Nas redondezas, no raio de uma quantidade de quilómetros avantajada, nenhum daqueles calendários que estivesse publicamente visível tinha a página do mês de Julho. As pessoas aperceberam-se desse facto no dia em que nho foi substituído por lho e quiseram virar a página do calendário que estava à mostra. Então, aperceberam-se também que o calendário não tinha a página do mês de Agosto. Comentando esta observação entre si, as pessoas julgaram ter havido um erro na produção de tais calendários e, durante o princípio do verão, disseminaram essa tese. Embora a tese parecesse plausível, um dia alguém aludiu a uma excepção, porque, numa pequena vulcanizadora ali perto, havia um calendário daqueles com a página do mês de Agosto. Curiosas, como se sentissem necessidade de confirmar o seu tempo, as pessoas começaram a fazer peregrinações à referida oficina, improvisando demanda. Ou um furo ou a verificação da pressão dos pneus ou o alinhamento da direcção do veículo, estes e outros motivos fizeram aumentar a clientela ali. Ora aconteceu que todos os que demoraram mais o olhar sobre o calendário, prolongando a contemplação da mulher nele exibida, cinco ou seis machos orgulhosos da respectiva testosterona – e que, perante a evidência, atreveram-se a soltar motejos ordinários do tipo ó jóia, anda cá ao ourives ou, com cerrado sotaque do norte, trocando os bês pelos vês e vice-versa, pá, esta gaja é como um helicóptero, gira e boa –, apareceram mortos entretanto, em circunstâncias insólitas. Nada sugeria a existência de um padrão no conjunto de tais perecimentos, excepto um pormenor. Todos os cadáveres apresentavam escoriações e fracturas diversas, parecendo que as vítimas teriam resultado de atropelamento. No entanto, nas imediações de onde os vários corpos foram encontrados, não eram visíveis quaisquer marcas de travagem no asfalto. Eliz B.
fotografia © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli
2006-08-04
As tardes de um guarda-livros, i. Provavelmente a questão resume-se a essa virtude chamada paciência. Ele prefere manter que a questão é uma questão de tempo. Vai-te foder é uma expressão que lhe sai com facilidade e é exacta na intenção que lhe empresta. Mas, por circunstância e ofício, agora anda a ensaiar outros modos de ofender. Hoje já disse és tão Dan Brown e, agravando o tom, és tão Paulho Coelo. Disse também, tematizando a ofensa no feminino, não és Maria Gabriela lençol que chegue. A estupidez está-lhe sem limites. Segismundo.
Judicioso. A expressão “bandalho ético” é bonita. Segundo a edição de hoje do Público, página treze, exalou-a o senhor dr. José Miguel Júdice, para dizer que, em termos morais, não é um indigente. Amén. Segismundo.
Havia um cão chamado Diógenes que fazia perguntas, iii. Os princípios são definidos antes ou depois de serem definidos os fins? Segismundo.
Página do livro dos sonhos interrompidos, ii. O cenário era em carmim casa de putas de bas-fond. Luz baixa. Ela tocou-lhe no ombro, tomando-lhe a atenção, e disse-lhe, se me amas, fala-me sobre a kryptonite. A palavra kryptonite saiu-lhe da boca em verde fluorescente. Segismundo.
2006-08-03
Unir pontos. Sem programa ou ordem, começou a riscar nomes,
Depois do verbo. Conta-se que antes da maçã os corpos eram nus e não se via a nudez. A partir do instante em que, pela maçã, se conheceu a nudez, conheceu-se mais ainda e, provavelmente para guardar esse conhecimento, os corpos foram cobertos com camuflados diversos, desde a folha de parreira até ao escafrandro. Depois veio o calor. E os corpos aprenderam a esquecer o que, pela maçã, ficaram a saber. Começou a estação dos umbigos ao léu. Segismundo.
2006-08-02
Nem espada nem balança. Ó putos à guarda de uma qualquer instituição de aspiração ou inspiração católica - ou de qualquer outra inclinação confessional et cetera -, supliciem magistrados, juízes ou delegados do ministério público, com requinte e basta crueldade e abandonem-nos até ao estertor final. Podem mandá-los para dentro de um poço. Convém não faltar às aulas. As brincadeiras de mau gosto são apenas brincadeiras de mau gosto. Confundam-nos, aos magistrados, com gente com hormonas. É que, segundo consta, as brincadeiras de mau gosto estendem-se até à sentença. Segismundo.
Das nove vidas para o fim, viii. O simplismo é miséria. A simplicidade é tragédia. Entre um limite, o simplismo, e o outro, a simplicidade, são os sentidos. Inevitavelmente, escolhe-se. Mesmo quando não se deseja ou se recusa a escolha, escolhe-se. A inocência depende da escolha que se faz. A culpa, porém, é sempre e por defeito. Nada a redime. Para ser suportável escolhe-se a sensação de inocência. Mas pela consciência sabe-se a culpa. Segismundo.
Havia um cão chamado Diógenes que fazia perguntas, ii. Acreditar na distinção entre o bem e o mal é bom? ou é mau? Segismundo.
2006-08-01
Havia um cão chamado Diógenes que fazia perguntas, i. Qualquer credo pressupõe-se. É fácil. É confortável também. Mas não permite responder a si por si. O que significa que há algo antes de qualquer credo. Segismundo.
Escala de Hobbes, iii. Autoridade é esconder a inquietude e os respectivos motivos através da enunciação do carácter secreto do que (não) se está a fazer para sugerir angústia ou inveja a quem interpela com a interrogação o que estás a fazer? Segismundo.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).