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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2006-08-05

O rapaz que se apaixona por mulheres das páginas do tempo


# Dois

Nas redondezas, no raio de uma quantidade de quilómetros avantajada, nenhum daqueles calendários que estivesse publicamente visível tinha a página do mês de Julho. As pessoas aperceberam-se desse facto no dia em que nho foi substituído por lho e quiseram virar a página do calendário que estava à mostra. Então, aperceberam-se também que o calendário não tinha a página do mês de Agosto. Comentando esta observação entre si, as pessoas julgaram ter havido um erro na produção de tais calendários e, durante o princípio do verão, disseminaram essa tese. Embora a tese parecesse plausível, um dia alguém aludiu a uma excepção, porque, numa pequena vulcanizadora ali perto, havia um calendário daqueles com a página do mês de Agosto. Curiosas, como se sentissem necessidade de confirmar o seu tempo, as pessoas começaram a fazer peregrinações à referida oficina, improvisando demanda. Ou um furo ou a verificação da pressão dos pneus ou o alinhamento da direcção do veículo, estes e outros motivos fizeram aumentar a clientela ali. Ora aconteceu que todos os que demoraram mais o olhar sobre o calendário, prolongando a contemplação da mulher nele exibida, cinco ou seis machos orgulhosos da respectiva testosterona – e que, perante a evidência, atreveram-se a soltar motejos ordinários do tipo ó jóia, anda cá ao ourives ou, com cerrado sotaque do norte, trocando os bês pelos vês e vice-versa, pá, esta gaja é como um helicóptero, gira e boa –, apareceram mortos entretanto, em circunstâncias insólitas. Nada sugeria a existência de um padrão no conjunto de tais perecimentos, excepto um pormenor. Todos os cadáveres apresentavam escoriações e fracturas diversas, parecendo que as vítimas teriam resultado de atropelamento. No entanto, nas imediações de onde os vários corpos foram encontrados, não eram visíveis quaisquer marcas de travagem no asfalto. Eliz B.

fotografia © Merl Alas, Marcus Piggot e Pirelli


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