2012-03-30
Angelus novus. As ruínas não fazem mal. A história é uma sucessão de desmoronamentos, realojamentos, estabelecimentos novos. As quedas propiciam oportunidades de levantamento. Não obstante, o desaparecimento das tabernas é um sintoma da erosão da democracia, da fraternidade que é condição de um regime assim. Depois, ai, ui, queixem-se. Nicky Florentino.
2012-03-28
pas de deux, xii. ele, estou aqui, anunciou-se. ela, ainda bem que vieste. agrada-me saber-te aqui mais por temor do que por amor. O Marquês.
2012-03-26
Dos nove capítulos circulares de Alighieri, iii. Há na morte o que havia, ainda a humanidade, a mesma humanidade. Segismundo.
2012-03-23
Weber morreu outra vez. Vide aqui o motivo. O monopólio do uso legítimo da força nunca foi característica distintiva do estado, mas foi assumido como tal. Um erro, porém erro que permitiu referência, não integridade. A doutrina liberal alinhou no equívoco e usou-o para limitar a acção em nome do estado. Entre outras consequências, isto permitiu a vigilância cívica, a censura e o controlo dos abusos perpetrados em nome do estado. Sucede que, em prol de uma ordem que não há - e que se pretende impor por modos e formas de violência diferentes -, tem vindo a banalisar-se o uso despropositado e desproporcionado da força por parte das «forças de segurança». A banalisar-se porque sem consequências, seja na responsabilização de quem perpetrou, seja no estabelecimento de caução eficaz com vista a obstar à reincidência. Tornou-se consentâneo malhar em manifestantes ou circunstantes, o que, não sendo necessariamente desagradável à vista, suscita perplexidade e interrogações. Age-se assim em nome de quê? Com que legitimidade? Por outras palavras, onde é que andam os liberais? Liberais, não a matilha dos apóstolos do despotismo mercantilista e usurário, parte com domicílio governamental, apóstolos tão adventícios e possidónios quão deslumbrados pelo servilismo ideológico a que se ofereceram. Acreditassem ter um rebanho de virgens à espera deles no tecto do senhor e, na devoção, cabrona como qualquer devoção, não se distinguiriam de membros de outro tipo de récua. Isto não é uma alegoria. Nicky Florentino.
2012-03-21
sangue por solidão, vinte e um de setembro de mil novecentos e sessenta e sete. é mais o tédio do que o medo o que escorre das paredes da sala. tu magoas, eu brinco. talvez seja mentira. queres apostar? ele fingiu não reparar. o filme era triste, francês. O Marquês.
2012-03-20
Escada de Πcoito. Por esta via. Percebe-se tudo, nisto. Percebe-se que “alguém com tendências homossexuais, seja qual for o grau” - sim, a questão não é meramente de tendência ou, vá lá, de orientação, é também de acento - pode “ser um bom pai numa relação heterossexual”. Rewind, “bom pai numa relação heterossexual”, ponto final, não há dúvida, é ontologia. As relações são muito importantes, convém não esquecer, porém há as boas e há as outras, como os pais, sendo que os pais só são, porque só podem ser, nas boas. Como sugeriu alguém, o real é relacional ou vice-versa. Percebe-se também a da “lésbica activa”, porque, sabe-se, uma lésbica é como um vulcão. Não é por um vulcão não expelir magma que não é o que é. Importa não confundir vulcões com géisers. Fica sem se saber se uma lésbica inactiva tem tendências homossexuais e, se sim, em que grau, mas a lógica não é para aqui chamada, o assunto é de ciência e nesse chanfro deve ser considerado. Pode mesmo acontecer que haja uma lésbica activa em grau zero. Onde as sirenes começam a soar, porque se sente o avanço rápido em marcha à ré, é nesta, “não faço qualquer juízo moral. Cada um é livre de viver como bem entende, desde que não prejudique os outros”. Pois, embora possa não parecer, isso de não prejudicar os outros é já assento moral. Se activo, se passivo, se em que grau, que se foda. Segismundo.
2012-03-19
Dos nove capítulos circulares de Alighieri, vi. A distinção entre urgência e emergência é um sintoma do regime dromocrático que afecta a condição humana. Segismundo.
2012-03-14
sangue por solidão, sete de novembro de mil novecentos e cinquenta e um. fixei o olhar no mapa, estou a falar a sério, nenhuma novidade, não falámos sempre assim?, a continuação é um mistério, no sentido em que implica um horizonte, algo ainda a haver, algo que em hipótese há-de confirmar-se, concretizando-se, revelando-se, compreendo, até aqui compreendo, mas onde queres chegar?, o que significa que o exercício narrativo exige e prolonga a hipótese da continuação enquanto processo que tenta o fundamento no projecto, no lançamento de si, essa é a tua ideia?, queres dizer que isto não acaba aqui?, portanto a continuidade é um efeito da suspensão que se consegue através da narrativa que se consuma como narração, perdi-me, a narração é o nexo, a ligação generativa, desliguei, estendi a mão em direcção à garrafa de bourbon, a bíblia estava fechada e assim permaneceu sob a garrafa que peguei. o copo estava sobre o texas, já não está vazio. O Marquês.
2012-03-09
Da mediocridade. Não suscita ou justifica comoção a prosa dedicada ao prefácio do livro mais recente de sua excelência o senhor presidente da república, pois sucede que não é mais do que a manifestação da mediocridade de quem está agora com o arminho e a honra do encargo associado. Também não constitui surpresa ou revelação o que consta no prefácio referido, mesmo aquela passagem que assanhou as almas da súcia pretoriana do governo anterior. Na mediocridade, o senhor prof. doutor Aníbal António Cavaco Silva e o senhor eng.º José Pinto de Sousa estão bem um para o outro. Do mesmo modo que aquele continua entregue de modo postiço à honra de senhor presidente da república, este nunca deixou estar entregue de modo semelhante à honra de senhor primeiro-ministro. A diferença entre um e outro corresponde à diferença do modo como ambos se fingem para disfarçar a condição política meã por que são. Sim, convém não esquecer, a desleadade do senhor prof. doutor Aníbal António Cavaco Silva é em relação ao senhor presidente da república. Pena é que seja já tarde para lhe dar para exílios filosóficos e em francês. A filosofia merecia. A pátria ditosa não. Nicky Florentino.
Bater estacas. O governo não se diferencia de um tupperware, o senhor primeiro-ministro não se distingue do gollum. O governo é de plástico e tem as características de um recipiente muito estimado pelas mães mas que não é mais do que um recepiente. Tem até uma tampa que dá para várias caixas mesmo que as várias caixas não o saibam, o senhor ministro adjunto e dos assuntos parlamentares. Puta que pariu os tupperwares. Do senhor primeiro-ministro, é o que se sabe, sabe-se que outrora foi criatura diferente. Uma vez pediu desculpa. Não repetiu o acto e motivos e ocasiões para tanto não têm faltado. Não estranha que cada vez mais apareça dobrado. Não é por contrição, é para fingir que lhe pesa o que tem vindo a perpretar. Nicky Florentino.
2012-03-07
pas de deux, xi. ela, faço tudo, mas, rogou na sequência da adversativa, não me magoes. ele, desculpa, disse com sinceridade, isso nunca foi opção, para ti ou para mim. O Marquês.
2012-03-05
Dos nove capítulos circulares de Alighieri, v. A procrastinação e a desistência são virtudes de ordem superior, relacionadas com uma economia psicológica em vias de extinção. Pode parecer paradoxal, a superioridade em extinção, mas é característica do que é superior a capacidade de adaptação, inclusive por extinção, se esse for o processo que garante a superioridade. Segismundo.
2012-03-02
Apesar do mister Vítor Pereira. Hoje, no reduto daquele clube contra o qual jogou o Futebol Clube do Porto, após o final do jogo esqueceram-se de desligar os holofotes e ligar o sistema de rega. Intendente G. Vico da Costa.
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