2003-06-30
No prolongamento de uma discussão, a propósito da erosão que o caso-escândalo de pedofilia na Casa Pia está a provocar nos pilares do regime democrático português, alguém disse: "só quando o Fernando Rocha for implicado e constituído arguido, aí, sim, é que deixo de saber em quem confiar". Nicky Florentino
O povo é sábio. Numa discussão sobre as sortes, hipóteses e responsabilidades de Carlos Queiroz, o novo treinador do Real Madrid, alguém disse: "não percebo muito de futebol, mas parece-me que o Bin Laden dava um bom treinador". Nicky Florentino.
A Conselheira para a Segurança Nacional dos EUA, Condoleezza Rice, é uma mulher autenticamente às direitas. Pena é que, como o arroz, não seja doce. Mas apenas canela. Ou brown sugar. Nicky Florentino
2003-06-28
O do ut des de empenhocas é uma forma eficaz de acção política. Todos ganham. Embora uns possam ser mais prejudicados do que outros. Nicky Florentino.
Se alguém disser "quero morder-te as mãozinhas", isso, é bom presságio. Esse alguém aprecia carne. E os ossos não o incomodam excessivamente. O Marquês.
Não conheço quem quer que seja, ministro ou mais ou menos do que isso, que tenha coturno moral superior ao do senhor dr. ministro de Estado e da Defesa. Nicky Florentino.
Como dizia o outro, no pain, no game. O Marquês.
2003-06-27
Lugar da acção. Uma tasca, no Casal Ventoso, com um nauseabundo fedor a vinho, a mau tinto, e cascas de tremoço espalhadas pelo chão, mais concentradas junto ao balcão e às poucas mesas, baças, ali existentes.
Tempo da acção. Dia 26 de Junho de 2003, depois do jantar, depois do telejornal.
Para além do Policarpo e do Zacarias, estava na tasca também o velho Cardoso, embriagado, com um aspecto andrajoso, afogado em mil demónios e vinho. Às tantas, o velho Cardoso soergueu a cabeça, cuspiu para o lado, arrastou o pé sobre o muco derramado para o dispersar e, num registo arrastado, disse: "Olha, olha, olha, quem é ele. Ê fui treinador daquele gajo, ali, questá na televisão. Treinador de boxe... Ê fui treinador daquele gajo. Nã valia nadinha, coitado".
Dito isto pelo velho Cardoso, o Zacarias e o Policarpo olharam um para o outro e riram. "Aquele ainda é mais aldrabão que tu, ó Zac!", disse sarcasticamente o dono da tasca. E em seguida, dirigindo-se ao velho Cardoso, bêbado e armado em dificuldade à mesa, acrescentou: "Treinador de boxe?... Do gajo que tá ali na televisão?... Vê lá mazé se te calas, pá! Atão tu nã vez qú gajo é um optimate da nação? Sinceramente, ó Cardoso!, quem julgas qués pra nos tentar enganar?".
O velho Cardoso cambaleou. Nem sequer ouviu o discurso do Policarpo. Sentou-se de novo. E começou a rememorar o tempo em que foi treinador de pugilistas. De vez em quando, expressava um sorriso. Ele foi treinador de muito boxeur. E recordava-se muito bem de todos eles. Nicky Florentino.
2003-06-26
Lugar da acção. Uma tasca, no Casal Ventoso, com um nauseabundo fedor a vinho, a mau tinto, e cascas de tremoço espalhadas pelo chão, mais concentradas junto ao balcão e às poucas mesas, baças, ali existentes.
Tempo da acção. Dia 26 de Junho de 2003, depois do jantar, depois do telejornal.
À dita hora, o dealer Zacarias - o d. Zac para os conhecidos ou clientes - entrou na tasca para sorver mais uma cerveja e aplacar a sede de que padecia. Hoje o negócio nem tinha corrido bem. Faltaram alguns agarrados, sobraram doses. O encaixe não foi o estimado na véspera. Mas isso, agora, não lhe matava a sede e melhores dias virão. "Ó Policarpo!, sai aí uma Sagres fresquinha, cá pró moi, se fazes xavor", disse o Zacarias.
O Policarpo, sisudo, sem nada dizer, concertou o palito, segurou-o com os lábios no canto da boca, e serviu o Zacarias. Os demandados trinta e três centilitros de cerveja foram colocados sobre o balcão.
Enquanto levantava o cotovelo, para acertar a garrafa com os lábios esticados tipo focinho de porco, Zacarias olhou para o televisor. Estava o ministro da Presidência a dar uma entrevista à RTP, à Judite de Sousa. O Zacarias, por instantes, dispensou a atenção que concedera ao televisor. Passou a mão pelos olhos, rendidos ao cansaço. Entretanto, recentrou o olhar no televisor e exclamou: "Aquela cara nã mé estranha! Ê conheço este gajo dalgum lado!". Repetiu: "Era capaz de jurar quê conheço este gajo!".
O Policarpo, homem de poucas palavras, não queria alimentar a conversa e, por isso, tratou de expor cruamente a sua incredulidade. "Conheces o gajo comeu conheço, da televisão. O gajo é ministro". Zacarias, reagiu, contra-atacando: "Nã, Policarpo, ê conheço o gajo mazé do mê negócio. De certezinha, Policarpo. É das minhas transações quê o conheço". O Policarpo, que, apesar de poucas palavras, não é homem para se ficar, pôs os pontos nos is. "E tu queres queu acredite nisso, né? Pois, pois... E o meu pai, que se chamava Casimiro da Purificação Folgado, era conhecido como Belarmino da Cruz Afonso... Tá bem!, abelha. Então tu nã vês qú gajo é um optimate?, pá. Ele nã é da tua láia. Vai mazé pentear cágados, ó Zac!". E, com isto, o Zacarias remeteu-se ao silêncio. Mas lá por dentro, por dentro das suas tripas, o d. Zac, o dealer Zacarias, sabia, com a convicção da certeza, da certeza absoluta, que conhecia aquele fulano, aquele optimate na televisão. Certamente, no passado, já lhe passara algum cavalo. É a vida. Nicky Florentino.
Tempo um. "Josephine, sua galdéria!, só me dás ideias tontas. Mas com quem, agora, é que eu vou experimentar essa?".
Tempo dois, não muito depois. "Está quieto!, Masoch, seu velhaco. Vai doer-te, mas vais gostar". O Marquês.
O tal arqueólogo de debaixo d’água, também arguido no caso-escândalo da Casa Pia, parece que decidiu apresentar uma queixa contra incertos por introdução indevida de menores em casa alheia, a sua. Mas o problema, aqui, o verdadeiro problema, é a introdução indevida em menores, e não de menores, seja em que domicílio for. Ou não? O Marquês.
Os homens são uns tristes. Chegam a casa - é esse o horizonte que lhes orienta o miserável quotidiano -, sentam-se num maple notoriamente coçado – ou, pior, com uma mantinha a servir-lhe de cobertura - e nenhuma das posições que conseguem nesse mesmo maple lhes proporciona o menor conforto que seja. Ainda, assim, resistentes na alienação a que crédula e ingenuamente se emprestaram, os homens fixam o seu olhar frouxo no écran do televisor, seguram na mão o telecomando e fazem zaping para, dentro deles, ecoar uma voz miudinha, a surdinar I’ve got the power, que os preenche com uma satisfação capaz de atordoar pedras. E eles sentem-se tão felizes quanto qualquer vulgar calhau. A que eu gosto de dar pontapés. Nicky Florentino.
A cotação autêntica das palavras do primeiro-ministro português é zero. Zero! E ele insiste em anunciar, em dizer, em declarar e em pôr em verbo o raio etcetera, como a promessa da reforma da administração pública, sem sequer cuidar de ter o nível daquele pintas iraquiano, o Mohammed Saeed Al-Sahaf, o antigo ministro da Informação. Por isso, ó senhor dr. primeiro-ministro, xó!, que a malta tem mais que fazer. Deve estar para começar mais um episódio de uma qualquer telenovela da TVI. Xó!, é mesmo xó!, e não xô!, ó senhor dr. primeiro-ministro. Arrede-se daí! A telenovela deve estar mesmo para começar. Nicky Florentino.
Um danado é pouco, dois danados provavelmente não são demais, mas suficientes, para o exercício da iconoclastia. E assim nos dizemos, diabos em figura de gente, ao entrar neste tugúrio de uma divisão só, sem portas, sem janelas, sem telhado, sem chão. Nada.
Evoé!, pois, para todos e ainda para os que, como uma viração, leve, levemente, passarem por aqui, sem estugarem a demora ou lhe deixarem rasto. Jamais concedei que vos esbulhem o tempo, se o motivo não for o embalo numa alegre campanha de pândega e estúrdia. Heaven can wait! Nicky Florentino e O Marquês.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).