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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2003-06-26


Lugar da acção. Uma tasca, no Casal Ventoso, com um nauseabundo fedor a vinho, a mau tinto, e cascas de tremoço espalhadas pelo chão, mais concentradas junto ao balcão e às poucas mesas, baças, ali existentes.
Tempo da acção. Dia 26 de Junho de 2003, depois do jantar, depois do telejornal.

À dita hora, o dealer Zacarias - o d. Zac para os conhecidos ou clientes - entrou na tasca para sorver mais uma cerveja e aplacar a sede de que padecia. Hoje o negócio nem tinha corrido bem. Faltaram alguns agarrados, sobraram doses. O encaixe não foi o estimado na véspera. Mas isso, agora, não lhe matava a sede e melhores dias virão. "Ó Policarpo!, sai aí uma Sagres fresquinha, cá pró moi, se fazes xavor", disse o Zacarias.
O Policarpo, sisudo, sem nada dizer, concertou o palito, segurou-o com os lábios no canto da boca, e serviu o Zacarias. Os demandados trinta e três centilitros de cerveja foram colocados sobre o balcão.
Enquanto levantava o cotovelo, para acertar a garrafa com os lábios esticados tipo focinho de porco, Zacarias olhou para o televisor. Estava o ministro da Presidência a dar uma entrevista à RTP, à Judite de Sousa. O Zacarias, por instantes, dispensou a atenção que concedera ao televisor. Passou a mão pelos olhos, rendidos ao cansaço. Entretanto, recentrou o olhar no televisor e exclamou: "Aquela cara nã mé estranha! Ê conheço este gajo dalgum lado!". Repetiu: "Era capaz de jurar quê conheço este gajo!".
O Policarpo, homem de poucas palavras, não queria alimentar a conversa e, por isso, tratou de expor cruamente a sua incredulidade. "Conheces o gajo comeu conheço, da televisão. O gajo é ministro". Zacarias, reagiu, contra-atacando: "Nã, Policarpo, ê conheço o gajo mazé do mê negócio. De certezinha, Policarpo. É das minhas transações quê o conheço". O Policarpo, que, apesar de poucas palavras, não é homem para se ficar, pôs os pontos nos is. "E tu queres queu acredite nisso, né? Pois, pois... E o meu pai, que se chamava Casimiro da Purificação Folgado, era conhecido como Belarmino da Cruz Afonso... Tá bem!, abelha. Então tu nã vês qú gajo é um optimate?, pá. Ele nã é da tua láia. Vai mazé pentear cágados, ó Zac!". E, com isto, o Zacarias remeteu-se ao silêncio. Mas lá por dentro, por dentro das suas tripas, o d. Zac, o dealer Zacarias, sabia, com a convicção da certeza, da certeza absoluta, que conhecia aquele fulano, aquele optimate na televisão. Certamente, no passado, já lhe passara algum cavalo. É a vida. Nicky Florentino.


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