Lugar da acção. Uma tasca, no Casal Ventoso, com um nauseabundo fedor a vinho, a mau tinto, e cascas de tremoço espalhadas pelo chão, mais concentradas junto ao balcão e às poucas mesas, baças, ali existentes.
Tempo da acção. Dia 26 de Junho de 2003, depois do jantar, depois do telejornal.
Para além do Policarpo e do Zacarias, estava na tasca também o velho Cardoso, embriagado, com um aspecto andrajoso, afogado em mil demónios e vinho. Às tantas, o velho Cardoso soergueu a cabeça, cuspiu para o lado, arrastou o pé sobre o muco derramado para o dispersar e, num registo arrastado, disse: "Olha, olha, olha, quem é ele. Ê fui treinador daquele gajo, ali, questá na televisão. Treinador de boxe... Ê fui treinador daquele gajo. Nã valia nadinha, coitado".
Dito isto pelo velho Cardoso, o Zacarias e o Policarpo olharam um para o outro e riram. "Aquele ainda é mais aldrabão que tu, ó Zac!", disse sarcasticamente o dono da tasca. E em seguida, dirigindo-se ao velho Cardoso, bêbado e armado em dificuldade à mesa, acrescentou: "Treinador de boxe?... Do gajo que tá ali na televisão?... Vê lá mazé se te calas, pá! Atão tu nã vez qú gajo é um optimate da nação? Sinceramente, ó Cardoso!, quem julgas qués pra nos tentar enganar?".
O velho Cardoso cambaleou. Nem sequer ouviu o discurso do Policarpo. Sentou-se de novo. E começou a rememorar o tempo em que foi treinador de pugilistas. De vez em quando, expressava um sorriso. Ele foi treinador de muito boxeur. E recordava-se muito bem de todos eles. Nicky Florentino.