2011-02-24
Sociedade anónima, iii. A anomia institucionalizou-se com tal sublimidade que, consequência da violência simbólica de tal estabelecimento - uma violência doce, não percebida como violência -, subsiste o espanto por os sentidos e sentimentos beduínos não propiciarem um oásis social. Segismundo.
2011-02-22
Mapear. Desenhar fronteiras é um exercício de soberania. O que significa que, sobre a natureza e sobre a história, o território - que corresponde ao espaço com densidade e limites - é um produto político. Afirmar isto é diferente de afirmar que a definição de qualquer fronteira depende estritamente da vontade. Embora modeláveis e moldáveis, as fronteiras são um produto difícil e resistente. Tão mais difícil e resistente quão tais fronteiras demoram ou são porosas. Prova de tais dificuldade e resistência é o mapa autárquico da pátria ditosa. É à luz deste facto que importa decifrar a declaração seguinte do senhor secretário de estado da administração local: “o consenso político maioritário é fundamental para o governo poder avançar” (in público, n.º 7625, 21.fevereiro.2010, p. 4). Avançar para a proposta de redesenho do mapa autárquico. Compreende-se. Mais do que um impulso para racionalizar esse mapa sob o eufemismo de reforma da administração local, há a disposição a estimular um processo conquanto haja lastro político suficiente para acolher as ondas de choque eventuais decorrentes das reacções de munícipes e fregueses cuja autarquia local respectiva esteja em vias de ser extinta ou fundida. Não é raciocinar mal. Além de tudo o que já suscita a mobilização de gentios nesta conjuntura de miséria, nenhum partido político - e o ps menos do que qualquer outro - pretende suscitar e padecer o ónus de moles levantadas nas praças e a ocuparem apeadeiros pela indignação decorrente de sentirem que lhes quererem roubar a freguesia ou o município, materializações do «poder local» - as aspas não são fortuitas; em portugal o poder local é entre aspas. Chusmas de gentios com sotaque a berrar nos noticiários de horário nobre, custa imaginar este cenário? Não. Porque lisboa é lisboa mais os arredores e massas em trânsito quotidiano pendular, tal não significa que as coisas políticas relacionadas com o chão não tenham a faculdade de - credo, cruzes canhoto - despertar ou atiçar marabuntas por esse rectângulo além em razão de assuntos de campanário e - admita-se o oxímoro - graves. Acresce que, se prevalecer o trambelho, o processo de redesenho do mapa autárquico não pode basear-se numa fórmula para aplicar sine ira et studio, porque as variáveis a ponderar e a merecer ponderação no caso são várias e variadas. A disponibilidade jacobina é sensível sobretudo à dimensão demográfica - ou eleitoral, dimensão esta que não é necessariamente função derivada daquela - das autarquias locais porque faculta um critério numérico. E, sabe-se, as engenharias gostam de números e projectar números, na medida em que assim tudo é manipulável com facilidade maior. Parece aritmética. O raio é que a mobilidade, a facilidade de transporte ou a mudança de residência e de local de trabalho, por exemplo, são factores que condicionam os modos de vida, distinguindo-os. Como lisboa é lisboa e os arredores, em outros lugares do mapa português a experiência é diferente. A vivência quotidiana tende a ser mais vinculada a um chão curto e não existe uma rede de transportes públicos que permita um trânsito das gentes gentias com facilidade semelhante à que existe nos contextos urbanos de dimensão maior. Em suma, o senhor secretário de estado, o tal, propõe como condição um «consenso político maioritário» - por oposição a «consenso político minoritário» e a «dissenso político» - para o amparo para a arbitrariedade política ser maior. Que ninguém espere deliberação de quem está disposto à barganha e ao rateio de mercearia. Imagine-se, o senhor dr. José Junqueiro, de um lado, e o senhor dr. Miguel Relvas, do outro. São a maioria necessária. E, para rematar, estando para começar a operação censos 2011, não seria oportuno e recomendável esperar pelos resultados frescos? É que se é para debater e decidir com informação adequada seria preferível esperar por dados actualizados, não? Nicky Florentino.
2011-02-17
Esc. Às vezes quer-se a segurança da origem, de uma origem determinada, procura-se a garantia ontológica que por qualquer motivo desapareceu no fluxo do processo em que se está. (Estar em processo - algo como a situação estática numa condição dinâmica - é um oxímoro do caraças.) Devia haver uma tecla assim na vida, não para a salvação, para o regresso. Pelo menos na cabeça. De modo a, por um atalho da função de devolução, tornar-se ao lugar onde havia o horizonte que entretanto se desvaneceu e encontrar a realidade, agora depurada pela falência e pela volta que ela implica. Isto é, para chocar com a realidade crua e suja do princípio, não para reencontrar ou resgatar a esperança que houve. Segismundo.
2011-02-15
Acidente. Ocupações francesas, estas duas palavras estavam escritas na linha acima onde estavam escritas mais duas palavras, expectativas e ambiguidade. Nada mais havia sido escrito na folha. Quando não se resolvem os nevoeiros anacrónicos, resolvem-se os arquivos. Segismundo.
2011-02-10
Sociedade anónima, ii. As relações são a lógica que subjaz e ultrapassa as interacções, sem que isto deixe de significar que umas e outras proporcionam-se mútua e reciprocamente em termos tanto de probabilidade quanto de limite. Quando as interacções sociais deixam de ser efemérides sustentam relações sociais. Ainda assim as interacções sociais tendem a não perder a efemeridade que têm. Um lastro de inércia e ironia prolonga-as através das contingências e das improbabilidades. Mas não tanto que deixem de ser drama e passem a ser tragédia. Segismundo.
2011-02-08
Página do livro das sentenças, lviii. Queres conhecer-te?, procura-te nas fronteiras, não nas origens. As estranhezas são o que te revela. Segismundo.
2011-02-06
o resto é cartilagem há meia dúzia de anos, os mesmos que ele tinha quando julgou haver uma canção sobre um matador de galinhas, porque lhe parecia ouvir carcarejar em qu'est-ce que c'est, fa fa fa fa fa fa fa fa fa fa, mas afinal não, não era sobre um desses, o que não interessa puto, ó ié
Talking Heads © “Psycho killer” in Talking Heads: 77, Sire Records, 1977.
2011-02-03
Sociedade anónima, i. Traficantes de vestígios, o que somos. Demasiado rápidos e à queima roupa, não podemos ser provas, não podemos prolongar as relações sociais até ao ponto da identidade. Segismundo.
2011-02-02
Esta noite. O Futebol Clube do Porto voltou a jogar como uma equipa de curling. O futebol não é um jogo para hologramas ou encostadinhos, espera aí um bocadito, está bem, já lá vou ter, deixa-me escovar a relva. Porque assim leva-se. E o objectivo no futebol não é levar, é dar. Intendente G. Vico da Costa.
2011-02-01
sometimes charlie stevens goes to memphis
§ iii.
the days happening, those are the days. which friend i want by my side on those days?, the dog that believes in riots. he barks, he can’t be all wrong. joão w. g.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).