Mapear. Desenhar fronteiras é um exercício de soberania. O que significa que, sobre a natureza e sobre a história, o território - que corresponde ao espaço com densidade e limites - é um produto político. Afirmar isto é diferente de afirmar que a definição de qualquer fronteira depende estritamente da vontade. Embora modeláveis e moldáveis, as fronteiras são um produto difícil e resistente. Tão mais difícil e resistente quão tais fronteiras demoram ou são porosas. Prova de tais dificuldade e resistência é o mapa autárquico da pátria ditosa. É à luz deste facto que importa decifrar a declaração seguinte do senhor secretário de estado da administração local: “o consenso político maioritário é fundamental para o governo poder avançar” (in público, n.º 7625, 21.fevereiro.2010, p. 4). Avançar para a proposta de redesenho do mapa autárquico. Compreende-se. Mais do que um impulso para racionalizar esse mapa sob o eufemismo de reforma da administração local, há a disposição a estimular um processo conquanto haja lastro político suficiente para acolher as ondas de choque eventuais decorrentes das reacções de munícipes e fregueses cuja autarquia local respectiva esteja em vias de ser extinta ou fundida. Não é raciocinar mal. Além de tudo o que já suscita a mobilização de gentios nesta conjuntura de miséria, nenhum partido político - e o ps menos do que qualquer outro - pretende suscitar e padecer o ónus de moles levantadas nas praças e a ocuparem apeadeiros pela indignação decorrente de sentirem que lhes quererem roubar a freguesia ou o município, materializações do «poder local» - as aspas não são fortuitas; em portugal o poder local é entre aspas. Chusmas de gentios com sotaque a berrar nos noticiários de horário nobre, custa imaginar este cenário? Não. Porque lisboa é lisboa mais os arredores e massas em trânsito quotidiano pendular, tal não significa que as coisas políticas relacionadas com o chão não tenham a faculdade de - credo, cruzes canhoto - despertar ou atiçar marabuntas por esse rectângulo além em razão de assuntos de campanário e - admita-se o oxímoro - graves. Acresce que, se prevalecer o trambelho, o processo de redesenho do mapa autárquico não pode basear-se numa fórmula para aplicar sine ira et studio, porque as variáveis a ponderar e a merecer ponderação no caso são várias e variadas. A disponibilidade jacobina é sensível sobretudo à dimensão demográfica - ou eleitoral, dimensão esta que não é necessariamente função derivada daquela - das autarquias locais porque faculta um critério numérico. E, sabe-se, as engenharias gostam de números e projectar números, na medida em que assim tudo é manipulável com facilidade maior. Parece aritmética. O raio é que a mobilidade, a facilidade de transporte ou a mudança de residência e de local de trabalho, por exemplo, são factores que condicionam os modos de vida, distinguindo-os. Como lisboa é lisboa e os arredores, em outros lugares do mapa português a experiência é diferente. A vivência quotidiana tende a ser mais vinculada a um chão curto e não existe uma rede de transportes públicos que permita um trânsito das gentes gentias com facilidade semelhante à que existe nos contextos urbanos de dimensão maior. Em suma, o senhor secretário de estado, o tal, propõe como condição um «consenso político maioritário» - por oposição a «consenso político minoritário» e a «dissenso político» - para o amparo para a arbitrariedade política ser maior. Que ninguém espere deliberação de quem está disposto à barganha e ao rateio de mercearia. Imagine-se, o senhor dr. José Junqueiro, de um lado, e o senhor dr. Miguel Relvas, do outro. São a maioria necessária. E, para rematar, estando para começar a operação censos 2011, não seria oportuno e recomendável esperar pelos resultados frescos? É que se é para debater e decidir com informação adequada seria preferível esperar por dados actualizados, não? Nicky Florentino.
said...
Oxímoro (combinação engenhosa de palavras contraditórias ou incongruentes, como bondade cruel, geralmente para efeito epigramático) ?? Credo, cruzes, canhoto, digo eu, com os nervos. Vossência obriga-me a ir ao dicionário para achar, com o perdão do plebeísmo, esdrúxulo, como usa “veneno contra veneno”. Não obstante, devo acrescentar que hoje, como em 1871, as “Farpas” rodam.