2010-10-28
Iniciais e primordiais já não podemos ser. Défice. A palavra é simultaneamente grave e solene. É quase nome de doença porém não é doença. As circunstâncias, a recorrência das circunstâncias, tornaram-na uma palavra íntima, nacional, muito nacional. Ainda se diz crise mas crise é uma palavra com significado cada vez mais almofadado. Dizer crise é como nomear um familiar ou alguém que se conhece e com quem não é agradável estar. Está todavia passa. Daí que o hábito, um hábito como outro qualquer, tenha levado os portugueses a adoptar a palavra crise e o que a palavra significa ainda que não o significado duro da palavra. Crise agora é com anestesia, é como alguém que tratamos à vontade e com à vontade e até logo. Com a palavra défice sucede mais ou menos o mesmo mas com gravidade e solenidade. Por isso a palavra confiança foi também resgatada, não tanto para animar quanto para iludir, e é usada na órbita da palavra défice. Como confiança remete para futuro - futuro que há-de acontecer provavelmente -, o enredo vai-se compondo com sugestões e enunciados de intenção com inclinação para a fantasia. Défice, o défice. Confiança, a confiança. Portugueses, os portugueses. E a puta que os pariu. Por um princípio de actualidade, a realidade é preferível às memórias e às expectativas. No entanto os gentios tendem a esquivar-se. Se já dói e vai doer, porquê imaginar que vai ser como vai ser?, porquê não imaginar que vai ser diferente? Percebe-se a economia da dissonância cognitiva. Nicky Florentino.
2010-10-26
Sentença. Escreveu o Luís, “mal avistou a faca começou a guinchar alto, como se fosse o último dos Romanov”. Segismundo.
We're slaves to the dj and out of control. Dás-te ao mundo?, fodeste-te. Renuncias ao mundo?, fodeste-te. Julgas que não és no mundo e que o mundo não é em ti?, fodeste-te na ida e na volta e vice-versa. Dança o tango, dói menos. Bruce Bílis.
2010-10-24
vinte e cinco de um mês que nunca aconteceu
The Kills © Love Is a Deserter (in No Wow, Domino Recording Company, 2005).
2010-10-21
Faina-e. As redes sociais são mais redes do que são sociais. Por isso cativam tanto. Segismundo.
2010-10-19
Teoria da acção racional aplicada. As gajas são complicadas. Instruídas e já sem terem que se preocupar com a freguesa ou o rol, querem um gajo que seja tudo, einstein e tarzan, não metade de um e de outro numa combinação, não, um e outro em simultâneo. O catálogo de exigências é como elas, complicado. Um gajo deve deter virtudes universais, de modelo, e, ao mesmo tempo, ser único. Um gajo deve ser charmoso, simpático, compreensivo, alfa, às vezes um bocadinho bruto, abonado e com cartões, que goste de aventuras mas esteja sempre por perto para atender às necessidades da dama sempre em perigo, porém sem a acudir ou sacudir muito, para não a despentear ou amassar o vestido dela. Um gajo tem que saber dosear a relação com o carácter emancipado e a fragilidade das gajas. Entre a autonomia e o amparo, a equação oscila ainda com os humores e a menstruação delas. Na prática as gajas querem que um gajo seja igual aos mutantes das revistas e da publicidade, sem pêlos, com abdominais de ginásio, biceps de crawl ou mariposa, que vivem numa ilha paradisíaca, apanham côcos e peixe com as mãos, discutem tópicos cosmopolitas, abrem a porta do automóvel, empurram o carrinho da menina ou do menino e no sexo estão mais para maratonista ou piloto do dakar do que para velocista ou piloto de dragsters e, claro, dedicados aos preliminares, porque as gajas acreditam no preceito segundo o qual quem vai ao mar precisa de aviar-se em terra e elas gostam de estar em terra e demorar nos exercícios de aquecimento. Um gajo é menos previdente, um gajo quer é aviar-se e pronto, mas um gajo para as gajas tem que ser um gajo dedicado, como se estivesse diante de um touch screen. É por isso que um gajo treina carícias com o ipod, o iphone e o ipad. Porque as gajas são como são, na relação com elas um gajo necessita de usar um dispositivo de redução da complicação - complexidade é um assunto diferente. Que dispositivo é esse?, é o juízo. Porque a alma das gajas é rebitada e o espírito de um gajo é simples, a um gajo basta que a gaja seja boa, porque é ou não é. E não se fala mais sobre o assunto. Sobretudo com gajas. Embora com os gajos não seja diferente. Segismundo.
2010-10-18
A marcha da ressurreição. Em termos analíticos e de orientação da acção, é plausível que o cinismo valha mais do que qualquer outro ismo. Aliás o cinismo é ismo por convenção ista, não por propriedade cínica. Aplicando isto à situação política da pátria ditosa, que muitas almas e vozes definem como impasse, talvez se perceba que o psd corre o risco de beneficiar da desgraça própria, consentindo a viabilização do orçamento do estado. A situação económica é má, a situação financeira é pior, a situação social não é diferente, o orçamento do estado será uma merda e é para a fossa que haver-se-á de ir, para depois sair-se. Até aqui nenhum espanto há. O espanto começa quando se percebe que seja assim, seja assado o resultado não será bom. Pelo que o melhor para o psd e para a pátria - é assim que a laranjada tem vindo a ser vendida - é permitir o vigor do orçamento do estado que o governo há-de propor, com menos ou mais amasso rectificador. Porque os gentios estão habituados a modos e estilos de vida cujo arrombo está anunciado, o governo e o ps penarão e, legislatura avante ou abaixo precocemente, este partido político sofrerá com probabilidade bastante as consequências eleitorais de tal pena. Penúria é mesmo assim, ouve-se o desatino ganido pelas vozes gentias porque não haverá pão ou dinheiro para pagar a mensalidade da meo ou da zon ou meter uns litros de combustível para animar o automóvel ou para a quinzena soalheira na costa algarvia. Viabilizar o orçamento é o equivalente ao beijo de judas. Alguém que traga o cepo e as cavilhas. Seguramente que o be levantará a estrela, o cds-pp emprestará as setas, assim como o pcp emprestará o martelo e o pev fornecerá as pétalas do malmequer. O panorama pode ser desolador, não pode é deixar de ser animado. Nicky Florentino.
2010-10-14
Regras que nunca te dirão, xxvi. O manual de procrastinação não é um manual imediato. Segismundo.
2010-10-12
Três igrejas. Este ano, do mesmo modo que a icar madre e santa verberou a atribuição do nobel da medicina a quem contribuiu para substituir a vontade de deus pela fertilização in vitro - dando a volta às natureza e ordem divinas das coisas humanas -, o pcp vanguarda nacional dos operários e desvalidos verberou a atribuição do nobel da paz a quem foi encarcerado por apelar às condições de liberdade dos chineses - dando a volta aos credo e manifesto em prol da ditadura do proletariado. O mesmo desdém pela vida emancipada por sanhas distintas. Dentro das narrativas escatológicas há horizontes que são inultrapassáveis, o fim está enunciado e fixado a priori, os soltos e os exercícios de soltura são concebidos e considerados como perigo pelas alternativas ou interrogações que suscitam. Todos filhos de deus e desaparecimento das classes sociais são pressuposto e destino, princípio e fim, que se conjugam numa totalidade e num fechamento semelhantes. Neste sentido a humanidade seria mais feliz, plenamente feliz, se fosse apenas e só católica ou comunista, encerrada numa dessas condições. Mas, sabe-se da aprendizagem da história no osso, ventura autêntica é o que, apesar da condição da comunidade, vem dos descaminhos pelos quais cada qual é capaz de ir e sofrer em nome de si. É esta saída da casca, enquanto condenação pessoal, que os espectros e dispositivos católicos e comunistas não consentem e sentem necessidade de execrar, para proteger e defender o futuro conforme as escrituras respectivas. No limite confirmam as mesmas sombras e a mesma tristeza comum. Nenhuma novidade. Nicky Florentino.
Galeria sentimental. Ensaiamos a vida inteira para a mesma geometria, not part of the crowd, but not feeling alone, passamos a acordar mais cedo mas continuamos a desejar não estar com e como os outros, preferimos a contemplação à revolução, a reserva ao curral, estamos mais para a liberdade mesmo assim do que para respirar debaixo de água. Às vezes alguém pergunta queres saber qual é o princípio da paz?, ninguém responde e é quem perguntou que responde é deixarem cada qual em paz, com o desassossego próprio. Mas não pode ser, a sociedade não consente. São por isso a insatisfação e a recriminação, a infelicidade partilhada. Segismundo.
2010-10-11
Ir à vaga. Como sempre - anteontem, ontem, hoje, amanhã e depois de amanhã e porque ditosa -, a pátria recomenda-se. A pátria não é uma coisa mas é como se fosse. Este enunciado é metodológico e serve sobretudo para desiludir. E depois sobre a coisa há o pessoal circulante, como o senhor eng.º José Pinto de Sousa e o senhor dr. Pedro Passos Coelhos. Assim como assim, o estado é uma casa de passe, ora agora passo eu, ora logo passas tu, onde há quem alterne mesmo que não alterne. Austeridade é o nome da senhora da casa. Tinha que ser. Porque autenticidade e responsabilidade são nomes de senhora diferente. Nicky Florentino.
2010-10-07
Regras que nunca te dirão, xxv. Que sejas introvertida não te esconde, expõe apenas o avesso de ti. Segismundo.
2010-10-05
A mama esquerda da Mariana com o barrete frígio na cabeça. Ó vós, da pátria filhos, heróis do mar, valentes e imortais, cem anos a marchar contra os canhões é capaz de vos ter fodido ou algo mais. Que seja assim e assim continue a ser, porque fado é destino e força tem, do sentido de egrégios e auroras a pátria não há-de carecer. Porquê?, porque pela rês pública somos todos, manada assente em solo jucundo, sobre as injúrias da sorte - sorte puta ser português -, sobre a terra e sobre o mar. Azar ou o caralho é só o de quem aqui não sabe nadar ou boyar, iô. Bruce Bílis.
2010-10-04
A máquina da amnésia. Nunca é demais repetir. O capitalismo é uma máquina maravilhosa, capaz de nutrir-se das desgraças e misérias que gera e segrega. Parafraseando o prof. doutor das Neves, não há crises grátis. Há que pagá-las. E ainda bem, para que se saiba quanto custam e, depois, esquecer. Nicky Florentino.
2010-10-03
Wake up dead man. Depois de ter morrido durante a digressão de promoção d’the joshua tree - rattle and hum é um zombie a bolsar -, em termos criativos a banda u2 tornou-se um cadáver que deu sinais de vida raras vezes - achtung baby foi a manobra lazarenta derradeira. A ressurreição foi breve. Das poucas vezes que surgiu animada, a carcaça foi alimentada com dieta pantagruélica de watts de som, luz e parafernália e exposta em estádios e pavilhões. Quem consegue reconhecer o zombie tem bilhetes de concerto para mostrar que esteve lá e memória de que, apesar de tudo, a paisagem emocional foi semelhante à dos filmes de Romero e o orgasmo foi pago antecipadamente. Embora eléctrica, foda triste, só isso. Bruce Bílis.
2003/2024 - danados (personagens compostas e sofridas por © Sérgio Faria).