Iniciais e primordiais já não podemos ser. Défice. A palavra é simultaneamente grave e solene. É quase nome de doença porém não é doença. As circunstâncias, a recorrência das circunstâncias, tornaram-na uma palavra íntima, nacional, muito nacional. Ainda se diz crise mas crise é uma palavra com significado cada vez mais almofadado. Dizer crise é como nomear um familiar ou alguém que se conhece e com quem não é agradável estar. Está todavia passa. Daí que o hábito, um hábito como outro qualquer, tenha levado os portugueses a adoptar a palavra crise e o que a palavra significa ainda que não o significado duro da palavra. Crise agora é com anestesia, é como alguém que tratamos à vontade e com à vontade e até logo. Com a palavra défice sucede mais ou menos o mesmo mas com gravidade e solenidade. Por isso a palavra confiança foi também resgatada, não tanto para animar quanto para iludir, e é usada na órbita da palavra défice. Como confiança remete para futuro - futuro que há-de acontecer provavelmente -, o enredo vai-se compondo com sugestões e enunciados de intenção com inclinação para a fantasia. Défice, o défice. Confiança, a confiança. Portugueses, os portugueses. E a puta que os pariu. Por um princípio de actualidade, a realidade é preferível às memórias e às expectativas. No entanto os gentios tendem a esquivar-se. Se já dói e vai doer, porquê imaginar que vai ser como vai ser?, porquê não imaginar que vai ser diferente? Percebe-se a economia da dissonância cognitiva. Nicky Florentino.