matar por amor, ii. um estrondo súbito interrompeu ainda mais a noite e aumentou o alvoroço que vivia dentro de Clementina. um tiro, pareceu um tiro. no quarto contíguo a irmã de Clementina acordou também. a besta multiplicada bateu em fugida, chocando brutamente com a casa, fazendo vibrar as paredes, as portas, as janelas, o vigamento do telhado, o soalho. talvez tenha sido o Baltazar, murmurou a irmã, devem ter ido outra vez às dele. Baltazar é sargento da guarda nacional republicana, aquartelado na vila, e habita ali desde quando casou com a Alice do Brás das botas, sapateiro já morto, proprietário das terras e casa que ela herdou. Baltazar e Alice criam rezes para vender no mercado e têm duas vacas leiteiras para gasto próprio. que queres dizer com isso?, parecia o demónio lá fora. o demónio, fosse o que fosse, ia já longe, indiciava o abafamento crescente da cadência do trote da besta produzido pela distância. qual demónio?, qual quê?, aquilo era mas é o gado bravio do doutor, que anda para aí às soltas e às vezes, à noite, baixa aqui ao lugar. estragam tudo, é uma desgraça. há uns meses até se afoitaram a ir ao curral do Baltazar, ele estava de serviço, e cobriram umas vitelas que ele tinha lá na engorda. foi um prejuízo doido. teve que abatê-las e ainda teve que pagar para as queimarem. e a Alice, coitada, não ganhou para o susto. de visita à irmã, Clementina, já levantada e à porta do quarto, e que é lá isso do gado do doutor andar à solta?, nada sabia destas novidades. O Marquês.