matar por amor, i. o torpor morno da noite envolve as giestas, as pedras. a serra é áspera. Clementina, setenta e sete anos caídos no corpo, nos ossos e na carne, já doem, dos quais quarenta e dois, nunca houve outro, como viúva, ouve ruídos. o sono interrompido. o que é isto?, interroga-se em ideia. lembra-se que, ao fim da tarde, viu a porta do cemitério aberta e suspeita que assim deve ter ficado. almas à solta, coisa do fim do mundo, será?, ainda o pensamento a desfiar hipóteses que permitam explicar o barulho lá fora. ela benze-se, convoca as orações para a acompanharem na solidão e no temor. guarda o corpo tenso, dobra-o na posição fetal, deitada sobre o ombro mais afastado do coração. o demónio parece rondar a casa. o som de cascos batidos nas lajes prenunciam a presença da besta. besta plural, uma só mas como se fosse muitas, montada em patas multiplicadas. o som tocado na pedra é simultaneamente seco e curto, pesado. às vezes surge-lhe a respiração. o bafo daquilo parece estar no quarto, mas ela percebe que não está. o raciocínio corre em tropel, sem sela, apenas com o susto. a casa está cercada, quem anda aí?, por uma espécie de diabo. O Marquês.