Partir correntesO
Segismundo está ausente.
O Marquês também. Mandaram recado via espírito santo e paciência, a mais puta das virtudes. Sempre a desconsiderar, portanto. Quanto à matéria, é assim, como sói pôr-se nos subúrbios mentais antes de começar um derrame verbal obrigado. Nada há a agradecer.
um, existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
segis, existe, existiu, mas o que me tem afligido nos últimos tempos é o ente
mister André Villas-Boas. ele existiu? Heidegger devia escrever algo sobre isto ou fazer melhor de defunto.
o, ler várias vezes não é reler? quem raio lavrou esta pergunta? merece látego assente no lombo e mais não declaro, adiante, passe, que o social vai ficar mais caro, cortesia das coisas, dizem os do estado antes delas. ou é pretensão de que a leitura derradeira que se consegue é verdadeiramente a primeira?
dois, existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
segis, não existe. quando acontece, a desistência é precoce e firme. por mania económica e asseio é cada vez mais isso.
o, habitualmente páro por altura da anca. abaixo não tenho interesses a defender ou a explorar. é indiferente se pela capa, o nome da frente, se pelo verso.
três, se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
segis, já estou a transpirar só por debruçar-me sobre o assunto. que raio de resto e de vida.
o, quem é que tem resto de vida tão curto ou miserável para um livro só? em qualquer dos casos, passamento súbito ou demora desgraçada, antes livro nenhum.
quatro, que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
segis,
crus, de O Marquês, e
a caravana não passará, de o abominável, Homem César das Neves. motivos ímpios estão a fazê-los demorar. como naquela canção, “há em mim um profano desejo a crescer”, é isso.
o, apenas aqueles cuja língua em que foram escritos originalmente são como em chinês para mim. além destes,
blood meridian or the evening redness in the west. a primeira edição, ligeiramente arrombada nos cantos da capa e com manchas nas páginas vinte e três e setenta e sete - serão de café-sangue? -, está ali à espera da quaresma do ano que vem. até lá, demorará o exílio. a preparação do mal é exigente.
cinco, que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?
segis, o esquecimento tende a ser desconsiderado. não devia. não há motivo para atribuir-se-lhe cotação baixa. Alzheimer
macht frei. mas linda, linda, de bonita, ó mãe, ó mãezinha, é aquela cena no final da temporada oitava de
twentyfour, em que o Jack Bauer olha para o céu como quem olha para uma câmara de teelvisão. a cena é simultaneamente comovente e cósmica, porque mete o efeito de satélite e combina-o com o espírito o mano grande está a topar-te, estás a ver. foi a primeira vez que lacrimejei sem ser por motivo físico, tipo cisco no olho ou porrada no nariz.
o,
i'm a poor lonesome cowboy..., embora aqueles pôr do sol de me dessem vómitos e a cauda do Jolly Jumper não tenha a graça da cauda do marsupilami. ou o banquete naquela aldeia gaulesa de espírito intrépido servido por
doping mágico caldeado em caldeirão, aldeia onde existe um cachorro que era da quercus antes da quercus existir. é o que se chama cão
avant la lettre. recordo as coxas de javali em abundância, o bardo amarrado e silenciado, lua alta, ninguém falando de peixe ou uivando. uma tristeza pegada. o que foi feito do lobo mau?
seis, tinhas o hábito de ler quando eras criança? se lias, qual era o tipo de leitura?
segis, não, não tinha hábito nem fato de macaco nem pijama. farda, cruzes credo, também não. aliás continuo a ser criança - oito anos não dão para ser mais - e, sempre que se propicia, leio nu ou como se assim.
o, não tenho reminiscências de infância. a primeira recordação que tenho é de alguém a capotar e, depois, a melopeia da dor gemida. o meu fígado nasceu com esse acontecimento.
sete, qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? porquê?
segis, nenhum. livro chato é remetido para o purgatório chamado estante ou é estacionado no limbo chamado prateleira.
o, todos os livros que li eram chatos, nenhum com relevo. algumas folhas talvez fossem cortantes, mas isso é assunto de melindre distinto.
oito, indica alguns dos teus livros preferidos.
segis, só depois de morto outra vez.
o, qualquer suscitados por dor, própria ou alheia, vertido para verbo com elegância. por exemplo,
la magie en poitou. Gilles de Rais, escrito por Joris-Karl Huysmans, ou
Erzsébet Báthory. la comtesse sanglante, escrito por Valentine Penrose. têm
pedigree. e fazem-me sentir mal porque aspirante.
nove, que livro estás a ler neste momento?
segis, assentes sobre a secretária, em regime intermitente e através de alma que arrombo, com omissão propositada do que seja ficção. Pierre Birnbaum,
face au pouvoir, paris, éditions galilée, 2010. Bruno Latour e Peter Weibel (eds.),
making things public: atmospheres of democracy, cambridge, the mit press, 2005. Hermínio Martins,
experimentum humanum - civilização tecnológica e condição humana, lisboa, relógio d'água editores, 2011. David Stubbs,
fear of music. why people get Rothko but don't get Stockhausen, winchester, o books, 2009. Paul Virilio,
la machine de vision, paris, éditions galilée, 1988. Rob Young (ed.),
undercurrents: the hidden wiring of modern music, new york, continuum international publishing group, 2002. Rob Young (ed.),
the wire primers. a guide to modern music, london, verso, 2009.
o, nenhum, porque neste momento estou a preencher este inquérito por questionário para publicar num blog meio
zombie.