Os dois corpos da democracia. Talvez não seja desaconselhado não dar corda demasiada ao deslumbramento em relação à dimensão metafísica ou transcendental do resultado de uma eleição legislativa. A equação e o processo de representação política podem muito mas não podem tudo e o muito que podem não podem sob quaisquer circunstâncias ou durante o tempo todo. Porque uma coisa é a legitimação pelo procedimento, conforme a definiu Luhmann, outra coisa é a legitimação pelo consenso, conforme a definiu Habermas. Atendendo a esta diferença, é provável que não demore a perceber-se que, quando a mole gentia começar a ganir e a rosnar na rua porque a governação está a vibrar-lhes golpes no osso - a austeridade é a doer -, a legitimidade do governo próximo não há-de parecer tão inequívoca quão a pretendem estabelecer ou decretar agora. A mística democrática - nomeadamente a que decorre da legitimação pelo procedimento - resiste enquanto não doa demasiado a quem nela crê. O povo não é de confiança quando o produto da governação e a percepção disso fazem com que o governo não seja de confiança. Nunca descurar o poder e o efeito político do mesmo. Nicky Florentino.