Miraldino, o relojoeiro (capítulo três). o chumbo interioriza-se dificilmente, necessita de impulso violento, só após propulsão e consoante a direcção é que se aloja no corpo. o impacto da bala não o derrubou, curvou-o apenas. foi torcido, flectido sobre a esquerda, que disparou. o outro caiu primeiro, fulminado. ele prostou-se, com uma mão apoiada no chão e outra sobre o ombro, a tentar estancar a dor com aperto. ouvia-se a respiração pesada dele. tinha a manga ensanguentada, o colete também. os outros afastaram-se rapidamente do local, temendo que, por ouvirem os disparos, as autoridades viessem e, encontrando um cadáver, procedessem à detenção de quantos ali estavam. vai, estou bem, ainda não foi desta, foi só de raspão. vai, eu sigo no vosso encalce, exortou ele o padrinho, que fugisse. já sozinho ergueu-se e cambaleou, pungido. um ardor estendia-se do ombro ao resto do braço, depois ao resto do corpo. após vinte e um passos, não mais, desejando que a polícia não atendesse ao ruído gerado pela peleja, uma mulher aproximou-se dele e estendeu-lhe um lenço. ele improvisou um torniquete. com os dentes segurou uma ponta do lenço, enquanto que com a mão direita apertou o nó. agradeço-lhe. agradeço-lhe por me ter acudido, apresentou ele as graças que sentiu devidas. ela permaneceu impávida, olhando-o. um homem não carece de auxílios de uma mulher, mas, perante as circunstâncias, aconselho-o a tomar o meu ombro como amparo. entenda que estou a prestar-lhe companhia, apenas isso e por nada mais do que por cuidado com o lenço que lhe emprestei, pretendo resgatá-lo assim que esteja diante de um cirurgião, disse ela. relutante e a fraquejar, ele acedeu e encostou-se à mulher. avançaram juntos. perdoe-me a ousadia que vou tomar, entenda que não tenho intenção de abusar, como se chama?, apresentou ele a curiosidade, e o que fazia aqui? não a estou a reconhecer. ela aliviou o amparo num dos passos e, sou aquela que acabou de fazer viúva, respondeu-lhe. O Marquês.