Da desgraça. Enquanto processo político, a democracia é uma tentativa de resolução de um conjunto de paradoxos que envolvem a comunidade e cada um dos comuns. A compatibilização do estado com os indivíduos e vice-versa é uma das missões da democracia. Porque a tensão entre tais termos não pode ser resolvida definitivamente, a democracia assenta em dispositivos paradoxais, de modo a que os paradoxos - mais do que a porrada ou a ameaça de porrada - produzam um efeito de equilíbrio ou descompressão. Um de tais paradoxos é a montagem e a operacionalização de um complexo institucional que concretiza uma cultura de desconfiança tanto em relação ao estado quanto em relação aos indivíduos. Ou seja, no plano político a confiança é consequência da institucionalização de uma cultura de desconfiança. Mas a confiança subsiste apenas e conquanto os mecanismos que concretizam a desconfiança não sejam usados recorrente e excessivamente. A activação frequente de tais mecanismos sobressalta os gentios. Ora, em portugal, por causa de casos de corrupção ou corrupção putativa, fora da tranquilidade ou da miséria em que vivem, os gentios são sobretudo dispostos ao ruído. E o ruído em barda, a voz do povo, transforma-se rapidamente em desgraça. Ou em sensação disso. Os ossos são convocados para a dor. Porém, salvo os masoquistas e os tontos, quase ninguém está disposto a colaborar. Sobra o clamor popular ou dos plumitivos por ética e justiça, anestesias que não há. A mesma desgraça. Nicky Florentino.