cabaret baudelaire
# iv. não perdoes à fantasia. eu jamais concedi ou concederei indulto à corrupção obesa da realidade em imagens. nunca vi vampiros, conheço documentos e arquivos que reportam a sua existência e, portanto, informado, assim os creio. para mim são suficientes as notícias, as transferências. mas não sou inocente, tão pouco desejo sê-lo. vi flores mortas, sementes vertidas sobre a terra árida, sem capacidade de apodrecerem. vi mais, quase a plenitude, a natureza nas suas agonias e nos seus sangues, e senti a exaltação que me multiplica para a comunhão. isto não é mera sugestão, assim como não é projecção. é a realidade a realizar-se, o acontecimento a acontecer, o presente, como estar e como ser, agora, aqui. e agora, aqui, sentado, vejo uma manada a aproximar-se, vigorosa nos cascos que percute no chão, de onde ergue-se o pó. eu, que estou a ver a manada a aproximar-se, sou o destino que acolhe as reses, não me desvio. ao verificar a mole de carne animada a precipitar-se diante de mim e para mim, conforme revelada nas minhas retinas, aceito que a realidade nos faz e transforma nos que somos, ipse e idem. sou realista e, por conseguinte, fatalista. aceito que sou um hemisfério da revelação, o mesmo lado do mundo que é o hemisfério que me acrescenta e complementa, como a manada que vem em corrida solta. a minha unidade é a minha confirmação dobrada, não a minha remissão ou a minha resignação. à fantasia não perdoo. que tudo seja alucinação apenas, não mais do que alucinação. não sou capaz de perdoar à fantasia. prefiro o engano. Edgar da Virgínia.