Ilusionistas e mudadores. O exercício político compreende dimensões diversas. Uma dessas dimensões é a comunicação com os gentios, a populaça, a opinião pública, para colocar o caso com elegância. Resulta deste facto que, em situação dita democrática, um dos problemas políticos maiores é de ordem epistemológica e está relacionado com o estatuto da realidade. Em Portugal, embora não só na pátria ditosa, tal problema manifesta-se sobretudo pelo uso e abuso de um ilusionismo que execra a realidade, cujos sintomas são dois, o parlapié e a legiferação. Perante qualquer sobressalto não são escassos os seguidores de Austin e Goodman, dispostos a, consoante as conveniências respectivas, fazer coisas e mundos diferentes com o discurso apenas. Se há crise, o governo diz que não ou que é insignificante, uma borrasca, não um dilúvio. Se há problemas, as posições dizem que sim, que é a alvorada do apocalipse, mas que a saída airosa é a solução que apresentam, não a solução proposta pela concorrência. E à cautela, para que pareça que estão a monitorizar os casos e controlam a situação, um e outras disponibilizam-se para intervir, produzindo legislação ou alterando a legislação vigente, de modo a remover o morbo e o seu motivo. E neste jogo de enganos, animado por palavras e por operações de cosmética a decretos e leis, o dito de Tancredi elucida, “se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi!”.* Pelo que, avant la lettre, subsiste o mesmo. Nicky Florentino.
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* in Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Il Gattopardo, Milano, Giangiacomo Feltrinelli Editore, 1958.