Livrete dos anjos sujos, xii. As mulheres têm direito às lágrimas, mas não é por isso que eu choro, disse ele a um circunstante, que, percebendo-o homem e perplexo por isso, afastou-se rapidamente, para não ser incomodado por quem considerou louco. De facto, Rodolfo Hoffmann padecia de síncopes recorrentes e, consequência disso, desorientação identitária. Mas o problema não era apenas ele não saber quem era, era também os outros darem-lhe sinais contraditórios sobre si. Se havia quem não estranhasse a sua personalidade e não suspeitasse o chumaço das asas que lhe enchia as costas, tratando-o como a outra pessoa qualquer, havia quem e não raro o olhasse de soslaio e evitasse, por ele ser uma criatura bizarra. Daí que, para acautelar a sorte das suas interacções, para além de pronunciar o nome, chamo-me Rodolfo Hoffmann, rótulo que, por parecer-lhe demasiado contingente e esquisito, considerava não ser suficiente para garantir a sua identificação, ele anunciasse aos outros as suas ocupações profissionais, e dedico-me a ofícios prosaicos, catering e circuncisões, de modo a que, pela apresentação de tal distinção, fosse reconhecida a sua normalidade. Porém a cadência das síncopes de Rodolfo Hoffmann continuou e, como os outros - para quem passou a ser o anjo ou o gajo sincopado, consoante o soubessem ou não soubessem anjo -, ele continuou a não saber quem era. Eliz B.