A improbabilidade da normalidade, i. A maior parte das narrativas analíticas disponíveis admitem a ordem e elaboram sob uma ordem, o que significa que tendem a iludir o efeito das contingências. Talvez por isto seja tão difícil admitir cenários que, em determinadas circunstâncias, são mais normais do que a normalidade do costume. De facto, é por um fio ténue que as coisas tendem a acontecer como certas. Há um arranjo institucional, as rotinas ajudam, mas isto, por si, não garante todos os dias leite nos supermercados ou gasóleo nos postos de abastecimento de combustível. Num quadro de interdependência estrutural dos diversos dispositivos sociais e económicos, a alteração de um factor é suficiente para desordenar a ordem estabelecida, sem que os outros factores tenham autonomia ou capacidade para restabelecer a ordem referida. As vontades são demasiadas para que exista uma vontade geral. Os interesses, esses, são crescentemente dissonantes, em sentido e em escala, o que faz do interesse geral uma hipótese tonta. E, embora seja ao estado que compete mobilizar os piquetes da ordem, o estado é cada vez mais uma casa de penhores - sob a forma de votos ou de interesses -, recolhido e frouxo. Ainda bem. Assim, sob a incerteza, a liberdade é maior. Não se sabe é qual. Nicky Florentino.