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Albergue dos danados

Blog de maus e mal-dizer 

2008-06-26


finisterræ

o mar adiante. o promontório já não alberga o nosso encontro. o verão acabou, é janeiro. guardamo-nos distantes, a testemunhar a tábua marítima do inverno, a assistir à sucessão das vagas, clamorosas contra o perfil dos alcantis. há histórias de anjos mortos ali, precipitados sobre as rochas, cortados pelo impacto e o seu sangue derramado. no entanto nenhuma cruz por eles, constata-se.

partilhamos o isqueiro. repete-se o ruído abrasivo antes da chama, primeiro na tua mão, depois na minha. temos os rostos parados, a contemplar a frente, que ultrapassa o pára-brisas. o nosso filho dorme lá atrás. o silêncio preenche-nos mais do que a culpa. ligo a telefonia que, súbito, através da frequência modulada empurra uma melodia contra nós. they sentenced me to twenty years of boredom,* ouço. quanto tempo de pena ainda falta cumprir?, ocupo a cabeça com esta interrogação, a tentar curar a hipótese da minha ressurreição em taciturno. o amor é uma coisa sobre a qual não devemos falar, afirmas, expelindo depois um sopro de nicotina. olho-te, o tempo permite-me acumular detalhes. certas coisas são a nossa destruição, começam o nosso fim. continuo a olhar-te. também professo que sobre certas coisas devemos e merecemos o silêncio, porém nada digo. temos a esperança que as coisas se tornem mais pequenas, mas elas crescem, crescem inexoravelmente, pelo que mais cedo ou mais tarde tornam-se um problema de arrumação. continuo a olhar-te, a acompanhar as tuas palavras. onde colocar as coisas maiores?, não é?, os vazios não são tão vastos que possam acolher todos os excessos. os vazios - os íntimos incluídos - são finitos. mesmo os cemitérios começam a constituir um problema. o chão é um bem escasso, não chega para todos. sim, eu sinto, a solidão, a nossa solidão, está cada vez mais difícil. cercam-nos, vigiam-nos, avizinham-se de nós e, por aproximarem-se demasiado ou encostarem-se, quase que nos cortam a carne e sufocam-nos. é necessário resistir, por separação ou combate, para não pertencermos à comunidade dos outros, digo, aos seus gostos, aos seus credos, às suas liturgias, aos seus ritmos, às suas orações morais, aos seus apelos, às suas determinações, às suas simpatias, às suas vontades, aos seus tédios, aos seus condomínios. aspiro o cigarro que seguro e, nós dois, como três, os que estamos dentro deste carro, somos o mais que, porque nós, podemos ser, acrescento. encarnamos o máximo de comunidade possível, assumo. para além do que somos começa a estranheza, o lugar deles e os seus efeitos, onde perdemos a diferença, deixamos de ser nós e passamos a ser outros, como os outros. não há natureza nisto.

tento a mão direita sobre a tua perna mais próxima. alcanço-a e afago-a, deslizando os meus dedos sobre a tua pele. permites-me aí enquanto olhas o mar através da janela do teu lado. a vida é ridícula. aliás, no fim apenas o que é ridículo pode resumir-se a uma cova, sentencias. encaras-me para verificar se te entrego a minha concordância. morres, sepultam-te. não esboço qualquer gesto que desabone a tua afirmação. ficam cá as tuas coisas, até as tuas garrafas, aquelas que dizias permitirem-te avocar amparo mediúnico e cujos rótulos olhavas demoradamente, como se estivesses a ler um poema.

tenho pregos no bolso, não sabes. estão embrulhados numa folha que rasguei de um livro, porque, acredito eu, para confirmarem-se os poemas necessitam de utilidade e hostilidade. se não devemos falar de amor, também não devemos falar de poesia, reparo. são o mesmo mal, sob formas diferentes, palavras que não pronuncio e reservo para uma necessidade eventual.

por instantes alieno o mar adiante e imagino o exercício de amanho de poemas, escritos numa máquina velha, que punça o papel cada vez que uma tecla é percutida pelos dedos. embora aparente ser mecânico, o ritmo é marcado por passos que se ouvem e de que não se sabe a direcção. passos como vozes, que se ouvem.

recosto a cabeça, torno a alcançar o fragor oceânico. penso o luar, o seu brilho em segunda mão, que não tarda. sem propósito, também recordo aquele momento em que lançaste duas cartas sobre a mesa, a sena de espadas e outra, e disseste xeque mate, sou tua. não eras, não foste. valsas devagar, para não te dares. já ninguém valsa assim. xeque mate, sou tua, disseste, recordo. e em simultâneo indago em exercício mnemónico onde terei deixado o livro de cheques da caixa geral de depósitos, um dos meus outros cuidados pequeno-burgueses. ocupo-me mentalmente disso até ouvir uma voz cantar love is never through.**

estás preparado para morrer?, queres saber. ninguém, nenhum filho da puta está preparado para isso. eu sou e estou como eles. há a fraqueza, a cobardia, a deserção, a doença, o coração, os medos do corpo. decidi não responder-te. vou fingir que estou alheado, levado pelo ofício do cigarro, que aproveito para aspirar novamente. talvez este seja o meu caminho para a suite ómega, não sei. a condenação espera-me, mas admito não comparecer-lhe. bato o cigarro no cinzeiro, a urna cinerária das nossas aspirações naquele momento, o tempo real.

tempo real? todo o tempo é real, sem devolução, sem dissolução. talvez por isso não sei o que fazer agora com a verdade. afinal para que serve?, o engano ainda é opção?

falas-me em prodígios e eu só penso em foder-te, em maneiras de foder-te. prodígios, sim, percebi logo à primeira, estou a ouvir-te com atenção. é mentira, estou a sentir o quanto quero foder-te, agora já sem preocupar-me com a questão dos modos. quero foder-te apenas, combinar o meu corpo no teu, no mal que ambos possam e que melhor sirva o que quero. que quero aqui e agora. eu não sou a Julieta, tu não és o Romeu, este carro não é a verona das nossas famílias, dizes, provavelmente a tentar a minha desistência. eu espero, aviso. entretanto o nosso filho acordou, acodes-lhe. estou a ser sincero, insisto. não estou. está bem, aceitas, sem revelar convicção. hic et nunc, aqui e agora em latim, é onde e quanto quero o que quero, foder-te. não quero esperar. permaneço calado, mas não desistido. a hipótese da satisfação do desejo faz o sangue possante e as vozes dentro calarem-se. torno a escutar a rebentação do mar a frisar o teu discurso. o desejo agrilhoa o corpo à condição de cativo, falido em tudo o mais que não forneça o fim da ânsia, que acaba apenas quando consumida na sua realização. merecemos o êxodo?, pergunto. não consigo disfarçar.

já não tenho a mão no cigarro, matei-o, e estendi-a até a uma garrafa, que abafo nos lábios, para recolher-lhe o conteúdo. ouço-te ofegante. com um braço seguras o nosso filho contra o teu peito, onde ele com a boca encontra um seio e sorve de ti a seiva. vejo mal, a puta da miopia, mas verifico que deixaste cair o outro braço e recolheste a mão abaixo, até ti. masturbas-te. cuspo para fora do carro, passo uma mão pelos lábios. é esta a nossa humanidade, uma parte inteira de tudo, que nos compreende e pela qual nos compreendemos, sem motivo ou consequência. a excitação, a função, a paixão, a prova. não há explicação para a identidade e para a circunstância em que somos. somos a carne lavrada e o nome que a habita. temos o nome de uma alfaia, respondemos-lhe. não adianta desviar o olhar da evidência. tu e eu somos tão fatais quão espectrais. nunca te beijei como agora desejo beijar-te. o desejo não é mal para a morte. encosto os meus lábios aos teus, acolho o bafo quente da tua respiração e os teus gemidos. o nosso filho está entre nós, somos três corpos. por continuar a apertar a garrafa, a minha mão transpira. o nosso filho ama-te, eu amo-te, partilhamos a necessidade. a mesma carne concorre-nos. extasias.

será que já não queres um homem? agora preferes um jockey?, alguém que use gravata, capaz de sentar-se a uma secretária durante o horário de expediente convencional e que saiba fazer fazer downloads, alguém light. gasto, sinto-me assim. para iludir-me escrevo enunciados sem sinopse e depois destruo-os, como fiz com comporta lohengrin e comporta tannhäuser. com cabaret baudelaire também. títulos forçados, copiados ou quase, de que não há vestígio. são a herança que deixo ao nosso filho. beijo-te outra vez. recolho a minha mão da tua face.

à devoção segue-se a desolação. as trevas não são passíveis de devassa. em seu torno a fé continuar a cavar trincheiras e a erguer barricadas, de modo a constituir a guarda e a defesa de nada. sais da atitude em que estiveste, do golpe com que rasgaste a tua a carne. agora são os teus lábios sem comoção, como se a loucura tivesse entregue neles a resposta de depois, o silêncio. chaque fois unique, la fin du monde.*** pode ter sido sugestão apenas, mas quase sou capaz de jurar que tinhas invocado Derrida, a tristeza pronunciada devagar. é preferível não jurar. ou comem todos igual ou não há moral. prefiro que não haja moral, é dieta melhor, mas não digo a minha preferência.

e tu dizes o quê? o suspiro que expeles derrota-te. as canções estão apagadas, as tuas veias estão abertas. conheço o teu silêncio melhor do que qualquer outro, deus incluído, deus o grande, o das revoluções e o da miséria, o de todas as sedes e todas as fomes, o deus cão autenticamente, porque não há outro. quando dizemos amén ladramos baixinho. as orações são ladainhas de canil. e deus enganou-nos tão perfeitamente que duvidamos mais de nós do que dele. puta que o pariu. sal e limão para temperar as feridas, as nossas, antes que cicatrizem.

revejo a sombra a mover a mão do jogador. controlo remoto. recordo o teu gesto, as duas cartas sobre a mesa. é um jogo a perder, se o sangue não é a transcrição das nossas vidas. antes havia aqui um motor a solo, apontas o teu peito, agora há um coração sucata. as mentiras reflectem com outro tom. o corpo sem amor, calafetado em vão. as trevas que infligimos, sem tréguas, sem manhãs, onde voltamos, para perpetuar os acidentes, para escrever as cartas que não enviamos. somos o único nómada que conheço, tento acudir, diferente do tempo. haveremos de voltar.

o mar adiante continua a quebrar. sem adeus. O Marquês
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* verso de “first we take manhattan”, canção composta por Leonard Cohen, editada originalmente no álbum i’m your man (columbia records, 1988).

** verso de “wolfie”, canção composta por Scout Niblett, editada originalmente no álbum kidnapped by neptune (too pure, 2005).

*** título de um livro de Jacques Derrida (paris, éditions galilée, 2003), tradução da edição original sob o título the work of mourning (chicago, the university of chicago press, 2001).


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