A cartilha álacre. A voz do senhor dr. Manuel Alegre é grave, tonitruante. E através dela é muito bem sacado o argumento de autoridade da senectude, andar aqui há mais tempo do que outros e ter lutado pela liberdade durante a noite longa do Estado Novo, quando os outros eram menores ou ainda não tinham sido paridos. A criatura sabe do que fala e, caso seja necessário, versejará sobre o assunto, usando o esquema da rima emparelhada. Mas talvez não fosse mal pensado pôr-se a pensar que, se calhar - porque pode não ser certo -, andam aqui outras criaturas a lutar pela liberdade todos os dias, como o senhor dr. Manuel Alegre alardeia, embora sem o amparo do espectro da sua senectude e a afoiteza que tal espectro lhe garante. Claro que, agora, estes mais novos - e outros - lutam pela liberdade sem falar desde Argel ou em comícios da esquerda não se sabe bem qual, aquela. Pobres coitados. Melhor é que estejam quietos e calados, para ouvirem troar a voz antiga do bardo dos soltos e dos solidários e acenarem a concordância com a cabeça, como aqueles cães que quase já não se vêem na parte de trás dos carros. Cante-se, pois, a uma só voz, a voz do senhor dr. Manuel Alegre, a voz de todas vozes que clamam justiça social e não leram Rawls ou Walzer ou Dworkin. Se alguém quiser igual direito à voz e à autoridade da voz do senhor dr. Manuel Alegre que, antes, envelheça ou vá num DeLorean até ao passado sofrer as agruras que os do contra sofreram no tempo da ditadura. Ou isso ou o silêncio. É mais ou menos a doutrina que o senhor eng.º José Pinto de Sousa também gosta muito e recomenda. Nicky Florentino.